You are on page 1of 67
ArtesQOlicios CATECISMO DA -PRESERVACAO DE MONUMENTOS Max Dvorak @ cae a : 42500 ee ES 20 cae cismo da Preservagao de Be - C357¢ ArtesQOficios 8 Catecismo da Preservagao de Monumentos Max Dvorak sex Traducio Valéria Alves Esteves Lima Apresentagoes Valéria Alves Esteves Lima Jens Baumgarten Beatriz Mugayar Kiihl Reyisao Beatriz Mugayar Kithl i Ateli@ Editorial Copyright da tradugao © 2008 Valéria Alves Esteves Lima Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.98. E proibida a reprodugao total ou parcial sem autor por eserito, da editora Titulo original Kaiechismus der Denkmalpfloge Jo: 1916, 2 edigdo: Viena, Julius Bard 1918 Dados Intemacionuis de Catalogagio na Publicagdio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dyorik, Max, 1874-1921, Catecismo da preservacio de monumentos / Max Dvoiike; tradugao Valeria sentagdo Valéria Alves Esteves aun garten, Beatriz Mugayar Kuhl, ~ Sao Paulo: Atel Editorial, 2008, ISBN - 978-8: ‘Titulo original: 7480-407-1 atechismus der Denkmalpflege L. Arquitetura ~ C 2. Ante = tauragio I. Lima, Val ria Alves HT, Baumgarten, Jens. Hl. Kuhl, Beatriz Mugayar. IV. Tétulo vagdo e restiura jonservagdio ¢ 08-1007 CDD-720.288, Indices para 1. Restauragao: logo sistem Arquitetura reservados & a Epirorra Estrada da Aldeia de Carapieuiba, 897 6709-300 ~ Cotia — SP — Bi Telefax (11) 4612-9666 www.atelie.com.br / alelie@atelie.com.br asil Printed in Brazil 2008 Foi feito o depésito legal Sumario A 4 \ * APRESENTAGOES 1. 0 Catecismo de Max Dyotak: Algumas Notas .. Valéria Alves Esteves Lima 2. Max Dvorak entre a Primeira e a Segunda Escola de Vienz Jens Baumgarten 3. Observagées sobre as Propostas de Alois Riegl 5 e de Max Dvorak para a Preservagdo de Monumentos Histéricos Beatriz Mugayar Kithl 35 ae 8 © Max Dvoiike CaTECISMO DA PRESERVACAO DE MONUMENTOS Max DvoFak Introdugao PRINCIPIOS, OBRIGAGOES E CONSELHOS: 1.Perigos que Ameagam os Antigos Monumentos ... 2.0 Valor dos Antigos Patriménios Artisticos....... 85 3. A Importante Dimensao da Protegao de Monumentos .... 4.Falsas Restauragdes 5. Obrigagoes Gerai GATS CaS ¢ On Se] hog serenrreee ieee etre eaten 109 Apresentagoes tos 1. O Catecismo de Max Dvorak: Algumas Notas Valéria Alves Esteves Lima Max Dvorak, historiador da arte tcheco, nasceu em Raudnitz na Boémia em 1874 e faleceu em 1921. Seu nome esta ligado & célebre Escola de Viena, um dos mais importantes redutos dedicados & investigagao artistica na virada do século XIX. Dvorak iniciou seus estudos histdricos em Praga, vindo a coneluf-los em Viena, a par- tir de 1894, no Instituto de Pesquisa Histérica da Aus- tria. Influenciado por Franz Wiekhoff (1853-1909) e Alois Riegel (1858-1905), expoentes do método histéri- co-artistico na Histéria da Arte, Dyotaék voltou-se para essa disciplina. A experiéncia desses estudiosos da arte reunia uma lrajetéria pratica em museus ¢ a especulagao teérica advinda de sua atuagiio universitaria. Daf a forga de suas see 120 ¢ Max Dvorik idéias, que pretendiam comprovar a intrinseca relagao entre desenyolvimento histérico e formas artfsticas. Dis- posto a afastar 0 perigo do dogmatismo estilistico, que tanto prejudicava o reconhecimento do verdadeiro valor das obras de arte do passado, Riegl investiga a evolugao das formas artisticas e defende seu carater auténomo. Suas especulagoes afastavam a idéia de decadéncia na arte, comprovando que as formas se transformam cons- tantemente, metamorfoseando-se, segundo o que Riegl define como Kunstwollen. Motivagées essencialmente arlfslicas provocariam, portanto, as alteragées da forma registradas ao longo do tempo, nas mais diversas locali- dades. A partir da contribuicao de Riegl, Dvotik defende a intrinseca relagao da arte e sua transformacdo com as demais realiza des espiriluais da humanidade. Assim, s6 poderfamos compreender 0 princfpio de uma constante mudanga das formas artfsticas, se as analisdssemos em conjunto com as demais manifestagdes do espfrito. E sas idéias estarao presentes nos {undamentos de sua con- cepcao a respeito do patriménio historico, objeto de seu Catecismo. Texto popular, de orientagé S gerais, Cujo objetivo era nao apenas dar conselhos praticos para a preserva- Gao dos monumentos histéricos, de: produgées artisticas ¢ arquitelénicas, o espirito do passa- do, 0 Catecismo da Preservagéo de Monumentos foi publi- cado em 1916, Desde 1905, depois da morte de Riegl, mas despertar 0 sentido pres srvagado e a importancia de reconhecer, nas Catecismo da Preservagio de Monumentos ° 13 que estivera a frente da Comissao austriaca de monumen- los histéricos desde 1902, Dvorak assume a dianteira do programa de conservagao de monumentos ptblicos. Em 1903, Riegl publicara o texto intitulado O Cul- to Moderno dos Monumentos, obra fundadora de uma visio que entende a pratica da preservagao dos monu- mentos hist6ricos como uma atitude que depende do sentido que a sociedade thes atribui. Talvez por essa razio, Dvorak insista tanto, em seu Catecismo, na ne- cessidade de despertar nos homens o respeito pela arte do passado e a urgéncia de um compromisso moral com a sua preservagao. Jé na Introdugao, Dvorak defende a sensagao de uma harmonia estética que deriva da originalidade das construgdes aglomeradas em Lorne da praga da pequena ” Essa originalidade, por sua vez, foi cons- cidade * trufda ao longo do tempo, na medida em que as constru- goes foram surgindo, em diferentes épocas. Tal defesa deixa claro que, para Dvorak, a questdo do estilo deve ceder lugar a investigagao do fazer social, das possibili- dades de expressiio da sociedade nos mais diversos mo- mentos. Tais possibilidades criam, para 0 historiador da arte tcheco, manifestagdes que devem ser entendidas no conjunto da historia espiritual. A sensibilidade estética, que se busca nas cons- Irugées, deriva da sua originalidade, de sua intimida- de com o espirito da época. Para Dvorak, 56 aquilo que € a expressfio de uma experiéncia pessoal, fnti- ma, verdadeira, é capaz de trazer em si essa sensibi- ae. 14 ¢ Max Dvorak lidade, e também de provocé-la entre aqueles que se mostrarem capazes de compreendé-la. Depois de uma curta Introdugao, 0 autor desenvol- ve, em seu Catecismo, uma série de itens, arrolados sob um titulo abrangente: “Princfpios, Obrigagdes e Conse- thos”. No primeiro deles, “Perigos que Ameagam os An- tigos Monumentos”, Dvorak considera os efeitos destrui- dor sobretudo nos casos em que sobre os monumentos e obras de arte do passado, s jA nao exercem as fun- gdes para as quais foram criados. O avango dos conheci- mentos em hist6ria da arte, mais precisamente o saber histérico-artistico, que deriva dos estudos de Wickhoff e Riegl, havia trazido um interesse maior pelas questées de arte. No entanto, Dvorak afirma que isto no era suficien- te para que o sentido da preservagao fo: despertado na sociedade. Mesmo entre os que nao tinham acesso aos frutos de toda a especulagao intelectual a respeito da pre- servagio do patriménio artistico, era preciso conlar com 0 que define como miseragao por todo e qualquer pas- sado histérico”, atitude que, segundo Dvorak, deve ser cobrada de todo e qualquer indivfduo, independentemen- te de sua formacao intelectual. Em muitos momentos, Dvordk é enfatico: preser=_ var € um dever moral, que deve ser transmitido he- reditariamente, as im como se ensina 0 respeito pela propriedade alheia. No item seguinte, “O Valor dos Antigos Patrimé- nios Artisticos”, Dvorak empenha-se em chamar a Catecismo da Preservagio de Monumentos * 15 alencdo para a urgéncia da defesa do palriménio ar- \fstico, enfatizando que as obras de arte e os monu- mentos histéricos nao sao apenas uma lembranga do passado, mas garantem As sociedades atuais 0 senti- do de pertencimento, tao fundamental para a existén- cia social. Dando continuidade a esse item, Dvorak afirma que o valor que se atribui aos monumentos justifica a importancia de preservé-los. Por isso, € importante de- finir o que seja, verdadeiramente, esse valo [...] © efeito dos antigos monumentos sobre a fantasia e listica, mas 6 acio- o sentimento nao depende de uma lei es nado através da visio concreta que nasce quando as formas as locais € artisticas universais se unem com as caracterfst individuais, com todo 0 ambiente ¢ com tudo o que, ao longo do devir historico, transformou 0 monumento em simbolo des- se ambiente. Na medida em que essa unidade é percebida pela sociedade, a imporltancia da preservagao esta garantida. Nao depende, portanto, de uma unidade estilfstica ou de avaliagdes arbilrarias a respeito da imporlancia desse ou daquele monumento. Ao con- trério, todos os monumentos de arte antiga, famosos ou nao, de maior ou menor imporlancia, devem ser preservados, pois 0 patriménio artfstico do passado é a bradugdo viva de toda a nossa vida espiritual. Quan- do se destroem os monumentos e obras de arte, des troem-se os valores morais que a eles estavam atrelz oe iad ue 16 ¢ Max Dvorak dos e que sustentavam a vida em seus mais diferen- tes aspectos. No item dedicado as “Falsas Restauragdes”, Dyorak aborda os limites da restauragéo de monumentos antigos e 0 que se deve esperar dela. Insiste em que n&o se pode recriar 0 pé ado e que, portanto, as reconstrugées reali- zadas em nome da preservagao destituem os monumen- tos de toda e qualquer importancia real. Comeca, nesse item, a destacar mais enfaticamente a importante figura do expert e dos érgdos responsdveis pela politica de pre- servacao do patriménio. Seu papel esta ligado a preocupa- ¢ao que Dvorak de: envolve no préximo item, “Obrigagdes Gerais”, onde reclama a defini » legal dessa politica. No tiltimo item, “Alguns Conselhos”, Dvorak de- fine certos procedimentos bésicos para a preservagao dos monumentos histéricos e de obras de arte antigas, ressaltando a importéncia de se recorrer aos profi: LO- nais competentes, sempre que 0s casos de restaura- ¢ao assim o exijam. Dvorak escreve seu Catecismo a partir de uma ex- periéncia pratica que 6, assim como os monumentos cue defende, histérica. Fala do ponto de vista de quem convi- ve com os problemas relativos ao patriménio, identifi- cando uma grande quantidade de erros e altitudes preju- diciais A preservagao dos monumentos do passado e, conseqiientemente, de tudo o que a eles possa estar as- sociado. Constala a tendéncia materialista da época, mas confirma a cerleza, que com ela caminha, de que a luta material pela exist€ncia ndo preenche o homem em Catecismo da Preservagio de Monumentos * 17 sua totalidade. Nesse sentido, considerando o valor que Dvorak atribui aos monumentos histéricos, 0 Ca- tecismo da Preservagdo de Monumentos é um alerta para a responsabilidade individual diante da existén- cia plena da humanidade: o homem, seja qual for a sua condigao, 6, a9 mesmo Lempo, a maior ameaga ao patrimOnio histérico e artfstico e sua Gnica possibili- dade de sobrevivéncia. Bibliografia Bazin, Germain. Historia da Historia da Arte. Sao Paulo, Mar- tins Fontes, 1989. Bret.inc, Peter. “The Origins vation Philosophy in Austria”. In: Kain, Roger. Planning ‘for conservation. London, Mansell, 1981, pp. 49-61. Cuoay, Frangoise. A Alegoria do Patriménio. Sao Paulo, Unesp, 2001. Dvokix, Max. Katechismus der Denkmalpflege. 2. ed., Viena, Julius Bard, 1918. Pacur, Otto. “Alois Rieg!”. In: RircL, Alois. Grammaire Histo- and Development of a Conser- rique des Arts Plastiques. Volonié artistique et vision du monde. Paris, Editions Klincksieck, 1978, pp. ix-xxvi. = 2. Max Dvorak entre a Primeira e a Segunda Escola de Viena Jens Baumgarten A histéria do patrimonio (Denkmalpflege) na Aus- tria tem uma tradigéio de mais de 150 anos. No dia 31 de dezembro de 1850 foi firmado o acordo para instalar a “k-k. Central-Commission zur Erforschung und Erhal- tung der Baudenkmale” (Comissao Central Imperial de Pesquisa e Manutengao dos Monumentos Arquiteté- nicos). Nos primeiros anos a instituigo fez parte do Mi- nistério do Comércio e sé a partir de 1859 mudou para o Ministério da Cultura e Educagao. Em 1856, institufram a edigio de duas publicagdes: a Mittheilungen der kk. Central-Commission (hoje Osterreichische Zeitschrift fir Kunst und Denkmalpflege) e a Jahrbiicher der k.k. Gen- tral-Commission (hoje Wiener Jahrbuch fiir Kunsiges- chichte). F importante mencionar estes dados para 4 2-3 20 © Max Dvyotik entende | i ender como 0 estabelecimento da histéria da arte omo disciplina universitdria no ambito das ciéncias humanas — i manas — ou, como se diz na lingua alema — Gei : ‘ = i ting? . issenschafien (ciéncias do espirito), a inauguraga6 dos museus séc) iméni aD século XIX e 0 patriménio nacional ocorre- ram de forma interligada. re Apesar de muitas tentalivas, um regulamento ofi- cial sé foi apresente le : 86 foi apresentado em 1903 pelo conservador matase Ge coe Pp on universitario Alois Riegl (1858-1905). Na in trodugao de a) ; ugdo da proposta “Esséncia e génese do culto do monumento moderno” (“W. en und Entstehung des mo- dernen. Denkmalkultus”) Riegl fez a distingao entre o va- lor do novo, do uso e da idade, Daf sua exigéncia de que © monumento deveria ser visto como um documento his- torico. A partir deste fundamento, Max Dvorak desen- volveu 0 cate sch smo da preservagao de monumentos Katechis; é : ‘atechismus der Denkmalpflege). Ja neste esbogo super- ncialte Sie ah : al € sucinto fica claro o papel nao s6 de Dvotak como conserva as sua icaga ador, mas sua dedicagao polivalente & pesquisa universitariz ivulgaga : dina, a divulgagao e apresentacao dos acer vos © a preservaga iméni i i 2 Servagdo do patriménio. Riegl tinha vinculo com a primeira Escola histérica de Viena; os alunos — pelo menos parcialmente discs rt a > disefpulos de Dyotak — tai 2 — tais ¢ i como Becpunda tien i . segunda Escola. O proprio Dvorak caiu no esquee men s s Esc i to pelas duas Escolas formais ao longo de muite ht ¢ Hans Sedlmayr estaio ligados, por sua vez, décadas: vivenci a vivenciou, porém, um renascimento nos wilti- mos clez anos com a tradugao dos textos basi. inglés, francés e também para 0 portugués Catecismo da Preservagio de Monumentos ¢ 21 Junto com Aby Warburg e Alois Riegl os pesquisa- dores revelaram, além do rigor, riqueza intelectual em relagéio a uma forma de metodologia aberta'. A obra mais conhecida é Kunstgeschichte als Geistesgeschichte (His- toria da Arte como Histéria do Esptrito), cujo proprio titu- lo resume a mensagem intrinseca do texto. Além da atratividade que este conceito exerce, é possivel consta- tar duas razées para a compreensio da pereepgiio atual: em primeiro lugar, 0 método iconografico-iconolégico — adas o paradigma dominante na historia por muitas dé da arte e tido como antagonista 4 Escola de Viena — per- deu muito de seu esplendor?. Em segundo lugar, com 0 surgimento dos “estudos visuais” (Visual Studies) nos anos 90, 0 foco da histéria da arte abandona a idéia da obra de arte “eterna” para utilizar uma abordagem que leva em consideragfio tanto 0s aspectos da produgao cul- rca do “funcionamento” das tural, quanto as questdes at imagens € sua agao sobre a nossa percepgio’. L. Max Dvciék, Studien zur Kunsigeschichie, Leipzig, Reclam, 1989; “Idea- fismus und Realismus in der Kunst der Neuzeil. Die Entwicklung der mnodemen Landschafismalerei”, Akademische Vorlesungen. aus dem Archiv des Kunsthistorischen Institus der Universititt Wien, Alfter, VDG, 1994 , Berlin, Mann, 1995;"Die le sance” (Vorirag aus dem Jahr 1912), em Wiener Jahrbuch fitr Kunstgeschichwe 1, 1997; Hans Aurenhummer, “Max Dyokik und die moderne Architektur, Bemerkungen zum Vorlrag, Die letzte Renaissance” (1912), em Wiener Jahrbuch flir Kunsigeschichte L, 1997; “Max Dvoksk ber Oskar Kokoschka. Fine handschrifiliche Fassung zu. ,Variationen iiber ein Thema”, em Patrick Werkner (ed.), Oskar Kokoschha. Aktuelle n, Hochschule fiir angewandte Kunst in Wien, 1998. Gegenwart Perspektiven, 2. Andreas Beyer (ed.), Die Lesbarkeit der Kunst. Zur Geist dor Ikonologie, Berlin, Wagenbach 1992 3. Por exemplo Michael Ann Holly ¢ Keith Moxey, Art History, Aesthetics, { ° Max Dvorak Assim, fa a seguir um eshoco da primeira Es- cola da Arte, para, em seguida, falar sobre a contribui- ao especilica de Dvorak para as mudangas no conceito original, avaliando a heranga intelectual de sua obra. Um dos papéis mais importantes da Escola de Vie- na foi sua contribuigao para a formaciio da hist6ria da arte como disciplina univer siléria. F) também importante mencionar aqui que a Escola de Viena, ao contrario da- quela de Hamburgo, nunca formulou um programa clara- mente definido ou objetivos homogéneos. Sobretudo a delimitagao pronunciada pela Nova Escola de Viena (Hans Sedlmayr, Otto Pacht e Guido Kaschnitz von Weinberg) contra a Antiga Escola (Franz Wickhoff, Alois Riegl, Max Dvorak e Julius von Schlosser) demonstra esta heterogeneidade. O vinculo da-se, antes, através da unidade institucional, através do Instituto da Histéria da Arle da Universidade de Viena e o Ir lituto das Pesqui- sas Histéricas da Austria (Institut fiir Osterreichische Geschichtsforschung), para quais 0 Denkmalpflege tinha um papel importante. © objetivo maior era delinear uma metodologia prépria da historia da arte e incluir a disci- plina no conjunto das iéncias humanas', Visual Studies, New Haven, London, Yale Unive ty Press, 2002; ver também a coletinea de textos, sobretudo da segunda Escola de Vie. na de Christopher $. Wood, The Vienna School Reader, Polities and Ant Historical Method in the 1930s, New York, Zone Books, 2000, 4. Gotz Pochat, Gerhard Schmidt, Geong Vasold, “Der Beitrag der Kunst: seschichte zur Ausformung der Humanwissenschaften”, em Karl Acham (ed.), Geschichte der asterreichischen Humantwiss vol. 5, Sprache, Literatur und Kunst, W: enschafien, fen, Passagen-Verlag, 2003, * 28. Catecismo da Preservagio de Monumentos A Escola de Viena esté inserida no contexto eon mudanga de paradigma na histéria de ate a Da de 1885, que levou & ruptura com véria: icles ate da disciplina; ou seja, ruplura com: ie ie cu fue ral que