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NA VIDA, DEZ; NA ESCOLA, ZERO: os CONTEXTOS CULTURAIS DA APRENDIZAGEM DA MATEMATICA* Terezinha Nunes Carraher, David William Carraher € Analiicia Dias Schliemann Do Mestrado em Psicologia ~ Universidade Federal de Pernambuco ~ BRASIL. “Nossos agradecimentos a Elisabete Maranhio de Miran- {da e Maria Eneida Didier do Régo Maciel pela ajuda imprescin dive! na coleta dos dacos ea Shirley Brice Heath que, em vista {20 nosto programa, com finaneiamento do CNPq, abriu novas Derspectivas de andise para o estudo do Fracasto escolar Cad. Pesq. Sio Paulo (42): 79-86, Agosto 1982 \Na sorveterie,o entrevistador pergunta a T., um garotinho {9 anos, que dizi ter saldo de exoola E: Por que voce saiu do escola? Porque eles no tava’ me ensinando nada A evasio @ 0 fracasso escolar aparecem hoje entre 0s problemas de nosso sistema educacional que so estu: dados de forma relativamente intensa. A concepeio de fracasso escolar aparece alternativamente como fracasso dos individuos (Popovic, Esposito e Campos, 1975), fre asso de uma classe social (Lewis, 1967, Hoggart, 1957), ou fracasso de um sistema social, econdmico e politico (Freitag, 1979; Porto, 1981) que pratica uma seletivida- de socio-econdmica indevida. Neste projeto, pretende-se explorar uma outra alternativa: o fracasso escolar é o fra casso da escola, Os estudiosos da chamada “privaco cultural" ou dos “individuos marginalizados” apontam a existéncia ddas mais variadas deficiéncias entre criangas de ambier- tes desfavorecidos, deficiéncias estas que sio tanto de na- tureza cognitiva como de ordem afetiva e social. A crian- gaproduto da privacéo cultural demonstra deficiéncias nas funcdes psiconeurolégicas, bases para a leitura e ma temética, conceitos basicos, operacdes cognitivas ¢ lin: guagem (Poppovic, Esposito e Campos, 1975), um au: to-conceito pobre, sentimentos de culpa e vergonha, pro: bblemas familiares, desconhecimento de sua propria cultu- ra (Brooks, 1966) etc. — para mencionar apenas algumas das deficiéncias encontradas. Essa posi¢do resulta da con- viegio de que os processos psicolagicos desenvolvem-se ‘em funcdo da experiéncia, de modo especial da experién- cia nos primeiros anos de vida (ver comentarios em Cole, 1977), sendo que criancas de ambientes culturalmente deficitarios careceriam dessas experiéncias eruciais. Para lelamente, muitos dos pesquisadores interessados nesta questo lembram ainda @ importincia de fatores de or dem biolégica, como a nutriego (Patto, 1973) e sadde (Silva, 1979) nos primeiros anos de vida, cuja influéncia também levaria a resultados negativos no desenvolvi to dessas mesmas criangas, uma vez que a privagdo cultu: ral e os problemas de alimentacéo e sade tendem a ocorrer com maior gravidade e freqiiéncia na mesma fai xa da populacio (Birch, 1967). Esta abordagem ao pro- blema do fracasso escolar pela atribuigdo de deficiéncias ‘05 individuos que fracassam no constitui sempre uma generalizacdo grosseira relative a todas as criangas de Classe baixa. Recentemente, tem-se procurado salientar “a importancia de uma anélise do rendimento escolar em funcdo das caracteristicas individuais de familias perten- Centes & mesma classe social, sem se levar tanto em consi deracdo 0s esteredtipos criadios pelo modelo que enfatiza as deticiéncias da classe social baixa, haja vista a existén- 79 cia de alunos que, no obstante pertencerem a essa clas- se, tém bom rendimento escolar” (Coimbra, 1981, p.64- 65). Nesta segunda versio, a abordagem das deficiéncias resultantes da privago cultural continua, pois, atribuin- do importancia decisiva a certas experiéncias perticula- res, porém dissocia até certo ponto, classe social de pri- vvacio cultural, de tal modo que apenas aqueles indivi- duos da classe baixa que sofressem de fato da “sindrome da privagdo cultural” estariam fadados ao fracasso esco- lar. © problema 6 colocado de forma um pouco dife- rente por aqueles que atribuem o fracasso escolar & classe social. A atribuigdo de deficiéncias das mais diversas na- ‘turezas aos membros da classe baixa nfo é uma questo de importéncia dentro deste ponto de vista. No entanto, ‘05 proponentes desta andlise acreditam que a situagao so- cial e econdmica das classes baixas é tal que os membros dessas classes no valorizam a educa¢io, pois néo Ihe atri- ‘buem valor prético (Hoggart, 1957) e no podem permi- tir @ seus filhos 0 “luxo"” de uma educacio prolongada diante de sua necessidade de empregé-los precocemente ppara contribuir para o sustento da casa. O fracasso esco- lar no seria, pois, um fracasso real, uma vez que 56 ‘quem almeja determinado objetivo pode fracassar em al- cangé-lo. A desvalorizacdo da aprendizagem escolar ao a- do da valorizago do trabalho seria consistente com o de- sempenho efetivo dos membros da classe