You are on page 1of 33
‘Um dup pereurso, portant: niciar uma leiuracwrada entre a antropologiae 2 filosoi, iformada, por um lado, pelo pensamento amazénico ~ & essencial agui nio per- dermos de vista “os alicerces amerindios do estrutura- lismo" (Taylor 2004: 97) ~ e, por out lado, pelo estrutu= ralismo “dissident” de Gilles Deleuze (Lapaujade 2006. © destino vsado € duplo, ele também: aproximarse do ldeal de uma antropologia enquanto exerccio de desco- lonizara0 permanente do pensamento e propor um outro ‘modo de riaso de concltos que nie o lose", no sen tidohistérico-académico do term. ‘Mas eata-se mesmo, e apenas, no final das contas, de antropologia sociocultural a disciplina de Morgan e Tylor ‘Boas e Mauss, Malinowski e Lik Straus intengio dest ‘ensalo¢prospectiva antes que nostigia. Ele aspraredes- peraralgunspossvels,entever algumat saidas que permi- ‘tam 3 nossa discplina imaginar para si mesma, enquanto rojto intelectual, um desenlae outro que sjamos lige ramente dramiticos a morte por ae 2 osc Perspectivismo Foi em vista de uma tal requaifiago do procedimento an- ‘wopeldgizo que quisemos, Tana Stale Lima eeu, contribulr propondo o conceit de um perspetvsmo amerinio para te- figuar um complexo de ida eprtias exo potencal de perturbagio intelectual ainda no havia sido devidamente preciado (se esta apalavea que convém) pelos especial tas, nfo obstante sa vastssima difisio no Novo Mundo. Ale ei se somaroconceito singpico de multinatwralsm, que apresentavao pensamento merino como um prero {nsuspeito~um precursor sombrio, para falamios conto De lewze~ de alguns programas flosdicos contemporineos, ‘nis agueles que se desenvolvem em tomo de uma tora doe rmundos possives, ou aqueles que sinstalam de da noex- terior das dicotominsinferais da modemidade, om agueles Anda qu, convencidos do fim da hegemonla erlsta que ‘obrigava a encontrar respostas epistemoldgicas para todas asquestes ontolgias vio definindo pouco a poucooutas linhas de faa do pensamento sob novas banderas, como as do realsmoespeculativo ou da “metafisica experimental’ (Os dois conceitremergram ao cabo de uma andise dos pressupostos esmoldgios da "metfisica da predarzo" que acabamos de evoca. Ocorre que essa metaisca, como se foe is er Linn 0rd Car nea, icpenecnen ple sap bt Soren met ‘erunad yoes l aealesares infre do resumo de Lévi-Strauss, tem sua expressio mals patente na alto rendimentoespeculativo das categoria so olga indigenas que denotam a alana matrimonial ‘nomena que traduimos em mais um out conceto, ode “finidade vireul? A afinidade vrtal € 0 exquematsmo ca: racteristico do que Deleuze chamavia a “estrutura Outrem” ‘hos mundos amerindios como tal, acha-se marcadain- delevelmente peo signo do canibalismo, um motivo oni= presente na imagina¢io relacionados habitantesdestes ‘mundos Perspeccivismo interespecifico, multnaturalismo ‘ontolgico lteidadecanbal formam assim os tres vices de uma alterantropologiaindigena que uma ansforma- so siméricaeinversa da ntroplogia ocidental ~ simétrica também no sentido de Latour, inversa também no sentido pur saber eos indignaspossula alma ou no, ests ta- {avam de submerge psonsrs branos, para veri com tase mama longa ecaidadosaobeervao, se sue cadieres podem ou do (Lv Straus 1953 2015364 (© autor vu nesseconfito de antropologias uma alegoria barroca do fato de que uma das manifestagéestpicas da natureza humana € a negisio de sua propria generalidade. ‘Una avareza congénita, que impede a extensio dos pre~ sicados da humanidade espécie como um todo, parece ‘ser juseamente um desses predicados. Em sums, o et20 ‘eentrismo &, como 0 bom senso do qual sea talvee ape- nas expresso aperceptiva a coisa do mundo mais bem comparthada, (0 formato da igo i-straussinaé familiar, mas sso ‘fo a faz menos mordente. Ofavorecimento da propia hu ‘manidade scustas da humanidade do outro manifesta win semelhanga esencial com ese outro desprezade: como 0 fut do Mesmo (do europeu) se mestra Ser 0 mesmo que outro do Outro (do indigena),o Mesmo termina se mos: tuando, sem se dar conta, o mesmo que © Outro. ‘Aanedota claramente fascinow Lévi-Strauss, que ila reconticla em Trstestrépicos. Mas ali ele introduz um to- acne * aque irtnico suplementar, marcando uma diferenga antes {que uma semelhanca entre a partes 20 observar que em ‘suas ivestigagbes etoancropoldpeas, os europeusivoca- ‘vam as ciéncas sis, a0 passo que os indios mostravam ‘maior confianga nas ctnelas naturais;e que enquanto os rimelros perguntavarnse se os fndios nfo seriam meros snimais, of segundos te contentavam em suspeitar que oF ‘europeue pudessem ser deuses. “Dada a igual muita) i nordnc" conclu o autor, alia atitude era mai gna de seresumanoe" 19558 1-3), O que, se & realmente o «2s obriga-nosaconcuir que, a despito de uma igual i norlncia a espeito do outro, 0 outro do Outro nko era ex tamente 0 mesmo que 0 outro do Mesmo, Tavercoubesse mesmo dizer qu era seu exato opesto, no fosseofato de qs, nos mundosindigenas, a rlagio entre eses dois on ‘ro da humanidade a animalidadee a dvindade,€com- pletamenteoutra que aquela que herdamos do cstianiso (O contuste retiric de Léi Strauss ¢efcaz por langar mio denosas hieranuis otolicas, antes que das dos Taino! De qualquer manera fol uma meditaco sobre ese de- -sequllxo que conduit hipéteseperspectvista segundo ices ma i dire Seige onto massers nna nae ‘Dieu qe pan ses needa os copa ‘Aton ern ren! st i Ce emia de Ose psn ae en pa pes pe ‘rong den orn unc em ) pae ae Reta es dom pent pele Ss, ‘Sods pn nn aan nun gu dan ‘Sede deena ens rugs ar man Ses Se dale ga ade cnet ce Las ‘Septet pt orien Papen) * vero cums sieseeinspiecamasd qual os regimes ontoligcos amerindos diverge daque- les mas dfundides no Ocidenteprcisamente no que coa- ceme is funcessemitcasinversasatribuldas 0 corpo e alma Para 0 espanis do inldente das Antithas, adi ‘mensio mareada ea alma; pra os nos, era corp. Por cutraspalavras, os europeus nunca duvidaram de que os {Indios tivessem corpo (os animals também 08 tem) 05 fn- ‘ios munca davidaram de que os europe tivessem alma os animais os espectros dos mortos também as én). © etno- ‘entrismo dos europeus consistiaem duvidar que os corpos, os otros contivessem uma alma formalmente semelhante as que habitavam oe seus prépvios corpor;oetnocentisno amerindlo, a conti, consista em duvidar que outa almas ou espittosfssem dotadas de um corpo materil- ‘mente semelhante aos corposindgenas* ‘Nos temos da seid Roy Wagner ~melansanisa que Jogo vira as revlar um madiador rca para tera do pepsi amserndo na onto-antropoogi eure 0 ‘corpo preci mena do nat odo expontneo (a “natayeza) dmensto que €0 resultado conremetado de una ‘a an ee noe nto rd an ead poh comere ben cun,oancs ana pe al Dorm shen tanner ee ‘ede cnn in of hemi a se de Dretnececga ies ohn, se eo lst aba coined ot ake inca dar sienna she or le oceania) Nd dime ny sae at ea ‘Stet tag como um sno cnc“ eres ‘Stan reser nat ttt oan eh ant Soar roe mas cmpetoh yosesmet operagiodesimbolagio“camenconalzant’ enquantoa alma seria a dimensao construe rato de wma simboizaio “tifrenciant’ que “specifica econeretizao mundo ‘comenconalao waar distngSes radia delincr suas individuals" (Wagner (975) 2010: 86. Nos mundos indgeas a0 convo, a alma experenciada como wna anes. a oder convenconal implica em rods as cola, ela resume a aspector em que seu posuldorésinilar sors (ser), param dos apectose que ele cifere dees (i ibid 120 corpo, ao conei pertencera exer do que ‘stdsob a responsabiidade dos agentes, le € uma das figuras {fandaentais que € preciso consrur contrao rd nae ‘users deur “humanidade manent" tid 4252. im poweasplaias, a pais europea conse em ce alas" (edfenciar cular) paride um frdo corpra-material lado (a natareza api indgena em Jer corpo le Aifrenciar expe) apa de cantina scioesprtual ado desde sempre" no mio, precsamente, como veremas. sistema tebico de Wagner, concezuament dnsoe fortemente orignal, reste awn resumo dddio; exonamos 0 ltoraexperimenta diretamente & invensio da cutis, que contém su exposiso mais elegant. Grosso modo, pode-sedierquea semistica wagnerlana€una tera da rds humana everssmilmentenio:humana) que @ ‘concibe como consistndo na opera recproca erecusiva edo, apenas dois, modos de simbolizasi:()}0 ‘simiolamo convenconalocoleizant eam: tera, “Asano em os Wena set ql oa ‘Mca tend em quo signs s organiza em conestos padronizados (dominios semdrsins,inguagens formset) que ‘contrast com um plano heterogeneo de "referents i ‘em que sd vistas como simbolizando alg de our que eles ‘meamose(2) 0 simballsm diferencanc ou inventivo (também: gurativo, mod em que o mundo de fendmenos “rpreentado pea simbolizasdo convencionalé apreenlido ‘cama consttuido de 'simboos que representam asmesmas, isto de eventos que se manfestam simalaneamente como simboloserfirentes, disolvendo o contrast convenconal Elmporante observer, em primeiro lugar, que o mundo das referents, 0 “el, dfinid por Wagner como um eto seit: euro do sgno um outro sino, dota da apacidade singular de “representa a sims’. O modo de testa das entdades tua enquanto objets ou “oases (Whitehead) € a tutagoria. Em segundo lugar, devese sublinhar que o contaseenr os dois mados € resultado de uma operagao(e uma percep) convencionalizante: ddsingo entre invengdo econvengo€ ela propria ‘eomvencional, mas ao mesmo tempo teda comvengdo produzida por convainvengio. Ese contrast 6 portant, Inernscamente eer, sobretudo se nos damos conta de (que as eulturas humana eiferem fundarsentalence no que di respi a0 modo de simbolagdo que prvlegiam (eonvencionalment) como elemento apropriado para a aro ‘ou ime, reservando o our para a fungi de “dado. As cuturas(s macrossitemas huranos de convenes) se _mento como alimento humano (sjaguares veem o sangue com cere de milho, os urubusveem os vermes da carne podre como peixeassado ete), seus atributos corporsis (pelagem,phamat,garas, bicos te) como adamnos ou ins ‘trumentos culture seu sistema socal como organizado ‘do mesmo mod que as isttugbes humanas (com chefes, ams, estas, tes..)- Aguas preclsbes Sionecessvias. O perspectivismo ra- samente se aplica a todos o animas(além de quase sempre ‘englobar outros sees no minim, os mort) ele parece focalizar mals fFequentementeespécies como os grandes predadoresecariceirs, ais como o jaguar anaconda, 0 ‘rubu ona harpa bem como as press pias dos humanos, ‘como os porcos selvagens, os macacos, os plses, 0 veados ‘uo tape. Com efeito, uma das dimensbesbisicas das in- verses perspectivas dz respeito aos estarutos relatives ¢ relaconais de predadore prea. A metafisin amazOnica da predagio € um contesto pragmiticoe teérico altamente propico a0 perspecivsmo. Iso dito, no exstente que ‘io poss ser definido nos termos relacionas geri de sua posiplo em uma esalarelatva de poténci predatéra. Pos se nem todos os existentes so pessoas defacto, © nto fundamental est em que nada imped (de ie) que ‘qualquer espécie ou modo de ser o sea. Nio se trata, em sma, de um problema de taxonomia, de cassicars, de “eencitncia’ Todos 0 anmais e demas components do ans cn 0 Ca en be ag as ‘Steuer ets de dnd tart ‘cosmos sio intenshamente pessoas, vrtalmente pessoas, porque qualquer um dele pode se revela (se ransformar em) uma pessoa. No se uta de uma mera posibildade 1 sca, mas de potencialidade ontologies A ‘perontude” ea “perspective ~acapacidade de oouparum ponto de vista ~ ‘SSouma questo de gra decontextoe depose, antes que tua propriedade ditintva de tal ou qual espéce. Agus ‘ni-humanos atuaizam esa potencalidade de modo iis completo que outros; certs dees, lis, manifrtan-na com ‘uma intensdade superior § de nossa espécie,, neste sen tido, 20 “mals humanos" que os hamancs (Hallowell 96 69), Alem dso, a questio posu uma qualidade posteriori essencial A posibildade de que um se até enti insignif- ‘ante venha ase revel (ao sonhador, 0 doe, ao sam) ‘como um agente prosopometico capa de aftr os neglos Ihumanos esti sempre aber no que conceme&personitde osseres,aespeiéni,justament, pessoal” é mais deca ‘que qualquer ist tayondmics ou dogma cosmeligio. Nao ‘ng eps cv alm disso, a ontoogia indigena ¢esen- iaimentejrisprudencal, no um cédige normative, Se nada impede que qualquer exstenteseja pensado ‘como pessoa ~ isto &, como manifetagio individual de uma multiplieidade biossocial-, nada tampouco impede que um outro coletivo humana nfo ose, Estas, € i ‘ago usual 2 estan "generoridade” que fz povos como ‘osamazOnicosverem seres humans ocultos sb as formas mais improvives, ou melhor, afrmarem que mesmo seres Dinad sali"OsDntantottama teint vie: ‘earn