construiu e definiu o “classico” como a - das artes; 2. a apresentagao referente & oa de um individuo “genial”, de um artista; 3. a distingao en tre o “bonito” e 0 “feio” no sentido de um juizo valorativo dependente de critérios estéticos subjetivos. Como efei to dessa ruptura houve uma extensao do campo de pes- quisa, tornando o interesse da histéria da arte mais © momento, épocas como a ‘antigui abrangente. Até ; a dade tardia” ou o “harroco” haviam sido denunciadas como feias ou até mesmo como nado sendo arte. A partir ver © as centrai de entdo passaram a se desenvolyer como temas centr: da pesquisa. Além disso, uma outra distingZo também : : aoc wl J * perdeu a sua importincia: a diferenciagao entre arte . Com a rentincia dos cita- “maiores” e artes “aplicadas dos jutzos valorativos, tornou-se possfvel tomar alguma: P ear te je vestigagao”. €pocas isoladas como novos objetos de investigag wer, “L’Feole de i 14-405 também Artur Ros 103-444, aqui pp. 404-405 também Axtar Rosena pled Vienne: Ttavlonoiiie de Thstoi'de Pan, em Edouard Pate (on ) Histoire de Uhisioire de Uart, XVIIF et XIX* sideles, Paris, Klincksieck, 997, pp. 415-442. nie Dechik; Garonne Auftitze zur Kunstgeschichte (ed. de eae Wilde e Karl M. Swohoda), Miinchen, Piper 1929, pp. 2 Bi Kunsigeschichte als Geistesgeschichte, Studien zur penis an ‘ ili y olinston, Kunstentwicklung, Munchen, Piper, 1924 William M. Jain iy Osterreichische Kultur-und. Geisiesgeschichte. Gesellschaft ee ea terre z psn is 193 Bohlau, 1972, p. 162; Willib: Donauraum 1848 bis 1938, Wien, eld Saverlinder, “Alois Riegl und die Entstehung der autonomen Kunstges 248 Max Dvorak O membro mais importante da primeira Escola de Viena é Alois Riegl e seu conceito de “Kunstwollen” (voligaio da arte). Em substituigdo as explicagoes tradi- cionais para a origem da arte, lais como imitagéio, mate- rialidade ou té ‘a°, as quais, na opiniaio de Riegl, nao sao suficientes, surge a idéia das le estilfstieas, expri- mindo-se na gerag&o, continuidade ¢ desenvolvimento de algumas formas artisti . Como exemplo mais ilus- trativo ele escolhe 0 ornamento do acanto, que serviu de , somente em fungao de uma copia direta da planta’. Na concepgao de Riegl os mais importantes motivos dos or- namentos gregos, romanos e oriental a partir de alguns poucos motivos basi motivo arlistico, Para ele nao é posstvel explicar i se desenvolveram 0s, Seguindo uma ordem ininterrupta®. Na sua obra sobre a indiistria da arte tardo-romana, ele pretende atestar por meio de um procedimento semelhante, que a arte do periodo de mi- gragao das ibos germanicas possui as mesmas caracte- chichte am Fin de Siecle”, em Roger Bauer, Eckhard Hefirich (ed), Fin de Siecle. Zu Literatur und Kunst der Jahrhundertwende, nkfurt, Klosterman, 1977, pp. 162-171. 6. Sobretudo os dois tiltimos con: ilos se referem as publicagdes de Goultied Semper, Der Stil in den technischen und tekionischen. Kitnsten, oder praktische Aesthetik, vol. 1: Frankfurt, 1860; vol. 2: Munique, 1863; ver também Michael Conforth, “Les musées des aris appli- qués et histoire de Pant”, em Edouard Pommier (org.), Histoire de Uhistoire de Vart, XVIIF et XIX° sitcles, Paris, Klincksieck, 1997, pp. 327-347, Alois Riegl, Spairémische Kunstindusirie, Wien 1929 (reedigao Darms- tadt, 1992). Uma coleténea de comentarios e interpretagées da obra de Riegl encontra-se em Saul Ostrow (ed.), Framing Formalism, Riegl’s work, Amsterdam, G+B Arts, 2001. - Alois Riegl, Stilfragen. Grundlegungen. zu einer Geschichte der Orna- mentik, Berlin, Schmidt, 1923, p. XV. my Catecismo da Preservago de Monumentos * 25 rfsticas e mudangas estilfsticas que aquela criada nas tillimas fases da arte cléssica. Nesse sentido a arte dos “barbaros” e seu desenvolvimento segue as linhas da arte romana ja estabelecida, a qual havia anteriormente sido classificada como original’. Jé em 1901 Riegl ob- ‘o “simples- servou que o “Kunstwollen” é um pro As outras formas principais da expresséio mente idént humana, manifestando-se assim na religiao, na filosofia, na ciéncia, no estado e na justica”!”. Deste modo Riegl chega a seu conceito de uma gramatica histérica das ar- tes plasticas, sistematizando os poucos elementos nos quais se baseia a concepgio artistica de todas obras de arte sem excecao!!, Por volta de 1900, n&éo somente se ampliou o cam- po da histéria da arte, como foram também pluralizadas as épocas artisticas, ocorrendo um nivelamento das fron- teiras entre as disciplinas. Esse desenvolvimento tornou- se possivel porque o interesse principal de compreensao se voltou para os problemas de estilo e forma em con- ceitos mais abstratos e interligados. A diregao que j4 se havia proclamado foi aquela da andlise formal como metodologia’”. Esse conceito conecta 9. Alois Riegl, Spatrémische Kunstindustrie, Wien, Osterreichische Staatsdruckerei, 1927. 10. Alois Riegl, op. cit., p. 401. ; LL. Alois Riegl, Historische Grammatik der bildenden Kunste, ed. Karl. M. Swoboda e Otto Pacht, Graz et. al., Bohlau, 1966, p. 22; & também pp. 75-89 e 209-214. 12. Jost Hermand, Literarurwissenschafi und Kunsiwissenschaft Wechselbeziehungen seit 1900, Stutigart, Reclam, 1972, p. 1. 26 © Max Dvorik Riegl com o desenvolvimento posterior de Dvorak, que também buscou encontrar uma ligacéio entre as diferen- les manifestagé da cultura’, Sua obra-prima, o livro Kunsigeschichte als Geistesgeschichte 6 valido até hoje como linha diviséria quase tautolégica da histria da arte dentro do campo das ciéncias histéricas. Dvorak distan- cla-se em sua obra da argumentagao mono: sal de Riegl, incluindo também discursos nao-artisticos. Embo- ra em nenhum momento ele questione o desenvolyimen- to auténomo das artes ou 0 fato de elas representarem uma reflexdo “auténtica” e simples da hist6ria, Dvorak defen- de a tese de que 0 conhecimento dos acontecimentos, ou melhor, dos discursos na literatura, na filosofia, na reli- gido e nas ciéncias naturais ajuda a estubelecer um en- tendimento de época dentro do campo das artes visuais. A visao geral da produgao intelectual de uma época for- nece uma idéia da disposigao cultural ou, como ele cha- ma, da “Weltanschauung” (concepgfio do mundo ou ideologia). “Os processos gerais da cultura eriam os pres- Supostos para os proce: 8 artisticos. [...] Sem o conheci- mento das idéias intelectuais muitas vezes nao é possivel entender o sentido, [...] a substancia e a solucdo formal nas obras de arte”, Na sua concepgiio, que se encontra em Kunstgeschichte als Geistesgeschic e, ndo se trata de 13. Sobre a relagao entre Riegl ¢ Dvoiék, ver Artur Rosenauer, “Das Ratsel der Kunst der Briider van Eyck ~ Max Dvoték und seine Stellung zu Wickhoff und Riegl”, em Alten des XXV. Inter- nationalen Kongresses fiir Kunstgeschichte, vol. 1/1, Wien et al., 1984, pp. 45-58, 14. Dvokak, 1974, pp. 31-32. Catecismo da Preservagaio de Monumentos ¢ 27 uma tentativa de deduzir arbitrariamente a arte de uma mentalidade cultural, mas de ampliar e melhorar a abor- sse modo, de um dagem de Riegl, libertando-a, de formalismo exagerado!®. Nao seria suficiente conhecer 0 contexto para “compreender” uma obra de arte “em sua totalidade”, mas esse fato ajudaria como orientago inte- lectual. Com essa abordagem, comprometida com a his- t6ria cultural, buscou obter o esclarecimento das condi- gdes contextuais. Esse projeto bastante prestigioso tinha como objetivo estabelecer uma histéria da arte que acei- sm uma de- lasse a influéncia n&o-artistica, evitando por pendéncia absoluta. Nesse sentido é possivel comparar os conceitos de Dyorak com aqueles de Warburg ou com abordagens atuais nos “Visual Studies” anglo-america- nos. Mesmo sua metodologia nao sendo completamente consistente e ele tendo sido acusado por Sedimayr, um dos maiores representantes da segunda Escola de Viena, de um certo determinismo", ainda assim € possfvel apre- ciar a forma aberta de sua abordagem. Sobretudo porque, depois do rigor formal de Riegl, abriu caminho para uma avaliagio do conteido da obra da arte. Além de contextualizar a obra de arte, Dvorak também tentou historicizar 0 termo, 0 proprio conceito da arte, indagan- Jv de Johann Friedrich Herbart, Reinbek, Rowohlt, 1997 stesgeschichle”, Kunst Sobretudo um formalismo na tra Lambert Wiesing, Die Sichtbarkeit des Bilde 16, Hans Sedimayr, “Kunstgesehichte als Geis und Wahrheit. Zur Theorie und Methode der Kunstgeschichte, Mittenwald, Maander 1978, pp. 81-85: ¢, em geral, ver Ernst H. Gombrich, Die Krise der Kulturgeschichte, Miinchen-Stuttgart, Klett- Cotta, 1991, pp. 35-41 SS atl 28 © Max Dvorak do produtores e receptores de sua idéia da arte. Compa- rou a arte com outras objetivagdes, criando assim para- lelismos com a historia social, da religidio e da economia'’. Em seu artigo “Idealismus und Naturalismus in der goliscl lismo na Escultura e Pintura Gotica”), por exemplo, rele- en Skulptur und Malerei” (“Idealismo e Natura- you o papel da discussao do nominalismo e em sua obra Geschichte der italienischen Kunst im Zeitalter der Renaissance (Historia da Arte Italiana na Epoca do Renascimento), de 1924, ele se refere A situagiio especifi- ca do mercado veneziano no sé tulo XVI, dissertando acer- ca da obra de Tintoretto'®. Seus alunos continuaram e mo- dificaram a abordagem: Frederick Antal criou, com seu livro Florentine Painting and its Social Background de 1948, a diregao de uma hist6ria da arte hist6ri ‘ocial; seu outro disefpulo, Fritz Saxl, tornou-se em Hamburgo e, mais tarde, em Londres, um dos representantes mais importantes da Escola iconogréfico-iconolégica da hist6- de Dvorak demons- lra sua posigao singular entre a prime’ ria da arte!”, Sobretudo essa herang a e a segunda Es- cola de Viena. A segunda Escola de Viena surgiu e estabeleceu- se dentre a crise do Instituto, varios anos apés a morte 17, Pochat, 2003, p. 413 8. Os dois textos encontram-se em Dvorak 1995; yer também Hans H. Aurenhammer, “Max Dyorak, Tintoretto und die Moderne. Kunstgy chichte yom Standpunkt unserer Kunstentwicklung betrachte Wiener Jahrbuch fiir Kunstgeschichie IL, 1996, pp. 9-15. 19. Halbertsma designa a prépria obra tardia de Dvofék como ico- nolégica; Marlite Halberisma, Wilhelm Pinder und die deutsche Kunstgeschichte, Worms, Werner, 1992, p. 44, Catecismo da Preservagio de Monumentos © 29 de Dvorak”. A disputa de cardcter no somente intelec- tual mas também pessoal entre von Schlosser, 0 suces- sor de Dvorak, e Straygowski parecia paralizar o Institu- to e sua produgao. Além disso von Schlosser, bastante mais radical, e Strzygowski criticaram fortemente a pri- meira Escola de Viena. Durante esse periodo os alunos podem ser diyididos entre Rieglianos, os quais se orien- tavam em uma histéria da arte formalista, buscando o de- senvolvimento hist6rico, e Dvordkianos, estes tltimos comprometidos com uma histéria da arte do contetido dentro das ciéncias humanas (Geisteswissenschaften)”'. O grupo ligado a segunda Escola de Viena, isto 6 a Sedlmayr, Piicht e Kaschnitz von Weinberg, ou ao con- ceito de “Strukturforschung” (andlise estrutural) tentou sintetizar as duas diregdes”. J4 nos anos 20 do século ussao acerca da passado, Sedlmayr deu inicio a d metodologia baseada em Riegl, porém esse método se implantou definitivamente na sucessio de Dvorak”. 20, Um enquadramento atual pede ser encontrado no Reader de Wood, na introdugao; Wood, 2000, pp. 9-81. 21, Sergiusz Michalski, “Strukturanalyse, Gestaltismus und die Kubler'sche Theorie. Einige Bemerkungen zu ihrer Geschichte und Abgrenzung”, Problemi di Metodo. Condizioni di Ksistenza di una Storia dell’Arie, Atti del XXIV Congreso C.1LH.A, caderne 10, Bologna 1982, pp. 69-7 ur methodologis Siellung der Wiener Schule in den zwanziger und dreifiger Jahren”, em Aten des XXV. Internationalen Kongresses fuer Kunstgeschichie, vol. W/1, Wien et al., 1984, pp. 82-85. 22. Pochat 20 23. “Die Quintessenz der Lehren Riegls” de 1929 ¢ “Zu einer sirengen Kunstwissenschafi” de 1931, Hans Sedlmayr, Finleitung, “Die Quintessenz der Lehren Riegls”, em Karl M. Swoboda (org.), Alois Riegl, Gesammelte Aufsitze, Augsburg, Filser, 1929, pp. XI-XXXIVs nen }; do mesmo autor, 28 * Max Dvorak do produtores ¢ receptores de sua idéia da arte. Compa- rou a arte com outras objetivagdes, criando assim para- lelismos com a historia social, da religigio e da economia'’. Em seu artigo “Idealismus und Naturalismus in der gotischen Skulptur und Malerei” (“Idealismo e Natura- lismo na Escultura e Pintura Gotica”), por exemplo, rele- vou 0 papel da discussao do nominalismo e em sua obra Gese ischen Kunst im Zeitalter der Renaissance (Histéria da Arte Italiana na Epoca do Renascimento), de 1924, ele se refere d situagao especifi- ca do mercado veneziano no século XVI, dissertando acer- ca da obra de Tintoretto'®. Seus alunos continuaram e mo- dificaram essa abordagem: Frederick Antal criou, com seu livro Florentine Painting and its Social Background de 1948, a diregao de uma histéria da arte hist6rico-social; seu outro discfpulo, Fritz Saxl, tornou-se em Hamburgo e, mais tarde, em Londres, um dos representantes mais importantes da Escola iconogréfico-iconolégica da hist6- ria da arte!’. Sobretudo essa heranga de Dyorék demons- tra sua posigao singular entre a primeira e a segunda Es- cola de Viena. A segunda Escola de Viena surgiu ¢ estabeleceu- se dentre a crise do Instituto, vérios anos apés a morte 17. Pochat, 2003, p. 413. 18, Os dois textos encontram-se em DvoFék 1995; ver também Hans H Aurenhammer, “Max Dvorak, Tintoretio und die Moderne. Kunstges- chichte yom Standpunkt unserer Kunstentwicklung betrachte Wiener Jahrbuch fir Kunstgeschichte IL, 1996, pp. 9-15. 19, Halbertsma designa a propria obra tardia de Dvokak como ico- nolégica: Marlite Halbertsma, Wilhelm Pinder und die deutsche Kunstgeschichte, Worms, Werner, 1992, p. 44 Catecismo da Preservagio de Monumentos © 29 de Dvorak. A disputa de cardcter nao somente intelec- tual mas também pessoal entre von Schlosser, 0 suces- sor de Dvorak, e Suzygowski parecia paralizar o Institu- to e sua produgao. Além disso von Schlosser, bastante mais radical, e Strzygowski criticaram fortemente a pri- meira Escola de Viena. Durante esse perfodo os alunos podem ser divididos entre Rieglianos, os quais se orien- tayam em uma historia da arte formalista, buscando 0 de- senvolyimento histérico, e Dvorakianos, estes tiltimos comprometidos com uma histéria da arte do contetido dentro das ciéncias humanas (Geisteswissenschaften)”. O grupo ligado & segunda Escola de Viena, isto ¢ a Sedlmayr, Piicht ¢ Kaschnitz von Weinberg, ou ao con- ceito de “Strukturforschung” (andlise estrutural) tentou sintetizar as duas diregdes”. J4 nos anos 20 do século io acerca da passado, Sedlmayr deu infcio a discus metodologia baseada em Riegl, porém esse método se io de. Dvorak”. implantou definitivamente na suce 20, Um enquadramento atual pode ser encontrado no Reader de Wood, ha introdugio; Wood, 2000, pp. 9-81. 21. Sergiuse Michalski, “Strukturanalyse, Gestaltismus und die Kubler'sche Theorie. Einige Bemerkungen zu ihrer Geschichte und Abgrenzung”, Problemi di Metodo, Condizioni di Esistenza di una Storia dell'Arie, Atti del XXIV Congreso C.LH.A, caderne 10, Bologna 1982, pp. 69-74; do mesmo autor, “Zur methodologischen Stellung der Wiener Schule in den zwanziger und dreiBiger Jahren”, em Akten des XXV. Internationalen Kongresses fuer Kunsigeschichte, vol. V1, Wien et al., 1984, pp. 82-85. 22, Pochat 2003, p. 425. 23. “Die Quintessenz der Lehren Riegls” de 1929 ¢ “Zu einer strengen Kunstwissenschaft” de 1931, Hans Sedlmayr, Finleitung, “Die Quintessenz der Lehren Riegls", em Karl M. Swoboda (org.), Alois Rieg!, Gesammelte Aufsdize, Augsburg, Filser, 1929, pp. XI-XXX1V3 wt wt 28 ¢ Max Dvorak do produtores e receptores de sua idéia da arte. Compa- rou a arte com outras objetivagdes, criando assim para- lelismos com a historia social, da religido e da economia’, Em seu artigo “Idealismus und Naturalismus in der gotischen Skulptur und Malerei” (“Idealismo e Natura- lismo na Escultura e Pintura Gotica”), por exemplo, rele- do do nominalismo ¢ em sua obra Geschichte der italienischen Kunst vou 0 papel da discus im Zeitalter der Renaissance (Historia da Arte Italiana na Epoca do Renascimento), de 1924, ele se refere a situagio especifi- ca do mercado veneziano no século XVI, dissertando acer- ca da obra de Tintoretto"’. Seus alunos continuaram e mo- dificaram essa abordagem: Frederick Antal criou, com seu livro Florentine Painting and its So ial Background de 1948, a diregaio de uma historia da arte histérico-social; seu outro discfpulo, Fritz Saxl, tornou-se em Hamburgo e, mais tarde, em Londres, um dos representantes mais importantes da Escola iconografico-iconolégica da hist6- de Dyotak demons- ria da arte!®. Sobretudo essa herang tra sua posigao singular entre a primeira e a segunda Es- cola de Viena. A segunda Escola de Viena surgiu ¢ estabeleceu- se dentre a crise do Instituto, varios anos apés a morte 17. Pochat, 2003. 18. Os dois textos encontram-se em Dvorak 1995; ver também Hans H. Aurenhammer, “Max Dyotak, Tintoretto und die Moderne. Kunstges- chichte yom Standpunkt unserer Kunstentwicklung betrachtet’ Wiener Jahrbuch fir Kunstgeschichte IL, 1996, pp. 9-15 f 19. Halbertsma designa a propria obra tardia de Dvoték como ico- nolégica; Marlite Halbertsma, Wilhelm Pinder und die deutsche Kunstgeschichie, Worms, Werner, 1992, p. 44 Catecismo da Preservagéo de Monumentos © 29 de Dvordk2*, A disputa de cardcter ndo somente intelec- tual mas também pessoal entre von Schlosser, 0 suces- sor de Dyotak, ¢ Suzygowski parecia paralizar o Institu- to e sua produgao. Além disso von Schlosser, bastante mais radical, e Strzygowski criticaram fortemente a pri- meira Escola de Viena. Durante esse perfodo os alunos podem ser diyididos entre Rieglianos, 0s quais se orien- tavam em uma histéria da arte formalista, buscando 0 de- senvolvimento hist6rico, e Dvorakianos, estes tltimos comprometidos com uma historia da arte do contetido dentro das ciéncias humanas (Geisteswissenschaften)". O grupo ligado a segunda Escola de Viena, isto é a Sedlmayr, Piicht e Kaschnitz von Weinberg, ou ao con- sito de “Strukturforschung” (andlise estrutural) tentou sintetizar as duas diregdes”. J4 nos anos 20 do século passado, Sedlmayr deu infcio & discussao acerca da metodologia baseada em Riegl, porém esse método se implantou definitivamente na sucessio de Dvorak?. 