baixa, os quais slo “vitimas"’ da evasio e do fracasso escolar apenas aos olhos dos outros (Hoggart, 1957). Finalmente, © tercelro tipo de anélise proposta para 0 fracasso escolar, a seletividade do proprio sistema, deve ser mencionado. De acordo com esta visio do fra- ‘casso escolar, as escolas constituem aparelhos ideolégicos do estado (Freitag, 1979), reproduzindo a estrutura de classes existente através da difusio da ideologia da class dominante e da manutenedo da classe baixa nos nivei educacionais inferiores. Assim, o proprio sistema educa- ional obstrui as vias de acesso da classe baixa & educa- do formal, eliminando a possibilidade de que seus mem- bros possam resolver por si préprios os problemas sociais. ‘e econémicos que enfrentam em decorréncia da hiper-ur- banizagio (Perlman, 1977). Dentro desta visfo, Ivoneide Porto, por exemplo, aponta para a falta de integracio so: jal nas escolas do Recife como uma das formas de ma- rnutencdo da estrutura social vigente. Os colégios particu- lares so um privilégio das classes dominantes, enquanto que 05 colégios da rede piblica server as classes inferio~ Fes;.. “esta estruturacdo mediante ‘privilégios especifi- cot’ e atividades delegadas tem lugar, certamente, a par- tir de cima, isto é, é determinada por aqueles que detém © poder e, conseqientemente, o dominio. E um processo que tem sua origem no topo e alcanca a base da socie dade” (Porto, 1981, p.101; grifos da autora). A possibilidade de que o fracasso escolar ni presente o fracasso do individuo, da classe ou do sistema social, econdmico e politico mas, sim, 0 fracasso da pré- ppria escola, jd tem sido considerada por alguns, embora go possamos dizer que esta conclusio tenha sido clara mente apresentada na forma em que a concebemos. Frie- dman (1967) considera que o entusiasmo pela nocd de privagdo cultural nos meios educecionais resultou do fa- ‘to de que tal conceituaco do problema consistia numa 80 explicago razodvel para uma situacdo embaracosa e, 20 mesmo tempo, liberava os educadores da responsabilida- de de estarem envolvidos com uma escola incapaz de produzir resultados. Poppovic apresentou recentemente ‘uma andlise bastante detathada da questio do fracasso escolar. Referindo-se & explicagdo do fracasso escolar em termos de privagio cultural, ela assinala: ‘Temos, entio, para detersinar o frecasso escolar, uma ex- plicagio de fundo tocial, muito mais ampla e veridica do ‘Que a dae deficidnciasindividusis. Porém, se bem examina- inua apontando para um s6 culpado: 0 ‘luna que vem de-uma faril tanto, despre- Bho do fracasso, A instituigdo escolar, seus valores, sous imétodos, seu eritérios, sua didética, sua organizacéo con- ‘uam fora do debate (Poppovic, 196, p.20). i ‘Com relaglo 8 educacSo compensatéria, Poppovic ressalta que esta sofre do grande defeito de apenas pre- ‘tender mudar a crianca, acrescentando que uma outra inha de pensamento se faz necesséria, a de uma aborde- gem institucional, a qual deve discutir a propria escola: Etta linha de pensamento coloca que o fracasso 6 o ret tado de um inter-relacionamento mal sucedido entre o aun que provém de determinados meios sociais e a insti- tuigdo escolar. E preciso que a escola entenda seu papel ‘sociale ua Fungo numa sociedede de grupos muito diver- fificados (ibid, p20) Apesar das semelhancas entre andlise proposta por Poppovic e aquela que pretendemos explorar, deve ser salientada uma diferenca que néo consideramos; de forma alguma, secundéria. Poppovic, apds a anélise aci- ‘ma mencionada, volta-se para a consideragio de estudos ‘da marginalizacdo cultural e seus efeitos sobre a crianca (Poppovie et af., 1976), que tém a finalidade de conhe- ‘cer "as necessidades de criancas culturalmente marginal zades” (Popovic, 1981, p.20) com o intuito de desenvol- ver um curriculo que 2s atenda: “0 caminho que esco- Themos foi o do desenvolvimento de materiais curric res para os anos iniciais do primeiro grau, destinado as criangas origindrias das camadas de baixa renda e a seus professores” (ibid., p.20 - 21). Este caminho parece cons: tituir a educaedo compensatéria na escola, e no mais 0 nivel pré-escolar; constitui uma solucdo psicolégica para tum problema psicolégico, social e cultural. Contrastando com esse ponto de vista, mas tam- bém seguindo uma abordagem institucional, pode-se pro- por para a questdo das diferencas inter-classes uma abor- dagem semelhante aquela proposta por Gay e Cole (1967) e Cole (1977) para as diferencas transculturais. Embora certas criancas de algumas culturas ~ ou, neste caso, das classes baixas — possam néo participar de expe- rigncias especificas encontradas rotineiramente pelas criangas de nossa classe média, elas nfo séo criangas pri- vades de qualquer experiéncia. No contexto do estudo das dificuldades de aprendizagem da matemética, Gay © Cole