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JoAo Pontes Nogueira e Nizar MEssari Teoria das Relagées Internacionais Preencha a ficha de cadastro no final deste livwo receba gratuitamente informacées sobre os langamentos e as promocées da Editora Campus/Elsever Consulte também nosso catélogo completo ultimos langamentos em www.campus.com.br ) q > | x c oe (© 2005, Elsevier Editor Lida Todos 05 detos reservados protegidos pala Lei 9.610 de 1902/1998. Nenu parte deste wt, sem autorzagao preva por escrito da ecto, ders sr reprogunids ou trangia sam quai foram os meiosemprogacos: ‘Sletrncos, mecknios, etogtcos.gravazso co auaiuer outros Projeto Gratio © Edtorapso Elorénica Corpodarexo Copidesque Gaucia Mello Behassot Revedo Gritica aria Pinto de Ofvera Marea Antonio Corres Projte Grico lsewer Eotora Lida ‘Quaid da Inlormagao. : ua Sete de Selombro, 111 ~ 18° andar 20080:006 io de Janeiro FL Bras “elton: (21) 9970-9900 FAX: (21) 2607-1091 . E:mat ino @otsoviercombr serio So Pate: ‘lua Quintana, 79/8 andar (04569:011 Brookin Sao Paulo SP “ols (1) 5105-8885 ISBN 05.52.1087 "Muto zoo ena foram emoregados na eaicdo desta obra. No ontanto, podem ocorer eros de ‘igitagso,impressto ou divda conesivalEm qualquer das histeses, solictams a comunicayo ‘nose Coal de Alenia, para que possamos escarecer ou encaminhar @questze. Nem a ‘dior nem o aor assumem qualquer esponsabiidade po eventuais danos ou pordas& porsoas fu Bers, ogiados do uso desta publiagio, conta de tenants 0900285540, ‘ua Sete de Setembro, 11, 16 andar = Cento ~ Fo de Jano ‘mat info@elseviorcom be ‘ie: wivwampus com br CiP-Brasi.Catelogagao na onte Sinica Nacional dos Edtres de Uwos, Ra Neve Neguota, Jodo Pontes "Yeara das reaySes internacionas : carers ¢ debates / Joao Pontos Neguera, Nizar Mostar lo do Jane" Elsver, 2005, p rc bibiograia ISeN 85 950-1687 1. Relagtes Internacional - Flosofia. | Messan, Naar Tito. 05,2550, ‘c00 327.101 cou 327 Para Tatiana, Angela ¢ Laila Sumario Capitulo 1 Introdugso Para que uma teoria das Relacdes Internacionais? 1 1 A evolucao da disciplina por meio dos debates teéricos a visio convencional 3 A proposta deste livro: uma visao diferente Plano do livro Notas Capitulo 2 O realismo ‘As premissas comuns ao pensamento realista Qs realistas que marcaram a evolucdo das Relagées Internacionais realismo, as Relagdes Internacionais e o debate contemporaneo Conclusao Notas Capitulo 3 O liberalismo A tradiczo liberal na teoria politica internacional paz, comércio, republicansmo, instituigoes Funcionalismo ¢ interdependéncia © novo liberalismo institucional e a critica ao neo-realismo Novas diregdes no debate liberal Democracia © paz Conclusdo Recomendacées de leitura Notas Capitulo 4 © marxismo Marx e as Relacdes Internacionais Lénin e 0 imperialismo: uma visio marxista das relacdes internacionais Vises da periferia: as teorias da dependéncia 8 “4 9 20 23 32 43 54 55 9? 58 74 88 % 100 101 103 103 105 105 m 118 CO estruturalismo marxista de Wallerstein Conclusao Recomendagdes de leitura Notas Capitulo 5 A Teoria Critica A Teoria Critica @ as Relagées Internacionais: antecedentes Robert Cox e a critica as teorias dominantes nas Relagées Internacionais, Etica, soberania e © cosmopolitisme ertico de Linklater Conclusio Recomendacées de leitura Notas Capitulo 6 © construtivismo Definindo o construtivismo Evolugao do construtivismo nas duas tltimas décadas © construtivismo depois de 1999 Conclusio. Notas, Capitulo 7 Os pés-modemos/pés-estruturalistas, A virada pés-moderna Poder e conhecimento nas RelagSes Intemacionais Realidade e discurso na politica mundial Identidade, excliséo e soberania Recomendagées de leitura Notas Capitulo 8 Perspectivas alternativas: feminismo pés-colonialismo Por que este capitulo? A contribuicdo feminista ao estudo das Relagdes Internacionais, A contribui¢ao do p6s-colonialismo ao estudo das Relacdes Internacionais Conclusio Notas Capitulo 9 Conclusdo Notas Referéncias bibliogréficas 123, 128 130 130 132 132 139 148, 158 160 161 162 163 169 181 184 1385 197 197 193 204 210 218 218 221 221 223 228 230 230 232 239 2ay Capitulo 1 INTRODUGAO. Para que uma teoria das Relacées Internacionais? Hoje em dia, ouvimos dizer com freqiiéncia que o mundo esta cada vez mais internacionalizado, integrado e globalizado. Mas 0 que se quer dizer, cxatamente, com isso? Sera que nossas vidas quo- tidianas, o andar da nossa economia, os altos € baixos da politica ou amaneira como se enfrentam os problemas sociais sao, realmente, afetados por acontecimentos que ocorrem longe daqui e por deci- sdes tomadas por outros governos? Acreditamos que sim, e que 0 estudo das relacdes internacionais é fundamental para compreen- dermos o mundo em que vivemos, Nem sempre foi assim. Durante muitos anos, os assuntos internacionais ocuparam muito pouco espaco no noticiario, no meio académico ¢ menos ainda em nossas preocupacées do diaadia, Questées de politica exterior eram da algada exclusiva dos diplomatas, uma elite profissional bem-edu- cada, mas pouco conhecida da sociedade. Se houvesse alguma guerra ou conflito que causasse incerteza quanto a seguranca do pais ou de algum vizinho, assunto certamente seria discutido nas esferas militares sem que muito fosse revelado a opiniao publica. Os tempos mudaram e, hoje, dificilmente passamos um dia sem ouvir uma noticia internacional que, provavelmente, tenha algum impacto, ainda que indireto, sobre nosso mundo imediato. Mesmo assim, o ensino € a pesquisa dos assuntos internacionais 2 Teoria das Relagdes Internacionais ELSEVIER ainda so pouco desenvolvides em nosso pais, apesar de existir uma disciplina dedicada ao estudo das RelagGes Internacionais ha quase um século na Inglaterra e hd pouco menos do que isso nos Estados. Unidos. As teorias das Relacdes Internacionais tém a finalidade de formular métodos € conceitos que permitam compreender a natu- reza € o funcionamento do sistema internacional, bem como