20, Um enquadramento atual pede ser encontrado no Reader de Wood, na introdugao; Wood, 2000, pp. 9-81. 21, Sergiusz Michalski, “Strukturanalyse, Gestaltis Kubler'sche Theorie. Finige Bemerkungen zu ihrer Geschichte und Abgrenzung”, Problemi di Metodo, Condizioni di Esistenza di una Storia dell’Arte, Atti del XXIV Congresso C.LH.A, caderae 10, Bologna 1982, pp. 69-74; do mesmo autor, “Zur methodologischen der Wiener Schule in den zwanziger und dreiBiger Jahren”, em Akten des XXV. Internationalen Kongresses fuer Kunstgeschichte, vol. W/1, Wien et al., 1984, pp. 82-85. 22, Pochat 2003, p. 425. 23. “Die Quintessenz der Lchren Riegls” de 1929 ¢ “Zu einer strengen Kunstwissensehaft” de 1931, Hans Sedlmayr, Finleitung, “Die Quintessenz der Lehren Riegls”, em Karl M. Swoboda (org.), Alois Riegl, Gesammelte Aufsilize, Augsburg, Filser, 1929, pp. XI-XXX1V; und die mi ati " i 28 © Max Dvyorék do produtores ¢ receptores de sua idéia da arte. Compa- rou a arte com outras objetivagées, criando assim para- lelismos com a histéria social, da religido e da economia'’. Em seu artigo “Idealismus und Naturalismus in der gotischen Skulptur und Malerei” (“Idealismo e Natura- lismo na Escultura e Pintura Gética”), por exemple, rele- vou o papel da discussdo do nominalismo e em sua obra Geschichte der italienischen Kunst im Zeitalter der Renaissance (Historia da Arte Italiana na Epoca do Renascimento), de 192A, ele se refere a situagiio especifi- ca do mercado veneziano no século XVI, dissertando acer- ca da obra de Tintoretto™. Seus alunos continuaram e mo- dificaram essa abordagem: Frederick Antal criou, com seu livro Florentine Painting and its Social Background de 1948, a diregdo de uma histéria da arte hist6rico-social; seu outro discfpulo, Fritz Saxl, tornou-se em Hamburgo e, mais tarde, em Londres, um dos representantes mais importantes da Escola iconografico-iconologica da hist6- ria da arte". Sobretudo essa heranga de Dvoték demons- tra sua posigao singular entre a primeira e a segunda Es- cola de Viena. A segunda Escola de Viena surgiu e estabeleceu- se dentre a crise do Ins\ ituto, varios anos apés a morte 17. Pochat, 2003, p. 413. 18. Os dois textos encontram-se em Dvorak 1995; ver também Hans H. Aurenhammer, “Max Dvo#sk, Tintoretto und die Moderne. Kunstges chichte vom Standpunkt unserer Kunstentwicklung hetrachte Wiener Jahrbuch fiir Kunsigeschichie IL, 1996, pp. 9-15. 19, Helbertsma designa a propria obra tardia de Dvotak como ico- nolégica; Marlite Halbertsma, Wilhelm Pinder und die deutsche Kunstgeschichte, Worms, Werner, 1992, p. 44. Catecismo da Preservagio de Monumentos © 29 de Dvorak”. A disputa de cardcter nado somente intelec- tual mas também pessoal entre von Schlosser, 0 suces- sor de Dvotaék, e Strzygowski parecia paralizar o Institu- to sua produgao. Além disso von Schlosser, bastante mais radical, e Suzygowski criticaram fortemente a pri- meira Escola de Viena. Durante esse perfodo os alunos podem ser divididos entre Rieglianos, os quais se orien- tavam em uma hist6ria da arte formalista, buscando 0 de- senvolvimento hist6rico, e Dvoradkianos, estes tillimos comprometidos com uma histéria da arte do contetido dentro das ciéncias humanas (Geisteswissenschaften)”'. O grupo ligado a segunda Escola de Viena, isto é a Sedlmayr, Piicht e Kaschnitz von Weinberg, ou ao con- ceito de “Strukturforschung” (andlise estrutural) tentou sintetizar as duas diregdes”. Jé nos anos 20 do século sussdo acerca da passado, Sedlmayr deu infcio a dis metodologia baseada em Riegl, porém esse método se implantou definitivamente na sucessio de Dvorak’. 20. Um enquadramento atual pode ser encontrado no Reader de Wood, na introdugao; Wood, 2000, pp. 9-81. 21. Sergiusz Michalski, “Strukturanalyse, Gestaltismus und Kubler'sche Theorie, Einige Bemerkungen zu ihrer Geschichte und Abgrenzung”, Problemi di Metodo. Condizioni di Esistenza di una Storia dell’Arie, Atti del XXIV Congreso C.LH.A, caderne 10, Bologna 1982, pp. 69-74; do mesmo autor, “Zur methodologischen Stellung der Wiener Schule in den zwansiger und dreiiger Jahren”, em Akten des XXV. Internationalen Kongresses fuer Kunstgeschichie, vol. W/1, Wien et al., 1984, pp. 82-85. 22, Pochat 2003, p. 425. 23. “Die Quintessenz der Lehren Riegls” de 1929 Kunstwissenschaft” de 1931, Hans Sedlmayr, Finleitung, “Die Quintessenz der Lehren Riegls”, em Karl M. Swoboda (org.), Alois Riegl, Gesammelte Aufsdtze, Augsburg, Filser, 1929, pp. XI-XXX1V: einer sirengen ni at 30 * Max Dva Schneider supde que a recepgao se dé através de Wi- lhelm Pinde politica em favor do Nazismo — entdo contra as idéias de Dvyorak?", N ceilos € termos-ch 1 partir dos anos 30 com uma acentuagéo es primeiros textos encontram-s bs COn- ave do pensamento de Sedlmayr, como por exemplo a “Strukturanalyse’ . Na primeira fase, vinculou a psicologia de Wertheimer a uma fenome- nologia, com o objetivo, antes, de compreender as ca- racteristicas de uma obra de arte, a qual, apesar do rigor metodolégico, poderia ser vista como uma “Wesens- schau” (vista da substancia) intuitiva®, Baseando-se mais na distingao de Riegl entre “iiuerem Stilcharak- Zu einer strengen Kunswissenschalt”, Kunsimissenschafiliche For- schungen, vol. 1, 1931, pp. 8-32, sobre a bibliografia de Sedimay ver também Pochat, 2003, pp. 442-443 e Norbert Schneider, » em Heinrich Dilly (org.), Alimeister moderner Kunstgeschichte, Berlin, Reimer, 1999, p. 282. Infelizmente nao ha espaco aqui para desenvolver uma discusstio da aplicagao de metodologia no seu livro mais popular: Hans Sedlmayr, Der Verlust der Mitte. Die bildende Kunst des 19. und 20. Jahrhunderts als Symptom und Symbol der Zeit, Salzburg, Miller, 1948 com mais de 11 edigdes até 1988 © varias tradugdes (Londres 1951, ¢ 1958, Barcelona 1959, Tokyo 1965, Milio 1970, Seul 1983), 24, Schneider 1999, p. 268. Também sobre o desenvolvimento de Sedelmayr no nazismo, pp. 271-276. 25, Para anilises que comparam conceitos da Escola de Viena com o “Estruturalismo” francés ou icheco, ver Margaret Rose Olin, Forms of Representation in Alois Riegl's Theory of Ari, Pittsburgh, University of Pennsylvania 1992, p. XXII; Karol Chyatik, Mensch und Struktur, coforte 1987; comparando com Roland Barthes, Martin Michael RoB, Kitnsilerische Struktur und Strukturikonologie. Guido Kaschnits von Weinberg und sein Beitrag zw einer Strukturorientierten Kunstwissenschafi, Minchen, Pleil, 1990, pp. 56-62; criticando esta posiggo, ver Michalski 1982, pp, 69- 26. Nesse sentido, ver também a critica de Meyer Schapiro, “The New Viennes School”, Art Bulletin, vol. 18, 1936, pp. 258-266. “Hans Sedimayr”, ago Catecismo da Preseryacéo de Monumentos © 31 ter” (carter estil{stico exterior) e “Stilprinzip” (ouncire estilistico), Sedlmayr 6 de opiniao que esta uma, calls goria coincide com sua concepgao do Frese (princfpio estrutural) que define as diferentes partes de uma obra de arte como possuidoras de uma “necessida- de interior”, a qual ele descreve como organizagao inte- rior. Assim, o estilo passa a ser uma varidvel dependen- te desses princfpios interiores estruturais’’, Na Begunde fase, nos anos 50, incluiu em sua tese outros conceilos de Dvorak, sobretudo em sua obra sobre a génese da catedral’*, Seu modelo histérico 6 certamente baseado no pensamento do romantismo, sua interpretagao, con- tudo, considera o Ambito da obra coletiva, contextua- lizando os fatores intelectuais e sociais na interpretagao da arquitetura”, vinculando contemplagao imediata & compreensio histérica. Em um segundo plano, seu noe delo constitui-se numa anédlise do significado alegérico, escatolégico e tropoldgico. A fim de unificar os dos l6- picos, desenvolve como termo-chave da interpretagao a sentido, Sedlmayr aban- verdade ou a evidéncia. Ne: dona claramente as diretrizes de Dvorak sobre a inter- pretagao e sua metodologia, e aproxima-se, problemati- camente, muito mais da teologia do que da historia, baseando-se num princfpio de espiritualidade neo-esco- 27. Sedimayr 1929, pp. X-XXV. ; 28. Hans Sedimayr, Die Entstehung der Kathedrale, Ziirich, Aulant 1950. ; oe 29. Sobre a recepgao do pensamento de Dilthey ¢ Spranger Schneider 1999, p. 278. 32 © Max Dvorak lastico™. Porém, atribuindo também a arquitetura um significado de contetido, abre dessa forma 0 caminho para estudos iconogréfico-iconolégicos nesta disciplina. im sua exposigao, Sedlmayr desenvolve uma interpre- tagdo graduada, que difere bastante do esquema de Pa- nofsky: depois da andlise das formas, busca a recons- uugao do significado dos fatos histéricos. Este primeiro ato ele denomina compreensio noética. Na obra de Pacht encontra-se obviamente também a r epgao do pensamento tanto de Riegl, como de Dvorak; porém, seu éxito consiste, antes, na inclustio do papel do especta- dor na andlise estrutural®!, Por isso, deu maior acentua- Gao ao cardter arlfstico, sem esquecer, porém, a fungao de uma pintura ow escultura, nao tendo desenvolvido um sistema como Dyordk ou seu sucessor Sedlmayr. A tendéncia de Dyotak de generalizar foi bastan- te criticada, sobretudo suas afirmagées acerca da exis- téncia de uma Weltanschauung omnipresente e¢ universal. Também 6 legitimo questionar se 0 termo Weltanschauung 6 menos impreciso ou nebuloso do que aquele do Kunstwollen de Riegl. Uma outra criti- ca ao conceilo de Dyotak € 0 fato de ele ter acabado com o juizo valorativo — com a avali, cao da “arte menor” e da arte das épocas “decadentes” — impossi- bilitando assim uma distingao clara entre arte e nao- arte. Mas 6 justamente por esta tiltima postura que a 30. Schneider, 1990, pp. 280-281. 31. Ver, por exemplo, Otlo Pucht, Methodisches zur kunsthistorischen Praxis, Miinchen, Prestel, 1977. Catecismo da Preservagio de Momumentos * 33 metodologia e as abordagens de Dvorak tornam-se cada vez mais atraentes para as correntes aluais no campo dos “Visual Studies”, que tém como oben ultrapassar os limites da histéria da arte tradicional e encontram em Dvo¥dk um testemunho vélido nessa diregio. 3. Observacées sobre as Propostas de Alois Riegl e de Max Dvorak para a Preservacao de Monumentos Histéricos Beatriz Mugayar Kiihl Alois Riegl (1858-1905) e Max Dvorak (1874- 1921) tiveram importancia fundamental para consolidar a preservagao de monumentos na Austria. Riegl, ade- mais, deu passos primordiais para fazer com que a pre- servagio se firmasse como campo disciplinar com a devida autonomia. Ambos ofereceram contribuigoes tedricas de grande significAncia, com varios aspectos que permanecem atuais. A reslauragdo na Austria, na segunda metade do século XIX, assim como em outras regides da Europa, foi marcada pelas praticas voltadas a completamentos e refazimentos visando a unidade de estilo, mostrando a repercussio do que se fazia na Franga, seguindo 0 idea- im my 36° Max Dvorak tio de Viollet-le-Duc!. Almejay se alingir um estado completo (por vezes fantasioso) de um bem, nao impor- tando se, para tanto, fos sem sacrificadas varias fases da passagem da obra no decorrer do tempo e feilas substi- tuigées e alteragdes macigas. A obra nao era entendida em sua individualidade — nem de sua conformagao, nem de seu particular transeurso ao longo do tempo —, mas era vista como fazendo parte de um sistema fechado, re- metendo-se a um estilo especifico € idealizado, deven- do-se relacionar de forma univoca a esse estilo. A Austria fora dotada, em meados do século XIX, de uma Comissao Imperial yoltada a preservacao do patrimdnio construido (Kaiserlich Konigliche Central- Commission zur Erfassung und Erhaltung der Bauden- kmale). Duas décadas mais tard essa mesma Comissao Seria encarregada também de fazer restauragé Apesar da prdtica no local ser marcada pelos refazimentos e completamentos em estilo, podem-se detectar, em alguns autores, repercuss William Morris?. es das idéias de John Ruskin e Na virada do século XIX para o XX, um renova- do modo de perceber os monuments histéricos ganha corpo na Austria, sendo 0 processo diretamente asso- Ver Fugene manuel Viollet-le-Duc, Restauragdo, Cotia (SP), Ateli 1, 2000, ; 2. Informagdes do texto de Peter Breitling, itor ; ‘The Origins and Deve- lopment of a Conservation Philosophy in Austria”. em Roger Kain Planning for Conservation, London, Mansell, 1981, pp. 49-61. Ver ainda o mesmo escrito para informagées ¢ bibliogralia complemen- lares sobre o tema. Catecismo da Preseryacio de Monumentos * 37 ciado a Riegl e Dvorak. Riegl foi nomeado presidente da Comissiio em 1903. Formulou colocagdes de enor- me interesse, em especial na obra O Culto Moderno dos Monumentos, daquele mesmo ano. Esse texto faz parte de um projeto de organizagao legislativa para a conservacaio na Austria, sendo composto de tés par- tes: a primeira, justamente “O Culto”, que é a disc sao teérica que fundamenta a proposta de lei; a segun- da, é o projeto de lei para a tutela dos monumentos; a parte final é composta pelas disposigdes para aplica- cio da lei® (cuja implementagao, a regulamentagao ia concretizada décadas mais tarde, com legal, outra conformagao). Riegl faleceria pouco tempo de- pois, mas através de suas formulagdes e proposi marcaria 0 campo de forma indelével. A Comissao Imperial, que continuava a existir, mas nao tinha autoridade normativa, foi reorganizada com a atuagao de Riegl e Dvorak. Em sua nova conformagio, dispunha de uma Comissao Central, de uma Secretaria nacional de monumentos (que contava com departamen- tos regionais), de um Conselho de conservadores e de um Instituto de Historia da Arte. Este tiltimo foi fundado em 1911, e Max Dvorak foi seu mentor e primeiro dire- tor". Dvorak foi ainda responsavel pelo primeiro volume 3. Ver sobretudo o lexto de Riegl, “Progetto di un’organizzazione legis- lativa della conservazione in Austria”, que faz parte da antologia de textos do autor organizada por Sandro Scarrocchia, Alois Riegl: Teo- ria e Prassi deila Conservazione dei Monumenti, Bologna, Acca- demia Clementina di Bologna, 1995, pp. 171-236 4, Ver Breitling, op. cit., pp. 54 38 © Max Dvyotik do inventario artistico austrfaco, publicado em Viena em 1907. Na introdugao, evidencia o papel essencial de Riegl para a Comis: io e para o estabelecimento dos lérios que guiaram o invent rio”. Desse modo, no inicio do século XX a Austria foi provida de uma complexa, arti lada e bem dotada estrutura, contando com um corpo de profis ionais devidamente capacitados, para preservar monumentos histéricos. No que se refere & conceituagao relativa ao campo, as contribuigdes de Riegl sao de inestimavel valor, ofe- recendo meios inovadores tanto para a teoria quanto para a pralica da preservagao dos monumentos histéric abarcando aspectos normativos, e elaborando andlises agudas sobre o papel dos monumentos hist6ricos e suas formas de apreens&o por uma dada sociedade®, Riegl deu passos fundamentais para consolidar a preservagiio de bens culturais como campo disciplinar auténomo’, 5. Osterreichisehe Kunstiopographie, Bd |: Die Denkmale ies poli- tischen Bezirkes Krems in Niederdsterreich, Wien, 1907. P: lises aprofundadas sobre 0 importantfssimo papel de Dvorak, ver © niimero especial da revista Osierreichischen Zeitschrifi fur Kunst und Denkmalpflege, n. 28, 1974, comemorative ao centendrio de ara and- : Hopographie” (pp. 105-114) € 0 texto de Eva Frodl-Kraft, “Die Osterreichischen Kunsttopogeaphie, Betrachtungen sub specie fundatoris” (pp. 114-110). 