partiram, ento, do pressuposto de que era neces- sério conhecer melhor a matemética inerente as ativida- des da vida didria na cultura dessas criangas a fim de construir, a partir dessa matemética, pontes ¢ ligacdes cfetivas para a matemética mais abstrata que a escola pretende ensinar. Além disso, Cole (1977) sugere que Cad. Pesq. (42) Agosto 1982 fato corriqueiro de que as pessoas desempenham com ‘maior habilidade aquelas tarefas em que tém mais prética levou-o a pressupor também que os processos cognitivos podem ser de natureza situacional, o que implica em ser Possivel encontrar-nos sujeitos que demonstrem uma ha- bilidade em certo contexto e néo em outrols). Os exames de habilidades de discriminagio visual, por exem- plo, reatizados na entrada da escola para verificar a pron: ido para a alfabetizacio, sio realizados via de regra ‘com figuras desenhadas, relativamente abstratas, figuras geométricas, letras e ndmeros, Se supuséssemos que tal material nao é alvo de oportunidades para a prética da discriminagdo entre as criangas chamadas culturalmente desfavorecidas, veremos que delas se esperaria um desem- penho mais baixo do que aquele que 6 exibido por erian- 5 com prética nestas discriminagdes. Podemos dat (1) concluir que as criancas-produto da privaego cultural tém deficiéncias em discriminacio visual ou, (2) pode- mos partir para uma anélise etnogréfica e experimental das situages em que a discriminagao visual de detalhes é praticada por estas criangas, caso tais situagées existam, a fim de construirmos na escola ligagbes efetivas entre as habitidades de que essas criancas jé dispSem e sua aplica- fo ao dominio particular que desejamos desenvolver. A segunda forma de lidar com o problema aproveita uma “ligdo central a ser derivada de anos de pesquisa sobre a ‘generalizacdo da aprendizagem (learning sets), isto 6, que (08 animais (inclusive o homem) aprendem habilidades ge- neralizadas de solugdo de problemas a partir de experién- cias repetidas com problemas diferentes do mesmo tipo”. (Cole, 1977, p.481). Adotar 0 enfoque institucional néo significa, por: tanto, negar a existéncia de diferencas inter-classes ou mesmo rejeitar explicactes de natureza social, econémi- a e politica para 0 fracasso escolar. Porém, as diferencas inter-classes no so concebidas simplesmente como ca- réncias, mas como diferencas de fato, e as explicagées ‘em termos do sistema sécio-econdmico-politica sto con- insuficientes, uma vez que mesmo uma mudan- ia ter resultados efetivos sobre a 08 educadores no dispéem do necessério ‘saber fazer”, como bem assinalou Poppovie (1981). As- sim sendo, 0 enfoque institucional do fracasso escolar aproxima-se da andlise de Foracchi (1974) e Campos (1975) da marginalidade, anélise em que as caracteristi- ‘@s culturais sao vistas como expresso simbélica do eco- némico e do politico, constituindo, pois, parte essencial da explicago do fendmeno. Observagdes as mais diversas tém apontado incon- sisténcias entre 0 desempenho de sujeitos “culturalmente desfavorecidos” em situacdes formais e experimentais € (© desempenho desses mesmos sujeitos em situagSes in- formais ou cotidianos. Labov (1969) registrou a existén- cia de grandes diferengas no desempenho verbal de crian- ‘gas pobres do Harlem em situacies de teste e situagdes informais. Cole (1977) salientou a inconsisténcia entre resultados experimentais e a evidéncia antropologica re- lativa a habilidade dos adultos de certas culturas africa: fnas_de adotarem a perspectiva do ouvinte. Leacock (1872) apontou a incoeréncia entre conclusées experi- ‘mentais relativas aos baixos niveis de abstracio entre ne- Na vida, dez; na escola, zerc ‘ros americanos da classe operéria e sou uso freqiente de metéforas, amplamente reconhecidas como indicages de altos nivels de abstragdo. Ao mesmo tempo, Heath (1982, a) demonstrou, nos Estados Unidos, uma corres- ondéncia extrema entre atividades de compreensio ¢ in- terpretagdo de estorias praticadas em case pelas méos americanas de classe média e pelas professoras na escola, de tal forma que a escola americana aproveita 20 mé mo as habilidedes de interprotacdo ja desenvolvidas nas criangas de clesse média, criando situagSes escolares so- melhantes ds situagdes da vida desses criangas, Por outro lado, as habilidades verbais desenvolvidas em outros ““ambientes culturais” dentro do mesmo pais ou néo so aproveitadas pela escola, ou s6 vem a ser inclufdas entre 08 objetivos da escola em épocas posteriores. (Heath, 1982, b). Demonstragies sistemticas desta discrepéncia en- tre 0 desempenho de criancas da classe baixa em situa Ges naturais e em situacdes do tipo escolar no foram ainda obtidas no Brasil. Entretanto, a andlise acima suge- re que elas provavelmente existem e devem ser cuidado- samente analisade a fim de melhor compreendermos 0 