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Edict Rozsknis Pere Redacto Final Peter Hai Rodacio Kees Bade, Wendaljo van den Ba, Arwen Gerrits Huge van Hooreweeghe, Peter Huy, Hans Feter Know. Frans Spskman, Anneke Stokonan-Griever Gerreke Ulge, Lex van den Bul Diagramacso Stud var Hamelin, Secretaria Kees Bode, Gorreke Use Redacio Pentagram Maartensckseweg | NLI723 MC Bilthoven, Pates Baxos e-mail: ifo@rozekruspers com Edicto brasileira Pentagram Publicages worw:pentagramaorgbr Administraco, assinaturas e vendas Pentagrams Pablagsee (CPostal 39 13.240-000 Jari, SP uros2pentaprama orgbr asinatras@pentagrama.rg br ‘Asseatura anual RS 8000 [Numero avuico: RS 16,00 [Nuimeres de anos anteriores R$ 8.00 Responsivel pela Edico Brasileira ‘Adana Ponte Coordenacso, traducio € revisio ‘Adana Ponte, Emanvel Saraiva, Leonel Olvera Rosana CGiento, Thema Prete, Denson de Sone de Jess, Leice Novaes, Letina Gil Marlene Tuacek, Marcia Mora, Mere Rocha, Rosanna Ruetinger Saka CCachemail, Sérgio Omir, Sane Okveirs, Cuda Moraes, Fernand Late, Francica Luz oo Batista Port, Josefina de Lima. lino Mover Lie fred Pini, Maria Dee de Oliveira, Marcio Mendonca, Marcut Mess, Roquelelic Luz Diagramacio, capa e interior Dims Santos Lectorium Rosicrucianum Sede no Brasil ua Sebastive Carneiro 215, Sdo Paulo -SP Tel & ae (1) 3208-8682 vrwwcronacruzauresongbe infoBresscruzauresorgte Sede em Portugal Travessa das Pedras Negra, | "Lisboa wrwcroscrislectoriam.ong scolairosacruzaureaore © Stichting Rozehruis Pers Prods qualquer reprodugo sem autorzagao prévia por esto Issn 16772253 Revista Bimestral da Escola Internacional da Rosacruz Aurea Lectorium Rosicrucianum A revista pentagrama dirige a atencio de seus lei- tores para o desenvolvimento da humanidade nesta nova era que se inicia. O pentagrama tem sido, através dos tempos, 0 simbolo do homem renascido, do novo homem. Ele é também o simbolo do Universo e de seu eterno devir, por meio do qual © plano de Deus se mani- festa. Entretanto, um simbolo somente tem valor quando se torna realidade. © homem que realiza © pentagrama em seu microcosmo, em scu pré- prio pequeno mundo, esta no caminho da trans- figuracio. A revista pentagrama convida o leitor a operar essa revolugao espiritual em seu proprio interior. pentagrama ano 36 2014 nimero 1 No contexto da Rosa-Cruz, a arte ¢ essencialmente “Alquimia” - forma de arte que exige o mais alto nivel de sabedoria e habilidade: filosofia pura, pratica espi- ritual pura e modo de vida integro, os trés em um. A alquimia é uma arte simbdlica que no requer por parte do praticante nada mais do que os elementos que ele retine em seu mundo interior: Seus conhecimentos provém dos dois mundos, no interior dos quais sua vida acontece. Um deles é conhecido; 0 outro, ele ainda nao vé, mas 0 sente como uma nova esfera de vida. Quanto a0 fogo necessirio, a energia que existe nele Ihe € for- necida por meio de seu profundo anseio, sua aspiracao pelo Espirito Este numero da revista pentagrama vai permitir que © leitor se aprofunde nas correlagdes entre arte, ciéncia € religido, de acordo com a acepedo prépria dos rosa-cruzes. Além disso, ele poderd ver esbocada a obra de Hilma af Klint, pioneira espiritual de um século atrés, inspirada pelo mundo do abstrato e também pela doutrina teoséfica e forcas espirituais que a animavam. E agora, em nossa época, podemos apreciar e com- preender melhor a sua obra ‘Aurora Nascente Uma das mais antigas representacSes de Hermes, a aurora que se eleva do Yas hermeticum (0 vaso hermético). Berlim, cerca de 1510 a realidade da luz... ¢ uma cangio de leonard cohen 2 calar-se diante do indizivel? 10 hilma af klint. 0 mundo esta amadurecido para sua arte 14 © mundo magico de hilma af klint 20, 21, 37, 50, 53 a esséncia da arte 22 a sabedoria rosa-cruz de pekka ervast um impulso da fraternidade na finlindia 38 geleia de frutas 44 marco aurélio, © imperador filésofo de roma 46 a realidade da luz... Qual sera, ainda, o papel do museu nos dias de hoje, quando as pessoas podem ver de tudo, agora mesmo, em seu PC, seu iPad ou seu celular? Que arte ao vivo pode com- petir com as cangdes de Leonard Cohen ou com a Orquestra Sinfénica de Berlim? O que ainda pode significar 0 solo de um violoncelista amador comparado as sonoridades refinadas e artisticas perfeitamente executadas e registradas pela industria musical? mesmo acontece com a luz: ela foi “absorvida, engolida” pela elite das organizacées, pelos conferencistas, os illuminati, os gurus do mundo inteiro e de to- das as partes. Essa é uma das razées, aliés, que impede muita gente de se interessar por ela € de refletir sobre ela. Além disso, o tema atrai muitas pessoas que, na realidade, se esquecem de viver. Escutar conferéncias e escritores & a desculpa que permite que se calem e evita que deem seu testemunho — ou seja: que estejam em unidade. Sao imimeras as pessoas que esto em busca da luz. O mundo inteiro fala sobre ela. Mas a luz ndo se deixa aprisionar em palavras: ela nio pode ser lida, ela nao se fixa em lugar algum. Sera que poderiamos canta-la? Parece que Leonard Cohen tenta fazer isso. A cangio Going home (Voltando para casa) fala sobre a Inz que o encontrou — vejam bem: nio foi ele quem a encontrou! A musica expressa subs- tancialmente 0 quanto a luz é amigivel, cheia de amor. Ela diz: “Ah, eu gosto bastante desse Leonard! Um cara legal, com um jeito de pastor. Claro, ele & preguicoso ¢ bem fraqui- nho, mas, que seja: ele faz 0 que eu The peco, mesmo quando nao tem vontade. E incrivel!” Ao mesmo tempo, essa cangio fala a resp to de sua vida de septuagenario em Baldly, ao norte da California. Em uma entrevista, Cohen salientou: “Acho que vivemos em uma época miseravel, numa crise moral em que nem a literatura nem a missica respon- dem as nossas expectativas. Estou vendo um 2 pentagrama 1/204 aaa .. @ uma cancdo de leonard cohen As pessoas ja nao querem uma arte que nao tenha nada a ver com a vida delas maremoto de proporcées biblicas que se er gue dentro de nés e fora de nés, e que causa desgastes principalmente em nosso interior, mas que se expressa cada vez mais na real dade cotidiana exterior. Uma onda gigantes- ca, que obriga todos a se agarrarem - cada um de seu modo ~ e nao importa qual galho ou caixa de laranja trazidos por essa torren- te impetuosa que engole todos os pontos de referéncia e tudo o que trazemos dentro de nés. No entanto, mesmo nessas circunstaén- cias, as pessoas continuam a defender suas posigdes como “progressistas” ou “conserva- dores”. Acho que os homens estio completa- mente doidos!” © mesmo fendmeno pode ser notado no mundo da arte, dos muscus. As pessoas ja no querem uma arte que nio tenha nada a ver com a vida delas. Por qué? No jornal De Groene Amsterdammer (O Cidadio Verde de Amsterda), Anna Tilroe escreve: “Muitos di- retores e curadores nao sabem como reagir a essa nova tendéncia. Uma atuagao mais aber- ta, mais atual, exige que os museus abando- nem suas diretrizes artisticas tradicionais e, principalmente, que revejam o conceito de “arte independente”, um valor inaliendvel, apartado do mundo, acabando, desse modo, com 0 poder absoluto dos iniciados ~ 0 que 4 pentagrama 1/2014 justifica a enorme desconfianga de uma socie- dade profundamente individualizada”. Talvez a opinido do compositor Merlijn Twaalfhoven no jornal NRC Next possa nos trazer uma resposta. Ele ndo se considera um compositor, mas sim um pensador de aconteci- mentos sonoros que tornam a vida mais palpa- vel. Esse homem compés, entre varios outros, um concerto que gregos e turcos executaram juntos em Chipre, cada um do respectivo lado do muro que os separa. Em Jerusalém, cle organizou concertos em domicilios, de modo que as pessoas pudessem esquecer