expli- car os fendmenos mais importantes que moldam a politica mundial. Precisamos de um corpo particular de teorias para entender um uni- verso especifico da atividade humana cuja caracteristica € desen- volver-se para além das fronteiras nacionais, no espaco pouco conhe- cido em que as aces, interagdes, conflitos e negociacdes tem lugar nas margens da jurisdi¢ao dos Estados: 0 espaco internacional. Os estudiosos das questdes internacionais argumentam que elas pos- suem uma qualidade distinta dos problemas investigados pelas cién- cias sociais que se ocupam dos processos que ocorrem no espaco doméstico. Por isso, precisamos de uma teoria que dé conta dessa especificidade e de uma disciplina académica que congregue os es- tudos e retina os pesquisadores dedicados as relagdes internacionais. Neste livro, apresentamos e discutimos as principais correntes de pensamento na teoria das Relacées Internacionais e os debates que, freqiientemente, contrapdem seus expoentes, Nossa intencao foi elaborar um texto introdutério que possa ser utilizado por alu- nos dos cursos de graduagao em Relagdes Internacionais e também como material de apoio aos estudantes de pés-graduacio. Para tanto, procuramos combinar a apresentacdo dos conceitos funda- is de cada corrente de pensamento com uma abordagem ica das limitagdes € contradigGes evidenciadas nos diferentes debates teGricos. Nesta introducio, queremos situar este trabalho diante da va- edade de textos e manuais de teoria das Relacées Internacionais. Nao reivindicamos nenhuma originalidade em especial, mas gos- tarfamos que o leitor tivesse clareza quanto a nossas intencdes € posicdes, uma vez que diferem um pouco das narrativas conven- cionais, inclusive daquela que acabamos de resumir anteriormente. Nas préximas secdes deste capitulo, fazemos um breve apanhado da evolugao da disciplina de Relagées Internacionais, considerando a hist6ria mais conhecida dos seus “grandes debates” tesricos. Em ELSEVIER Introdugso. 3 seguida, situamos a proposta deste livro diante dessa historia, suge- rindo uma visao diferente das teorias de Relagdes Internacionais, considerando: a) o lugar de onde estamos escrevendo — um pais do mundo em desenvolvimento; b) a pluralidade de perspectivas existentes na 4rea, incluindo o impacto da contribuicao de outras disciplinas; c) nossa conviccdo de que o sistema de Estados nao é © tinico objeto interessante ¢ importante a ser estudado nas rela- Ges internacionais; e d) um questionamento sobre a conveniéncia da narrativa tradicional dos grandes debates para a riqueza ¢ 0 de- senvolvimento das pesquisas na area, Finalmente, apresentamos o esquema geral do livro € a divisio dos capitulos. A evolucao da disciplina por meio dos debates tedricos: a visdo convencional A apresentacio convencional da origem e da evolucio da dis- ciplina de Relagées Internacionais situa os primeiros passos para a formacio da disciplina no perfodo imediatamente posterior 2 tragédia da Primeira Guerra Mundial ¢ nos rastros de destr que ela havia deixado. O primeiro departamento de Relacées Inter- nacionais foi criado em 1917, na universidade escocesa de Aberys- twyth, com uma preocupacdo normativa: os académicos que se reuniram naquele departamento tinham como objetivo organizar uma disciplina em torno do estudo da questio da guerra e, mais precisamente, com a finalidade de livrar a humanidade de suas conseqiiéncias nefastas. Era preciso, entdo, estudar o fenémeno da guerra e suas causas para poder evitar a repeti¢io de tragédias similares as acontecidas na entao chamada Grande Guerra. Edward Hallett Carr, um diplomata britinico aposentado, escreveu um livro ao qual deu o titulo de Vinte anos de crise, publi- cado em 1939, poucos meses antes do inicio da Segunda Guerra Mundial. No livro, afirmou que a preocupacéo normativa dos pri- meiros académicos da area de Relacées Internacionais acabou por cegé-los. Segundo Carr, foi tal preocupacao que obrigou esses pri- meiros académicos a pensarem em termos do dever ser do mundo, em ver de estudar como 0 mundo realmente funcionava. A concen tracdo desses primeiros académicos, a quem Carr chamou de uté- 4 Teoria das Relag nacionais, ELSEVIER picos ou idealistas, em problemas ético-morais, impediu-os de ela- borar instrumentos analiticos que permitissem perceber os sinais anunciadores da proximidade da Segunda Guerra Mundial. Ao contrario desses idealistas, Carr definiu um segundo grupo que chamou de realistas, que estudava como o mundo realmente era e que defendia uma visio menos ut6pica ¢ mais sintonizada com as dimensdes do poder e do interesse que permeiam a politica internacional. A caracterizacao feita por Carr desse debate como um confronto entre idealistas e realistas ficou conhecida na area académica de Relagdes Internacionais como o primeiro grande debate da teoria das Relacées Internacionais, Era um debate ontolégico sobre uma disciplina recém-criada, em que as partes eram 0 dever ser dos idealistas e 0 serdos realistas. O primeiro grupo queria estu- dar como mudar 0 mundo para tornalo mais pacifico, enquanto 0 segundo grupo queria estudar os meios A disposic¢ao dos Estados para que pudessem garantir sua sobrevivéncia, O inicio da Segunda Guerra Mundial, que enfatizou a vit6ria da lgica da sobrevivéncia, acabou dando razio aos realistas ¢ en- terrando os idealistas: 0 pensamento normativo dos tiltimos revelou- se perigoso porque subestimava as ameagas a sobrevivéncia dos Es tados. O realismo saiu, entio, desse primeiro grande debate, como © grande vencedor, € a publica¢ao do livro de Hans Morgenthau em 1948, A politica entre as nacées, € sua enorme influéncia nas déca- das seguintes vieram confirmar essa supremacia.' Com a chamada revolucao behaviorista nas ciéncias sociais em. geral, a critica que passou a ser feita a area de Relacdes Internacio- nais deixou de ser ontoldgica ¢ tornowse metodolégica. O segundo grande debate na area nao foi mais