fendmeno do fracasso escolar no Brasil. Assim sondo, neste estudo exploratério, observagGes etnogréticas fo- ram combinadas com uma andlise experimental da ques- ‘Ho descrevendo-se incialmente um dos contextos cultu rais em que a solueo de problemas de matematica ocor- re naturalmente na classe beixa para, a seguir, estudar mais sistematicamente o desempenho em matemética de criancas pobres em situagGes naturais © em situacées for- mais, do tipo escolar. lum dos usos da matemética © Contexto Cultus 'Nio é incomum entre os membros da classe baixa ‘que estes tenham um ““negécio proprio”. Quando o pai ‘tem uma barraca na feira, por exemplo, alguns dos filhos podem acompanhar o pai, especialmente a partir de uma certa idade. Enquanto os menores parecer apenas “pas- sar 0 tempo" desta forma, os maiores, a partir de aproxi: madamente dez anos, auxiliam nas transaeSes, podendo mesmo assumir a responsabilidade pela venda de parte das frutas e verduras. Entre os pré-adolescentes e adoles- centes, em geral a partir de 11 - 12 anos, a ocupacio po: de tornar-se independente, e estes passam a vender co 05, pipoca, milho verde, amendoim torrado ou em pon 105 fixos ou como ambulantes. Nestas situapSes, as criancas e adolescentes resol- vem inémeros problemas de matemética, via de regra sem utilizar papel e lépis. Os problemas envolvem mult plicago (1 coco custa x: 4 cocos custam 4x), soma (0 prego de 4 cooos mais 0 prego de I2 limes) e subtracso (Cr$ 500,00 menos y, para encontrar 0 trove). A divisio parece ocorrer menos freqiientemente mas aparece em alguns contextos como 0 quilo de feijdo verde custa x, meio quilo custa x/2 ou 0 quilo de cebola custa x, 200 '8. custam x/5, A diviséo também aparece em situacées mais complexas, como no célculo do preco de um quilo ¢ meio, onde normalmente soma-se o pre¢o de meio qui 40 a0 de um quilo ou no célculo de um quilo e novecen- tas gramas onde se subtrai o valor de com gramas do ve- ar lor de dois quilos. E interessante notar 0 uso de valores onde @ divisdo ndo é exata e 0 preco varia de acordo com a quantidade comercializada: 0 preco de 3 abacates ¢ 25, cruzeiros mas um abacate custa 10 cruzeiros. Embora ocasionalmente aparecam erros de célou- lo, hé grande predominancia de acertos entre as criancas responsiveis por essas transagGes comerciais. Entre os modos utilizados na solucdo, nem as criancas observadas na feira nem seus pais utilizavam lépis © papel para os célculos, embora nos mercados hortigranjeiros 0 célculo escrito pareca ser utilizado com freqiéncia. Ocasional: mente, notamos na feira a utilizago de uma tabela onde constavam as multiplicagées (1 ovo — 11 cruzeiros; 2 ovos — 22 ... etc.), porém esse procedimento nao parece ser freqilente e ndo surgiu no caso das criancas que fo: ram observadas, Metodologia No presente estudo, foram respondidas 63 ques tes de matemética em um Teste Informal e 99 em um Teste Formal por cinco criancas e adolescentes de 9 a 15 anos, cujo nivel de escolaridade variava entre a 3a.e a Ba, séries. Devido a relagdo entre o Teste Informal e 0 Formal, 0 Teste Informal foi sempre realizado em pri- meiro lugar, sendo o Teste Formal realizado em outra data, Ambos 0s testes eram realizados pelo mesmo exa- minador para cada crianga, embora diferentes examina dores tenhem trabalhado com criancas diferentes. Em ambas as ocasides, 0 examinador deveria procurar man: ter um bom rapport com 0 sujeito. No Teste Formal, 0 examinador introduzia lépis e papel e pedia-se ao sujeito que resolvesse as continhas no papel. 1. 0 Teste Informal No Teste Informal, os participantes eram avalia- dos no contexto em que naturalmente resolve proble: mas de matemética, ou seja, na feira, na barraca de co- 0s, junto a0 carrinho de pipoca etc. O entrovistador propunha questdes sucessivas sobre transages realizadas de fato ou a serem aparentemente realizadas, obtendo respostas verbais para os problemas. Algumas dessas en- ‘revistas foram gravadas enquanto em outras um observa- dor anotava os detalhes das transacdes. Além disso, algu ‘mas transaces foram realizadas sem qualquer questiona- mento sobre o processo de obtencio dos resultados, en- quanto em outras 0 examinador procurava obter respos- ‘as verbais descritivas do processo utilizado pelo sujeito, tendo como referéncia indicagdes metodoldgicas descri- tas em Carraher e Schliemann (1982). 