por um mo- mento suas diferengas ideologicas. “Tocar as pessoas em suas esséncias obriga-as a se conectarem, a assumir riscos.” Nao & disso que se trata? Cada aspecto da sociedade & ‘individualizado’ e levado ao seu limite - a ponto de ultrapassar os limites do que pode ser administrado. Veja-se os bancos, a indiis- tria do petréleo, os governos, a area hospitalar € até mesmo os setores da ecologia, da comer- cializagao justa, do desenvolvimento pessoal. Tudo pode ser considerado um alvo. Falta uma ideia global, um padrio de referéncia que for- nega um rumo a ser seguido. ‘As conferéncias internacionais, as Nagées Unidas, as reunides de dirigentes, todas elas tentam melhorar 0 conjunto: ora, parece que todos esto construindo sua propria Torre de Babel a fim de nao perder 0 apoio de seus partidarios. E o mesmo fenémeno pode ser encontrado no mundo daqueles que querem espalhar a luz! Suas intengdes nao sio tio boas? Nao é necessario fazer reuniées, prepa~ rar-se, fazer festas, refletir, meditar? Durante uma entrevista, Cohen ressaltou: “O pecado do orgulho torna-se manifesto porque pensa- mos secretamente que somos os comandos do mundo espiritual: que somos mais aventurei- ros, mais audaciosos, mais corajosos que os ou- tros”. No texto citado logo adiante, ele afirma que aprenden sua ligo: ele deixa que a luz fale. “Ele faz o que eu Ihe pego, mesmo quan- do nio esta de acordo, porque ele no tem o direito de recusar. Ele iri falar e suas palavras expressaro a sabedoria de um homem que tem uma visio, mesmo que cle nao passe de um simples canal de comunicagio. Leonard esta voltando para casa - pelo me- nos é 0 que ele diz na cangio. Sem nenhum peso sobre os ombros, sem carma, tranquilo. Talvez amanha, 14, tudo seja melhor do que antes. Ele bem que gostaria de escrever mais uma cangio sobre o amor, sobre o perdio, ou sobre 0 fracasso: como um grito que ultra- passe todo e qualquer sofrimento, um sacri- ficio que curaria tudo... Mas, nao! Para isso, a luz nao precisa dele. A luz quer liberti-lo, fazé-lo compreender que nio carrega ne- nhum peso, nao necessita de visio, mas, sim, precisa fazer © que Ihe @ pedido: servir os outros, partilhar, transmitir 0 que a luz Ihe oferece. Momento crucial em que o orgulho se transforme em auto-entrega, em que mais nenhuma ideia pessoal intervenha. Fazer 0 que é necessario, com toda a simplicidade, servir os outros. Nao é dificil. Mas como & profundo! Realmente nio tem limites. Afinal, qual € 0 significado de termos sido criados? Ser ou existir sem mais nem menos? Compreender que nao temos necessidade de ser © que quer que seja para encontrarmos a luz? Aspiramos a unidade com Criador do Uno para nos conectar uns aos outros no presente, em uma energia viva, compreenden- do que nio existe nenhuma separagio entre 0 Criador e nés. E compreender que a vida que nos é dado viver é sempre impulsionada pelo alento, pelo sopro do Criador. Viver essa auséncia de separagio leva-nos a uma visio de mundo completamente nova. E como ela é especial! De repente, nés nos conhecemos uns a0s ontros. E conhecemos como somos conhe- cidos! Tudo o que & “pequeno” se desliga de nés: nado porque nos tornamos seres extraor- dinarios, mas sim porque, conscientemente, partilhamos 0 Uno. Uma vez que 0 tinico Criador esta inteiramente em todos, essa uma experiéncia realmente espantosa! E que ja nao se trata de uma consciéncia parcial. Descobrimos que todas as esferas de vida for mam uma unidade. Percebemos que todas as esferas de vida, todas as areas da vida, todos ‘os continentes ¢ até mesmo todas as esferas arealidadedaluz 5 planetarias formam uma “Terra”, um cosmo solar. E essa unidade se estende mais ainda: muito além, até 0 cosmo longinquo que, nesse estado de consciéneia, nos torna literalmen- te familiares — esse estado de consciéncia é 0 nosso campo de respiragio. Essa unidade se estende do passado mais re~ moto até o mais distante futuro que possamos imaginar. Assim que estivermos conscientes da unidade de todas as formas de vida, percebe- remos com lucidez que a vida serve somente para nos tornar conscientes dessa unidade: a unidade com 0 imico Criador do Todo, a unidade que pertence a Ele. Estimulamos essa consciéncia unitiria quando nos colocamos a servigo dos outros — 0 servico aos outros, exatamente como a Terra, que esti a nosso servigo, oferecendo-nos tudo. Ou como o Sol, que se doa conscientemente, irradiando calor vital, gléria ¢ beleza ilimitados. Cada folha de outono é um testemunhe disso. Cada sorriso. Cada olhar divertido de uma crianga. Sejamos licidos: € muito bonito sentir que cada vida é iinica e indivisivel, mas tanto dentro de mim como na rela¢io com os outros nio consigo ser. Pois nao é verdade que sou muito mais uma contradi¢io, um polo que se opde aos outros, um polo oposto do Uno? Vocés ja viram 0 sorriso de um raio de sol brilhando sobre uma extensio de agua, 0 gracioso reconhecimento de uma ondinha que se viu ligeiramente aquecida? Os dois estao ca- minhando para se transformar em vapor! Tudo est a servigo do Todo e todos estio cada 6 pentagrama 1/204 vez mais conscientes de sermos “Um” com Criador. E, se estamos em unidade, somos criadores de nosso destino, de nosso caminho de experiéncias. Um véu esconden nosso co- nhecimento e nos fez perder nossa consciéncia do Todo. Mas nos foi dado algo mais: saber que a onisciéncia existe! Um dinamismo, um impulso, uma paixio tomam conta de nés. E, depois, alegria e sofrimento, suor e ligrin mas também uma satisfagao inimaginavel! Recebemos um processo de desenvolvimento € um corpo espléndido. Mesmo que esse corpo possa provocar um sofrimento intenso, esse so- frimento passara! Vivenciamos o milagre mais sublime: a matéria animada. E, sim, 0 milagre somos nds! No decorrer dese processo, o Criador aprende a Se conhecer. E ai esta o verdadeiro auto- conhecimento! E esse milagre causa outro milagre ainda maior: esse véu que, por al- gum tempo nos separa da onisciéncia é uma béncio. A vontade egocéntrica pode, assim, com toda liberdade, sondar, conhecer ¢ orien~ tar-se a respeito da onisciéncia e, totalmente consciente, integrar-se a ela. E isso é 0 que ha de mais essencial na criagao: o livre arbitrio. Nada é criado sob coergao. O livre arbitrio para amar ou odiar esta na base da criagio e nos é ofertado pelo amor universal. Vamos refletir sobre isso, agora, em paz, alegre e profundamente. © Uno nos aben- soa com vida ¢ amor. E no templo grego de Philae, consagrado a isis, vemos como ela der- rama sobre o candidato — 0 jovem rei — uma as, torrente de simbolos da cruz ansata da vida (a cruz dnkh dos egipcios). O jovem rei — que é a alma ~ encontra-se na realidade da luz, na divina corrente da Agua Viva. Para nés, ele expressa unicamente a alegria, que nos inspira um imenso respeito por essa dimensio sagra~ da, revelando em nés a nostalgia ¢ a intuiga0 = efeito que nenhuma egiptologia cientifica poderia apresentar. Sem divida, perdemos uma curva do cami- nho de nosso vir-a-ser conscientes. Perdemos nosso livre arbitrio, que nos permitia escolher em que mundo poderiamos nascer. No fan- do, quem conhece as regras do jogo? E sera que elas mudaram? Que impasse! Uma nova dimensio nos ensina que as regras do jogo en- volvem 0 coracio. Ousemos “pdr as cartas na mesa”, e nos empenharmos com todo © nosso ser, tornando-o sensivel ao proximo no jogo da existéncia. Nao importa o jogo que vocé joga: eu 0 acolherei com amor, amizade e boa-vontade. Partindo de todas as aparéncias, precisamos fazer que a situagio “volte”, como nos ensina Hermes Trismegisto. A Inz nao é uma realida- de longinqua, em um reino imutivel: ela esta aqui, ai, em vocé, em nos. Esta ¢ uma caracteristica do aluno da Escola da ‘le vive no meio do mundo e, no