um debate sobre o que € mas como estudalo, Os realistas cientificos defendiam maior rigor cientifico e maior influéncia dos métodos das ciéncias exatas. Criti- cavam, também, a falta de didlogo com outras areas de conheci- mento cientifico, nas quais avancos expressivos na formulacao de métodos empiricos de observacao ¢ andlise da realidade objetiva haviam sido feitos. Portanto, esses realistas cientificos defendiam a importacao de métodos € conceitos de outras areas, das ciéncias exatas em particular, como a cibernética ¢ a biologia, assim como ELSEVIER Introdugio § um uso mais intensivo de métodos quantitativos para o estudo das Relacées Internacionais. Segundo eles, o realismo chissico pecava por sua falta de rigor e sua metodologia subjetiva demais. AGuerma Fria, que exigiu dos tomadores de decisio um maior grau de previsibilidade no cendrio internacional, deu impulso a critica cientifica. A disciplina de Relagdes Internacionais passou a aceitar um maior rigor cientifico, assim como a adotar metodo- logias transparentes e falsificaveis, sem abrir mao dos avancos ocorridos dentro da area a partir dos estudos mais tradicionais do realismo classico. No final da década de 1960 e no decorrer da década de 1970, varios desafios se impuseram ao realismo como teoria dominante das Relacdes Internacionais. Esses desafios tinham duas origens: a evolucao da politica internacional ¢ a evolugdo da propria disci- plina. Do lado da evolucao da politica mundial, podemos citar a confirmacao da Unio Soviética como superpoténcia competidora com os Estados Unidos no cendrio internacional, assim como © surgimento de novos Estados apés as descolonizacdes das décadas de 1950 € 1960. Esses Estados recém-independentes apresentavam uma agenda politica diferente da agenda das superpoténcias: rei- vindicavam 0 acesso ao desenvolvimento como prioridade da poli- tica mundial no lugar das questées politico-militares, que domina- vam até entio. Na drea académica, o surgimento de novos atores nao-estatais na politica internacional, como empresas multinacionais e organi- zacbes internacionais governamentais no-governamentais, levou ‘ao questionamento de premissas basicas do realismo. Assim, surgi- ram criticas a separacio entre politica doméstica e politica interna- cional, bem como a divisao entre high e low politics (alta politica, re- lativa a seguranca; € baixa politica, referente a temas econdmicos tecnol6gicos etc.), ¢ a primazia da primeira em relacio a segunda, Esses ataques levaram 0 realismo a uma crise aguda, que necessitava de uma resposta vigorosa, capaz de superar suas insuficiéncias. Co- mecou a se falar da exagerada énfase dos realistas na questio da guerra em detrimento de outras questdes de politica internacional, e surgiram criticas ao excesso de énfase no conflito em detrimento da cooperacio e da interdependéncia. O livro de Joseh Nye ¢ 6 Teoria das Relagées Intenacionais, ELSEVIER Robert O. Keohane, de 1977, Power and Interdependence: World Politics in Transition foi emblemitico a esse respcito.? Foi nesse contexto que Kenneth Waltz publicou Theory of International Politics, um livro que trouxe novamente © realismo a uma posico de supremacia na teoria das Relacdes Internacionais.’ Waltz trouxe o debate agente-estrutura assim como a influéncia da microeconomia a teoria das Relacées Internacionais, provocando um grande impacto na disciplina e tornando-se objeto de imimeros debates. Destaque particular merece o livro organizado por Robert O. Keohane em 1986, Neorealism and Its Critics, no qual autores de varias linhas debateram a contribuicio de Waltz. Foi uma das pou- cas ocasides nas quais autores como Robert Gilpin, assim como os préprios Waltz ¢ Keohane, estiveram juntos com criticos como John Gerard Ruggie, Robert Cox e Richard Ashley.* Na mesma época, Michael Banks publicou um capitulo em uma coleténea na qual aponta para o surgimento de um debate na disciplina de Relagoes Internacionais como um debate entre wés paradigmas: o realismo, o liberalismo, ¢ a heranca Marxista.’ Ao dis- cutir o problema da incomensurabilidade entre paradigmas, Banks deu legitimidade ¢ justificou a estrutura do debate em torno dos trés paradigmas em competi¢do. Inspirado em Kuhn, Banks afi mou que a evolucao de um paradigma ao outro passa por rupturas e saltos de descontinuidade, e nao necessariamente por debates € evolucdes concatenadas entre os diferentes paradigmas. Com isso, pode-se classificar o debate interparadigmatico como um debate de natureza epistemolégica, e nao metodolégica, que criou a impres- jo de que a disciplina havia chegado a um ponto no qual varias pers- pectivas competiam entre si sem que se vislumbr: possibilidade de consenso ou de sintese entre as trés. Em suma, esse debate deu lugar a uma certa estagnacao no didlogo entre pesquisadores de orientacdes diferentes. Em 1988, em seu discurso de posse como presidente da International Studies Association (ISA), Keohane procurou redefi- nir os termos do debate distinguindo entre duas grandes correntes: racionalistas ¢ reflexivistas.’ Para ele, os racionalistas (represen- tados pelos realistas € os liberais) possuiam um claro programa de pesquisa, com hipsteses, metodologia c critérios de inclusao ¢ ex- ELSEVIER Introdugso. 7 clusio precisos e transparentes. No entanto, esses instrumentos de andlise nao permitiam a eles lidar com assuntos empolgantes, tais como os conceitos de identidade e cultura. Keohane afirmou, tam- bém, que os reflexivistas, entre os quais incluiu as feministas, a teo- critica, os pésmodernos e pés-estruturalistas, conseguiam estudar questées € conceitos muito importantes ¢ empolgantes, mas Ihes. faltavam rigor e dados empiricos para apoiar suas idéias. Keohane concluiu que era necessirio chegar a um consenso entre racionz listas e reflexivistas, No ano seguinte, Yossef Lapid publicou um artigo no qual falaya da existéncia de um terceiro debate, que chamou de pés- positivista ¢ que estava ocorrendo entre grupos similares aos grupos definidos por Keohane.’ A diferenca é que © grupo chamado por Keohane de racionalista foi chamado por Lapid de positivista, en- quanto © grupo chamado por Keohane de reflexivista foi chamado_ por Lapid de pés-positivista. A diferenca nos nomes no era mera coincidéncia e revelava uma diferenca de percepcao significativa: Lapid deu nome a origem do racionalismo de Keohane que € 0 positivismo € definiu os reflexivistas nao em relacdo aos raciona- listas, mas em relacio a como eles véem o mundo. Lapid definiu o terceiro debate em termos ontol6gicos. Estivamos de volta aos . Ole Waever bem que tentou, em 1995 apresentar a evolugio da rea em termos menos confusos para os alunos de Relacdes Internacionais, mas nao conseguiu ouvidos atentos.’ No entanto, Waever foi feliz em apontar que o debate atual pode ser dividido em duas partes. Por um lado, o debate entre realistas ¢ liberais ¢, de outro lado, o debate entre positivistas ¢ pos- positivistas. Tratando do debate entre realistas ¢ liberais, e mais es- pecificamente de seus herdeiros neo-realistas e neoliberais, Waever foi ironico ao falar de um debate préximo do limite do aborreci- mento, ¢ ao referirse ao debate como sendo um debate neo-neo. No final da década de 1980 também surgiu o construtivismo, uma contribuico que acabou sendo reconhecida como impor- tante no decorrer da década de 1990, e que trouxe a influéncia de debates que estavam ocorrendo em outras ciéncias soci Relaces Internacionais. Refe: termos do primeiro debate s para as no-nos aqui, em particular, a teoria 8 Teoria das Relagses Internacionais, ELSEVIER de estruturacao de Anthony Giddens, que nega precedéncia onto- logica tanto aos agentes quanto a estrutura, Gom isso, o debate con- temporanco nas Relacdes Internacionais seria um debate entre 0 realismo, o liberalismo e o construtivismo e suas respectivas variantes. ‘A proposta deste livro: uma viséo diferente Neste livro, afirmamos a necessidade de estudar e ensinar as Relacdes Internacionais de maneira distinta do que acabamos de apresentar nas paginas anteriores. Prevalece, na apresentacio con- vencional, uma perspectiva anglo-saxdnica, que reflete 0 argu- mento de Stanley Hoffmann em seu artigo de 1977 na revista Daedalus, “An American Social Science: International Relations”, ou ainda argumento formulado por Steve Smith em um livro de 1985 que organizou sob o titulo International Relations: British and American Perspectives.” Hoffmann afirma, em seu artigo, que a area de estudo de Relacdes Internacionais seguiu e foi influenciada pelo desenvol- vimento das ciéncias sociais norte-americanas ¢ refletiu a visio de mundo ¢ as orientacées metodolégicas ¢ epistemolégicas da comunidade cientifica norte-americana. Por seu lado, Smith afirma que o desenvolvimento da area no decorrer do século XX acompa- nhou as poténcias hegeménicas do momento. Assim, a area foi cria- da no Reino Unido no imediato p6sPrimeira Guerra Mundial e s desenvolveu e se estabeleceu nos Estados Unidos no pésSegunda Guerra Mundial. Juntando esses dois argumentos a hoje bastante famosa frase de Robert Gox, segundo a qual uma teoria é feita por alguém para o beneficio de alguém, concluise que o estudo, o en- sino e a apresentacao da disciplina em seus moldes convencionais apenas reforcariam uma via em detrimento de outras nao explora- das. Neste livro, procuramos explorar essas outras vias e, em parti- cular, a riqueza e a diversidade da disciplina quando se foge do de- bate exclusivamente norte-americano. Escrevemos este livro no Brasil, um pais do Sul (ou da peri- feria), que tem consumido mais do que produzido a oria das Rela- cdes Internacionais, A tinica excecao a esse respeito é a teoria da Dependéncia, produzida e desenvolvida em boa parte no Sul, e que refletiu a agenda e os interesses locais. Procuramos, entao, refletir ELSEVIER Introdugio 9 neste livro o lugar de onde escrevemos, acreditando que isso reflete nossas necessidades te6ricas, Procuramos evitar privilegiar perspe tivas etnocéntricas, assim como perspect fas estadocéntricas, de maneira a abrir o leque de possibilidades teéricas disponiveis a0 aluno e ao especialista na disciplina de Relagdes Internacionais em um pais como o Brasil. De fato, reproduzir e limitarse 3s dimenses de um suposto debate entre o realismo ¢ o liberalismo empobrece ¢ reduz as opgdes te6ricas disponiveis para a andlise das Relacées Interacionais a partir de um pais do Sul. No entanto, isso nao sig- nifica que ignoremos a importincia dessas duas teorias (realismo ¢€ liberalismo), mas que consideramos ambas como duas entre varias outras possibilidades tedricas oferecidas pela disciplina e, quicd, ndo as mais adaptadas as nec: escrevemos. Isso nos levou a uma apresentacao mais plural das teorias das Relagées Internacionais. Neste livro, nao apresentamos uma teoria como dominante e as demais teorias como meras derivacdes ou, no sidades do lugar de onde melhor dos casos, contribuigées que precisam amadurecer e tomar densidade. Caso tivéssemos agido dessa maneira, estarfamos di- zendo que uma teoria evoluiu, amadureceu ¢ conseguiu avancos tais que se tornou um modelo a ser imitado pelas demais. Esse nao € nosso propésito. Apresentamos varias teorias — as mais rele- vantes, do nosso ponto de vista— de maneira autdnoma e sem refe- réncia as demais teorias, de maneira a cobrir um amplo leque de possibilidades, conceitos e contribuigées na disciplina de Relagdes Internacionais. Procuramos, também, possibilitar a inclusio das mais diversas agendas e reivindicacées para refletir a riqueza ¢ a diversidade da disciplina de Relagdes Internacionais. Evitamos apresentar cada uma dessas contribuigdes tedricas de maneira monolitica e enfatizamos a multiplicidade de perspectivas dentro de cada uma delas. Assim, procuramos tanto a pluralidade de pers- pectivas te6ricas (uma pluralidade horizontal) quanto a pluralidade dentro de cada uma dessas perspectivas tedricas (uma pluralidade vertical). Em outras palavras, nao existe apenas uma versio do r lismo ou do liberalismo, nem 0 realismo ¢ 0 liberalismo sao as tini- cas possibilidades te6ricas na disciplina de Relages Internacionais. 