6. Para uma anélise pormenorizada do papel de Riegl para a tutela dos Mmonumentos, em que so também apresentudas ¢ analisadas formu lagoes de variados autores, ver Sandro Searrocchia, op. cit. Ver sobreludo a colo a co a esse respeito de autores tais como Margaret Olin, Wolfgang Kemp ¢ Jirg Oberhaidacher. Ver andlise de Scarrocchia, op. cit., pp. 29-35. Ver: de Margaret Olin, Forms of Respect: “Alois Riegl’s Concept of Attentiveness”, The Art Bulletin, Catecismo da Preservagio de Monumentos * 39 que deixou de ser apenas um “auxiliar” da historia da arte (assim como também contribuiu para a consolida- cio da prépria histéria da arte como um campo auténo- sumir mo em relagdo a “histéria geral”), passando a a: caracteristicas proprias, podendo, por sua vez, oferecer contribuigdes para a historiografia e para a criagiio ar- listica contemporanea. Elaborou proposigées prospec- livas, que permanecem validas ainda hoje, e que con- tém elementos que podem ser continuamente explorados. Naquele periodo se exacerbava o conflito entre dois modos distintos de se entender o trato de monumentos histéricos, a conservacio e a restauragio, algo que trans- ulo anterior em Adolphe Didron, na parece jd no s contraposigio entre Ruskin e Viollet-le-Duc e nas for- mulagodes de Camillo Boito. As colocagies de Riegl tive- ram como intuito oferecer uma nova fundamentagio a conservagao, exlremamente respeitosa em relagdo ao documento hist6rico, e uma transformagao institucional (c do proprio instituir) da disciplina. Procurou estabele- cer a conservagao baseada no respeito ao valor “de an- tigo”, come um modo de embasar a tutela dos ino St los, que no mais teria como objetivo, como predominara alé ent&o na praxis austrfaca, a unidade de estilo. Ou seja, a tutela nao se volta a retomada de “formas” anti- gas, nem desconsidera as varias fases dos edificios; tem n, 2, vol. 71, 1989, pp. 265-299: de Wolfgang Kemp, “Alois Ries!” om H. Dilly (oxg.), Alimeister moderner Kunsigeschichte, Betling 1990, pp. 37-60; de Jérg Oberhaidacher, “Riegls Idee", Wiener Jarbuch fiir Kunsigeschichie, 1985, vol. 28, pp. 199-218. m7 “n yw 40 ¢ Max Dvorak por objetivo respeitar escrupulosamente o bem e os pro- prios tragos de antigtiidade. Ademais, para Riegl, mo- numentos histéricos eram nao apenas s “obras de arte”, mas qualquer obra humana com certa anligiiidade (para ele, qualquer obra com mais de sessenta anos, que equi- vale ao distanciamento critico de duas geragdes)®, con- trapondo-se assim as polfticas de preservagao que se voltavam apenas aos objetos de excepcional relevancia histérica e artistica. Outro tema de interesse que emerge de suas coloca- g edificios hist6ricos, problema conceitual da maior relevan- cia. Essa questdo tem despertado ardorosos debat de entao, sendo exemplos as colocagées de autores de Iin- gua alema, em prineipios do século XX, tai s € a insergdo de novos elementos em contextos ou des- como Riegl, Paul Clemen — historiador da arte e conservador provin- cial da Renania (de 1892 a 1902), dedicando-se depois ao ensino universitério em Bonn — e Georg Dehio — que trabalhou no ambito da histéria da arte ¢ da conservacao, sendo professor em Kéningsberg, Bonn e Estrasburgo -, todos a favor de uma escrupulosa conservacao. Os dois primeiros mostraram-se, porém, flexiveis em relagao a inlervencao que poderia, a: egurada a conservacao do e ente, comportar também, eventualmente, a insergdio de novos elementos e a inovagao. Dehio, por sua vez, as- sim como Riegl e Clemen, era contra as propostas que vi- savam A unidade estilistica e apreciava as varias estra- 8, Scarrocchia, op. cit., em especial pp. 91-110 ¢ pp. 55-73. eS ee a ea Catecismo da Preservagio de Monumentos * 41 lificagdes da hist6ria, opondo-se decididamente a proje- tos de reconstrug&o em estilo. Era, porém, reticente em io aos restauradores “artistas” — nesse caso, enten- relag didos como aqueles que praticavam a livre e arbitraria criagao artfstica em busca de completamento e unidade estilfstica, principalmente no que concerne aos comple- tamentos excessivos e injustificados. Contrapunha essa postura A conservagdo, que deveria recair no campo his- t6rico-critico. De fato, Dehio considera que a criatividade artistica néo deva ser vinculada ao campo da conserva- cao, formulando a enfatica frase “Deus proteja os monu- mentos dos restauradores geniais”. Riegl, no texto “Projeto de Organizagao Legislativa da Conservagao na Austria”, oferece um exemplo da pos- sivel conjugagao do novo com o existente, através do caso de uma cobertura de torre que ameaga desabar: A futura tutela dos monumentos, que se interessaré sobretu- do pela conservagao do valor de antigo, no exemplo citado condu- ziré andlises as mais rigorosas possiveis, voltadas a verificar se a torre com cobertura em forma de bulbo que chegou até nés se tor- litante a ponto de dever ser substituida nou verdadeiramente per ilar uma restauracao tao radical que por uma torre nova ou de nec se tora préxima a violar de modo inoportuno ou cancelar de todo os tragos de antigiiidade. Se resultar das andlises que o teto da tor- re deve ser renovado, naquele mesmo momento 0 interesse da au- toridade de tutela cessard completamente para aquele objeto para retornar apenas depois de um perfodo de 60 anos apés a constru- |, 0 texio de Dehio, “La Protezione e la Cura dei 17. A cilagiio est na pagina 356, 9. Ver, na obra de Searrwec Monumenti nell’Qttocento”, pp. 34 42 © Max Dvorak Gao do teto novo. Para a autoridade de tutela dos monumentos 6 to- talmente indiferente s se a torre serd renovada em estilo gético ou harroco, porque, de todo modo, a torre permanecerd, naquele mo- mento, privada do valor de antigo. A torre nova significa para a au- toridade de tutela somente uma obra construfda ex-novo, ou seja, uma obra modema, mesmo que realizada utilizando formas de esti- lo antigo. Como obra moderna, a torre esti sujeita & eritica de uma opiniao moderna e sobretudo ao juizo do gosto do comitente, mas de modo algum a um voto da autoridade para a tutela dos monu- mentos, que no futuro deverd repelir decididamente a fumgaio de conselheiro estético. A tutela dos monumentos nao reconhece mais © postulado da unidade estilistica: cada parte aulénoma pode mos- trar um estilo por si independente!. Desse modo, 0 autor preconiza uma distingao entre © momento da conservagio propriamente dita, que res- peita de modo absoluto aquilo que chegou até os dias atuais, e o eventual projeto de completamento, que em al- guns casos deve suceder & conservagdo e se torna uma adigao, podendo ser equiparado a um projeto de criagio contemporanea. Ou seja, pelo fato de nfo mais se buscar a unidade de estilo, uma possfvel adigfo a uma obra, mes- mo que retome formas do passado, nao possui valor me- morial (e sé poderd interessar A tutela de monumentos depois de um periodo de sesssenta anos) e deve ser trata- da como uma obra moderna e sujeita, como tal, ao julga- mento pela sociedade. Por nao mais se postular a unidade 10, Para a discussao sobre o tema, ver Searrocchia, op. cit.. pp. 70 © 575-578. No que se refere as caloe wes de Riegl. ver “Progetto di un’Organizzazione Legislativa della Conservazione in Austria”, na occhia, p. 225, obra de Se Catecisme da Preservagéo de Monumentos © 43 de estilo, admite a possibilidade de uma autonomia for- mal de novos elementos inseridos em edificios histéricos. As propostas de Riegl tendiam, ademais, a se dis- lanciar da discussio sobre monumentos histéricos fun- damentada apenas em consideragdes histérico-artisti- cas, como prevalecera até entéio, passando a levar em conta também as formas de recepgao, de percepgao e de fruico dos monumentos, através dos “valores” por ele explicitados em O Culto. Neste ultimo texto, Ricgl adota a posigio de observador objetivo, com certo dis- tanciamento, e analisa os monumentos histéricos atra- vés da repercussao da cultura de massa, que comega- va a despontar. Procura examinar as varias formas, os varios pontos de vista que se pode ter em relagiio aos monumentos. Riegl esquematizou-os em valores de « san pae “rememoragiio” e valores de “contemporaneidade”, subdividindo-os por sua vez em varias classes. Os valores de rememoragao eram divididos em valor de “antigiiidade” (ou valor “de antigo”), valor “histérico” e valor de “rememoragao intencional”. Os valores de “rememoragiio” foram assim comparados pelo autor: Enquanto o valor de antigiiidade esta fundamentado ex- clusivamente na degradacgao, enquanto o valor histérico quer de- ler toda degradagaio a partir de sua intervengo, mas perderia sua raviio de ser sem as degradagées anteriores, o valor de rememo- ragao intencional reivindica nada menos para 0 monumento do que a imortalidade, 0 eterno presente, a perenidade do etd original. A agio dos agentes nalurais, que se opde a realizagao rr) 44 © Max Dvorak dessa exigéncia, deve, assim, ser combatida com energia, e seus efeitos contrariados sem c Ou seja, pura a sua eficdcia, o “valor de antigiiida- de” ou “valor de antigo” depende da preservacao escru- pulosa das varias estratificages da obra e inclusive das marcas da passagem do tempo, apreciando-se 0 efeito subjetivo e afetivo de suas proprias formas de dissolu- go, independentemente de sua destinagao e significa- gao inicial. Jé ao valor hist6rico, interessa deter toda degradagao a partir do momento em que se realiza a in- tervengdo, perenizando a imagem e o documento que se recebeu no presente. Ao “valor de rememoragao inten- cional” interessa a perenidade do estado original, aten- do-se ao ato em si da edificacao do monumento. Os valores de “contemporaneidade”, por sua vez, sao subdivididos em “valor de uso” e “valor artistico”, & este tiltimo se reparte em “valor como novidade” e “va- lor artistico relativo”. Riegl assim se refere a eles: A maior parte dos monumentos respondem, entre outros, a uma expectativa dos sentidos ou do espirito que criagdes novas e modernas poderiam satisfazer igualmente bem, O valor de contem- poraneidade reside nessa propriedade que, com toda evidéncia, nao atribui papel nem a antigiiidade do monumento nem ao valor de rememoragao que dela decorre. Em vez de considerar 0 monu- mento como tal, o valor de contemporaneidade tenderd, sem difi- culdade, a nos fazer consideré-lo como igual a uma criacéio moder- 11. Alois Riegl, Le Culte Moderne des Monuments, Son Essence et sa Genese, Paris, Seuil, 1984, pp, 85-86. Catecismo da Preservagio de Monumentos * 45 na re 1 também exigir que 0 monumento (antigo) apresente © aspecto caracteristico de toda obra humana quando primeiro sur- ye: dito de outra forma, que dé a impressdo de uma perfeita inte- a ; cerceata pridade, intocada pela aco destruidora da natureza®, ene, © O autor mostra ainda, nao fazer sentido separar em categorias distintas 0 monumento histérico do monumen- to artistico, pois toda obra de arte é um fato histérico e todo documento histérico — mesmo um pedago de papel rasgado portando uma “nota breve e sem importancia” — possui uma conformag: sem excegiio, é simulta- [...] todo monumento artfstico, neamente um monumento histérico, na medida em que repre- senta um estado determinando na evolucao das artes plasti- cas [...]. Inversamente, todo monumento histérico é também rito, até mesmo um monumento arlislico, pois mesmo um es pedago de folha rasgado que porta uma nota breve ¢ sem im- portancia, comporla, além de seu valor histérico que Ronee a evolugao da fabricagao do papel, da escrita, dos meios ma- teriais utilizados para escrever etc., toda uma série de elemen- los artfsticos: a configuragao da folha, a forma, os caracteres ; 18 ea maneira de os juntar '°. Ou seja, toda e qualquer obra, que existe ha certo tempo, é digna de ser preservada, sendo um documen- to histérico que possui determinada configuragao, re- sultado também de seu proprio Lranscurso ao longo do tempo. 12, Idem, p. 87. 13. Idem, p. 38 wy a) 46 ¢ Max Dvorak Riegl enfatiza, ainda, que em relagdo aos monu- mentos, néo apreciamos somente o valor hist6rico, caso contrério, quanto mais antigo, melhor seria. No entanto, as vezes preferimos obras recentes as mais anligas e cila o exemplo de se prezar mais a produgao de Tiepolo do que a dos Maneiristas do século XVI. Todas as obras de arte tém valor histérico e valor artistico; cabe questionar se este tillimo 6 subjetivo ou objetivo. Ricgl mostra que desde o Renascimento prevalecera a tese de que havia um canone artistico ideal, objetivo e absoluto, a Antigiii- dade Classica. O século XIX aboliu e privilégio da Antigiiidade, reconhecendo especificidades e qualida- des em todos os perfodos da produgao artistica de vari- adas cultura no entanto, ainda havia crenga em um ideal artistico objetivo, Segundo Riegl, coube ao século XX criar a nogdo de que a criagao artistica do passado é desprovida de autoridade candnica. Gomenta, porém, que nao apreciamos somente as obras moderna: apre- ciamos também as antigas, pois certas obras antigas res- pondem ao Kunstwollen' moderno, ou seja, alingem a sensibilidade artistica moderna. O valor artfstico seria avaliado, pois, pela medida em que satisfaz 0 “Kunst- wollen” moderno, que tampouco é formulado de manei- ra clara e jamais 0 poderia ser, pois varia de individuo 14. Expressio criada por Riegl, de dificil tradugao, por abarcar comple- xos conceitos € concepgies sobre a arte. Desse modo, preferiu-se dei- xar Kunsiwollen no original, por se tratar de verdadeiro ideograma, A expresso tém sido traduzida por “vontade art(stica”, ou talvez de modo mais preciso, seria “voligao da arte” ou “querer da arte”. BE gee Sea OB! eee Catecismo da Preservagio de Monumentos * 47 para individuo e de momento para momento. Desse mo- do, continua 0 autor, se nao existe um valor artistico eter- no, mas somente um valor relativo, 0 valor artistico de um monumento nao é um valor de rememoragao, mas um. valor atual, de contemporaneidade. A conservagao, pois, 0 em conta, por se tratar de valor flutuante. deve levar is Desse modo, o culto do “valor de antigo” era, se- gundo o autor, de grande atragao e é sobre ele que se fundamenta seu projeto de lei, justamente por ser valor inclusivo, mais perene, e que respeita integralmen- mai te as obras de toda e qualquer fase da produgao humana, as varias estratificagdes de uma mesma obra e, inclusi- ve, as marcas cla passagem do tempo. Suas propostas para a nova legislagdo tinham por intuito promover uma tutela difusa para assegurar a preservagao de ampla gama de testemunhos relevantes de épocas passadas. Claro esl4 que os profissionais que atuam no campo tém predilegdes individuais, dado que, como exp6s Sear- rocchia, nado sao “idiotas titeis”, mas devem supera- las na pratica em fungéio de uma deontologia apropria- da!, alicergada em uma visdo histérica, para nao recair no arbitrio. Neste ponto é importante esclarecer que a anilise apresentada por Riegl em O Culto, serve de substrato para Mas de modo algum, na a elaboragao do projeto de lei atuaciio sobre 0s monumentos, Rieg] considerava que os outros “valores” devessem ser aplicados, de modo alter- 15. Scarrocchia, op. cit., p. 61 48 ¢ Max Dvorak nado ou indistinto, dependendo da situagaio. Sua propos- ta de lei é baseada essencialmente no respeito ao valor de “antigiiidade”!: A futura tutela dos monumentos deve ser baseada sobre o culto do valor de antigo, que se manifesta com a existéncia dos tragos de antigiiidade. A maior preocupagio da futura tutela dos monumentos deve ser yoltada para a conservacao desses tragos ¢, por isso, devem cair inevitavelmente os postulados da originali- dade e da unidade ilfstica, ligados ao culto do valor histérico e do valor de novidade, que objetivam, ambos, 4 sua elimina dio [dos tracos de antigiiidade]. E justamente sobre um amplo respeito pela produ- ¢ao dos antepassados e pelas varias estratificagdes de uma mesma obra que se fundamentam as propostas de Dvorak em Catecismo da Preservagéo de Monu- mentos, publicado em 1916. Ja pelo titulo é possivel perceber 0 cardter “panfletario” desse escrito de Dvorak, em que o autor conclama a sociedade a ra- zao, mostrando a importancia e a responsabilidade do. De interesse é notar que em O Culto, Riegl exa- de se atuar em obras do pa: mina de maneira isenta os varios modos de percepcao dos monumentos historicos por uma dada sociedade. 16. Ver as consideragdes de Riegl para a lei de tutela (Sarrocehia, op. cit., em especial pp, 209-210), mostrando 0 caréter mais inclusivo do valor de antigtidade, baseado na “solidariedade com todo 0 mundo”. Ver ainda, de Riegl, as disposigoes para a aplicagio da lei Gcarrocehia, op. cit., pp. 222-236). Cita-se da p. 2 Catecismo da Preservagio de Monumentos ¢ 49 Como evidencia 0 proprio Dvorak no necrolégio que fez para Riegl, ele foi “o primeiro a entender o cardater histérico universal do culto moderno dos monumentos ea tirar disso as devidas conseqiiéncias. Dever-se-ia considera-lo. apenas por isso, mesmo se essa fosse a tinica contribuigdo de toda a sua atividade, entre as maiores personalidades de nosso tempo”'’. O Culto é considerado com justeza, como aponta Scarrocchia, um “hino a tolerancia”, enquanto 0 Catecismo é tido como a “Marselhesa” do movimento para a preserva- cao de monumentos histéricos"*. Apesar desse seu carater panfletario, instigante, incisive e provocador, a obra de Dvorak nao é mero “braco armado” ou operacional de O Culto. Retoma, sem diivida, temas rieglianos, e apesar de ndo nomear explicitamente 0 grande mestre (ndo nomeia ninguém nesse veemente escrito), sua divida para com Riegl permeia toda a obra. Mas 0 Catecismo também oferece contribuigdes de grande originalidade, com aspectos prospectivos que permanecem sempre atuals. Logo na introdugao, Dvorak condena as propostas voltadas & unidade de estilo e expde de maneira clara e enfatica, a importancia da implantagao da obra. Ou seja, preconiza que se preserve a relagio do monumento com seu entorno, do contexto como um todo, podendo-se vis- lumbrar a aplicagao de prinefpios nao apenas para ob- 17. Apud Searrocchia, op. cit., p. 21 18, Scarroechia, op. cil.. p. 577. w i ee 50° Max Dvorak jetos isolados, mas para conjuntos histéricos em sua in- teireza. Desse modo, as propostas de Dvorak enriquecem as colocagées de Riegl, com grande énfase nos elementos de composigao da paisagem e dos sitios hist6ricos. Seus Acidos comenté ‘ios sobre as intervengdes que se realizavam no perfodo ¢ os perigos que ameagavam o patriménio histérico, parecem reportar-se diretamente a situagao atual. Segundo Dvorak, os perigos tém sua ori- gem: na ignorancia e na negligéncia; na cobiga e na fraude; nas idéias equivocadas a respeito do progresso e das demand: s do presente; na busca descabida de embelezamento ¢ renovagao, na falta de uma educagéo estética, ou numa educagao estética equivocada”. Enfatiza o dever moral de preservar o legado de outras geragoes € 0 cardter ptiblico das criagdes de épo- cas pretérilas, condenando transformagoes e destrui- goes indistintas, que considera alos de vandalismo que apenas evidenciam e ignorancia e 0 preconceito cultu- ral. Mostra que os monumentos histéricos sao a “tra- dugao viva de nossa vida espiritual”, e salienta o papel desses monumentos como suportes materiais da meméria coletiva, cuja protegao € tao essencial quanto a educagao, estando a preservagdo ligada a formagao espiritual. Ao destruir 0 patriménio, 0 ho- mem empobrece os lagos que 0 uniam A patria, per- dendo vinculos com o proprio presente. Outro aspecto importante ressaltado por Dvorak é a percepgao do monumento vinculado ao ambiente em que esté inserido, a sua presenga na paisagem. Ou Catecismo da Preservagio de Monumentos * 51 melhor, analisa a percepeao da paisagem como um todo e a importancia dos varios elementos para a bele- za do conjunto, que devem ser tutelados de forma ex- tensa para a harmonia do ambiente em sua inteireza. servacao da estruturagao histé- Assim, preconiza a pre rica de localidades e cidades. Mostra que aquilo que nao pode ser medido apenas através de pardmetros técnicos e funcionais, a comegar pelas belezas natu- rais, adquire significado crescente. Ruskin ja eviden- culo XIX, de modo pioneiro, a aio da natureza: “A terra é um ciara, em meados do s questao da conserva legado inaliendvel, nao uma propriedade”". Discorre longamente sobre o tema, evocando razdes morais estéticas para sua conservagéo. Foi ainda um dos pri- meiros a abordar de modo articulado, como bem nota Petrella, ambiente natural e patriménio histérico”, que por serem bens comuns, mesmo se de propriedade privada, podem trazer beneffcios a toda sociedade. Também Riegl notara que existe uma raiz comum na preservagao da nalureza e dos monumentos, sendo em ambas determinante o desejo de evitar que sejam destrufdas caracterfsticas legadas por outros tempos’! 