entanto, ele nio faz nada para ser notado. Ele est conectado com todos, mas trabalha com as energias de uma nova dimensio. Transparéncia, aspiragio, pureza moral, devocio e amizade sio, entre outras, algumas de suas caracteristicas. Rosacruz Aure: Going Home / Leonard Cohen love to speak with Leonard He’s a sportsman and a shepherd He’sa lazy bastard Living in a suit But he does say what I tell him Even though it isn't welcome He just doesn't have the freedom To refuse He will speak these words of wisdom Like a sage, a man of vision ‘Though he knows he's really nothing But the brief elaboration of a tube Going home Without my sorrow Going home Sometime tomorrow Going home To where it's better Than before Going home Without my burden Going home Behind the curtain Going home Without the costume That | wore He wants to write a love song An anthem of forgiving ‘A manual for living with defeat Acar above the suffering A sacrifice recovering But that isn't what I need him To complete | want him to be certain That he doesn't have a burden That he doesn't need a vision That he only has permission To do my instant bidding Which is to say what I have told him To repeat arealidade datuz 7 Desconfiem das teorias que nos impedem de ver com o coragao, tantas vezes colocado de lado por esse “respeito ao saber” Desconfiem das teorias que nos impedem de ver com 0 coragio, tantas vezes colocado de lado por esse “respeito ao saber” que, nesse caso, fica deslocado. Desconfiem das iniciagdes, pois todos sao iniciados pela vida, pela realida- de de hoje! Vamos seguir a senda! E 0 que dizer da importincia do templo?. Quando as sete velas sagradas do candelabro estado acesas? Jesus dizia: “Nos céus 0s passa~ ros vos precederam e na Agua os peixes”. E no devachan, os anjos, os tronos ou os serafins. Pois a luz e a confusio ndo caminham juntas, nem a luz e as aguas turbulentas do egocentris- mo, nem a luz ¢ os impulsos de um coragio em trevas. Mas quando nos é dit “Elevai-vos! Abandonai o pasado! Conhecei, pois, a luz!”, escutemos com toda a inteli- géncia de nosso coragio ¢ nos abramos a esse chamado. Nada mais nos é pedido. (Ora, agora se apresenta a nds a seguinte ques- to: precisamos, antes, vencer nossas emocées negativas, nosso caos emocional, nossos pensa~ mentos tortuosos etc.? Quem conseguiria fazer isso sem precisar amputar a metade de seu ser? Quem poderia, entao, ainda existir? Nao. Se quisermos alcangar tanto a claridade quanto as solucdes e a realidade da luz, entio precisamos amar a luz! 8 pentagrama 1/2014 “Conhecei a luz e amai-al”, diz Hermes ‘Trismegisto. Na luz, tudo fica transparen- te, e as Aguas turvas tornam-se claras como torrentes. Entao, oxigénio e Inz. podem nos reanimar. O milagre do Eterno esta aqui, no ser huma- no. Ele nos perpassa e nos envolve. E 0 maior milagre: um milagre que jamais vimos. Nao olhemos para o que é temporal; enxerguemos © novo! Nio olhemos para a pessoa diante de nés, com seus pensamentos, temperamento e sangue. Olhemos para novo homem den- tro dela, pois “Aquele que nio conheceis esta entre vos”. E, como é dito no Evangelho dos Doze Santos: “Se vistes 0 vosso irmio ¢ sentistes 0 seu amor, vistes entio 0 Pai, e se vistes a vossa irmi ¢ sentistes 0 seu amor, vistes entio a Mie. Longe ou perto, o Santissimo conhece os seus; sim, em cada um de vés a Paternidade e a Maternidade podem ser vistos, porque 0 Pai e a Mie sao Um em Deus.” Voltemos ao nosso assunto. Se 0 céu nos é ofe- recido, nés o recusamos porque nao sabemos © que fazer com ele. Por outro lado, conserva~ mos sua luz ~ a fé na sagrada forca do amor. ‘Vamos tentar nos aprofundar nessa ideia, pois ai se encontra 0 novo pensar! O Livro da Sabedoria nio diz: “Nao sabeis que vosso corpo é 0 templo do Altissimo?"? Pois entio: aqui, somos indispensaveis! Nosso céu esta exatamente onde estamos. O Criador priva- ria alguma tnica parte de sua criagio de Sua presenca irradiante, do brilho de seu ser? Nao acreditem nisso: pensem a luz e ela sera! Fagam como o Criador: ele pensa e simples- mente isso acontece! Ele nos retine a todos em sua luz, em sua gloriosa presenga sétu- pla. Ele nos retine a fim de que possamos contempli-lo o mais rapidamente possivel, e como convém. J. van Rijckenborgh assim expressou essa verdade: “O que da a onda de vida humana seu lugar especifico no Universo? O veiculo fisico! Ele nos distingue dos anjos ¢ arcan- jos. O corpo é © que ha de mais sagrado, apesar do fato de ser perecivel. Nao busca- mos a iniciagio fora do corpo, mas sim den- tro dele. Nos a buscamos no corpo e com um corpo perfeitamente consciente: alme- jamos a consciéncia superior, a comunidade dos libertos ¢ a vida imortal. Nao separamos © perecivel e 0 imperecivel: nds os unimos intimamente. (..) Realmente: o perecivel é convidado a se tornar imperecivel e 0 mortal, imortal. Buscamos a iniciagio naquilo que & profunda- mente humano, naquilo que é essencialmente humano: na manifestagao fisica. Conquistamos © reino com forga, a fim de estender para nos- sos irmios e irmis os frutos da vitéria”. (J. van Rijckenborgh, A iniciagao, ontem ¢ hoje. 1939) @ Voltando para casa/ Leonard Cohen Gosto de falar com Leonard Ele é um esportista e um pastor de ovelhas, Um cara preguicoso Que vive dentro de um tern Mas ele realmente fala 0 que eu Ihe digo Mesmo quando nao esta de acordo. Ele simplesmente Nao tem liberdade para recusar. Ele dird essas palavras de sabedoria Como um sabio, um homem de visio Embora ele saiva que nao é nada: Apenas a breve elaboracdo de uma cancio de sucesso. Voltando para casa Sem minha tristeza Voltando para casa Em algum momento amanha, Voltando para casa Onde tudo é melhor Do que antes. Voltando para casa Sem meu fardo. Voltando para casa Por detrés da cortina Voltando para casa Sem o uniforme Que eu usava Ele quer escrever uma cangio de amor, Um hino a0 perdao, (Um manual para conviver com a derrota, Um grito que ecoe acima do sofrimento A recuperacio pelo sacrifcio Mas nio € isso (Que eu pego para ele fazer Quero que ele tenha a certeza De que no estd carregando nenhum fardo E de que nao tem necessidade de ter uma visio De que ele tem somente a permissao De executar meu pedido imediato De contar o que eu Ihe pedi Para repetir arealidadedaluz 9 calar-se diante do indizivel “E impossivel expressar a verdade eterna na sua totalidade. Ela no pode ser comunicada boca a boca. Nenhuma pena a pode descrever. £ absolutamente impossivel, mesmo para o mais alto iniciado” fala ¢ 0 siléncio mantém um relacio- namento sutil, complexo e paradoxal. Alguns siléncios expressam ¢ geram profinda harmonia, comunhio. Com palavras vazias, podemos causar mal uns aos outros. Em muitos textos sagrados e seculares, de todas as culturas, inimeras odes cantam, profusamente, louvores ao siléncio, expressando a relativida~ de da palavra ou sua inutilidade. No entanto, outros, ao contririo, celebram o falar. Culturas passadas e presentes transbordam palavras sagradas de todos os tipos: palavras, palavras, palavras... como se nosso ser e nossa propria existéncia dependessem disso Recuperados da surpresa causada pelas raja- das de luz recebidas, alguns pesquisadores nio conseguem parar de tagarelar; alguns com cuidado e sobriedade, fazendo rodeios e refe- réncias vagas; outros ainda extasiados como na relagio direta com Deus, ignoram o conselho do Eclesiastico: “E apliquei o meu corago a esqua~ drinhar, ¢ a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ‘ocupagdo que Deus deu aos filhos dos homens”. E também: “Quando apliquei o meu coragio a conhecer a sabedoria, ¢ a ver 0 trabalho que se faz sobre a terra (pois homens ha que nem de dia nem de noite conseguem dar sono aos seus othos), entdo contemplei toda obra de Deus, € vi que o homem nio pode compreender a obra que se faz debaixo do sol; pois por mais que homem trabalhe para a descobrir, no a achara; ‘embora 0 sabio queira conhecé-la, nem por isso a poder compreender.”