0 método de estu- do, neste Teste Informal, aproxima-se do método citi co-piagetiano, uma vez que o entrevistador interfere dire tamente no desenrolar dos acontecimentos, propondo questdes sucessivas a fim de esclarecer os processos pelos quais os sujeitos obtém suas respostas. Por outro lado, 0 método aproxima-se também da observacdo participante, uma vez que as questdes sio colocadas no decorrer de uma interago vendedor-fregués, em que o fregués “tem © direito” de fazer certas perguntas como “quanto cus- tam 1 cocos?”, “quanto deu o total? ", ou “quanto vai dar de troco? ”. Caracterizamos, pois, 0 procedimento 82 usado no Teste Informal como uma inovago metodolé- gica resultante da "cross-fertilizagao” entre o método piagetiano e a observagdo participante. O participante do desempenha simplesmente o papel de “fregués’, que Ihe caberia na observacdo participante, mas torna-se um. fregués-examinador, que no apenas recebe o troco mas pergunta “quanto vou receber de troco?”” e veritica 0 processo de obtengio do resultado. 2. 0 Teste Formal A fim de preparar 0 Teste Formal, os problemas resolvidos pelos sujeitos durante Teste Informat eram inicialmente representados matematicamente, utilizando- se, em algumas ocasides, mais de uma representacéo para um Unico problema. Vejamos um exemplo. M, um ven dedor de cocos de 12 anos, 3a. série, resolveu o seguinte problema no Teste Informal. Fregués: Quanto é um coco? M.: Trinta e cinco, Fregués: Quero dez cocos. Quanto é dez cocos? M.: (Pausa) Trés s80 105, com mais trés é 210. (Pausa) Té faltando quatro. ... (pausa) 315. parece que é 350. © problema pode ser representado matematics- mente de mais de uma forma, 35 x 10 constitui uma re- presentagdo aceitivel da pergunta proposta pelo fregués/ examinador, enquanto 105 + 105 + 105 + 35 constitui provavelmente uma representaco adequada da resposta, sendo que 36 x 10 foi desmembrado pelo sujeito em (3 x 35) + (3 x 35) + (3 x 35) + 35. Entre os sub-problemas resolvidos corretamente por M. na situagéo descrita acima temos pelo menos, os sequintes: a) 35 x 10; b) 35 x 3 (que pode ser conhecida de meméria); ©) 35 x4; 4} 105 + 105; e) 210 + 105; £3154 35; 9) 34344; h) 3434341, ‘Ao representarmos matematicamente os problemas resolvidos pelo sujeito no Teste Informal, estemos, de fa: to, buscando uma representacdo formal da competéncia do sujeito. M. mostrou-se, de fato, competente em en- contrar 0 resultado da multiplicagdo 35 x 10, passando por outras vias que a tradicionalmente ensinada na escola de apenas “colocar um zero no final ao fazer uma multi- plicago por dez”. Ao resolver 35 x 10 de acordo com seu método, M. resolveu os vérios sub-problemas apre sentados acima, de a até h ‘Apés representarmos matematicamente os pro- blemas resolvidos pelos sujeitos no Teste Informal, uma mostra destes problemas era selecionada para incluso no Teste Formal Cad. Pesq. (42) Agosto 1982 No Teste Formal, a amostra de problemas selecio- nada aparecia: a) sob a forma de operacdes aritméticas a serem resolvidas sem qualquer contexto e a partir de sua representago no papel, ou b) sob a forma de problemas do tipo escolar, como “Maria comprou... bananas, cada custava..., quanto dinheiro ela gastou?”’. Em ‘ambos 08 casos, utilizouse para cada crianga os mesmos ndmeros com os quais a crianga havia operado na situa- ¢40 informal, tendo pois os ntimeros utilizados diferido dde uma crianga para outra, Duas variagées foram introduzidas nas questées do teste formal, seguindo sugestées metodolégicas de Reed Lave (1979) 1) em alguns casos, pedia-se 20 sujeito no teste for- mal, que resolvesse 0 inverso da operacdo realizada no teste informal (500 — 385, por exemplo, podia aparecer como 385 + 115); 2} em certos problemas, @ casa decimal podia ve riar do Teste Informal para o formal (40 cruzeiros podia aparecer como 40 centavos ou 36 podia passar para 3,500 no Teste Formal). Resultados A anélise dos resul veu inicialmente uma deciséo sobre a definicdo de blema’ nesta situaco. Enquanto que, no Teste Formal, (05 problemas sio definidos de antemio pelo examinador, ‘no Teste Informal eles so gerados na situago, sendo a sua delimitaglo feita a posteriori. A fim de no aumentar indevidamente 0 numero de “‘problemas” resolvidos no Teste Informal, os problemas foram delimitados com ba- ‘se nas questdes propostas pelo fregués-examinador, em- bora o sujeito pudesse, a0 buscar a solucdo, ter resolvido Varios sub-problemas intermediérios (como no exemplo discutido na descricio da metodologia). Desta forma, a estimativa do nimero de problemas resolvidos na situa ‘Go natural & conservadora e segue o mesmo critério uti lizado no Teste Formal, em que os problemas so delimi- tados antecipadamente de acordo com as questes a se- rem propostas pelo examinador. Os resultados indicaram uma decisiva influéncia do contexto sobre 2 solucio de problemas de matematica, ‘como mostra a Tabela |, que apresenta os dados referen- ‘es 20 desempenho de cada crianga em cada contexto. Em termos globais, dos 63 problemas apresentados no Teste Informal, 98,2% foram resolvidos corretamente enquanto que, no Teste Formal, apenas 36,8% das opera- es & 73,7% dos problemas foram resolvidos correta- mente, Essa distribuigdo de erros e acertos esté significa- tivamente relacionada ao tipo