19, John Ruskin, The Seven Lamps of Architecture, 7. ed.. London, Allen, 1889, p. 185, aforismo 29. Agradego Maria Lucia Bressan Pi- ssses temas. nheiro por chamar atengao sobre ‘Economia Politica dell’ Arte”, Res- 20. Antonio Petrella, “John Ruskin ¢ | tauro, n, 91-92, p. 80, 1987. 21. Ver especialmente o texto de Riegl, “Nuove Tendenze nella Conser- yazione”, em Scarrocchia, op. cit., pp 291-302, originalmente pu- blicado em 1905, mas com algumas mengies ao tema também em 0 Culto. w a 52 © Max Dvorék Dvorak salienta os perigos de uma visdo de pre- servag4o calcada unicamente na preferéncia artfstica de um momento, que considera apenas alguns tipos de expressdes como validas. Mostra que essa unilate- ralidade de erfticos e de artistas foi duplamente negati- va para os bens legados pelo passado, pois n&o apenas se tinha predilegao por um dado momento hist6rico, mas lambém se reprovavam (e destrufam) os testemu- nhos de outras époc , por consider: -los equivocados. Desse modo, os excluidos eram desconsiderados nas politicas de preservagao e eram ainda eliminados por preconceilo estilfstico, Ademais, em caso de constru- gdes com estratific ,des de varias épocas, destrufam- se as alteragdes posteriores para vollar a um suposto estado original. Retoma-se, assim, a importancia de uma sélida deontologia profissional, como ja preconi- zava Riegl. Dvorak salienta que mesmo quando a preferéncia pessoal € 0 interess pal geral es- ldo mais voltados para esse ou aquele estilo, isso nao signifi ca que se possa destruir todo o resto, pois aquilo que nao se considera notavel pode se tornar vélido em outros tempos, as: sim como aconteceu, entre nés, com as obras de arte barroca. Ou seja, no se trata apenas de conhecer para con- servar, mas também — como mostram os ensinamentos de Riegl e como professara Paul Clemen e como eviden- 5 hia “ sia Searrocchia” —, de “conservar para conhecer’™, ee Secarrocchia, op. vit. Ver em especial pp. 55-73; 575-578. '3.Essa nocdo também possui larga genealogia. Jé Bartolomeo Catecismo da Preservagao de Monumentos * 53 Outro aspecto essencial sobre o qual Dvorak se centra € a importancia da manutengio e da conservagdo constantes para assegurar a longevidade do bem. Con- solidar e proteger, em vez de renovar (cita explicilamen- devem ser repintadas) e le as pinturas murais, que passar certos limites, nao indo a extremos tampouco ultr como refazer tudo o que falta e substituir aquilo que esta danificado. Indo além desses limites, a obra io, a uma cons- smelha, depois da restaura [..-] se ad trugio nova e sem interesse, da qual desaparec ram a poe- sia, a atmosfera e o fascinio pitoresco que a envolviam. O resultado da restauragao, que geralmente esta associado a altos custos, nado é a permanéncia, mas a destruigdo e a de- 0 atribufdas, formagao. ‘Tais restauragdes, que geralmente de forma escandalosamente leviana, a maos inexperientes e as quais igualmente se sacrificaram varias obras de arte do passado, precisam ser decidida ¢ amplamente comba- tidas™, Cavaceppi, na segunda metade do séeulo XVIII (apesar de nas suas agées préticas nem sempre ser consciencioso e respeiloso “Nao por outra em relacfo ao documento histérico), afirmay: razio se restaura, a nfio ser aprender com isso”. Apud Licia Vlad Borrelli, Restauro archeologico. Storia e Materiali, Roma, Viellu, 2003, p. 83. “Non per altro si restaura se non per apprendervi”. Ver B. Cavaceppi, Raccolta di Antiche Statue, Busti, Bassirilievi ed Altre Sculture Restaurate da Bartolomeo Cavaceppi, Scultore Romano, Roma, 1768-1772. u escrito, quando ofe- 24, Deve-se notar, porém, que na parte final de rece alguns conselhos priticos — alguns dos quais de grande per- linéncia e atualidade — no que se refere ao reboco ¢ pintura de edi- do nao devidamente meditada: ficios “modestos”, apresenta uma sug pintar o exterior de cinza ¢ o interior de branco (item 4b), 54 © Max Dvorak De grande interesse sao as colocagdes de Maurizio Caly como prefacio & publicagao do texto de Dvorak em ita- , analisadas por Giovanni Carbonara, feitas liano. Calyesi, examinando as formas de relagiio com o passado, mostra que [...] © fandtico pela repristinagdo e os estripadores sao animados por uma ideologia igual » sé aparentemente contra- ria: o estripador julga monumentos e testemunhos do passado apenas como um estorvo, correndo para o futuro, 0 que exige vias retas ¢ velozes; 0 fandlico da repristinagdo € projetado em dir em uma fuga igualmente imprudente ¢ apressada’®, co a um passado remoto, n&io menos mitico e anistérico. Junto com eles, Calvesi situa ainda os embe- lezadores. Como mostra Carbonara, as colocagées de Calvesi sao de extrema eficiéncia pois situam “ao lon- go de um tinico cixo de distorgao histérica os fanati- cos da repristinago, em fuga para um passado mftico, os estripadores, correndo para o futuro e os embe- lezadores, que sao aqueles mitificam de forma anis- 2926 térica o presente”**, Mas isso nao significa que nao se deva tocar nas obras do passado. Dvordk mostra que, ao contrario, as obi s do passado devam ser parte viva e integrante de nossa existéncia e que devem estar 25. Apud Giovanni Carbonara, Avvicinamento al Resiauro, Napoli, Liguori, 1997, p. 267. O texto de Calvesi foi escrito para o Boletim da Associagao Italia Nostra em 1972. 26. Carbonara, op. cit., p. 367. Catecismo da Preservagio de Monumentos * 55 [..] em todos os Ingares, embelezar nossa existéncia, 0 que torna necessdrio que estejam em constante relagao com a yida ¢ no ser consideradas como algo distante, apreciadas e trata- das como se estivessem de costas para o presente. Por isso, é preciso realizar todos os restauros que se fazem necessérios, se néio se quer retirar das obras de arte suas antigas fungdes. Ou seja, conservar de maneira prudente e funda- mentada. Dvotik trata ainda de outro ponto essencial, em relagiio a uma objegio feita constantemente ao campo: Objeta-se, por vezes, que as opinides sobre aquilo que de- yeria ser feito nesse ou naquele caso, do ponto de vista da pre- servagéo de monumentos, néo sao claras e que a deciséo seria, afinal de contas, uma questo de gosto, fora de quaisquer regras. Isso é um grande e total equivoco. O que se exige ¢ se yntinuar a exigir é que se respeile, por toda parte, 0 gure a sua preservagao, garantin- deve patrimdnio herdado € se ass do o maximo posstvel a sua integridade, sua identidade com o ambiente, sua forma e sta aparéncia, Essa é uma exigéncia cla- rae inequivoca, da qual nao importa saber quem representa aquele que precisar ser dela lembrado nao é digno de honra, A preservagiio de bens culturais (e todos os proble- mas a ela ligados), como apontava Riegl, nao comporta apenas um ponto de vista e uma tinica solugdo, mas va- rias solugées de pertinéncia relativa’’. Mas isso no sig- nifica que preservacao seja algo subjetivo; relaciona-se 27. Alois Ricgl, Le Culte Moderne des Monuments, Son Essence et sa Genese, Paris, Seuil, 1984. Ver a esse respeito as pertinentes andli- ses feitas por Francoise Choay no o ensaio introdutério ao volume, “A propos de culte et de monuments”, pp. 7-19. | 56° Max Dvorak a conceitos que se vém consolidando ha séculos e que firmaram a preservagao como campo di utdno- isolado), com seus princfpios, métodos, conceitos e referenciais sciplina mo (que 6 algo diverso de campo disciplinar te6ricos. Ou seja, os preceilos tedéricos pertinentes ao ampo, mesmo na pluralidade de suas formulagdes e dos diversos modos de colocé-los em prética, preconizam um respeito absoluto pelo valor documental da obra. As for- mulages teéricas permilem, assim, que pelo menos se circunsereva e se defina 0 campo de agéo de maneira adequada e fundamentada, separando-o daquilo que exorbita completamente dos objetivos da preservacao de bens culturais, a saber respeitar e transmitir a obra ao futuro da melhor maneira possivel, paulando-se nos va- lores formais, histéricos, simbélicos, memoriais. cientf- ficos e éticos em contraposigao As agdes de cunho prati- co, Uma coisa € possuir pertinéncia relativa; outra, 6 ser de todo impertinente ao campo. Deve-se ter em vista que néo se trata de simples vontades individuais e setoriais, mas 6 0 interesse da co- letividade a longo prazo que deve ser levado em conta, tendo o cuidado de se afastar de nogdes Pri setores em um dado momento, é a perversdo dos prinef- imediatistas. vrvar apenas aquilo que parece importante a alguns pios da multiplicidade e da tolerancia, essenciais para a preservagao. Daf a importancia de uma verdadeira vi- sdo histérica, que leve em conta passado, presente e futuro. Uma sociedade que deturpa ou destréi sua cul- tura € sua meméria, destréi os instrumentos que sao seus 2 Catecismo da Preservagao de Monumentos * 5’ préprios meios de expresséio como seres vivos, com in- cidéncias nefastas sobre a meméria individual ¢ co- letiva. Monumentos histéricos so sempre tinicos, nado reproduzfveis e devem portar consigo para o futuro seus elementos caracterizadores e as marcas de sua trans- lagio no tempo; todo cuidado é pouco, pois esses mo- numentos / documentos permitem infinitas possibili- dades de atualizagdo ao longo do tempo, por um grupo social ou por uma consciéncia individual, oferecendo, sempre, renovadas leituras e interpretages, fornecen- do informagdes que sero cada vez percebidas e apreen- didas de modo diverso, que podem oferecer instrumentos importantes de reflexdo para uma adaptagdo harmoniosa a realidade, atual e futura, e, por conseguinte, nao po- naturados. dem e nao devem ser d Em suma, negligéncia, abandono, destruigées, transformagdes imponderadas de monumentos ¢ sitios hist6ricos, afetam sua integridade, implicam intoleran- cia, que leva ao aniquilamento da multiplicidade, que resulta num instrumental deficiente para compreender e se adaptar A propria realidade atual ¢ futura, gerando perturbagdes tanto para o individuo quanto para a cole- tividade. Preservar, ao contrario, significa respeitar a diversidade, a pluralidade, e assegurar que varias formas de manifestacao, inclusive as do presente, possam coc- xistir, permitindo que os monumentos histéricos atuem como efetivos e fidedignos suportes materiais be eae? ee ae da memoria coletiva. f com esse intuito que sao feitas as admoestagoes de Dvorak. Catecismo da Preservagao de Monumentos Max Dvorak my “ on Introdugao © que é preservagao de monumentos?! Talvez um exemplo possa esclarecer a questao: quem visitou a pe- quena cidade N. hd uns trinta anos, pode se deleitar com a graciosa imagem do antigo € belo local. O ponto cen- 1, Adotou-se, para a presente tradugao, a distingio feita por Peter Brei- tling, entre Denkmalschuiz ¢ Denkmalpflege, respectivamente “prote- ilo de monumentos” e “preservacao de monnmentos”, Para informa- gaes mais pormenorizadas, ver: Peter Breitling, “The Origins and Development of a Conservation Philosophy in Austria”, em Roger Kain (org,), Planning for Conservation, Londres, Mansell, 1981, pp. 49- 61, Denkmalschutz, deriva de die Schulz, algo ligado } protecao, me~ didas téenicas de protegio e defesn dos perigos. [a Denkmalpflege tem sua origem em die Pflege, vinculando-se & cura e preservactio de mo- numentos. Para uma discusséo aprofundada desses termos e seu em- prego, ver também Sandro Searrocchia, Alois Riegl: Teoria e Prassi della Conservazione dei Monumenti, Bologna, Accademia Clementina di Bologna, 1995, em especial pp. 58-73 (N. da T.). 62 ¢ Max Dyorak tral era a igreja paroquial gotica, acinzentada pelos anos, com sua torre barroca e uma bela decoracaio interior no mesmo estilo. Ediffcio solene e convidativo, ao qual as- sociam-se infinitas recordagoes. Quem teve tempo e vontade, pode ver de perto ios objetos de grande beleza no interior da igreja: an- tigos retébulos, altares artisticamente entalhados, para- mentos suntuosos, finos objetos de prata e ouro conser- vados na sacristia. A partir da alla igreja, apés atravessar um torveli- nho de pequenas casas que lhe davam uma aparéncia ainda mais imponente, chegava-se A simpatica praca da cidade, onde se podia admirar a veneravel prefeitura, construgao do século XVI, que possufa uma graciosa tor- re com formato de bulbos. Amplas ¢ sdlidas casas, sem falsos ou supérfluos ornamentos e mesmo as Mm graciosas, com suas arcadas floridas e seu porte modesto, conforma- vam-se 4 imagem geral da praga. Esta tiltima, na unidade que a caracterizava apesar das diferentes épocas em que foram erguidas as casas, despertava nos observadores das mais diversas sensibilidades artisticas, a s snsagaio de uma harmonia eslética e, em todo homem sensfvel, absoluta- mente as mesmas impressdes que poderiam causar os aconchegantes quartos de uma antiga casa de familia. A pequena cidade era rodeada por muros parcial- mente destrufdos e revestidos por trepadeiras, sobre os quais se desenhava um convidativo e variado passcio € que ofereciam, interrompida pelas quatro imponentes portas da cidade, uma vista extremamente pitoresca. fi © 63 smo da Preservagiio de Monumentos Cat Hoje, o visitante que estivera na pequena cidade ne trinta anos nao a reconheceria. A antiga igreja paroquial foi “restaurada”. Sua torre barroca foi demolida e subs- titufda por uma nova, em falso estilo g6tico, que despon- ta no panorama da cidade como um espantalho be um jardim de rosas. Sob 0 pretexto de que nao combinavam com o estilo da igreja, os suntuosos altares foram demo- lidos e substitufdos por pegas manufaturadas, grosseiras e de mau gosto, pretensamente goticas, mas, na verda- de, sem estilo algum. As paredes, outrora singelamente caiadas, esto agora recobertas por cores berrantes ¢ or- namentos sem sentido, o que retirou do edificio o tiltimo resquicio da forma que o caracterizava. Quando pergun- tei ao sacristao pelos anligos paramentos € trabalhos de ourivesaria, sua fisionomia embaragada me deu a enten- der que eles haviam, h4 tempos, sido vendidos a algum comerciante de antigiiidades. Ainda pior dissabor causou, porém, a devastagao promovida nas imediagées da igreja. As antigas eee desapareceram e deram lugar a algo que se genominoy parque, no qual perecem alguns arbustos agonizantes. Nesse cendrio, também a igreja, outrora imponente, pa- rece sem interesse e decadente. E assim, o quadro continua: 0 valioso prédio da antiga prefeitura foi demolido para dar lugar a uma nova construgao, que fica a meio caminho entre um quartel e 2, Serdio mantidas, na tradugiio, as aspas que constarem do texto oti- ginal (N. da T.). 64. © Max Dvorak um pavilhao de exposigao. As pacatas residéncias pre- cisaram retirar-se para dar lugar a detestaveis lojas e iméveis de aluguel, fraudulentamente construtdos a par- tir de modelos retirados de manuais ¢ com materiais ha- sibilidade estética. As portas da cidade foram retiradas, sob o pre- Talos, sem um vestigio sequer de alguma sl texto de que atrapalhavam o transito; 0s muros foram derrubados para que a cidade — talvez em cem anos — pudesse crescer. Assim, pouco sobrou da antiga beleza da pequena cidade, sem que um substituto artisticamente a altura fosse criado em seu lugar. A tarefa da preservagao de monumentos 6, justa- mente, impedir tais perdas e devastagoes. Prineipios, Obrigacées e Conselhos 1. Perigos que Ameagam os Antigos Monumentos A principal tarefa da preservagao de monumentos € garantir a existéncia dos antigos monumentos. Mesmo que nao perdurem os furores pérfidos e sem sentido contra 08 testemunhos do passado, como era co- mum em tempos idos de guerras e revolugdes e contra os quais foi organizado no tltimo século o servigo de protegdio de monumentos, os perigos que amcagam 0 Wy ‘ patrimOnio artistico ainda sao consideraveis. Eles tem origem: 7, na ignorancia e na negligéncia; 2. na cobiga e na fraude; 3. nas idéias equivocadas a respeito do progres- so e das demandas do presente; 68 ¢ Max Dvorak 4. na busca descabida de embelezamento e re- novagdo, na falta de uma educagao estética, ou numa educagao estética equivocada. Essas importantes causas, as quais devemos atri- buir a constante perda de antigas obras de arte, consis tem nao apenas em equivocos em si mesmas, mas indi- cam um sintoma geral que precisa ser analisado de perto. Destruigado ou Deformagao de Antigas Obras de Arte por Ignorén Le Negligéncia Infelizmente, quase por toda parte podemos nos convencer a respeito da dime: i ; 0 dos danos causados a integridade dos monumentos. Danos causados pela fla- grante ignordncia, ano a ano. Gragas a Deus, os tempos em que se queimavam documentos ou em que se ven- diam antigos arquivos como papel de embrulho sao coi- sas do passado. Es sa mudanga se deve ao fato de que a compreensao do valor de antigos documentos penetrou em diferentes camadas da populagao, ainda que esteja- mos muito distantes des consciéncia no campo da arte que se fez no passado. Nao haveria, no mundo, museu grande o suficiente para recolher as pegas de mobiliario e€ os mais diversos objetos sacros que, por ignorancia, foram queimados ou vendidos como traste na Rane durante as tiltimas décadas. Foram altares, caixas ae 6rgios, ptilpitos, cadei: s de coro e pinturas. Como ja- Catecismo da Preservagiio de Monumentos * 69 mais acontecera, antigas estéluas foram destrufdas ou retiradas das igrejas; afrescos foram destacados das pa- redes ou, uma vez encontrados, recobertos com nova camada de cal; antigos muros que circundavam as ci- dades foram transformados em pedreiras; por fim, belos e bem conservados edificios, fontes