* 10 pentagrama 12014 Os buscadores, entio, tomam da palavra ¢ co- megam a escrever. Com delicadeza, Inayat Khan mostra a impossibilidade — ou a possibilidade — da tarefa: “O mensageiro deve tentar dar ao mundo © oceano inteiro em uma garrafa.”' A crianga que quer esvaziar 0 mar com uma colherzinha em um buraco na praia, mostra ao “Agostinho em nés”, © resultado esperado. Todos os que procuram expressar 0 verdadeiro batem contra esse muro, 0s termos faltam, as palavras nao estao 4 altura on vice-versa, ¢ 6 0 mesmo: sempre mais palavras para dizer menos. Fazer “a” grande pergunta seria um esforco vio? Nio é verdade que sempre ber como resposta uma palavra, um simbolo? Sera que o Outro nao encontra vaga alguma na hospedaria da linguagem? Nao é verdade que a lingua sagrada esta impregnada no real, pelo menos nas entrelinhas? E seremos capa- zes de perceber isso? Realmente conseguimos compreender que “a Palavra perdida surge detras do método, detras da linguagem sagra- da, detras da conscientizagio filoséfica”*? Ou entdo somos seres que tém olhos para ler mas nao lemos, mesmo quando somos advertidos: “Leia! Mas ai nao esta o que é dito”? Quando as palavras se transformam em chaves? Falar e escrever sobre “Isto” cairia sempre no vazio € seria sempre em vao? Busto de lutador colombiano muisca, lignata- rio, proveniente de uma estatua de quase um metro, datada de aproximadamente 1200 a 1600 a.C. Realizado em terracota (National Museum of the American Indian) Vasilhas dos povos ancestrais. National Museum of the American Indian L found the words to every thought, I ever had — but One. (Encontrei palavras para cada pensamen- to que ja tive — menos Um.) escreveu Emily Dickinson. Essa observagio prova que ela estava consciente da existéncia de um pensamento inico: daquilo que ela nao conseguia expres~ sar em palavras. No entanto, em um “estado pré-linguagem”, ela o conhece em algum lugar, internamente. Mas, um pensamento sem pala- vras... isso é possivel? Conseguimos pensar sem a linguagem? “Encontrei palavras para cada pen- samento, que ja tive - menos Um”. Nao ha um ditado que diz “Deixe que as letras falem sobre © espirito”? Nao literalmente, mas sim como uma sugestio intuitiva de uma sensagio, de uma experiéneia, de uma lembranga do divino? 12. pentagrama W2014 Sem jamais poder exprimi-lo... 0 buscador nao consegue silenciar Seria possivel, realmente, entrar em contato com a linguagem sem fazer uso dela? Ou em outras palavras: existiria, para o Indizivel, uma nova lingua, auténtica, silenciosa, sem palavras? Uma linguagem que ressoa em torno, acima, abai- xo, entre e além das palavras? E como podemos aprender essa linguagem? Ou sera que ja a conhe- cemos? Entdo, nos esquecemos dela? “A Palavra esquecida é um estado de ser”,’ Precisamos somente nos lembrar dela? E essa linguagem nio € a nossa verdadeira lingua mic, falada na Casa do Pai? Mestre Eckhart escreveu paginas e paginas fa- lando e pregando incansavelmente, sem querer dizer qualquer coisa sobre Deus mesmo. Lao Tsé dedica a ele oitenta ¢ um versos, mas desde o primeiro verso 0 chamou de “o Inexprimivel”. E Rilke escreveu: “Acredito em tudo o que nao foi dito”. Ai esté uma aparente contradigao que a humanidade vivenciou, em todos os tempos em todos os lugares, ao se aproximar com todas as suas ferramentas linguisticas para descobrir as coisas sagradas, aprofundar-se nelas e recebé-las. © homem, destemido ¢ incansivel, atormentado por seu desejo mais profimdo, procurou e ainda procura, em vio, a verdadeira Palavra de Deus para finalmente evidenciar, esclarecer ¢ expressar ‘© que esti mais perto do que mos e pés, mas que nao é deste mundo. Embora a fronteira entre a lingua morta c a lingua viva seja bem estreita, ¢ mesmo que isso signifique perder algo ao des- crever ou — ainda pior — destrui-lo, n3o podemos nos calar sobre o que sabemos expressar. Mesmo sem ser capaz de traduzi-lo na integra, corremos © risco... pois calar-se nao & proprio do busca- dor. © homem é um doador de sentido, como um prisma que divide a luz branca invisivel para obter as cores visiveis da linguagem. Na melhor das hipéteses, suas palavras servem como ponte ou trilha para religar o tempo e a eternidade, sem cair ou se afogar. Mas, sera que sem palavras nem indicagdes, sem. uma biissola, nés nos perderiamos, em siléncio, em nosso caminho espiritual? Continuamos no fio da navalha! Afinal, “falar” esta a dois dedos de “calar” ¢ vice-versa. Em iltima analise, no limite estdo a ponte, a trilha, a bissola, as placas de indicagio de rota. Finalmente nos livraremos dos instrumentos — isto é, das palavras pelas quais nos orientamos = como se voltissemos para o periodo anterior 4 criagao, quando nao havia palavras ou nomes. Entio, as palavras, as cores, se dissolverio e se reunirio novamente na luz branca invisivel. “A verdade eterna nunca se deixa exprimir em sua totalidade. Ela nio pode ser comunicada boca a boca. Nio ha uma pena capaz de descre- vé-la. E absolutamente impossivel, mesmo para 0 iniciados mais elevados. Ha apenas uma pos- sibilidade, ou seja: que 0 homem, no santuario de seu coragao, encontre a resposta as suas ques- tdes existenciais mais sufocantes e opressoras, nas profundezas mais intimas da centelha divina, quando a ilusio do cu ja se foi” Depois de todos 0s nossos esforcos vaos ¢ imiteis para expressar ‘Isto’, percebemos, aos poucos ou de repente, que nossa vontade de comunicar precisa se calar para dar lugar & vontade Dele de falar. E é entio que, através do eu que ja nao nos pertence, ¢ além dele, a Palavra de Deus se expressa em qualquer lingua: no siléncio e nas palavras, no vazio ¢ na plenitude, no fazer € no nao-fazer. Entao, reane-se no ‘Um’ o que estava fragmentado, ‘Isto’ irradia plenamente de ‘Si mesmo ~ nao poderia ser de outra forma. E ‘Isto’ ndo se calara jamais! © Imagem Cortesia do Smithsonian Institution, National Museum of the ‘American Indian. A obra: Infnidade de NacBes: Arcee Histrla nos CColeeées do National Museum of the American Indian ests disponival pa livraria Pentagrama em Haarlem na Holanda Fontes |. Petri, €. de. © Verbo Vivente, Rosacru:Jarinu, 2006, cap. XXXIV. 2.Ecestastes 1:13 2. Eclesiastes! 4617 4. Witteveen, HJ. Tet de Ene, Deventer: Ankh Hermes, 2008, p. 102 5.Rljckenborgh, J. van, Petri C. de, Fraternidede de Shamballa, 3.04 Jarinu: Rosacrur, 2007, cap. tt 6. Nijhoff, Martinus, Awater wwwabnlorg, 17. Rijekenborgh,J.van, Petr, C. de, A Freternidade de Shamballe, 3.04. Jarinu: Rosacruz, 2007, cp. 8. Petri, C. de. O Verbo Vivente, Rosacruz: Jarinu, 2006, cap. XXXIV. calar-se diante do indizivel 13 hilma af klint Em 1907, quatro anos antes que se falasse em arte abstrata, uma discreta artista sueca da primeira década do século 20 realizou uma série de quadros intitulados Pinturas para o Templo. Eram 193 telas de arte tipicamente abstrata e de maturidade incontestavel, que permaneceram totalmente desconhecidas até recentemente. ilma af Klint (1862-1944) considerou que ainda no era chegado © momento para que sua arte visionaria pudesse ser compreendida, arte que possuia como base uma dimensio espiritual. Hi mais de um século ela pintou dezenas de imagens icénicas, mas man- teve-se afastada de exposicSes. Em seu testa~ mento, estabeleceu que suas pinturas abstratas sé poderiam ser exibidas ao piblico vinte anos apés sua morte. De fato, foram necessirios cerca de 20 anos, até meados dos anos 80, para que sua obra fosse exposta pela primeira vez. O grande avanco ocorreu em 1986, com uma exposi¢ao em Los Angeles, que apresentou uma selecio