de teste (Informal, Opera Ges Aritméticas e Problemas). O x? obtido foi igual a 44,37 que, com 2 graus de liberdade, tern probabilidade de ocorréncia menor que 0,001. Poder-se-ia supor que 0s erros no Teste Formal ‘correriam mais freqientemente naquelas situacSes em ‘que 0s dados constantes do problema resolvido informal- mente foram modificados, seja por mudanca da casa de- ccimal, seja por inverséo da operacdo utilizada. Entretan- to, a andlise dos acertos e erros nos problemas formais ‘em que tais modificacdes foram introduzidas mostra que 2 proporedo de acertos nos mesmos é maior em quatro criangas e menor em uma delas. Tais modificagdes nio podem, portanto, explicar a discrepancia de performance entre o Teste Formal e o Informal. Observemos que a performance das criancas, além de ter sido nitidamente superior no Teste Informal, onde as operagdes esto inseridas em situacBes reais, foi tam- bé, no Teste Formal, melhor nos problemas com situa- Ges imaginérias (parte b) do que nas operagées simples (parte a). Esses dados parecem, pois, confrontar a nocdo im- plicita mas tacitamente aceita na escola de que, em pri- meiro lugar, devemos ensinar as criancas as operacdes aritméticas isoladas de qualquer contexto, para depois apresentar essas mesmas operages no contexto de pro- blemas. ‘As habilidades requeridas para resolver problemas, segundo este modelo implicito, seriam sequénciais e in- dependentes, envolvendo pelo menos os seguintes passos: (1) interpretagio do problema; (2) determinago da operagdo a ser realizada; (3) efetuagao da operacao. Crianga TESTE INFORMAL, c E Total Mo 1% 0 18 P 7 2 19 Pi 2 0 12 MD 7 0 7 s 7 0 7 Tots 61 2-63 TABELA | Freqiiéncia de erros (E) e acertos (C) para cada crianca em cada um dos testes TESTE FORMAL 4) Operaces_b) Problemas ‘Aritméticas © ETotl CE Total 2 6 8110 1 3 5 811 5 16 3°93 61 0 11 1 9 04 8 12 5 1 683 1 14 24 3845 16 61 Na vida, dez; na escola, zero... 83 Segundo este modelo tradicional, efetuar a opera: 80 seria, portanto, mais simples do que resolver um Problema com a mesma operago uma vez que a opera: cdo envolve apenas um dos passos necessérios & solucdo do problema. Podemos supor, & vista desses resultados, que a anélise légica implicada na solucéo de um problema faci- lita a realizacZo da operaco, por inseri-la num sistema de significados bem compreendidos, ao invés de consti tuir uma habilidade isolada que & executada numa se- qiiéncia de passos, 0s quais levariam a solucto. Estes resultados encontram paralelo nos experi mentos de Wason e Shapiro (1971), Lunzer, Harrison & Davey (1972) e Johnson—Laird, Legrenzi e Sonino Le grenzi (1972). Tais estudos demonstram como a soluggo ara um problema envolvendo 0 raciocinio légico, o qual fora estudado por Wason (1968), tornava-se accessivel para a maioria dos sujeitos testados quando os dados se referiam a um contexto real de tarefas de trabalho. Sur- preendentemente, quando o problema era apresentado sob forma simbélica, sem ligag&es com atividades reais, a sujeitos com alto nivel de inteligéncia (na maioria dos casos estudantes universitérios ou profissionais de nivel Uuniversitério), raramente ocorriam acertos na tarefa, Visando esclarecer a discrepancia entre o desempe- rnho no Teste Formal e no Teste Informal, foi feita uma anélise minuciosa dos processos de resolucdo 0s quais hhaviam sido explorados através do método clinico. Essa andlise qualitativa dos resultados sugere que os algorit ‘mos ensinados na escola para a realizagSo de operacdes. aritméticas podem constituir um obstéculo para o racio- inio da crianga, talvez por interferir com 0 sgnificado dos préprios nameros com os quais a crianca deve ope- rar. Por ex., MD, uma menina de 9 anos, na 4a. série priméria, mostrou a seguinte performance no Teste In- formal: Fregués: Quanto ¢ dois cocos? ‘MD: Oitenta, Fregués: Tome, uma nota de duzentos. Quanto vai ser meu troco? ‘MO: Cento e vinte, No Teste Formal, MD mostrou o seguinte desem- penho: ‘Examinador: Faga essa conta agora, 200 menos 80. MD escreve 200 0. 800 E.:Como é que vocé fez? MD: Abaixa 0 zero aqui e aqui (mostra os zeros do resultado}. Aqui da 8. ‘A regra de “abaixar zeros”, propria da multiplica io, dificilmente pode ser inserida num sistema de opere Bes significativas com nimeros. Outro exemplo pode ser observado com M., 12 anos, 32 série priméria. No Teste Informal, M nio teve qualquer dificuldade em cal- ‘cular 0 troco para 200 cruzeiros, sendo 36 0 prego de um coco. No Teste Formal, realizou a operacio 200 - 35, ‘obtendo como resultado 90, e ofereceu a seguinte ex cago: 84 'M: & para chegar em zero, nada, v ‘chegar em 12 faltam 9. M, aparentemente ao fazer vai-um, transforma o 2 do 200 em 12. para Ainda um terceiro exemplo, para ilustrar a confu- séo com 0 “vai-um" em outra situagio. Ao resolver '35x3, que M. parecia