e crucifixos foram destrufdos sem razdo. Terfamos uma lista sem fim, caso semos reunir todas as obras de arte devastadas na quis Austria, nos tiltimos anos, por pura incomp: Essa siluagdo é mesmo surpreendente, sobretudo nso. se pensarmos em tudo 0 que se tem feito, nos tiltimos cem anos, para a ampliagdo dos conhecimentos no campo da histéria da arte. O saber hist6rico-artistico contribui certamente para que a atengao se volte para as antigas obras de arte. Esse movimento isolado, po- rém, nao é o bastante. Nao se pode pressupor que to- dos os homens possuam esse tipo de conhecimento e, quando 0 possuem, seu cardter é, evidentemente, de natureza mais ou menos genérica. Além disso, nao se pode estendé-lo a todas as criagdes da arte local, cuja historia nem sempre € suficientemente conhecida. Todavia, aquilo que pode ser despertado em toda parte, 0 que todo homem pode adquirir sem estudos es- pecificos e conhecimentos especiais, mas apenas com boa vontade, é comiserag4o por todo e qualquer passa- do histérico. Essa nao é apenas uma questo de conhe- cimento ou, melhor dizendo, quase n&o o é, absoluta- mente. Trata-se, no enlanto, de uma questdo de educagao geral do espfrito ¢ do carater. Homens que desprezam a 70 © Max Dvo meméria de seus pais e avés, sejam elas preciosas ou modestas, rej eitando-as como a um monte de lixo, sao imaturos e insensiveis, Ao mesmo tempo, mostram-se inimigos de suas familias, pois eliminam os te temunhos dos sentimentos que, na esfera da ida familiar, conferem a existéncia humana um contetido espiritual superior. Pode. goes religiosas, ptiblieas e nacionais, igrejas ou cidades, lerrit6rios ou estados, esta habilitado a conservar ou manter acesa a lembranga do passado histérico e dizer 0 mesmo de tudo o que, nas associa- 0 sen- tido de pertencimento, Em primeiro lugar, sao as obras de arte € sua expressio visual que unem pre sente e pas- sado no plano do sentimento e na fantasia. Sao, portan- to, um legado genealégico, que se deve honrar por de- ver moral e que deve ser transferido para a carne eo sangue de todos, assim como a consideragaio pelos hens de outrem. Um sacerdote que destrua irremediavelmente antigas obras de arte sacra, est nao apenas pecando contra a arte e a ciéncia, mas, ao mesmo tempo, des- truindo os fundamentos morais que eslao entre os prin- cipais sustentadores da vida religiosa. Juntamente com wm antigo altar, com uma antiga capela, apagam-se mi- Ihares de recordagées, sagradas para os habitantes do lugarejo ou da cidade, e que Ihes haviam confortado du- rante a tempestade da vida. Da mesma forma, junto com antigas prefeituras, portas de cidades e pragas, siio destruidas ricas fontes do civismo e do amor & patria; quem destréi tais monumentos é um inimigo de sua ci- dade e de seu pats e prejudica a comunidade, pois as Catecismo da Preservacdo de Monumentos ¢ 71 obras de arte piiblicas nao foram criadas para esse ou aquele indivfduo, e aquilo que elas puoarnan pepe obras de arte, fascinio pictérico, rece ol qual uc outro sentimento, é um patriménio comparavel Be cue goes dos grandes poetas ou as realizagbes ge, ae Ter consciéncia disso deve ser obrigagio de toda pessoa culta. Ao lado da destru a a negligéncia provoca constantemente grandes prejuizos a integridade de antigos monumentos. Com grande fre- ) insensata ou pérfida, também qiiéncia, elas pinturas antigas ou estatuas, ae oe nao sejam exterminadas imediatamente, sio Bae . igrejas e confinadas em algum sétéo, local de Ne em algum buraco timido. Nesses locais, acabam rapi: mente sendo destruidas pela agiio de agentes como ferru- zmente, tem-se tornado um fato gem, p6 ou umidade. Infel a recorrente que antigas construgoes, amazes eal are 5 que poderiam ainda ser desfrutados por ee ee sejam precocemente perdidos devido a, uma indi eS g grosseira, que nao promove medidas bdsicas para pee los a tempo-da influéncia destruidora de pee agentes ou para recuperd-los de danos incipientes. gue las igrejas encontramos onde as aaa a Sarat Ee netram por baixo e a chuva por cima, através do telha danificado; onde as vigas do teto caem; onde fungos cres- cem por toda parte, devido & mA circulacgao do : onde altares se desfazem sem que ninguém pense em fixar ae partes frouxas; onde as pinturas esvoagam como ae ras em suas molduras, terminando queimadas pelas velas 72 © Max Dvorék dos altares. Aquilo que, por simples consideragdes eco- némicas, nao se tolera em uma semi-organizada adminis- tracdo domiciliar, ocorre freqiientemente nas casas de Deus, onde nao se dé um passo no sentido de preservar contra a rufna e destruigdo construgdes e obras de arte fi- guraliva que néio exercem mais as fungées para as quais foram criadas. Também isso é um d cumprimento de deveres injustificével. Danos Causados & Integridade dos Monumentos Antigos por Cobica e Fraude A cobiga e a ganancia tém representado tradicio- nalmente, ainda que hoje seu papel seja maior do que ha tempos atrds, um perigo nado menos importante as obras de arte antigas. Nos séculos passados, destrui- ram-se monumentos para recuperar os materiais de que eram feitos: antigas construgs eram transforma- das em pedreiras, estétuas eram abatidas para apro- veilamento da cal, arligos de ourivesaria eram derre- lidos. Hoje tais agdes se tém tornado cada vez mais raras. Nao porque se tenha mais consideragao pelas antigas obras de arte, mas porque se chegou a con- clusao que delas se pode tirar maior proveito material se forem vendidas a comerciantes ou colecionadores. Reconhecido o valor das antigas obras de arte, seja ‘Ao histori- ca, torna-se facilmente compreensfvel que cresga tam- por sua forma artistica ou por sua signific Catecismo da Preservagio de Monumentos ° 73 bém o desejo de possui-las, seja pela oporlunidade de delas desfrutar ou, 0 que é mais freqiiente, por vaidade e ambigao, para poder se vangloriar de seus preciosos bens. Nada de novo nisso, pois jé nos séculos XVIle XVIII colecionadores pagaram grandes somas por an- tigas obras de arle; no entanto, tratava-se apenas de um ntimero reduzido de colecionadores e de uma quanti- dade também diminuta de obras de arte, na maior par- le objetos expatriados que jé circulavam ha tempos no mercado. Desde o século passado, porém, 0 mercado de antigitidades alcangou uma extensao e uma forma tais, que o transformaram em um dos maiores perigos ao antigo patrimdnio artistico. Os comerciantes nao se contentam mais com os objetos que chegam pelas vias normais ao mercado de arte, mas passam a saquear sis- tematicamente os antigos centros artisticos. Duas cau- sas aluam para isso de forma determinante. A primeira consiste no fato de que pafses ¢ localidades que, como a América ou mesmo partes isoladas da Europa, pouca ou nenhuma participagao tiveram no desenvolvimento da arte antiga, desejam alcangar uma significagao cul- iural mais elevada através da aquisigao de tesouros arlisticos cuja origem € estrangeira. A segunda reside na situacdo criada pelo desenvolvimento da industria e do comércio, que rapidamente enriqueceu determi- nados segmentos da sociedade ¢ alguns individuos em particular. Estes dltimos, que até entao nao possufam ico antigo, tentam consegui-lo a nenhum bem artfs qualquer prego para aumentar o brilho de sua fortuna 74 © Max Dvotik com obras-primas da arte antiga, hoje tao altamente apreciada. Tal situagao fez com que obras de arte do passado se tenham tornado objetos de especulagao, cuja avalia- ao passa a ser orientada pela demanda. Estimula-se, as sim, um tréfico inaudito desses objetos de arte entio em moda, do qual apenas 0s comerciantes tiram provei- to; uma vez que a oferta nao é suficiente, todos os meios — persuasio, astticia, fraude e violéncia — sitio emprega- dos para convencer os proprietarios.ou aqueles que pos- suem a guarda de obras de arte antiga a se desfazerem de suas preciosas mercadorias. Bandos de agentes atra- vessam 0 nosso pafs a cada ano, aplicando os mais dife- rentes artificios para alcancar seu objetivo. Eles sabem quando acontecem as visitas pastorais nas igrejas e con- vencem 0s inexperientes viggrios de que eles deveriam, a fim de receber dignamente seus Ifderes, limpar a casa de Deus de todas as coisas velhas, objetos que cles es- tariam, muito solicitamente, dispostos a arrematar. Com a mesma intengdo, tomam por pretexto molivos patridti- cos, alegando estarem incumbidos de adquirir obras de arte para museus € -olecionadores importantes. Uma vez desenraizada e arrebatada essa ou aquela obra de arte, comega a usura propriamente dita. Todas as modalidades de propaganda sao empregadas e os pregos obem vertiginosamente como nas especulag das bolsas de valores; nesse processo, os anligos pro- prietérios das obras de arte, o tltimo comprador e o ptblico em geral séo enganados em igual medida. Nao Catecismo da Preservacio de Monumentos * 75 é nada louvdvel que as igrejas vendam suas antigas obras de arte, prejudicando assim sua autoridade e sua. missio ideal tal como se estivessem fazendo comércio com suas tradigées religiosas. Essa falta de respeito é geralmente também uma simonia', quer dizer, venda ilegal de objetos sacros para permitir vantagens pes- soais, quase sempre prejudicando irresponsavelmente 0 patrimOnio da igreja. Assim como aquele que vende, também o comprador é prejudicado, uma vez que nado apenas é logrado e iludido pelos intermediarios, como também, em muitos casos, n&o & visto como amigo da arte, mas como seu inimigo. Ao comprar uma obra de arte antiga, rouba-se parte significativa de seu valor ao separé-la de seu lugar de origem ou destino, 0 que con- tribui também para as absurdas elevagdes dos pregos que, agindo de forma a corromper 0 mercado, tornam- se responsdveis pelo fato de que ricos centros artisti- ejam, mais do que nunca, saquea- cos e paises inteiros dos por bandos armados, e hoje por mercadores, transformando-se pouco a pouco em dridos desertos. Evitar, na medida do possfvel, tal estado de coi- sas € obrigagéo de todo individuo para quem 0 amor a pdtria e & cultura nao se traduz por palavras vazias. 1. 0 termo vem do latim, significando “ato de Simao” ¢ refere-se & preten- sito de Simo, 0 Mago, de comprar a Sao Pedro o dom de conferir o Es- pirito Santo. O mesmo teria, no ano 1 d.C., peregrinado pela Palestina ¢ pela Itélia como fazedor de milagres (fontes: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Diciondria Aurélio da Lingua Portuguesa, 2. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986; Gerhard Wahrig, Deutsches Worterbueh, 5. ed., Giitersloh, Bertelsmann Lexikon Verlag, 1994) (N. da T.). 76 8 Max Dvorik Destruigdo de Antigas Obras de Arte como Resultado de Idéias Equivocadas de Progresso e Falsas Deman- das do Presente Um absurdo n&o menos significativo diz respeito & pretensa oposigdo entre Progresso € monumentos antigos. Antigas obras de arte sio ainda destruidas porque se considera que sao velhas ¢ porque se julga que sao inadequadas aos “novos tempos”. Acreditaya-se no sé- culo passado, e ainda hoje se acredita, que o desprezo pelos antigos monumentos pertence ao progr 0 e 6, ao mesmo tempo, uma prova da mentalidade prodiga e fa- vordvel aos interesses do povo. Considerou-se, e consi- dera-se ainda em varios efreulos, que seja uma obriga- cao civil e uma virtude colocar em ordem, na medida do possfvel, “velhos farrapos” e apagar tudo 0 que faga lem- brar 0 passado, as antigas relagdes politicas, sociai : e religiosas ou, simplesmente, um modo de viver orienta- do pela arte, cujos vestigio desagradavei: » considerados parametros - Assim, por motives politicos ou interes- seg parcidarios diverene ak i ses parlidarios diversos, sdo freqiientemente destrutdos ou removidos antigos brasdes, estétuas agradas e monu- menlos comemorativos. Da mesma forma, antigos muros, torres e jardins sao demolidos porque, assim agindo, acredita-se estar provando que se anda a par com 0 pro- gresso. Na verdade, com tais vandalismos, 0 homem pro- va apenas sua ignorancia e seu preconceito cultural. Ainda mais freqiientes sao as supostas exigéncias do presente, & qual se sacrifieavam e sacrificam monu- Catecismo da Preservagio de Monumentos * 77 mentos singulares ¢ cidades inteiras. A transformagao da , que vem se consumando vida sob novas bases técnii nos tillimos cem anos aproximadamente, conduz a uma idolatria das novidades técnicas, que néo apenas que esquecamos outros pontos de vista, como permite ainda que esses sejam ultrapassados pelo que é dtil oportuno sob um prisma exclusivamente técnico. I certamente verdade que casas antigas so muitas vezes nfo apenas desconforléveis, mas também anti-higié- nicas. Obviamente, nao é inevitavel e tampouco inteligen- motivo, uma vez te derrubd-las uma apés outra por ess ificio, é possivel adequé-las aos crité- que, sem muito sa rios de conforto e higiene necessdrios. Além disso, muitas yezes elas apresentam vanlagens que as novas constru- ces jamais, ou apenas com custos muito elevados, pode- riam possuir. Cdmodos espagosos ¢ solidamente construfdos sao substituidos por outros, estreilos e aperta- dos — nfio quartos, mas celas —, com paredes finas que ndo oferecem nenhuma protegiio contra frio ou calor; os anti- gos patios arborizados e gramados, enormes € simpaticos, dao lugar a estreitas e escuras clarabdias, que sao foco de doengas. Nao se pode questionar que seja possivel equi- par uma nova construgao obedecendo as mesmas priori- ssario dades das casas anligas; sem diivida, nao é ne reconstruir essas casas, mas elas podem ser mantidas, realizando-se as adaptagdes pertinentes. O que é valido para uma casa vale, também, para uma cidade inteira. As significativas reviravoltas em todas as condi- ges de vida e seus pressupostos técnicos fizeram com 78 © Max Dvotik que as grandes cidades adquirissem dimensdes jamais vistas e um papel totalmente novo. As antigas capitais residenciais foram, como 0 nome 4 diz, o centro cultu- ral e administrativo do pats, cuja aparéncia exterior foi elaborada ao longo de sua formagao histérica e de uma conseqiiente maturagao artistica. As enormes cidades da atualidade configuram-se cada vez mais como cen- tros econdmicos, nos quais a maior parte do que havia restado do passado foi sacrificado sem piedade, em nome das aluais exigéncias econdmicas: meios e via de transporte, casas come: is e escritérios, bairros po- pulares. Essa transformacao foi téio répida que, muitas vezes, nao se teve tempo ou iniciativa para conferir aquilo que era realmente urgente. Ao contrario, deslruf- ram-se cidades cega e aleatoriamente para substitui-las por novas, semelhantes, em sua maioria, aos estabele- cimentos do Farwest; nao apenas ca, mas também sua fun ao efémero e€ provisér sua aparéncia estéti- &o pratica, foram sacrificadas ». Seria certamente injusto e de pouca vis querer impedir que se levassem em conta as novas exigéncias das grandes cidades. Obviamente, na grande maioria dos casos, nao se trata disso, mas de uma transformagao tipicamente rotine » através da qual novas ruas, tragadas simplesmente com a régua, destroem antigas partes da cidade sem a menor razaio, ou onde se poderia, com 0 minimo de boa vontade, ter salvado muita coisa que foi intencionalmente destruida para sempre. Pouco a pouco tem ficado evidente que entre as reais exigéncias e necessidades das grandes Catecismo da Preservagéo de Monumentos * 79 cidades e a manuteng&o de antigas dreas nao ha uma oposigdo tao forte como se pensava, sendo aula ins- tancias concilidveis. Por isso, nado se poderé mais res- ponder as questdes que a respeito se colocam argumen- tando com idéias de progresso e novos tempos; ao contrario, deverfo ser respondidas caso a caso, por in- dividuos experts e sensfveis aos fatos da arte, a luz de todas as experiéncias da urbanfstica moderna, que ten- de a conservar, sempre que possivel, os monumentos do passado. Os administradores da cidade tém obniga- cio de se esforgar para que nenhum sacriffcio ou esfor- > trala do destino de antigas ¢o seja poupado quando s construgdes e areas da cidade, visto que também lhes cabe cuidar desses assuntos e ndo apenas das inova- 0, cada monumento sacrificado cdes Lécnicas. Por i sem absoluta necessidade deve constar como sinal de sua incompeténcia ou leviandade na condugao dos negécios publicos. Nas pequenas cidades e na area rural pode-se per- is exigén- ceber mais claramente que, por trés das supost cias do presente escondem-se, na verdade, lugares 0 muns equivocados e utilizados sem nenhum critério, quando nao estamos diante de causas ainda menos honoraveis. Em pequenas cidades que possuem uma média de mil habitantes e onde circulam diariamente nao mais do que vinte automéveis, podendo-se facilmente contar 0 ntimero de pedestres, destroem-se as portas da cidade, casas e igrejas e abrem-se largas ruas, com 0 pre- »s de transito. A outrora texto de melhorar as condigé | oes 80° Max Dvorak graciosa e confortavel cidadezinha transforma-se, entao, na desanimadora e¢ inéspita parédia de uma grande ci- dade. Nas pequenas vilas constroem-se casas que, se- melhantes aos iméveis de alugue? das grandes cidades, acabam por des ‘aracterizar a regido: nao apenas nao combinam com o campo, como geralmente promovem a deterioragaio das condigdes de vida local. Assim como as obras de arte méveis sao sacrificadas ao mercado de antigiiidades, também um grande ntimero de antigas ci- dades é vitima dessa pretensa modernizagao. Nesse pro- cesso, deixa-se de lado o fato de que as inovagées técni- cas nao séo um fim em si mesmas, mas um meio de facilitar a luta pela vida e tornar a existéncia ma iS agra- davel, perdendo seu valor quando nao atendem a esses objetivos ou quando destroem outros interesses vitais e valores existenciais igualmente importantes. Foi um en- gano deploravel ter acreditado que as novas instalagdes téenicas eram to importantes que poderiam passar a ocupar 0 primeiro plano, sem que se medissem esforgos para isso, que tudo deveria ceder lugar as instalagdes de uma fébrica ou a uma estrada de ferro ou que a regulari- zacao de um rio deveria ser conduzida de tal forma que nada mais restz e da antiga beleza de suas margens. Quase sempre se podem alcangar os mesmos resultados praticos sem promover semelhantes devastagdes e os empreendedores dos setores ptiblico ou privado, as ad- 2. 