10. Teoria das Relacdes Internacionais FLSEVIER Ressaltamos ¢ defendemos, também, a necessidade do pensa- mento normativo. Ao evitar privilegiar a apresentacao de certas areas em detrimento de outras, nés nos permitimos abordar as tcorias ditas normativas como contribuigées legitimas. Teorias nor- mativas haviam sido desprezadas nas Relacdes Internacionais desde que Carr as declarou caducas. Na evolucao convencional da disci- plina, © chamado primeiro grande debate concluiu-se com uma suposta vit6ria do realismo. Conseqitentemente, a derrota do idea- lismo relegou 0 pensamento normativo ao esquecimento da his- toria. Contudo, neste livro, mostramos no apenas que varias teorias nunca abriram mao de serem normativas, como existem argu- mentos que afirmam que todas as teorias sao normativas por defi- nicao, ou seja, todas as teorias tratam de um dever ser, inclusive os realistas e os liberais, que afirmam lidar exclusivamente com o ser. Procuramos, entio, afirmar que ser normative nao apenas é legi- timo, mas recomendavel, principalmente de onde estamos escre- vendo. Desse ponto de vista, todos os capitulos deste livro lidam com pontos de vista normativos. Por fim, a riqueza do debate atual, e que tentamos ressaltar ao longo do livro, é que a producio teérica nas Relacdes Interna- cionais passou a levar em consideracio influéncias e a entrar em debate com outras areas de conhecimento. Assim, abriuse o leque muito reduzido das influéncias recebidas pela disciplina e que eram exclusivas das disciplinas de Historia e de Economia, para abarcar Areas como a sociologia, a literatura, a filosofia politica e a geo- grafia. Autores téo diversos como Adorno e Horkheimer, os funds dores da Escola de Frankfurt, ou o principal nome da teoria critica hoje, Habermas, tomnaramse citagdes comuns nas Relagdes Interna- Gionais. Outros, como Levinas, Todorov, Foucault, Derrida, Giddens e Wittgenstein, passaram, também, a ser citados de maneira corri- queira na disciplina. A l6gica por tras desse movimento de abertura nas Relacées Internacionais, ¢ que reproduzimos aqui, era a se- guinte: os dilemas ¢ os desafios analiticos e conceituais colocados para a disciplina ndo eram de natureza diferente nem obedeciam a logicas diferentes dos dilemas ¢ desafios encontrados por outras Areas do conhecimento. Conseqiientemente, nao era preciso “rein- ventar a roda”, A adaptacio € 0 uso desses conceitos nas Relages ELSEVIER Introdugdo 11 Internacionais serviram para enriquecer e diversificar a aparelha- gem te6rica da disciplina. Um dos exemplos mais ilustrativos a esse respeito é 0 uso do debate agente-estrutura, No final da década de 1980 ¢ no decorrer da década de 1990, os termos do debate em outras areas do conh cimento foram reconhecidos nas Relagdes Internacionais ¢ tiveram um impacto conceitual consideravel na area. E esse didlogo entre a disciplina de RelacGes Internacionais ¢ as demais disciplinas das ciéncias humanas e sociais que refletimos neste livro. Identificamos a disciplina como parte de um conjunto de outras disciplinas, que tem sua especificidade, mas que pode dialogar, influenciar e ser influenciada pelas outras. Nossa selecao de uma gama mais ampla de teorias é, também, um esforco para transmitir aos estudantes brasileiros uma visio da disciplina mais aberta 4 inovacao, ao desenvolvimento de novas linhas de pesquisa. Uma das principais limitacdes das teorias con- vencionais é sua definicdo do objeto de estudo das Relagdes Inter- nacionais: © comportamento dos Estados soberanos em um am- biente anarquico. Essa concepgao esta fortemente enraizada na cultura da area, refletindo-se em seu proprio nome, que indica o relacionamento entre nacées (entendidas como Estados) como sua razio de ser. Essa definigao se explica a partir de uma concepgio da politica como uma atividade na qual o choque de interesses er volve, por natureza, a possibilidade do uso da violéncia. Ao mo- nopolizar a atribuicao legitima de usar a forca, o Estado se tornaria 0 objeto ¢ o terreno privilegiado de toda acao politica, Na esfera internacional, o Estado adquirira uma importancia ainda maior porque 0 tal monopélio nao existe, uma vez que impera a anarquia. Temos, entdo, que a combinacdo de uma concepcio do Estado como esfera auténoma da politica com a divisio do mundo social em dois ambitos distintos, o doméstico e o internacional, constitui uma disciplina em que o objeto de interesse é, necessariamente, como os Estados podem realizar seus interesses em um mundo sem governo, onde a ocorréncia da guerra é uma possibilidade sempre presente. Nesse sentido, 0 pesquisador treinado de acordo com as teorias convencionais encontrase diante da necessidade de orientar 0 foco de seus estudos para a compreensio do que os Estados, 12. Teoria dos Relacdes Internacionais ELSEVIER atores principais, fazem para assegurar sua sobreviveéncia — seu principal interesse — em um ambiente altamente perigoso. Esse ambiente, normalmente denominado pelo conceito de sistema internacional, ocupa o lugar central na delimitacao das Relacdes Internacionais como disciplina auténoma no mundo académico. Essa visio da disciplina, apesar de canénica e, por muito tempo, dominante nos meios académicos e no senso comum do universo da politica externa, deixou de ser consensual i medida que perspectivas alternativas ocuparam um espaco cada vez maior nos debates da area, Muitas das correntes abordadas neste livro definem de maneira bastante diversa seu objeto de estudo, deslo- cando, como no caso de alguns expoentes do marxismo, o foco do Estado para o sistema capitalista mundial. O proprio Marx, que teve atuacdo importante na