saber de meméria ao vender cocos, ele obteve 125 e ofereceu a seguinte explicacéo: “3 vezes 5, 15; vai um. Trés mais um, quatro; 3 vezes 4, 12.” Outro aspecto a salientar nos resultados, que pro vavelmente tem, como 0 aspecto discutide acima, uma certa participa¢o na inconsisténcia no desempenho das criangas nas trés condigdes, foi a discrepancia entre a performance oral e escrita. Esta discrepincia foi observa dda em todos os sujeitos, sendo porém mais acentuada em dois deles. Por exemplo, S, um menino de 11 anos, na 43 série, resolveu corretamente & das 6 operacées arit- méticas ‘de seu Teste Formal, se considerarmos apenas ‘sua performance oral (como o fizemos na Tabela 1). Porém, embora tenha dado respostas verbais corretas pa- +a as operagdes 200 - 80 e 40 x 3 seu desempenho escri ‘to no poderia ser considerado correto nesses casos. Este std reproduzido na Figura 1 Figura 1 Respostas orais e escritas apresentadas por S. a duas das operacées aritméticas do Teste Formal Operaeio: 200-80 Oral: 120 Ressalta-se, também, no exemplo de S, 0 modo de resolver os problemas formals. Em todos os problemas, ele olhava para cima ou para um lado e, apés algum ‘tempo, apresentava a resposta. Quando indagado sobre o modo de resolugao utilizado, ele respondia que fazia “na cabeca"”. Apenas para reconstituir o problema S usava lapis e papel, embora nfo os utilizasse para facilitar a resoluedo (por exemplo, para reduzir a carga na memoria de processamento). Tentativas por parte do entrevistador de encorajar 0 uso de lépis no decorrer do problema no tiveram éxito, com uma excecdo: quando S demonstrou como a professora fazia os problemas. Mas 0 menino deixou claro que seu modo “natural” de fazer contas é “na cabeca”. (© exemplo extremo de dificuldade no uso do lépis € papel é 0 de P., um menino de 13 anos que abandonara a escola aos 11 anos, trabalhando agora na venda de verduras e frutas como empregado do dono de uma bar- raca. P. recusou-se a usar lapis e papel no Teste Formal, Cad. Pesq. (42) Agosto 1982 ‘embora reconhecesse 0s digits e, a0 tentar, apés muita escrever alguns ntimeros, o fez de forma ex: tremamente vagarosa e imperfeita, declarando que esque cera 0 que fazia antes na escola. E interessante notar que ‘© dono da barraca para quem P trabalhara declarava com ‘orgulho ngo saber ler nem escrever e ser capaz de admi- nistrar 0 negécio de 10 barracas espalhadas pela feira. Discusso e Conclusses Os resultados desse estudo exploratério so deve- ras surpreendentes. Néo era de se esperar uma dis ccrepancia téo grande entre a performance em contexto informal e em contexto “escolar”. O que podemos con- cluir desta enorme discrepancia? A primeira constatagdo 6 que existem mal logicas corretas na resolucdo de calculos, A escola nos ensina como deveriamos multiplicar, subtrair, somar e ividir; esses procedimentos formais, quando seguidos corretamente, funcionam. Entretanto, as criancas e ado- lescentes no presente estudo demonstraram utilizar m todos de resolucdo de problemas que, embora totalmen- te oorretos, ndo séo aproveitados pela escola. Entre estes procedimentos “‘naturais"” ou “inventados”, para usar a terminologia de Resnick (1980), destaca-se 0 uso do que ode ser chamado de composi¢ao do problema: o indiv(- duo determina a resposta de um sub-problema simples vai juntando componentes simples até compor a resposta do problema global. Examinemos, por exemplo, a res- posta abaixo de S: : Numa escola tem 12 salas de aula. Em cada sala tem 50 alunos. Quantos alunos tem na escola to- da? S: 600 (sua explicagdo...) 12 classes; 2 juntas, duas s0 cem (alunos...) 4 so 200; 6 sio 300; 8 so 400; 10 so 500; 12 séo 600. Note-se que o problema maior nao 6 decomposto; © sujeito compe a solugéo ao invés de decompor 0 pro: blema. Outro exemplo esté nesta explicaco dada por P: abacate é Cr$ 5) Quantos so 9? 48. E: Por que? P:7 so 36, com mais 1, 40; com mais 1, 45. (P jé havia determinado que 7 custam Cr$ 35 em problema anterior). Nesta composicao, 0 sujeito trabalha por chunking ou pelo agrupamento de porgdes da resposta até obter © total. © mesmo caso de S, acima, exemplifica 0 uso dessas unidades de andlise com que a crianga se sente & vontade, Estas unidades podem ser pares ou assumir valores referentes ao agrupamento usado habitualmente no comércio (4 limdes a 10 cruzeiros, por exemplo) Assim, a crianga compée © problema global, usando a: grupamentos “*naturais”” possivel que uma crianga adquira fluéncia nos métodos informais de composi¢des ou uso de unidades naturais, sem dominar os métodos escolares (regras de vai-um; multiplicagio feita por escrito, comecando-se Na vida, dez; na escola, zero. com a casa de unidades; colocagdo convencional de ni meros no papel etc). Als, esta foi asituagéo geralmen- te verificads em nossos sujeitos. No seu trabalho no