nares oat Noh ean a ‘ee pense loo ones peer one ta eth ‘os mals improviveis si capazes de se verem come hum ros, acompanha paradoralmente © to falado “eenocen- ‘esma" desses mesmos povos, que negam a humanidade a seus congéneres, por vezes mesmo (ou sobretudo) a seus i- ‘nhos mais préximos, na geogafa como na histria. Tudo se pasa como se, comparadost maturidadecorjosamente desencantada des subios povos europeus, hi multo resig- rnados com osolipsismo efsmico da congo humana ate ruado, é verdad, pela consolago da communitasintraes pecfcanossospovosexéicososcilassem perpetuamente ent dois narisizmos infants: aquele das pequenas die. rengas entre congéneres is veres demasiado semelhantes, ce aquce das grandes semethancas entre espécis is vezes completamente diferentes, Vé-se como 0s outros n30 po- dem ganhar nunca: etnocentrcoseanimistasestio sempre no elemento da desmedid, por fila e por excesso. se fato de que a condigdo de pessoa (cua forma aper- ceptiva universal éaanatomia ea etologia humana possa ser tanto “estendida" a outra espécies como “recusada’ a ‘outros coletvos de nossa espéce sugere, de sala, que 0 ‘conceit de pesoa~ centro de intenclonalidade constituldo por uma dferenga de potencial interna ~ anterior e si periorlogicamente 20 conceito de humane. A humanidade £4 posglo do congener, 0 modo reflexivo do coletiv, ‘come tal édevivada em relagio 3s posigdesprimaias de predadr ou presa, que envolvem necessariamente outros coletivos,outras multiplicidades pessoais em situapio de aleridade perspectiva™ A semelhanga ou congeneridade ‘tama dod is ti eli ‘eden erm ang pean papas eta « surge por suspensio delberaa, soialment produzida, de uma difereng predatéra dad; ela nio a precede." E nisso preclsumente em que consis o processo do parentesco amerindi: 2 “reprodugio humana" & uma establizagdo in tensvadapredaeto, seu inacabamento delberado 30 mada do famoso “plat continuo de intensidade”proposto por (Gregory Bateson como caraterstico do ethas do pow de Ball" conceito que iaspirou os “mil plat" de Deleure€ GGuattari, Em um outro texto de Lévi-Strauss que watava, rio por acas, do canibalismo, esa idea da semelhanga ‘como decaimento de um potencial de diferengarecebeu ‘uma formulagio especialmente adequada ao perspecti- smo amerndio (© problema do caittsmo J nfo consstia mais ines: tiga oporgut do costume, mas, 0 contd, o modo plo qua surges lite nfo da pred ua ee gue vid social (Lt Strauss 984144, 0 nosso) (© que nto senéo uma aplleagio do preceito estrus, clissico, segundo o qual "a semelhanga no existe em sea tia te tan‘ ees nao vet ‘en nce ppt uo io cme ate en ‘sun qurcome pregame Seman {scfm 2 cmp mig Seda ct tn el ‘Shear inde emo edn ec ‘nn cpa der megabit ‘cam tara pans cn naecocono np | Tra tocar too Yee Cae soe 14 Us ard ba canis he Laps ‘no poss de um caso particular da dferenga agueleem que adiferenga tendea zero" (Lévi Strauss {i971} 2011 3)" Tudo ‘est bem entendido, no verbo "tender Peis, como observa ‘autor, a diferenga “amas s anula completamente’. Po vvengbes do segundo, ¢escolher uma solusio demasiado ‘iil epolicamente inigua - para determinar a com: plexas elagBes de ransformacio que permitem passer de ‘um ao outro. Tal faciidade explicativa termina produzindo toda sorte de complicagdes, pols ese pretenso monismo ‘ntolgico costurna pagar-se por uma emisioInflacions- ‘ia de dualismos epistemolégicos~ “tmico"e "eo", meta {ic ¢ litera, consciente einconsciente,representagio € realidad, uso e verdad, e por ava. Tas dualismossio valentes nem independents. A primeira dela, habieual- ‘mente elogiaa por permitir uma trangulagdoobjetivante do pas de deve imaginiro do Eue do Outro (que marcaria a segunda operagio),e dar assim acesso a propriedads intel- ramente atnbulves ao observado, é menos inocente ou ef- cazdo que parece. Eisafum tlingulo que no é realmente triangular: 2+ 1 nfo fazem forgoramente Pos é sempre 6 antropélogo (0 "1" que define os termos em que duas fou mais culturas alheis sua prépria, fequentemente alhelas nei sho posta em relao. Quand ele compara 10s Kachin com os Nuer, noo fer a pedi nem dos Kachin nem dos Nuer; que ele fez, via de rega, fol desaparecer

You might also like