de seu fascinante trabalho. E fato notorio que Hilma af Klint ja havia desenvolvido uma linguagem abstrata original ¢ dinimica, antecipando-se aos protagonis- tas do modernismo como Kazimir Malevich, Kandinsky e Piet Mondrian. Hoje ela é consi- derada uma das pioneiras da arte abstrata. Mas afinal, quem foi Hilma? Uma artis- ta nascida e educada com uma visio clara, completamente absorvida pela arte. Ela cres- ceu numa area privilegiada e foi bastante in- centivada por seus pais, que muito cedo per- ceberam seu talento particular. Frequentou a Escola Técnica Artistica (Tekniska Skolan, atual Konstfack) de Estocolmo, assim como a Academia Real de Belas Artes. Apés a for- matura, quando possuia um pequeno estidio particular em Estocolmo, Hilma ganhava a vida como pintora de retratos e de paisa- gens. Artista naturalista, ela trabalhava com 14 pentagrama U2014 discrigdo, pois o meio artistico da época, dominado pelo sexo masculino, no era propicio ao desenvolvimento de uma artista tao modesta como Hilma. Além do mais, ela possuia uma vida interior completamente diferente, que cla traduzia numa lingua- gem visual tinica, mas da qual no revelou 0s resultados para o mundo. Por que Hilma queria manter secretas suas pinturas? Qual era seu objetivo? interesse pelo invisivel era grande na época. Podemos verificar esse fato gragas a uma série de descobertas cientificas como 0s raios-X € as ondas eletromagnéticas. As sessdes espiritas também ganhavam destaque, talvez devido ao fato de que muito do que era invisivel poderia entio ser avaliado cientificamente. Aos 34 anos, Hilma af Klint fundou com ou- tras quatro mulheres 0 “Circulo das Cinco”. Realizavam reunides regulares, durante as quais claramente viviam experiéncias espirituais. Elas descreviam suas experiéncias também por meio de desenhos. Hilma comegou entdo uma viagem interior, num mundo que ela manteve secreto durante muitos anos. Tinha uma visio esotérica da vida, dedicava-se 4 Teosofia e desejava de- senvolver-se ainda mais. Em Dornach (na Suiga), entrou em contato com 0 pensamento antropo- séfico de Rudolf St ‘os ensinamentos rosa-cruzes. Rudolf Steiner ner ¢ estudou assiduamente teria dito a respeito de Hilma que a humanidade necessitaria de mais cinquenta anos para com- preender sua arte. Hilma percebeu que estava Apés uma centena de anos, é chegado o tempo para a sua arte tate Cy ee ligada a uma energia ou influéncia espiritual de dimensio completamente diferente. A unidade de todas as coisas e a interdepen- déncias de todas as formas de vida perpassam sua arte. Hilma pintou uma série de quadros com simbolos ¢ figuras geométricas, nos quais a forma do circulo constituia um tema recor~ rente central. As vezes, eram circulos concén- tricos, as vezes superpostos, as vezes apareciam como elipses, espirais ou conchas. Em um de seus escritos, Simbolos, Letras e Palavras, Hilma fornece o significado dos simbolos utilizados em suas pinturas. “A concha e a espiral desig~ nam um desenvolvimento, 0 azul eo amarelo representam o feminino e 0 masculino, assim como 0 lirio ilustra o principio feminino e a rosa o masculino. A letra W é sinénimo de Matéria e a letra U, sinénimo de Espirito. A forma de améndoa (vesica pisces, auréola) & um simbolo de unidade e de realizagio.” 16 pentagrama W214 ‘As pinturas precitadas da série Pinturas para 0 ‘Templo ou simplesmente O Templo sio suas obras mais importantes. Hilma descreveu como suas primeiras pinturas foram realizadas: “Pintei os quadros num impulso, sem rascunhos e com mui- ta energia. Nao tinha a minima ideia do que as pinturas representavam, mas trabalhava rapida ¢ confiante, sem ao menos retocar uma pincelada.” Nessa série, refletem-se os diferentes estigios de desenvolvimento da matéria, chamada de W, ao se transformar em espirito, a letra U. Uma das etapas na via dessa metamorfose & a fusdo dos principios masculino, 0 amarelo, e do principio feminino, 0 azul. As dimensdes desses quadros sio gigantescas. Construindo mediante a pintura um templo exterior, ela edificava seu proprio templo interior. Ela se expressava deste modo: “A medida que descre- vo 0 caminho, cu 0 percorro.” Gracas 4 exposi¢io iniciada na primavera (europeia) de 2013 no museu de Estocolmo, que passou por Berlim e Malaga, o mundo péde familiarizar-se com um resumo de sua obra, a maior realizada até agora. Escondidos como estavam, em caixotes e caixas fechadas durante décadas, alguns trabalhos tinham até entao permanecido desconhecidos. Logo na entrada, o visitante é recebido por quadros de mais de dois metros de altura, leves ¢ iluminados, que dio a impressio de uma atmosfera templaria. Seguramente, a expo- sigdo é uma homenagem a algo grandioso, E como se féssemos “transportados”... como se através das janelas da alma os dominios do micro e do macrocosmo pudessem ser contemplados de dimensio universal. E realmente incrivel imaginar que essa senhora mitida, levando uma vida aparentemente banal ¢ sem alarde, tenha produzido todas essas obras imensas, nio so- mente em tamanho quanto em concepgio. Sentir pela primeira vez a forca espiritual em sua obra é tio impressionante quanto experi- mentar pela primeira vez a majestade e a gran- deza de um templo egipcio, on ser confrontado com a visao do Grand Canyon. E como se féssemos “transportados”. Como se através das janelas da alma os dominios do micro e do ma- crocosmo pudessem ser contemplados. Pensar que Hilma pintava para o futuro, para uma centena de anos mais tarde, e se encontrar entio face a face, é grandioso e impressionan- te ao mesmo tempo. Fica-se profundamente tocado pelo fato de que alguém possa expressar algo tao vasto ¢ visionario. Segundo seu sobrinho, Erik af Klint, a quem Hilma legou todas as suas pinturas, esbocos cadernos (colocados desde 1972 sob os cui- dados de uma fundagio), sua tia nao era de modo algum alheia ao mundo. Tratava-se de uma pessoa instruida, consciente de si mesma, centrada e que, apesar de levar uma vida mo- desta e pura, ocupava seu lugar na sociedade © que é surpreendente é que seu trabalho fala diretamente ao coragao. A primeira vista, temos a impressio de perceber circulos, elip- ses, trifingulos e cubos simples e ingénuos, porém olhando-os mais de perto, descobri- mos uma complexidade em movimento. Tudo est interconectado em diferentes fases de Pagina de um caderno de notas sobre flores, musgos e bolores desenvolvimento. As séries, que por sua vez se compéem de subgrupos, também possuem nomes simbélicos tais como Atom (Atomo), Parsifal, Dove (Pomba) Sjustjérnan (Estrela do mar). As formas vio surgindo constantemen- te, como se viessem de uma fonte inesgoti- vel. Tudo gira em torno de uma busca inte- rior, uma busca do sentido da vida na terra: © que estamos fazendo aqui? Qual o sentido hima at hlint 17 1B pentagrama 12014 lilma af Klint A obra de Hilma af Klint sempre adigdes, oposicoes. Na série da Arvore do nento de 1913, as aquarelas, em razdo de seu tamanho relativamente reduzido (4630 cm), mostram te com relacao a serie colossal das Pinturas ora o Templo. Sao imagens que expressam uma estrutura cabalistica, orginica. Aliés, apresentam 0 jogo da dialética: masculino e feminino, obscuridade e luz, tempo e espaco, vida e morte [Em suas pinturas, tudo faz parte de um conjunto maior, podendo-se observar 0 modo como as partes se ligam em rrelagdo umas as outras, uma concepedo encontrada em diversos lugares em suas notas. Sua produco é abundante, ‘compreendendo mais de mil obras. Hilma também publicou fem seu cademo Estudos sobre a vida da alma (|917-1918) suas consideracBes cobre a coesio espiritual do mundo. ‘Além disso, seus didrios intimos e suas notas formam um tipo de cosmologia onde ela explica como veio sua inspiracio © 0 significado