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O eleitor brasileiro será questionado por meio de referendo se "o comércio de armas de
fogo e munição deve ser proibido no Brasil". Para votar com consciência, é importante que o
eleitor reflita sobre os interesses que estão por trás do desarmamento. Como meus leitores são
muito heterogêneos e não quero desapontar nenhum deles, relacionei abaixo minhas sugestões de
votos para o referendo de acordo com os interesses de 4 grupos possíveis de (e)leitores.
O primeiro e mais visível interesse que está em jogo neste referendo é o da indústria
armamentista. É claro que não se cogita aqui de interesses "menores" na lógica capitalista de
mercado como segurança pública, paz social, integridade física ou outras abstrações do gênero.
Tudo que interessa a uma empresa de sucesso é o lucro. As guerras, a criminalização das drogas e
a violência urbana movimentam a economia e geram empregos. O que são algumas mortes, pelo
bem do Brasil?
2) "cidadão-de-bem-que-perdeu-a-cabeça-após-descobrir-que- a-mulher-o-estava-traindo":
é outro espécime que adquire armas tão-somente para a defesa de sua vida e de sua família.
Normalmente é bastante dócil, mas pode se tornar agressivo quando descobre que sua esposa está
tendo um caso com o Ricardão. Ainda que porventura mate sua mulher, seus filhos e em seguida
se suicide é apenas um "homem-honrado-que-perdeu-a-cabeça-em-um-momento-difícil". Não
fosse a arma de fogo talvez tivesse somente espancado a mulher ou, no máximo tentado matá-la
com uma faca. Como tem bom coração, se visse o sangue de sua amada escorrendo em suas
mãos, certamente se arrependeria e a levaria ao hospital mais próximo a tempo de evitar o
desfecho fatal.
3)"cidadão-de-bem-que-defende-a-sua-propriedade-de-sem-terras": é um espécime de
"cidadão-de-bem" que habita áreas rurais. Não é propriamente pacífico, mas só age quando
injustamente provocado e nunca mata outros "cidadãos-de-bem", mas apenas
"marginais-comunistas-do-MST" que tentam injustamente invadir suas terras.
Resistem a tiros às prisões, trocam tiros com outros traficantes na defesa de seus pontos,
chegam a matar policiais para roubar-lhes seus fuzis, mas temem as armas dos
"cidadãos-de-bem". Afinal, o bem sempre vence o mal.
Com o desarmamento qualquer revolverzinho 0.38 terá que ser importado ilegalmente, o
que pode gerar escassez do produto mesmo no mercado paralelo. Junto com a escassez,
certamente haverá aumento de preços. É possível, pois, que haja uma "involução" no espécime
dos "marginais" e muitos deles voltem a atacar com facas e outros instrumentos primitivos,
tornando-se presas fáceis até mesmo de simples lutadores de jiu-jítsu.
Por fim, mas não menos importante, o desarmamento interessa a quem não é fabricante ou
comerciante de armas e não deseja adquirir ou portar uma arma, seja legalmente ou ilegalmente.
Em suma: à maior parte da população; às vítimas não só dos marginais, mas também dos
"cidadãos-de-bem" em momentos infelizes; àqueles que se sentem mal somente com a
proximidade de uma arma de fogo, seja na mão de marginais, "cidadãos-de-bem" ou mesmo da
polícia.
Sobre o autor
Túlio Lima Vianna
E-mail: Entre em contato
Home-page: www.tuliovianna.org
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº842 (23.10.2005)
Elaborado em 10.2005.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado
em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
VIANNA, Túlio Lima. [sim] A quem interessa o desarmamento civil? . Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 842, 23 out. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7476>. Acesso em: 14 jan. 2007.