Primeira Internacional, nao tinha in- teresse particular, em suas andlises, na diferenciacio entre 0 do- méstico € 0 internacional, preferindo investigar 0 movimento do capital por meio das fronteiras ¢ em escala mundial, Nao acredita- mos que, por isso, devamos dizer, como querem os teéricos conven- cionais, que as teorias marxistas nao sio teorias de Relacdes Inter nacionais. A riqueza dos debates que procuramos abordar neste livro esta, em grande parte, no questionamento do proprio objeto de disciplina e na tentativa de discutir os intimeros temas e incluir os diversos atores sistematicamente excluidos do universo das RI, como se nao existissem no mundo real das relacdes internacionais. Por isso, incluimos e fazemos questo de destacar a contribuicao das correntes criticas que tentam ir além da teoria de Rl e refletir sobre a politica mundial considerando a complexidade que carac- teriza, hoje, os processos, contradicées ¢ conflitos nos quais uma miriade de atores e forcas estdo envolvidos. Nesse sentido, a discus- sio do papel da teoria critica na reformulacio da teoria de RI re- cebe atencio, uma vez que nos ajuda a questionar o estadocentrismo dos enfoques tradicionais, chamando a atencio para forcas sociais cada vez mais presentes no cenario mundial. Também nos alerta para a propria transformacdo da forma estatal no bojo da intensifi- cacao do processo de internacionalizagao da politica e da econo- mia. Por outro lado, outras perspectivas te6ricas discutidas aqui sugerem que é cada vez mais dificil excluir dos estudos internacio- ELSEVIER Introdugéo 13 nais questdes como a natureza contestada da soberania, a margina- lizacio das mulheres, a negacao dos direitos dos refugiados, a re- definicao das identidades culturais em chave étnica, entre tantos outros novos temas surgidos a partir do movimento intelectual gerado pelas correntes criticas e pés-positivistas. Aestrutura da obra também reflete nossa intengio de evitar a classificacdo tradicional da evolugio da teoria de Relagdes Interna- Gionais em torno dos chamados “grandes debates”. Essa classificacao vem sendo utilizada historicamente na formacao dos estudantes da disciplina, tornando-se, também, uma referéncia constante na lite- ratura tedrica. A influéncia dessa forma de organizar a trajet6ria intelectual das RI se deve a sua eficaicia em produzir uma narrativa que ilustra 0 “progresso” da area na direcao de teorias cada vez mais rigorosas e em conformidade com os padrdes do pensamento cientifico. Essa “histéria oficial” nos conta como 0 realismo conse- guiu superar a ingenuidade e a inconsisténcia do idealismo ut6- pico, responsabilizado pela tragica decisio dos governos europeus ocidentais de subestimar a ameaga nazista, Essa luta herdica, nar- rada pela pena eloqiiente do mentor do Primeiro Debate, E.H. Carr, culmina com um triunfo intelectual que coincide com a vité- ria aliada na Segunda Guerra Mundial e se reflete na ocupacio, por expoentes do realismo, de posigdes importantes no governo e na academia norte-americanos. A marcha da disciplina, agora susten- tada pelo passo firme de um realismo que tem os pés no chao sdlido das realidades do poder, continua em sua busca de uma formulacio clara das leis de funcionamento da politica internacional. Nessa busca, sio deixadas para tras as teorias “tradicionais” que carecem de fundamentagao cientifica para suas andlises do sistema internacional, uma vez que recorrem A subjetividade da interpre- tacdo histérica e a uma énfase inadequada no papel dos individuos na condugao da politica externa. A reformulacao do realismo em chave behaviorista assinala o triunfo do paradigma dominante no Segundo Debate € marca o inicio de um periodo de hegemonia inconteste e de aparente alcance de um status de ciéncia normal em uma disciplina, finalmente, pronta para a maturidade. Os deba- tes seguintes nao mereceram a qualificacao de “grandes”, provavel- mente por nao refletirem um embate que reafirmasse a grandeza 14 Teoria das Relagdes Intornacionais FLSEVIER da teoria dominante. Na verdade, 0 Terceiro Debate nao existe como um debate circunscrito e situado no tempo, contrapondo um conjunto bem definido de correntes. Podemos falar no Terceiro Debate como uma seqiiéncia de movimentos de questionamento € critica as teorias estabelecidas na area, com o intuito de abrir 0 campo para novas perspectivas. Tratouse, diriamos em linguagem gramsciana, de uma crise de hegemonia do neo-realismo e suas vertentes auxiliares (como © neoliberalismo) Em suma, nossa rejei¢ao a narrativa dos “grandes debates” reflete nossa conviccdo de que a reformulacao da teoria de Rela- oes Internacionais deve comecar pela desmistificagio de seus mitos fundadores ¢ da tradicao inventada pelas teorias dominantes de modo a conferirthes uma linhagem nobre, conquistada em ” contra paradigmas adversarios. sucessivas “batalh: Plano do livro O livro esta estruturado em torno das grandes correntes de pensamento que inspiram a maior parte da producao teérica de Relaces Internacionais até os dias de hoje. A selecao nao pretende ser exaustiva e, certamente, abordagens e teorias consideradas importantes por muitos ficarao fora de nossa selecao. Nosso critério se bascou na representatividade de cada corrente para os estudos da area, bem como em nossa prépria perspectiva acerca da rele- vancia de cada uma. No conjunto, decidimos privilegiar, como ja dissemos, a pluralidade de perspectivas em contraposicio ao que convencionamos chamar de teorias dominantes. Apesar de rea- lismo ¢ liberalismo ainda exercerem uma influéncia incontestavel sobre a maioria dos estudiosos de RI, os avancos realizados nos liltimos 25 anos, tanto em termo de originalidade quanto de sofis- ticacdo, situam-se principalmente entre as 0 convencio- nais ou pés-positivistas, Na verdade, nossa andlise da situacao atual dos debates na area nos leva a concluir que os paradigmas domi- nantes tém desempenhado um