dos simbolos e das letras utilzados. ‘As cores também possulam um significado simbdlico para Hilrma, assim como as formas, a imagens € as letras. As co res irradiam, eas dimensBes de certas obras sio gigantescas. (Os quadros possuem um aspecto extremamente moderno, tendo até mesmo sido qualificados por um critica de arte coma “ultramodernos". Flas também contém sulcos, espirais, elipses, movimentos ondulatérios, sementes e serpentes, bem como formas que se assemelham a plantas e flores de nossa vida, de todas essas inumeraveis, formas de vida? Hilma af Klint explora o mundo em geral ¢ em particular. Ela percorre um caminho do caos 4 harmonia, de um morrer ou diminuir a novos horizontes espirituais. Desafiados, desejamos incansavelmente descobrir novas perspectivas. Em numerosas pinturas, aparecem os contrarios que se mantém mutuamente em equilibrio: as formas Yin e Yang, os cisnes brancos e negros em simbiose, as vezes pirimides em oposicao, € novamente semicirculos geométricos brancos pretos. Tudo parece contribuir para a unifica~ ao, para uma conclusao. Aspirar a essa apoteo- 6 0 tema central do trabalho de Hilma. © quadro Imagem de altares, pertencente série de Pinturas para o Templo, representa um tridngulo que culmina num sol. O trifingulo forma uma piramide. No topo da pirimide, um triangulo negro com um ponto luminoso € envolto por um circulo dourado que irra~ dia folhas de ouro. O triangulo e a pirimide podem ser considerados simbolos alquimicos: a unio da terra, do celeste ¢ do universal. A pirimide simboliza 0 caminho do buscador através de diferentes dimensoes, do terres- tre ao celeste. Podemos supor que Hilma af © tridngulo e 0 cireulo, assim como a piramide, po- dem ser considerados simbolos alquimicos da unido entre o que é da terra, do céu e do universal. © qua- dro € a representasao abstrata dos cisnes brancos € negros (c.f. pg. 21.), tal como os via Hilma af Klint. O dsne, N° 13, grupo IX, 1915 Klint, grande colorista e instruida como era, tenha sido influenciada pelo livro Do espiri- tal na arte, de Kandinsky (1911) ¢ por Teoria das cores, de Goethe. Apés 1920, seu estilo de pintura se modifica novamente, em consequéncia de seu encontro com Rudolf Steiner. Ela comega a perceber as relagées espirituais no seio da natureza. Abandona suas composigdes geométricas e, apés uma pausa de varios anos, comega a pintar em aquarela, quando entio 0 tema submete-se 4 cor. Hilma analisa 0 macrocosmo eo micro- cosmo segundo a perspectiva: “assim como & em cima, assim é embaixo”. Sabemos que apés seu encontro com Steiner, Hilma mergulhou na filosofia rosa-cruz da época e ficou dois anos sem pintar. Considerando-se a produgio colossal de ante- riormente, realizada “em segredo”, podemos imaginar que, durante esse periodo, ela de- vesse estar exausta. Pequena, magra ¢ ascéti- ca, vivia isolada ¢ nao buscava honrarias. Ela imergiu completamente na arte e considera~ va-se uma humilde servidora: jamais assinou seu trabalho esotérico. © Fontes: Fant, Ake: Hilme of Kint: Pintora ocultista ¢ pionera de arte abstrata, ex. cat Museu Moderne, Estocolmo 1989 Maller. Wetermann, Iris (ed. Hilma af Klint Uma pioneira do ebstragdo, Museu moderne, Estocolmo 2013, Lindén, Gurli¢ Svensson, Anna Maria: Dispositiveelém de versidade, HS 1999 hilmaarkine 19 OQ MUNDO MAGICO DE HILMA A KLINT A cruz mével, os sete raios € a cruz de luz libertadora no centro. Em Astrologia, a cruz mével Peixes-Gémeos-Sagitario e Virgem designa uma pessoa aberta, reflexiva, servidora ¢ que se esforca por adquirir grande mobilidade de espirito. Quando expés suas obras figurativas do inicio de sua carreira, Hilma julgou que suas telas experimentais gigantes, tal como essa representada acima, cuja inspiragao Ihe viera do mundo espiritual, s6 poderiam ser expostas 20 anos apés sua morte. Segundo a artista, seus contemporineos nao estavam a altura para compreendé-las. A pombe: N° 14, grupo IX, 1915 Da série 20 pentagrama 1/2014 © MUNDO MAGICO DE HILMA AF KLINT A artista consegue trazer uma luminosidade crista a linguagem conceitual teosdfica ¢ dotar as figuragies da tradigéo cristd de uma forte carga esotérica. A exemplo de H.P.Blavatsky, Hilma via nos cisnes branco e negro a expresso do “mistério dos mistérios” e “da dignidade do espirito”. Da série A pomba: O dine —IN* 1, grupo TX, 1915 Jgico de hilma afkint 21 a esséncia da arte I ARTE, CIENCIA E RELIGIAO ‘6 om relagio A arte, referimo-nos”, assim escrevia J. van Rijckenborgh, “as normas esotéricas, cientificas ¢ re- ligiosas cujas origens a sociedade esqueceu. A arte representa um dos aspectos da realidade, o aspecto plistico na vida. Ela nio existe por si mesma. Nés a vemos como um dos trés elos da corrente cons- tituida pela ciéncia, religiio e arte. A ciéncia é a ideia: a idealidade. A religido é a forca que se liga 4 ideia e se torna vitalidade. A arte que se materializa na vida torna-se realidade, Todo ser bumano dis- poe de uma certa ideia das coisas e de uma certa forga. Em certo sentido, todo ser humano pode ser considerado um artista. O que nele vive como forca abstrata exterioriza-se como arte. Mediante a arte, o abstrato se torna concreto. Entretanto, hoje em dia, a dissensio entre os individuos é tal, que uma apreciagio undnime da arte é impossivel. E se acontecer de as opinides concordarem, sera apenas por raz6es de cultura: cultura dialética ou religiosa. [..] O verdadeiro aluno nada faz nesse sentido, pois sabe que através da edificacio de seu corpo celeste participa de um novo campo de vida, um mundo onde religiio, ciéncia e arte sto unos.” (J. van Rijckenborgh, Pentagrama 2004 - 1° 5, p. 32, 35) Nesse sentido, a arte constitui o desenvolvimento a mais elevada tarefa de formagio. O conheci- mento e a energia universais movem © homem que busca manifestar, concreta ¢ livremente, 0 homem divino auténtico na realidade. Porém, é evidente que a ideia predominante na arte atual J nfo participa do conhecimento da triplice unidade ciéncia (compreensio), religiio (forga, 22. pentagrama 1/2014 energia) e arte (realiza¢ao), pois se separou e se desvinculou delas. O unilateralismo crescente ¢ 0 empobrecimento resultante sio claramente perceptiveis através das numerosas facetas da arte moderna. Essencial, o vazio ilustra a auséncia de dimensio espiritual. J. van Rijekenborgh escreve também: “No entanto, é certo que arte, ciéncia ¢ religiio nao podem tornar a humanidade feliz. (..) Podeis cultivar essa vida, exalta-la de mil e uma maneiras, porém essa cultura nao pode liber- tar-vos. A cultura de vossa vida mantém-vos ocu- pados, eventualmente de maneira febril. Fostes instruidos e instruis, porém de modo algum sobre © reino dos céus, objeto de especulagao de toda a cultura metafisica”. (J. van Rijckenborgh, O novo sinal, p. 123-124) Se arte, ciéncia e religiio formam uma unidade, a realizagio desses trés impulsos de luz liber- tadora da origem a arte verdadeira: 0 impulso ideal - 0 conhecimento universal, o anelo vital — a energia universal, o impulso realizador ~ a arte universal. O artista, em verdade todo ser humano que se baseia nesses trés impulsos testemunha assim do reino da luz, seja mediante Da unio do sol e da lua nasce 0 Merciirio dos filéso- fos, que aarte alquimica representa por uma jovem cujos pés repousam sobre o sol e a lua e sobre cuja cabega coroada vemos elevar-se um passaro azul, simbolo de uma nova consciéncia. Numa das mos, ela tem uma taga com serpentes, na outra uma lua crescente. E a expresso da sabedoria: suas forcas lunares ou astrais esto dominadas. Figura extraida do Rosdrio dos fildsofos, manuscrito do periodo de 1625 a 1650, atualmente em Paris ¥ 2 % ; SOSH. B44 nH) SRE a forma, a cor ou o som, manifesta no mundo algo da vida original ¢ cria, assim, uma