0 termo usado pelo autor, Mietskuserne, é um vocdbulo de uso co- loquial e refere-se a iméveis especialmente grandes, alugudos a vé- rios locatarios (N. da T.). Catecismo da Preservagdo de Monumentos * 81 ministragdes € 0 servigo ptblico que nao se esforgarem para que tal ocorra, devem ser responsabilizados por descumprimento de dever e danos & comunidade. como Resultado de Destruigdo de Antigos Monumentos uma Equivocada Mania de Embelezamento Muitos antigos monumentos, tanto de arte sacra como profana, acabaram sendo vitimas nao apenas de um z 29 progresso mal-entendido como também de uma equivo cada busea de embelezamento. ; Antigamente, objetos arlisticamente valiosos e de grande exceléncia eram suficientes para decor as a sas de Deus. Hoje essa situagao parece ter se invertido completamente, uma vez que geralmente ab desiree i bens da igreja para substituf-los por horriveis ae dorias industrializadas. Geralmente 0 caso ae passa da seguinte forma: comega-se a recolher dinheiro poe “embelezamento” da igreja; logo que se conseguem al- gumas cem coroas, solicitam-se orgamentos a Betty dos quais sao escolhidos altares, pinturas, confessiondrios € Grgiios, os quais sao encomendados sem que se Pe ° conselho de um conhecedor de arte. Em ple disso, antigos ornamentos $40 destrufdos ou pendiees she obras de arte antiga passam a decorar os saldes de al- gum miliondtio e a igreja, em nome de um suposto embe- leament e da substituigao de antigos objetos de arte, , eal Gaateranal recebe coisas absolutamente sem valor. Estas tiltimas sa 820 ¢ Max Dvorak vislas com indignagao por qualquer pessoa que tenha uma minima idéia do que seja a verdadeira arte e que nelas enxergam uma deformacio desmerecedora e 0 les temunho do baixo nfvel artistico a que foi relegada a arte sacra. Além disso, as paredes sao recobertas por pintu- ras cuja falta de qualidade e beleza seriam excessivas inclusive para um teatro de variedades, as janelas rece- bem vitrais berrantes e detestaveis, 0 chao 6 revestido por um piso que se assemelha aos utilizados em banheiros, Esse triunfo da falta de gosto, em nome do qual se des- truiu tudo 0 que as geragées anteriores criaram em legi- tima emulagaio, é festejado como um alegre acontecimen- to e como um feito piedos . Na verdade, esses supostos embelezamentos sao uma perda irrepardvel e, ainda que a inlengao parega ter sido boa, constituem um grande erro que, geralmente, logo apr ta seu prego. O falso brilho das mereadorias de fabrica em breve desvanece; as pecas de ornamentagao sao feitas de forma tio preca- na, que em poucos anos acabam se despedagando e a decoragao, artisticamente sem valor, depois de ter per- dido seu ar de novidade, torn: se insuportdvel até mes- mo para aqueles que por ela sao responsdveis. Costuma- se defender esses falsos embelezamentos com 0 argumento de que se esta atendendo ao gosto e ao desejo da popu- lagiio, que com eles se compraz, ou com a afirmagao de que a antiga ornamentagao teria se tornado muito sim- ples e insignificante. A populagao nao tem, em geral, um juizo artistico proprio: agrada-lhe 0 que é novo, porque é novo. Assim, mesmo que de fato algumas obras mal fei- Catecismo da Preservagao de Monumentos * 83 las produzam certo efeito sobre uma parcela inculta da populagiio, é um erro evidente que apenas essas sejam consideradas, enquanto se destréi aquilo que foi caro a homens cultos e que demonstram uma considerdvel sen- sibilidade estética. A igreja tem proporcionado a popu- lacdio, ao longo de toda a sua centendria exisléncia, 0 que ha de mais elevado no campo da arte, sem jamais sa- crificd-la 4 ignorancia. As antigas obras de arte sacra, sejam elas suntuosas ou singelas, rebuscadas ou simples, possuem estilo e carater. Diante delas, percebe-se que foram criadas por uma sensibilidade estética com amor, zelo ¢ reflexdo, e que, através delas, falam 0 Genius loci, a tradicao local e as aquisigdes universais da arte. Por outro lado, a maioria dos objetos aos quais essas devem ceder espaco, no sao criagdes de uma nova arte sacra, mas desprezfveis € andnimos dublés de arte, sem essén- cia propria ou contetido artistico, cujos antigos donos € negociantes geralmente nao tém nenhuma relagéo com a igreja e com a arte, mas querem apenas fazer negécio, tal como os comerciantes de antigiiidades. locai As administragées € 08 proprietarios priva- dos também provocam muitas calamidades em nome de um pretendido embelezamento. Quantas antigas prefei- iuras e outros edificios ptblicos foram destrufdos nas tillimas décadas e substituidos por novas construgdes, dequadas ao prestfgio da cidade” e cuja imponéncia deriva da uplicagao de formas padronizadas, retiradas de livros de modelos, sobre uma estrulura padrao de im6- vel de aluguel, tarefa nao desempenhada por artistas, yo Wy WW 84 © Max Dvorak mas por empreiteiros. Enquanto a antiga arte civil era modesta e funcional, obra do bom artesanato local. hoje se quer possuir, por toda parte, palacios dignos de gran- des cidades, em nome dos quais sacrificam-se antigas e belas casas; uma vez que nao possufam recursos finan- ceiros © artistas capazes de construir verdadeiros pala- cios, geralmente acabavam criando repugnantes abortos da arte da construgao. No lugar da antiga arte local, cujas obras foram exterminadas, surge, em nome dessa equi- vocada busca de fausto, um lamentayel nivelamento que rouba a beleza das antigas localidades e as transforma em monétonas cidades do mundo, destitufdas de valor artistico. Vale lembrar ainda que, muitas vezes, a “moderni- zagao c embelezamento” da cidade sio apenas um pre- lexlo, uma vez que a verdadeira motivagao encontra-se nos ganhos obtidos pelos especuladores imobilidrios, em prejuizo da comunidade. Ef contra eles que se devem er- guer aqueles que realmente prezain a imagem artfstica de sua patria. 2. O Valor dos Antigos Patrimonios Artisticos Depois que fomos advertidos a respeito dos Reegs que ameagam 0 antigo patriménio artfstico, € preciso também atentar para a urgéncia de combater essas amea- cas com todos os meios possfveis, seja por idealismo ou por motivagGes econdmicas. : Nao se trata apenas, como se costuma acreditar, do interesse de intelectuais e amadores da arte. f certa- mente da maior importancia para a histéria da arte que suas fontes, os monumentos da arte antiga, sejam prote- o de eminentes obras de gidos e, sem diivida, a destruig arte € uma perda irrepardvel para todos aqueles que de- dicaram suas vidas a arte. Trata-se, também, de algo que possui uma importncia incompardvel ¢ um Sd que atinge a todos os homens, sejam eles eruditos e co- nhecedores de arte ou nao. 86 © Max Dvorék Toda a nossa vida esté, como jamais esteve, inva- dida por esforgos e medidas materialistas: indistria, co- mércio internacional e conquistas técnicas tém sido de tal forma dominantes sobre as forgas espirituais, que nao se deve temer um atraso nessa dire do. FE significativo que, quanto mais avanga a industrializagao da vida, mais cresce a certeza de que essa nao satisfaz todas as suas n essidades ¢ se fortalece a busca por alegrias e senti- mentos que mantenham o homem acima da luta material pela existéncia. Ninguém iré negar que as ferrovias elé- ticas, as amplas rodovias, elevador e telefone, bancos e fabric difusao. No entanto, estamos cada vez mais conscientes » Sdo coisas tileis e que devem ter a mais ampla de que, uma vez que 0 homem nao é uma maquina, seu bem estar nao deriva apenas dessas facilidades mate- riais. Da mesma forma, um observador atento perceberé que tudo aquilo que nao pode ser medido apenas segun- do pardmetros técnicos ou funcionais — desde as bele- zas da natureza, ao al nce de todos, até a profundidade de uma concepgao de vida nova, severa e ideal —, ganha significagéo sempre crescente, dia apés dia. O antigo patriménio artistico esté entre um dos mais importantes dess s novos bens ideais, como fonte dessas impressdes que, assim como as belezas naturais, provoca no espec- tador um sentimento que esté acima das preocupagées e esforgos materialistas do cotidiano. Essas impressées podem ser dos mais diversos ti- pos. Podem dizer respeito ao préprio valor arlistico dos monumentos, A sua presenga na paisagem, a sua telagao Catecismo da Preservagao de Monumentos ° 87 com um aspecto local, as recordagdes que a cles estiio ligadas ou aos resquicios de antigitidade que os enobre- cem €, ao mesmo tempo, despertam no espectador ima- gens do futuro e do passado. O grande mérito da salisfa- as obras de arte antiga cao que nos proporcionam hoj reside no fato de que esse prazer nao se limita a um de- terminado grupo de monumentos e nem € privilégio de s. Uma simples capela, uma ruina cerlas classes social recoberta de hera ou um antigo lugarejo no campo des- pertam em nés uma satisfagao semelhante aquela des- pertada por uma imponente catedral, um paldcio real ou um rico museu. Essa satisfagao, por sua vez, aleanga a todos que forem sensfveis aos prazeres spirituais. Nao apenas obras singulares de arte antiga foram valorizadas, mas tudo o que a arte antiga criou tornou-se precioso para nds, nao apenas por constitufrem uma soma de fa- tos hist6ricos ou de modelos estéticos, mas por serem a tradugdo viva de toda a nossa vida espiritual. Talvez essa idéia possa se traduzir melhor se pen- sarmos no numero crescente de pessoas que visitam ci- dades antigas ou onde se localizam antigos monumentos. A atragao exercida pela beleza das construgées de uma localidade torna-se semelhante aquela despertada pelos recursos naturais da regido, e é por isso que, mesmo do ponto de vista puramente econémico, é um dano social destruir monumentos de arte antiga, uma vez que nin- guém ird se interessar por lugares e paises moderni: dos, mecanicamente construfdos ¢ que foram destitufdos de seus monumentos. 0 empobrecimento artistico e es- 88 * Max Dvorak piritual que esta ligado a essas devastagdes 6, com cer- teza, perda ainda maior do que a econdmica, Nao séio to- dos oe que podem fazer uma longa viagem para, em ter- ras distantes, admirar antigas obras de arte. Além disso. quando se destroem os monumentos arlisticos de ue patria, priva-se os homens de absolutamente tudo 0 que a arte antiga lhes poderia oferecer. Ao empobrecer 0 patrimdnio artistico de sua regio, 0 homem empobrece Sa DES vida € perde os lagos mais estreitos que 0 haviam ligado a sua patria, 3. A Importante Dimensdo da Protecio de Monumentos Esse novo valor que as antigas obras de arte adqui- riram para todos os aspectos de nossa vida confere & pro- tecéio de monumentos uma importancia generalizada. Nao se trata apenas de proteger a arte e a ciéncia, mas de algo que, do ponto de vista das necessidades gerais do povo, é tao urgente quando os investimentos em edu- cagao escolar. Deduz-se também daquilo que foi dito, que a protegao de monumentos nao se pode limitar a al- gumas obras de arte singulares, mas deve incluir tudo o que puder ser considerado um bem artistico puiblico no mais amplo sentido do termo. E as coisas de menor im- portancia geralmente demandam maior atengao do que as mais significalivas. Ninguém seria tao insensato a ponto de querer destruir pinturas de Diirer ou Ticiano ou 90° Max Dvorak demolir a Igreja de Santo Estevao, enquanto em toda parte esta sob ameaga aquilo que nao é exaustivamente reproduzido nos manuais de hist6ria da arte e que nao esl assinalado com uma estrela nos guias de viagem, ainda que necessite de proteg4o por ser, em seus limi- tes, ndo menos sublime e tao insubstitufvel quanto as mais famosas obras de arte. Assim como a protecao de monumentos niio se li- mita as obras de arte mais conhecidas, também nao deve se limitar a es ou aquele estilo. Quando se comegou, no século passado, a olhar para a arte antiga de forma mais solfcita, houve uma tendéncia a dar preferéncia a esse ou aquele estilo que, sob a influéncia das tendén- cias artisticas do momento, vinha declarado como o tini- co valido. Assim, surgem os admiradores do Classicismo, do Gotico ¢ da Renascenga, para quem apenas os estilos grego, golico e renascentista cram legitimos e belos, Essa unilateralidade dos artistas ¢ criticos de arte foi dupla- mente nefasta para a preservagao de monumentos, pois nao apenas mantinha-se a predilegdo por um certo esti- lo, como geralmente se reprovavam todos 0s outros como um equivoco ou falta de gosto. Principalmente o estilo barroco, por ser 0 mais recente dos estilos histdricos e aquele do qual se desviou para retornar as formas dos perfodos anterior da arte, foi quase universalmente condenado. Em conseqtiéncia disso, os monumentos de arte barroca, pretensamente menos valiosos, nao apenas ficavam de fora da politica de protegdio de monumentos, como também eram eliminados por exigéncia de um pre- Catecismo da Preservagiio de Monumentos * 91 conceilo artistico. Muitos ediffcios, estétuas e pinturas barrocas foram sacrificados em nome dessa exigéncia. Ainda mais fatfdica foi a segunda conseqiiéncia desse dogmatismo estilfstico, Uma vez que apenas um estilo era considerado legftimo, exigia-se que nas cons- trugdes erguidas e ornamentadas em momentos distintos, que haviam sido ampliadas ou reformadas, ou nas quais se identificavam adornos e ornamentos de diferentes épocas, todos os elementos e alteragdes posteriores ao estilo original da construgao deveriam ser eliminados. Essa opinido foi especialmente prejudicial a arte sacra. ilis s de ordem pra- Uma vez que as igrejas anligas quase nunca eram licamente homogéneas, fosse por quest6 tica ou pelo empenho em construf-las da forma mais vis- tosa possfvel, 0 que fez com que geralmente recebessem uma nova forma ou um novo adorno, ainda que fosse mantido 0 antigo nucleo, as antigas construgdes sacras acabavam se tornando um espelho da criatividade artis- lica de varias geragdes e de muitos séculos. Tudo isso foi considerado uma deformagiio e em varias igrejas foram destruidos ou retirados todos os elementos que nao de- rivavam do estilo original da construgiio, os quais foram substitufdos por outros que o imitavam. Os mais suntuo- as esculturas sos ¢ belos altares, os mais ricos estuqu e pinturas mais importantes foram sacrificadas a esse é especial- falso principio, 0 que para nds, na Austria, mente lamentavel, pois nossas igrejas receberam a gran- de parte de seus mais ricos adornos nos séculos XVile X VILL. Em muitos casos, procurou-se também, em nome Wy 9208 Max Dvorak da desejada unidade de estilo e pureza estilfstica, des- fazer modificagdes arquitetonicas que haviam sido fei- las nas igrejas ao longo do tempo. Para tanto, demolia- se tudo o que havia sido acrescentado posteriormente e instalavam-se, no lugar, partes reconstruide segundo o tilo original”. Em geral, reconhecemos hoje os danos irrepardveis que essas praticas causaram aos antigos monumentos; todavia, como essas tendéncias ainda nao desapareceram completamente, em especial entre o cle- ro, € necessério chamar a atengdo para o equivoco das premissas sobre as quais elas se apdiam. E. sobretudo falso acreditar que apenas esse ou aquele estilo 6 legitimo, uma vez que a arte, em seu de- senvolvimento milenar, néo deve ser julgada segundo uma f6rmula valida universalmente, mas avaliada segun- do suas intengo s artisticas e suas realizagdes, que va- riam de acordo com as diferentes épocas e os diferentes paises. A arte ndo seria arte se, como defenderam os pro- fetas de um determinado estilo no século passado, tiv se elaborado suas obras gundo uma receita, Adaptada a novas necessidades e opinides, a arte evoluiu como a lingua e a literatura, e trata-se de uma teoria arbitraria ou de um preconceito infundado reconhecer digno de conservagao apenas aquilo que foi executado em uma determinada época, enquanto todo o resto, materializa- cao do esforgo criativo e do ideal artistico de varios sé- culos, é considerado de qualidade inferior e condenado a destruigdo. Fi uma ridfcula presungéio afirmar que uma arte que criou obras como a Igreja de Sao Carlos em Vie- Catecismo da Preservagio de Monumentos ¢ 93 na eo monastério de Melk seja algo totalmente desti- tudo de valor. Mesmo quando a preferéncia pessoal e o interesse geral estfio mais voltados para esse ou aquele estilo, isso nao significa que se possa destruir todo 0 res- to, pois aquilo que nao se considera notdvel pode se tor- nar valido em outros tempos, assim como aconteceu, en- tre nés, com as obras de arte barroca. ; Geralmente, a preferéncia que se dedica a um tini- co estilo deriva de motivos que pouca relagao possuem com a forma artfstica por ele aplicada, mas com outros pontos de vista. Como exemplo, 0 estilo gético é tido como mais adaptado ds construgdes sacras do que o bar- i- roco, 0 que inclusive carece de fundamento, pois 0 S lo barroco estava ligado ao grande florescimento da vida religiosa, principalmente na Austria, onde se adapta muito melhor com a tradigao religiosa contemporanea do que o gético medieval surgido na Franga. ced, — € esse grupo representa a maioria — para Aquel 3 quem 0s antigos monumentos Eee One alegre e satisfagao, pouco sabem a respeito de antigos estilos. Quando admiram, profundamente atrafdos, uma maravi- igre} i antiga cidade, niio lhosa igreja antiga ou uma nobre e antigi questionam se essas formas singulares pertencem a esse ou Aquele estilo. O efeito dos antigos monumentos p0bts a fantasia e 0 sentimento nao depende de uma lei esti- listica, mas é acionado através da visao concreta que nasce quando as formas arlisticas universais se unem com as caracterfsticas locais e individuais, com todo 0 ambiente e com tudo o que, ao longo do devir histérico, ye Wye tw 940° Max Dvorak ansformou 0 monumento em sfmbolo desse ambiente. Igrejas ou outros edificios, ruas e pragas que, ao longo do tempo, pouco a pouco receberam e conservaram seu ca- rater artfstico, constituido por elementos estilisticos di- versos, assemelham-se a seres vivos. Quando, porém, sao reconduzidos violentamente a uma unidade estilfstica, perdem toda a sua vitalidade ¢ 0 seu fascinio, transfor- mando-se em monétonos exemplos retirados de manuais. Sendo assim, a proteg 0 de monumentos nao se deve voltar apenas aos estilos do passado, mas contem- plar também suas caracterfsticas locais e hist6ri Ss, as quais nao estamos aulorizados a corrigir segundo as re- 8ras que nos aprouverem, pois essas corregdes geralmen- te destroem aquilo que confere um valor insubstituivel alé mesmo aos mais modestos monumentos, 4. Falsas Restauragées igualmente um erro acreditar que através das. ale tas reformas e reconstrugGes realizadas em nome da fi- delidade ao estilo podemos devolver as construciies sua forma original. Esse intento 6, afinal, eg ia de regra, nado sabemos como era a forma phiginal e precisa- mos nos contentar em tentar reproduzi-la de gecidg com aquilo que ela poderia, aproximadamente, ter sido. ; Exsas reconstrugdes aproximativas, no entanig, Je mais poderiio substituir aquilo que acl existiu, pois as antigas construgdes nao foram realizadas segun- . como geralmente ocorre nas obras do um fazer passiv ! arquitetonicas modernas, mas cada uma delas foi uma solugao artistica condicionada por fatores especificos, 0 que a torna irreproduzfvel, assim como n&o se pode res- suscitar um homem medieval de sua sepultura. 