papel cada vez mais conservador ¢ até mesmo retrégrado diante dos desafios ¢ das complexidades da politica mundial contemporanea. Resistentes 4 mudanca € ciosos da defesa de sua posicio dominante na disciplina, as correntes ELSEVIER Inrodugso 15 tadicionais fracassam ao ignorar temas cruciais que, por nao se adequarem aos pressupostos epistemolégicos e metodolégicos do positivismo cientifico, sao excluidos de seus programas de pesquisa. Por isso, resolvemos dedicar dois tercos do presente trabalho as teorias criticas ao mainstream, por serem elas as que abriram as portas do didlogo interdisciplinar e introduziram os novos temas que hoje animam as pesquisas da area. Ao estruturar 0s capitulos a partir de grandes correntes de pensamento, privilegiamos as contribuigdes e os debates de autores que se inspiram nas referéncias intelectuais de cada tradicéo ou movimento. O objetivo dessa abordagem é situar as teorias de RI nos debates das ciéncias sociais e humanas sublinhando sua divida para com elas e, de certo modo, contextualizando sua pretensio ao status de ciéncia normal no quadro mais geral dos questionamentos hodiernos sobre os fundamentos do discurso cientifico. Com isso, buscamos oferecer ao leitor uma visio abrangente dos debates te6ricos da area, dando-the elementos para aprofundar seus ¢s- tudos segundo suas afinidades intelectuais. Por outro lado, € nossa intencdo colocar as diversas correntes de pensamento em um patamar equivalente de relevancia para o estudo das relacées inter- nacionais, evitando consagrar esta ou aquela corrente como her deira de uma suposta grande tradicio da disciplina. Acreditamos que tradigées sio, normalmente, fruto de narrativas dominantes que buscam legitimar seu poder em uma area de conhecimento. Nao € diferente nas RI, por isso, preferimos que 0 leitor tivesse acesso a um quadro amplo ¢ equilibrado da riqueza de abordagens existentes sobre as questées internacionais, sem que suas respec- tivas marcas de nascenga determinassem, a priori, seu valor. Os Capitulos 2 ¢ 3 tratam das duas grandes tradicées da teoria internacional, 0 realismo e o liberalismo, respectivamente. Cada uma delas contém uma diversidade de perspectivas sobre as rela- Ges internacionais, muitas conflitantes entre si. Acreditamos, con- tudo, que suas raizes no pensamento politico modemo sao suficien- temente profundas para que possamos identificar um clo comum iri as abrigadas em cada tradicao. Em ambos os capitulos, tivemos a preocupacio de salientar os conceitos ¢ temas que perduram nas varias reformulagées das teorias liberais € rea- 16 Teovia das Relagies Internacionais FLSEVIER listas, procurando identificar os elementos que permitem classifics- las, ainda hoje, de acordo com suas respectivas herancas intelec- tuais, Realismo ¢ liberalismo continuam a ser correntes dominantes nas RI, apesar do relativo declinio de sua influéncia nas tiltimas duas décadas. Nesses capitulos, discutimos as novas tentativas de atualizacdo dessas teorias, que visam a adequar-se a clara insufi- ciéncia explicativa de seus pressupostos no contexto do pés-Guerra Fria, Das duas grandes tradigées, 0 liberalismo tem sido a mais bem- sucedida nesse esforco, ainda que no mundo pés-11 de setembro algumas vertentes do realismo tenham recobrado algum félego. No Capitulo 4, discutimos a importante contribuicao do mar- xismo, muitas vezes desconsiderado pelos manuais convencionais da disciplina por nao desenvolver uma teoria de RI propriamente dita. Em nosso entendimento, a heranca marxista, que enseja a anilise das relagdes sociais em sua totalidade, rejeitando a sepa- ragio entre economia ¢ politica, produziu enfoques que procuram integrar a dinamica do capitalismo mundial ao estudo do funcio- namento do sistema internacional. A contribuigao das teorias do imperialismo, da dependéncia ¢ do sistema-mundo para a inves- tigacao sobre as causas da desigualdade ¢ das assimetrias de poder nas relacdes internacionais é inegavel e deveria merecer maior atencio dos estudiosos de RI tanto nos cursos de graduacio e pés- graduacdo quanto nos debates académicos. A uradicao marxista também esti presente em nossa discussio sobre a teoria critica nas Relacdes Internacionais, no Capitulo 5. Fruto da influéncia do marxismo ocidental na reflexao da area, a teoria critica incorporou as andlises do carater conservador das iéncias positivas formuladas pelos pensadores da Escola de Frankfurt para fundamentar seu ataque & epistemologia objetivista dos paradigmas dominantes da disciplina. Ao fazé-lo, introduziu um debate intenso em torno dos fundamentos epistemolégicos dos paradigmas te6ricos das RelacSes Internacionais, que marcou © ambiente intelectual da disciplina ao longo dos anos 80 ¢ criow as condigées para o desenvolvimento de um ethos mais pluralista entre nés. Da mesma forma, a teoria critica foi responsavel por reintro- duzir questées hd muito esquecidas na area, mas nao por isso irre- ELSEVIER Invodugio 17 levantes, como os temas da hegemonia, da forma estatal, da rela- tividade histérica dos conceitos, da soberania, da ética nas relaces internacionais, entre outros, © construtivismo, que talvez seja, hoje, a corrente cuja influén- cia mais cresce na area, € 0 objeto do Capitulo 6. Fruto da impor- taco de abordagens da teoria social para as Relacdes Internacio- nais, 0 construtivismo se destacou por introduzir em suas andlises © papel das idéias, das regras e das instituigdes como fatores d terminantes para a compreensio da natureza da anarquia e do comportamento dos Estados e demais agentes da politica mundial. Por meio de uma concepcio intersubjetiva da realidade social, 0 construtivismo devolve aos atores a capacidade de definir os contor nos do mundo que os cerca, rejeitando o determinismo dos enfo- ques estruturalistas, sem recair, contudo, no idealismo da velha escola liberal. Nesse capitulo, discutimos as trés vertentes mais importantes do construtivismo