ponte. Porém, quando a arte se separa de sua triplice unidade com a ciéncia ¢ a religido, se emancipa € se torna auténoma, perde o brilho da realidade ¢ torna-se um miétodo de cultura sem aspecto libertador. Entretanto, esse método de cultura nao é indtil. Ele tem um efeito demolidor. Pela arte, a ciéncia e a religiao natural, bem como todas as suas combinagoes, a humanidade & impulsionada de uma crise a outra. Isso aguca a consciéncia do ser humano até que, chegando ao cume da evolugao de sua consciéncia, ele ex- perimenta e identifica com certeza inabalavel os limites do método baseado na cultura do eu. TODO SER HUMANO EUM ARTISTA Nesse contex- to, consideremos por um instante um dos artistas mais influentes do século passado, Joseph Beuys (1921-1986), pintor, escultor ¢ artista conceitual. ‘Comentando uma de suas fotos — que © mostra caminhando, com aparéncia de alguém bem arru- mado, sério e determinado, ele afirma: “A revolu- 40 somos nés”. Ele conhecia a Tabula Smaragdina ¢ 0 Corpus Hermeticum, atribuidos a Hermes Trismegisto, o mestre triplice segundo espirito, alma © corpo, que dizia: “A cigncia © a arte verdadeiras provém da religiio verdadeira”. Gragas a essa com- preensio, Joseph Beuys fez essa declara¢ao muito conhecida, mas frequentemente mal compreendida: “Todo homem é um artista”. Assim, ele chegou a mesma conclusio que J. van Rijekenborgh. Por meio de nossos pensamentos, sentimentos e vontade criamos constantemente nossa propria 24 pentagrama 2014 imagem tridimensional. A questio é saber de que ponto de vista nés o fazemos, segundo qual relagio, segundo quais critérios ¢ com qual moti- Quando consideramos o que a arte em seu conjunto significa em seus diversos niveis, ela é, como verdade e realidade divinas, nao revelada inefivel. Em sua manifestagio, a arte € ou de na- tureza divina, ou de natureza inferior propria de nosso mundo, onde os polos positivo e negativo se opdem, onde toda formagao e todo desenvol- vimento se desintegram e se dissolvem. No que iz respeito, a arte mais elevada consiste na recriagio do homem como microcosmo a ima- gem de Deus, segundo o plano original. Nese sentido, a arte é 0 aspecto formador mais elevado, livre de toda ligacdo temporal. Tradicionalmente tem havido artistas cujas obras langaram uma ponte entre este mundo e 0 reino celeste ao reve~ lar em segundo plano a dimensio espiritual dos fenémenos deste mundo. Entretanto, no campo da arte, & necessario um discernimento agudo para no nos perdermos em exaltagdes misticas ou fanatismo. Portanto, a questio fundamental é: ‘© que é exatamente a cultura? E 0 mundo do ho- mem desta natureza, mundo que ele cria median- te seus sentimentos, sua experiéncia, sua vontade, suas ages, seu pensamento e seus conhecimentos. Ele 0 cria ao mesmo tempo como individuo como ser social. Essa cultura e seus resultados sao ilusérios, sio Maya. O véu de Isis testemunha que a verdade esti oculta e a célebre alegoria da ca~ verna, de Plato, descreve 0 mundo visivel como um mundo de sombras, ¢ no como uma realida~ de independente. nos Il TUDO ESTA IMERSO NO DIVINO, MAS NEM TUDO. ESTA NECESSARIAMENTE LIGADO AO DIVINO. consciéncia humana pode se desenvolver até alcangar, mediante o mundo fisico sensorial ¢ transitério, uma realidade divina superior. Isso no significa que a natu- reza terrestre nao tenha fiangdo, que podemos explori-la em vez de trata-la com respeito. Essa visio equivale a reduzir a natureza terrestre a uma ilusio, como se reduzissemos um quadro de Rembrandt a uma tela, fixadores e pigmentos, ou uma sinfonia de Mozart a ondas fisicas sonoras. Essa opinio, em seu dogmatismo e sua parciali. dade, alcangaria o ponto de vista oposto — ou seja: que a matéria, em seu aspecto cientificamente demonstravel, seria a tnica realidade. As ciéncias naturais, em particular a Fisica quanti- ca, a Biofisica ¢ a Biologia da evolugio, tentaram responder 4 questio fundamental da existéncia da matéria. Hoje, os cientistas dio-se conta de que as particulas clementares nao explicam a causa ¢ © aparecimento do que é visivel de que © Universo em seus minimos detalhes é um todo orginico. Na biologia da evolucio, por exemplo, fala-se da célula viva capaz de se organizar, mas somos con- frontados com o mistério da origem dos campos morfogenéticos. De onde vem a informagio que i a célula sua estrutura e sua fungio? Qual é a origem do impulso, da vibrago, que determina uma manifestagao? Esse questionamento signi- fica 0 limite do pensamento materialista. Quem toma a matéria como ponto de partida no pode ultrapassar seu limite. Muitas vezes ele pode adiar a chegada ao limiar, porém, mais cedo ou mais tarde, seri confrontado com esse limite. A Fisica fandamental moderna, quando se encontra na fronteira, aproxima-se da ideia, ha muito expressa no Bhagavad Gita, de que Deus esta em toda parte ¢ nao somente no transcendental. “Eu sou em todas as coisas en mesmo, tudo provém de mim (@ matéria visivel e a energia) como revelagio de mim mesmo.” Para esclarecer ainda mais: o Ser é ndo-nascido, imperecivel, senhor e mestre de todas. as criaturas. Entretanto, eu carrego a natureza e me manifesto por meu proprio poder e forga. © Bhagavad Gita esclarece: a natureza, parte complexa do trabalho das criagdes viventes ou inanimadas, constitui uma unidade integral. E um organismo que engloba tudo, animado e es~ truturado por forcas invisiveis, um todo vivente, impregnado interiormente do espirito divino que impele 4 manifestagao os seres humanos e as coisas. Contudo, nao nos esquegamos de que nem tudo © que é manifestado testemunha da vida divina e de sua atividade. Tudo tem seu lu- gar no divino, mas nem tudo pode ser explicado como tal. Por isso, falamos, no transfigurismo, do conhecimento das duas ordens de nature- za. Quanto as profundezas da alma, podemos atestar de uma natureza que sustenta, impregna ¢ engloba tudo. Mas tudo 0 que nio é estrutural ¢ existencialmente ligado de modo consciente a essa natureza primordial se desenvolve na duali- dade. Nela, 0s polos do bem e do mal se opéem € nao estdo em contato direto com o principio primordial do Logos divino. A atividade que nasce dessa dualidade, distinta da fonte origi- nal, & uma criagao na qual as forcas de opo: estdo inevitavelmente presentes. O resultado é a imperfeicao, a limitagao, a imitagio. aessinciada arte 25 26 pentagrama 1/2014 O SURGIMENTO DE UM ESTADO LIBERTADOR Em numerosos templos de arte imita-se o ritmo divino, mas os ritmos produzidos nao oferecem nenhum resultado permanente ou divino. Em outro registro de imitacao, fundam-se escolas espirituais para abusar do conhecimento magi- co. Terceiro exemplo de imitagio: centenas de institutos religiosos entregam-se, em completo desacordo e sem esperangas, a experiéncias niil- tiplas. Compreender tudo isso permite conceber a atividade criadora real, aprender o sentido ¢ a esséncia da arte verdadeira: a gestagio de um esta~ do realmente novo, a criagao de uma realidade no sentido libertador de um aperfeigoamento eterno, A auséncia de conhecimento das duas ordens de natureza, ou sua interpretagdo errénca, engen- dra frequentemente 0 esquecimento de que a personalidade @ o meio de criagio da realidade libertadora, e, portanto, de sua vida. Entretanto, a personalidade, nesse proceso de renovagio gnéstica, é o tanico instrumento de que dispomos nesta natureza como meio de expressio e de for- magio. Liberta de todo egoisme, ela pode elevar~ se 4 justa compreensio e ao desejo verdadeiro, & realizar sua vocacio. Pureza, submissio, atitude Tacida a servigo dos impulsos oriundos do prin pio basico, o atomo-centelha do Espirito, resti- tnem-Ihe o valor e a posigao. A partir de entio, seus atos associam-se ao desenvolvimento divino, 4 