96° Max Dyorak Mesmo quando, através de determinados indicios, nos informamos a respeito de como uma obra arqui- tet6nica foi construfda originalmente, uma reconstrugao jamais vai substituir aquilo que se perdeu ao longo do tempo, pois uma imitagdo no substitui o original. Nos monumentos artisticos esse prinefpio nao se aplica ape- nas a estrutura da construgao, mas também ao que diz respeito & sua execucao. Podemos estar convencidos de que havia, aqui ou ali, uma coluna, uma pilastra ou um elemento ornamental: no entanto, a nova coluna, a nova pilastra e a nova pega decorativa vio parecer elementos estranhos na antiga construgao, pois falta a originalida- de que, assim como em um manuscrito, se revela em cada linha e nao se alcanga nem mesmo com a mais per- feita reconstrugao, Sacrifica-se a verdadeira originalida- de que os tempos posteriores criaram, sem que se apre- sente algo mais do que uma imilagao mais ou menos grosseira. Ora, todos os que lidam com antigitidades bem que tais pegas nao t¢m valor e, quando em relagao com obras de arte realmente antigas, provocam nos in- dividuos que possuem uma relativa sensibilidade esté- tica a impressiio de uma fraude inadmissfvel e de uma profanagao insuportavel e repugnante. As contfnuas reformas e reconstrugées de anligos monumentos nao devem ser evitadas apenas porque des- troem valiosos testemunhos de periodos posteriores, mas lambém porque modificam voluntariamente a for- ma € a aparéncia do monumento, depreciando assim seu efeito histérico e artistico. O mesmo se pode dizer de Catecismo da Preseryagao de Monumentos * 97 todas as restauracdes que ultrapassam os limites do ne- cessario. Naturalmente, a maior parte das obras de arte do passado nao se manteve inlacla. Antigas construgdes acusam diferentes tipos de danos: os muros apresentam rachaduras ou estado se desfazendo, as decoragdes esto defeituosas, os altares apodreceram, as palas de altar es- cureceram e os afrescos, que foram reduzidos a p6 ou se desprenderam das paredes, estdo reduzidos a alguns fragmentos. Obyiamente esses danos precisam ser reme- diados da melhor forma poss{vel para a conservagado dos monumentos. Em noventa por cento dos casos de restauro ocorri- aram-se as medidas de dos nas tltimas décadas ultrape conservagao necessarias. Os responsdveis nao se limitam a reslaurar o que resta de um monumento, mas substituem também tudo 0 que falta e renovam o que est. danificado. saste- Rufnas foram reconstrufdas e deram lugar a falsos los. Partes da arquitetura que estavam danificadas ou que haviam desaparecido foram completadas ou renovadas, estdtuas foram refeitas, substitufdas por cépias ou recebe- yam nova camada de tinta, enquanto as pinturas, em vez de receberem um tratamento que as protegesse de futuros danos, foram simplesmente repintadas. Através de restau- ragdes dessa natureza, 0s monumentos do passado n&o estaraio protegidos contra a rufna, mas, ao contrario, estao sendo conduzidos a destruigéo em todos os aspectos. Quando sao arbitrariamente modificados, eles perdem sua significagao histérica e transformam-se em testemunhos ip 98 © Max Dvorak muito duvidosos da intengao e da capacidade artistica do passado, dos quais se retirou, em maior ou menor grau, o valor original. Um afresco repintado é, enquanto monu- mento histérico, quase sem valor e pode ser comparado a um documento falsificado. Toda pessoa culta sabe que nao se deve falsificar um documento hist6rico; mesmo assim, quando se trata da arte do passado, isso n&o s6 é permili- do, como muito desejado. Nao 6 necessario provar que res- lauragées arbitrérias e de amplo aleance acaham, também, com 0 valor artistico dos monumentos: de obras de arte do passado, tornam-se obras da arte dos restauradores, a qual nem sempre é de alto nfvel e, mesmo que 0 fosse, jamais poderia substituir um monumento antigo intoc: do porque, nas obras de arte do passado queremos admirar 0 velho, e nao 0 novo. Um antigo altar gético perde dois tergos de seu valor artfstico quando se refazem as estituas que o adornam, aplicando sobre elas cores variadas. Uma pro- dugao tao radical néo mantém quase nada do caréter in- dividual que caracteriza toda legitima obra de arte do pas- sado e que a diferencia das imitagdes. Quando esse cardter original é destrufdo, também se destréi, na maio- ria dos casos, todo e qualquer efeito que um monumento intocado possa exercer sobre 0 espectador. Uma antiga igreja acinzentada pelo tempo, que tenha sido restaurada a ponto de parecer nova em folha, adquirindo internamen- te um novo e excessivo brilho dourado e uma decorago muilas vezes exagerada, onde as paredes resplandeceram com a limpeza ou foram repintadas, onde os tetos foram recobertos com material resistente a fogo e intempéries, Catecismo da Preservagao de Monumentos * 99 acaba perdendo quase tudo o que lhe garantia o aspecto caro e precioso. Ela se assemelha, depois da restauragao, a uma construgdo nova e sem interesse, da qual desapa- receram a poesia, a atmosfera e 0 fascfnio pitoresco que a envolyiam, O resultado da restauragao, que geralmente esté a destruigao e a deformagao. Tais restauragdes, que geral- ociado a altos custos, nado é a permanéncia, mas a mente sao atribufdas, de forma escandalosamente levia- crifi- na, a mdos inexperientes e As quais igualmente se s caram varias obras de arte do passado, precisam ser decidida e amplamente combatidas. Isso nao significa, como muitas vezes se supde, que se queira transformar igrejas em museus. Obras de arte do passado sao para nés muito mais do que simples objetos museolégicos. Elas devem, em todos os lugares, embelezar nossa existéncia, 0 que torna necessdrio que estejam em conslante relagdo com a vida e n&o ser consideradas como algo distante, apre- ciadas e tratadas como se estivessem de costas para snte. Por isso, é preciso realizar todos os o pres restauros que se fazem necessdrios, se ndo se quer retirar das obras de arte suas antigas fungdes. O quanto se deve avangar nesse caminho é uma dec sao que cabe aos érgdos responsdveis, ainda que deva valer como regra geral que a restauragdo nao deve jamais ser um fim em si mesma, mas deve signi- ficar um meio de assegurar aos monumentos sua in- tegridade e seu efeito, conservando-os piedosamente para as futuras geragdes. 5. Obrigagées Gerais Os perigos que ameagam 0 patriménio artfstico do passado impéem A sociedade algumas exigéncias que nés queremos retomar mais uma vez, dada a importén- cia da questao. Tudo 0 que a arte criou € um produto precioso e constitui o patriménio do desenvolvimento espiritual da humanidade, cuja preservagao 6 de interesse para a so- ciedade em geral e coloca a todos — comunidades e po- vos, Igreja e Estado, determinadas obrigagdes. Esse cui- dado pertence ao conjunto de obrigagées de toda pessoa culta. Aquele que enxerga os monumentos do passado como simples trastes velhos, que, segundo suas condi- Goes zados em obras mais “vantajosas” — covas para cal, cons- pecfficas, devem ser logo destrufdos ou reutili- 102. * Max Dvyorik trugao de novos edificios, fornos ou sucata -, seja qual for a camada social a que pertenga, é um homem rude, sem cultura ¢ educagiio, que deve ser julgado e tratado como alguém que tivesse ferido os mais elementares princfpios que um homem civilizado deve manter diante do patriménio ideal comum. A preservagao de monumentos 6 uma das obriga- goes das comunidades e das nagdes. Nao ha comunida- de ou nagio que nao se orgulhe das obras de arte de sua patria, reunidas nos museus e que sao apresentadas aos convidados com elevada consciéncia de seu valor. Por isso, indignar-se-iam com raziio se alguém quisesse rou- bar ou destruir esses tesouros artisticos. Os museus, po- rém, ainda que retinam pecas de inestimavel valor, sdo apenas reftigios emergenciais para obras de arte disper- Sas, enquanto 0 maior legado artistico do passado local ou nacional se concentra nos monumentos enraizados na regiao e radicados no territorio da palria. Essa verdade Ja é plenamente reconhecida por grande mimero de pes- soas, sobretudo quando se trata de arte estrangeira, Mui- las pessoas vi jam para longe, a fim de conhecer antigas obras de arte no cendrio em que se verificaram as condi- ¢6es para sua realizagao. No entanto, essas mesmas pes- Soas assistem passivamente, ajudando muilas vezes, A destruiggio de monumentos em sua palria, como se estes Yiltimos fossem menos valiosos do que os que se encon- tram na Itélia ou nos Paises Baixos. Tai s individuos pe- cam n4o apenas contra os bens culturais comuns, mas principalmente contra sua palria e nagao, privando-a de iain ie Aa ol on nae Catecismo da Preservagio de Monumentos * 103 algo mais valioso do que se vendessem ou destrufssem as pegas que se encontram reunidas nos museus. Isso vale, em especial, para as administragGes locais e para todos os 6rgaos que zelam pela nagdo, Trata-se de fari- safsmo falar de amor pela patria e, ao mesmo tempo, des- par aquilo que, além da natureza, confere & patria seu caréter mais manifesto: as obras em que vive- ram seus antepassados, os rastros do espfrito artfstico que icar e que sobrevivem em suas imagens € fizeram frutifi monumentos. Com excegdo de uma brutal modificagao lingiifstica, nada poderia prejudicar mais a heranga es- piritual de um povo do que a destruigdo violenta de seu patriménio monumental. Por isso, a protegao de monu- mentos 6, a0 mesmo tempo, protegaio da patria — de fato, a transposigéo do amor pela patria — e precisa ser forte- mente estimulada por toda parte: executada pelas cor- poragées e institutos ¢ despertada em todo aquele ere quem o sentido de comunidade, patria e honra nacional nao sejam palavras vazias. A preservagdo de monumentos é uma das obriga- des do clero, tanto por motivos de cardter geral como religiosos. Os sacerdotes que, sem justificativas, dee: troem antigas obras de arte ou delas fazem vil comércio, seguindo o exemplo dos devastadores de igrejas que, sob a influéncia da Revolucdo Francesa investiram contra. os testemunhos do passado, correm 0 risco de serem julga- dos como estes tiltimos o foram. Sua aluago prejudica a comunidade e a cultura justamente no campo da forma- ao espiritual, campo em que a Igreja vem atuando de wy tw 104. * Max Dvorak forma determinante desde €pocas remotas, no sentido de melhorar a condigao da humanidade nesse particular, Além disso, prejudicam diretamente a vida religiosa, minando a consciéncia de uma continuidade hist6rica e desonrando sentimentos que deveriam ser estimulados como fontes de profunda e sincera concepgao de vida. Ja se pode concluir, a partir do que foi exposto, que a preservagao de antigos monumentos é igualmen- te uma das obrigagides do servigo publico estatal. Tal obrigatoriedade nio se deve apenas ao fato de que se esta lidando com valores culturais comuns, cuja prote- ¢do incondicional esta entre os deveres do Estado, mas também porque o antigo patriménio monumental deve ser incluido entre os bens mais preci ‘os de qualquer nagdo, seja do ponto de vista material ou ideal, Junta- mente com os monumentais testemunhos de seu pas- sado, também os mais importantes fundamentos espi- rituais de sua autoridade e de sua cultura vem sendo subtraidos ao Estado, elementos que o diferenciam das formagées polfticas mais recentes. F. por i 0 que os 6r- gaos ptblicos estatais que, sem razbes justificdveis, destroem ou deixam perecer anligas construgdes ou outros monumentos, deixam de cumprir com suas obri- gagdes, assim como se tivessem di: pado outros bens piiblicos e estatais. Nao se podem considerar razdes fiscais como justificativas yélidas para a destruigao de monumentos ¢ bens do passado, pois estamos tratando dos mais altos interesses do Estado, que nao podem ser medidos apenas segundo regras da economia de exer- mo da Preservagio de Monumentos * 105 Cat cfcio. Ao contrario, 0 assunto é tao importante que os 6rgaos estatais que agem contrariamente ou deixam de cuidar das questes do patriménio devem ser conside- rados criminosos € perigosos aos interesses comuns. Por toda parte criaram-se institutos priblicos e con- trataram-se funcionarios, a quem se confiou a guarda do patrimdnio artistico do passado, atendendo 8 alta signi- ficagao da protecdo de monumentos para os interesses comuns e, especialmente, do Estado. Em vez de receberem apoio € auxtlio, tutos geralmente tém suas tarefas prejudicadas ao-se- 's insti- rem considerados como instAncias perturbadoras, que se melem em assuntos que nao lhes dizem respeito, querendo limitar o livre direito de dispor dos proprieta- rios. Infelizmente, ainda existem muitas personalidades : nao vou deixar fio de d eminentes que fazem qu que 0 conservador ‘x’ ou ‘y’ me diga o que devo ou nao fazer. Esses individuos esquecem que, em muitas ou- tras situagées em que se solicilou a ingeréncia do Esta- do em nome do interesse ptiblico — por exemplo, em quest6es que dizem respeito 4s normas gerais de cons- trucdo, a regulamentacao das aguas, 4 economia oe tal e a higiene —, essa foi considerada legftima, ébvia e fora de questionamentos por eles mesmos. Portanto, nao se trata do conservador ‘x’ ou ‘y’, mas de exigén- cias e obrigagdes que todo homem bem educado e in- teligente deve ter em mente, sem que seja preciso recorda-lo, assim como sabe que nao deve, em socie- dade, faltar com o decoro e com boas manceiras. “” Wy 106 * Max Dvorak Objeta-se, por vezes, que as opinides sobre aqui- lo que deveria ser feito nesse ou naquele caso, do ponto de vista da preservacgio de monumentos, nao sao claras e que a decisao seria, afinal de contas, uma questo de gosto, fora de quaisquer regras. Isso é um grande e total equivoco. O que se exige e se deve continuar a exigir é que se respeite, por toda parte, 0 patriménio herdado e se assegure a sua preser- vagao, garantindo 0 maximo possfvel a sua integridade, sua identidade com o ambiente, sua forma e sua aparén- cia. Essa 6 uma exigéncia clara e inequfvoca, da qual nao importa saber quem representa e aquele que preci- sar ser dela lembrado nao é digno de honra. Na maioria das nagdes essa exigéncia Ja se transformou em lei ¢ onde isso ainda nao aconteceu, como na Austria, deve- se urgentemente demandar que a boa vontade e bons exemplos substituam as constrigdes da lei. Isso deve ser dito de forma especial aqueles cole- cionadores cuja ambigao desmesurada, até bastante to- lerada do ponto de vista da preservacio de monumentos, de adquirir antigas obras de arte a qualquer prego con- duz, geralmente, a que em toda parte 0 patriménio artfs- tico movel seja sistematicamente arrancado de seu local de origem e espalhado aos quatro ventos. Naturalmente se deve dirigir um apelo também aos artistas. Existem ainda, infelizmente, muitos de- les, principalmente arquitetos, que encaram a arte antiga como inimiga, seja porque querem dela se emancipar — como se ndo fosse melhor acolhé-la e ser Gatecismo da Preservagao de Monumentos * 107 por ela condicionado esteticamente —, seja porque nela enxergam um concorrente & sua prépria obra. Existem outros também que simulam um respeito diante das obras de arte do passado, mas que, na ver- dade, devastam-nas, danificando-as com imitagdes de baixa qualidade ou delas tirando proveito através de restauragdes sem critério. Tudo isso é indigno de um verdadeiro artista e imprime na arte do presente feri- das tao profundas quanto aquelas que marcam a arte do passado. Quem nao é capaz de respeitar tudo o que a arte j4 criou, precisa aceitar que também a sua arte seja considerada levianamente, assim como uma mer- cadoria que é avaliada pelo prego e pela demanda. Da mesma forma, aqueles para quem a singularidade es- tética das obras de arte do passado nao 6 sacrossanta, nao deve esperar que se utilizem outros critérios para julgar suas préprias obras. Com outras palavras — e isso nfo vale apenas para os artistas —, as obras de arte antiga devem possuir para nés uma importancia muito superior aquela determinada por seu valor material. Ainda maior, no entanto, muito maior do que simples antigiiidades, padrées estilfsticos ou fontes histéricas. Elas precisam ser interpretadas ¢ sustentadas como uma parte viva e integrada as nossas existéncias, ao nosso devir, & nossa patria, 4 nossa cul- tura nacional e européia, as nossas aquisigdes e prerro- icas, assim como os tesouros do gativas espirituais e desenvolvimento lingiifstico e literario, do qual sao a contrapartida.

You might also like