nas Relagdes Internacionais, repre- sentadas por seus formuladores originais: Nicholas Onuf, Friedrich Kratochwil ¢ Alexander Wendt. A quest4o polémica sobre se 0 construtivismo representa uma “via média” ou uma “terceira via” entre teorias convencionais e teorias pés-positivistas mereceu nossa especial atenc’o. No Capitulo 7, discutimos a influéncia do pensamento pés- moderno no debate tedrico das Relacées Internacionais. Nao po- demos falar de uma corrente pés-moderna, propriamente dita, uma vez que os autores dessa orientac’o rejeitam ser agregados sob um mesmo rétulo porque consideram tais classificagGes uma sim- plificacdo reducionista e autoritaria. O pés:modernismo foi respon- vel por trazer para a disciplina debates que ha muito mobilizavam a filosofia, os estudos culturais, a lingiiistica € a teoria literaria em torno do estatuto da razio no Ocidente. Nas RI, 0s autores pos- modernos se voltaram para a investigacao do nexo entre poder conhecimento na disciplina, problematizando a relagio entre epis- temologias positivistas ¢ a legitimacao da violéncia e da guerra no mundo moderno. Do ponto de vista metodolégico, esses autores adotaram estratégias de desconstrucao dos discursos dominantes na politica internacional para criticar as dicotomias estruturantes deste universo, como anarquia/soberania, identidade/diferenca, 18 Teoria das Relagdes Internacionais ELSEVIER autonomia/dependéncia etc. Devido ao vigor de seus ataques 20s paradigmas dominantes e & radicalidade de sua critica da racio- nalidade moderna e dos fundamentos do pensamento cientifico, 0 p6s-modernismo tem sido marginalizado, hostilizado e menospre- zado nos meios académicos. Nesse capitulo, procuramos demons- trar por que esses pensadores incomodam tanto aos circulos bem pensantes da disciplina, Finalmente, no Capitulo 8, abordamos, de modo resumi um conjunto de aportes te6ricos alternatives que vém adquirindo maior relevancia recentemente ¢ que contribuem para enriquecer © debate contemporaneo em teoria de RI enfatizar 0 elemento de as da area. Discu- diversidade como uma das principais caracteris timos a producao de autoras feministas que introduzem a reflexao sobre a questao do género na teoria de RI e apresentamos 0 aporte dos estudos pés-coloniais, chamando a atengao para suas criticas a0 posmodernismo ¢ as teorias dominantes, bem como para a importancia de sua visio original sobre o lugar da periferia na pol tica mundial. Finalmente, esperamos que este livro contribua para uma di- vulgacdo mais ampla, no universo cada vez maior de estudantes de Relacdes Internacionais no Brasil, de correntes ¢ debates nem sempre presentes nos curriculos dos cursos de graduagao e pés-graduacao. Ha pouco mais de uma década, quando concluimos o mestrado na PUGRio, nossa percepcao dos debates tedricos da area nao ultra- passava algumas criticas ao neo-realismo de Waltz. O acesso ao rico debate interparadigmatico em curso desde os anos 80 era inexis- tente. Da mesma forma, preocupa-nos encontrar, ainda hoje, uma prevaléncia, no ensino de RI no pais, de curriculos que se limitam a apresentar o ja yelho embate entre realismo ¢ liberalismo como na area. Por outro lado, o desen- o eixo estruturante das reflexdes volvimento da disciplina no pais se deu sob a égide da Ciéncia Politica, uma area de conhecimento hegemonizada pelo positi- vismo e pela escolha racional. Essa influéncia, certamente, inibiu e retardou a abertura do ensino de teoria de RI para as correntes cri- ticas ¢ pés-positivistas. O cenario atual vem mudando rapidamente com a multiplicagao de cursos de graduagio e com a criacio de ELSEVIER Introdugso 19 novos programas de pés-graduacao. Esperamos, com este livro, contribuir para o esforco de sintonizar o desenvolvimento dos estudos internacionais no Brasil ao debate contemporaneo, bem como estimular a recepgao, entre os pesquisadores estudantes da rea, de vis6es mais criticas da politica mundial. Notas 1. Morgenthau, H.J. A politica entre as nacées: a luta pelo poder e pela paz, Bra silia: UnB, 2003, pete ape 2 Keohane, R. O.; Nye, J. Power and Interdependence: World Politics in Tran- sition, Boston: Little, Brown and Company, 1977. 3. Waltz, K. N. Theory of International Politics. Reading, Mass.: Addison- Wesley, 1979 4. Keohane, R. O. (Ed.). Neorealism and its Critics. New Directions in World Politics. New York: Columbia University Press, 1986. 5. Banks, M. “The inter-paradigm debate.” In: International Relations: A Handbook of Current Theory. Light, M.; Groom, A. J. R. Londres: Frances Pinter, 1985. . 6. Michael Banks adotou o conceit de paradigmas da obra de Thomas Kuhn A Estrutura das Revolucées Cientificas, 7. ed. Sao Paulo: Perspectiva, 2003, na qual Kuhn arguinenta que a evolucio do conhecimento cien- tifico ocorre em termos de revolucdes ¢ rupturas que trazem 4 tona um novo conhecimento sobre uma dada fea, 7. Keohane, R. O. “International Institutions: Two Approaches”. Internatio- nal Studies Quartery,v. 32, n. 4, p. 379-396, 1988, 8. Lapid, Y. “The Third Debate: On the Prospects of International Theory in a PostPositivist Era”, International Studies Quarter, v. 88, n. 3, p. 235-254, 1089, 9. Wacver, O. The rise and fall of the inter-paradigm debate. In: Internatio. nal Theory: postivism & beyond. Smith, S.; Booth, K.; Zalewski, M. Cam- bridge: Cambridge University Press, 1996, p. 149-187. Waever sugeriu chamar o debate interparadigmatico de terceiro debate e 0 debate pos- positivista de quarto debate, 0 que teria sido logico. Masa érea continua insistindo na sua esquizofrenia de falar de um primeiro grande debate, de um segundo grande debate, de um debate interparadigmatico e de um terceiro debate. 10. Hoffmann, S. “An American Social Science”. Daedalus, . 106, n. 8, p. 41-60, 1977; Smith, S. (Ed.). International Relations: British and American Perspec- tives. Oxford: Basil Blackwell, 1985.

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