sua elaboracao, e harmonizam-se com ele. Uma compreensio dogmitica do ensinamento das duas ordens de natureza, como pilar de sustentagio da Doutrina Universal, relembra os inicios do cris- tianismo quando, no Oriente Médio, na Siria e na Palestina, as pessoas tinham 0 costume de sen- tar-se sobre uma coluna 4 beira do caminho para serem consideradas “santas”. Esse tipo de asceta representa o homem inteiramente centrado no divino, que se desviou da vida profana natural. Os dois personagens principais da peca de Samuel Beckett Esperando Godot dizem: “— Vamos. — Nao podemos. — Por qué? - Estamos esperando Godot.” Essas duas figuras simbolizam a humanidade: elas nos fazem a pergunta crucial de nosso tempo. Até agora, o homem esperava Godot, Deus — ‘em outras palavras, ele esperava os impulsos do exterior, porque toda atividade provinha do Pai. Mas 0 evangelista Jodo coloca o divino no homem quando cita Jesus (Jodo 5:17): “Meu Pai trabalha até agora, ¢ eu trabalho também”. O novo poder da alma, 0 Outro em nds, (uno com © divino), tomou o primeiro Ingar no homem. Esse é 0 significado de Aquario. Somos todos fascinados pelo efeito magico dos processos criativos. Estamos ligados no apenas a essas evolucdes das quais participamos cotidia~ namente de uma forma ou outra, mas somos, a0 mesmo tempo, partes interessadas e colabo- ramos ativamente com elas. Somos cocriadores do que se desenrola sem cessar e se realiza, ea todo momento estamos num processo criativo e forjamos a realidade. Somos todos seres criado- res € realizadores. Por que enfatizamos aqui essa realidade? Porque, precisamente no atual periodo de Aquirio, 0 aspecto realizador, criador, desem- penha um papel absolutamente central. Todo ser humano que sente esse desejo interior de romper a matriz que o mantém prisioneiro é um artista. aesincadaarte 27 Hilma af Klint N° 4, Série V (1) e N°5, Série IV, (@) 1920 2B pentagrama 1/2014 | A OBRA DE ARTE COMO TRACO DE UNIAO nem quer fazer brilhar o esplen- dor do divino no mundo mediante a palavra, o som, a pintura ou as artes plasticas ultrapassa 0 aspecto puramente cultural e é um trago de unio entre nosso mundo ¢ o reino da luz. O ser humano que, como artista, vive sob o impulso de Cristo, sem o qual ele nada é, mediante seu amor aos homens ¢ ao mundo ultrapassa em mui- to o limite da consciéncia materialista. Ele & um infatigavel observador da vida. A obra de arte verdadeira desenvolve-se com base em seu novo pensar e correspondent atitude de vida, ¢ harmoniza-se com as diversas tendén- cias, métodos e recursos atuais. A forga criadora de tal artista é ine Novas energias gnésticas se derramam em sua criagio, provindas da centelha-do-Espi- rito no coragao, a rosa-do-coragio, ¢ ligadas 4 glindula pituitaria, o érgio de real criacio. As atividades da alma, ativamente iluminadas pelo espirito, inspiram sua criatividade. Desse modo, ele trabalha cheio de energia e de luz diante da visio de uma humanidade liberta. va. Nesse sentido, a arte nao se limita a “de- sempoeirar a alma”, como dizia Picasso. A arte verdadeira busca conduzir 0 homem ao conhecimento gnéstico ¢ 4 mudanga. Assim vemos restabelecida a unidade da religiio, da ciéncia e da arte, depois que o homem, durante séculos, como criador auténomo da realidade, foi colocado em segundo plano pelas influéncias exteriores, ligadas 4 negacio do Espirito de Cristo. Porém, cada vez mais seres humanos se voltam, como os martires do cristianismo primitive, contra a influéncia das antoridades. Como entidades alma-espi- rito, eles se reservam o direito de, em total autonomia, dar sentido 4 sua propria vida. O ole baal homem leva a sério a promessa: “Sereis como Deus, distinguindo o bem do mal”. AUTORREVOLUCAO — CONSCIENCIA — CRIAGAO A autorrevolucao constante dos rosa-cruzes é a endura, a vitéria sobre o eu. Eles se concentram na percepgaio do coragao e nas exigéncias de nosso tempo para realizar uma nova qualidade de alma porque, como ‘ diz. Albert Einstein: “Nao se pode resolver os problemas no mesmo nivel em que eles nas- ceram”. Em outras palavras, nio é 0 revelado que importa, pois ele ja trouxe sua forga. O importante é 0 nao revelado, o imprevisivel que se manifesta somente no Espirito ¢ por meio dele. A solugao do problema situa-se no espaco do nao revelado. O artista — cada ser humano que aspira 4 autorrealizagao — a atrai median- te sua orientagao e seu comportamento, e, mediante sua criatividade criadora purifica~ da, tangivel, coloca-a na luz da revelagio e oferece-Ihe uma possibilidade de desenvolvi- mento mediante 0 som, a forma, a vida e 0 movimento. Esse processo de criagio depende inteiramente do estado de consciéncia. 7 Mediante a crucificagao no Gélgota, o lugar do crinio, 0 homem foi colocado diante de trés estados de consciéncia. A primeira cruz aesincadaarte 29 simboliza o homem para quem 0 mundo material, até a morte ou mesmo no momen- to da morte, é a nica realidade tangivel na qual cle centraliza toda a sua consciéncia. Com seu pensamento materialista, seu sen~ timento e sua vontade, ele esta pregado 4 cruz da natureza e ai permanece. Portanto, nao pode entrar no reino dos céus. A segun- da cruz simboliza o homem que finalmente compreendeu que é um filho de Deus. Esse entendimento o liberta dos limites de sua consciéncia material e permite que ele pene- tre no reino dos céus. A ele é dito: “Ainda hoje estaras comigo no paraiso”. A terceira cruz simboliza 0 homem que, gracas 4 sua consciéneia alma-espirito, percebe 0 mundo material no qual vive. Para ele cabe dizer: “no mundo, mas néo mais do mundo”. O Pai e cle sao Um. Embora reconhega que a consciéneia limitada do mundo material nao pode compreendé-lo, ele permanece fiel 4 sua percepeio espiritual. Jesus diz aos judeus: “Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha gloria nio é nada; quem me glorifica é meu pai o qual dizeis que & vosso Deus, ¢ vés nio © conheceis”. (Joao 8:54-55) estado de consciéncia determina a ativida~ de criadora e, portanto, a esséncia da arte. As influéncias da era de Aquario, estreitamente ligadas a Urano, agem poderosamente sobre a consciéncia. Influéncias similares ocorre- ram na Renascenga, ha aproximadamente seiscentos anos, quando as formas de expres- so e os dogmas, inclusive na arte, foram 30 pentagrama 1/2014 quebrados. Um exemplo é 0 desenvolvimento de um novo sentido do espago pela utili- zacao ¢ controle da perspectiva na pintura. Devido a essa percepedo trazida pela arte, uma grande mudanca ocorreu na consciéncia, © que, para muitos homens, provocou medo € rejeicao (Cf. Jean Gebser, Ursprung und Gegenwart, Origem e presente, livro que fala sobre esse salto de conscigneia). No inicio do século 20, © conceito de espaco-tempo foi igualmente revisto e colocado num contexto totalmente novo. O espaco e o tempo foram relativizados tanto no nivel da arte como no das ciéncias. Com a organizacao espacial das imagens, Picasso deu nascimento ao cubismo. E nesse mesmo periodo (inicio do século 20, 1905-1907), Einstein trabalhava na teoria da relatividade, por meio da qual demonstrou cientificamente a relatividade do tempo. A NOVA DIMENSAO E A FORGA CRISTICA Hoje, a separacio entre espaco e tempo esti desaparecendo para dar Ingar a uma equa- 40 espaco-tempo (ou espago-temporal). Os acontecimentos mundiais sio veiculados primeiro via midias eletrénicas (televisio e Internet) em todo lugar e simultaneamente para todos, seja o acidente da central nuclear de Fukushima, as revolugdes ¢ as guerras no Oriente Mé Comunidade Europeia. Pensar em trés di- mensdes esta ultrapassado. No contexto da relatividade do tempo e do espago, surge uma nova luz. Estamos no limiar de uma ou a crise da divida na

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