co: imércio, at eriangas resolviam bern os problemas através de téenicas que néo so aproveitadas pela escola, embo- ra funcionem bem e lever ao resultado certo Seria ingénuo defender a idéia de que o sistema de célculo em uso nas escolas é inerentemente superior a0 sistema utilizado por nossos sujeitos. Jé indagamos infor- malmente de diversas pessoas da classe média, no Brasil — educadores, psicélogos, alunos de pés-oraduacéo, pro- fessores — sobre suas maneiras de resolver problemas simples de célculo. A grande maioria das pessoas aborde das no faz of céloulos de acordo com os procedimentos aprendidos na excola, Consideremos, por exempio, 0 pro: blema verbaf 45 mais 35. Algumas pessoas 20 resolvé-10, somam 40 com 30 e depois adicionam 10 (5 +5). Outras somam 5 a 45, obtendo 50 ¢ depois somam 30. Raras vezes um individuo soma 5 + 6, faz 0 “vaium”, soma 0 1.com 0 4 e depois acrescenta o 3. Outra interpretacdo que poderia surgir para os re- sultados deste estudo é a de que nossos sujeitos so mais concretos, resolvendo os problemas concretos (sitvacéo natural) ¢ problemas verbas escolares, com mais faclide de que os problemas “abstratos” (contas consistindo ex clusivamente de niimeros e operacSes, sem contexto 65- pecitice). Porém, esta conclusdo néo'recebe apoio nos dados. Primeiro, ‘néo ha nada na natureza de um coco que facilte a computagio de que 3 cocos de Cr$ 35 ca da custario Gr$ 105. Dizer que o problema envoive co 0s ou limes ou pipocas néo simplifica @ aritmética do problema Segundo, lembramos que os célculos “natura” so feitos mentalmente, sem o auxilio de lapis e papel para anotar os sub-totas e célculos intermediérios. As sim, 20 resolver problemas pelos procedimentos “natu reis, certas failidades existentes nos problemas escola res no sio utilizadas. O argumento de que as criangas simplesmente de- coraram a8 respostas corretas também no encontra polo nas observages. Havia, certamente, instancas isola das em que a crianga respondia rapidamente dando a impressio de haver memorizado a resposta, Entretanto, na grande maioria dos casos, a crianga precisava para, refletir e calcular mentalmente antes de responder. E as justificativas demonstram claramente a derivagao da res- posta por procedimentos naturais como no seguinte € xemplo: E: Quanto & 6 limées? P: (Pausa), Dono da barraca: (Nao sabe quanto é? Oxente! (Admirado que a crianga ngo responde de ime- diato}. P: 15 (cruzeiros) E: Como vocé sabe? P: Eu aprendi E: Como vocs fez? P: 4 (limbes) € 10 (cruzeiros) e 2 {limées) é 5 (cruzeiros). Entdo so 15 cruzeiros, Poder-se-ia argumentar que a dificuldade sisteméti- 85 ‘ ca em resolver os problemas nas situagSes formais estaria nas diferencas linglifsticas existentes entre a versio for- mal e a versio informal. No caso de problemas envolven. do subtracgo, por exemplo, na verso natural, retira-se uma quantidade de outra enquanto que, na versio esco- lar, a operagdo é indicada pela palavra “menos”. Entre- tanto, parece-nos dificil acreditar que a performance nos problemas escolares possa ser methorada como resultado apenas de um treino no significado das palavras usadas. A distingdo entre as situagdes naturals e as situacSes es- colares parece constituir fendmeno mais fundamental e ‘mais importante. Em s{ntese, neste estudo @ combinagdo do método ‘etnogréfico com 0 método clinico piagetiano mostrou-se especialmente adequada na descoberta da competéncia numérica de criancas que, em contextos mais préximos do escolar, apresentam rendimento insatisfatério. Com base nesta proposta metodolégica, acreditamos que duas ‘grandes linhas de pesquisa possam ser desenvolvidas. A primeira consistiré em ampliar 0 estudo ora realizado ‘explorando mais amplamente as habilidades demonstra- das pela crianca no contexto da escola e em contextos mais naturais como 0 local de trabalho, a érea de brinca- deiras e a propria casa. A segunda ter como objetivo esclarecer os processos através dos quais a crianga adqui- re a compreensio do sistema numérico tornando-se ca: paz de operar eficazmente em contextos naturais. Dentro deste contexto, 0 fracasso escolar aparece ‘como um fracasso da escola, fracasso este localizado a) nna incapacidade de aferir a real capacidade da crianca; b) no desconhecimento dos processos naturais que levam a ccrianga a adquirir 0 conhecimento e c) na incapacidade de estabelecer uma ponte entre o conhecimento formal que deseja transmitir e 0 conhecimento pratico do qual a crianga, pelo menos em parte, jé dispSe, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BIRCH, H.G, Health and Education of Socially Disadvantaged Children, Washington, 0.C.: U.S. Department of Health, Education and Welfare, 1967. BROOKS, C.K. Some approaches to teaching English as a second Janguage. Em SW. Webster Org.) The Dissdvantaged Learner. Si0 Francisco: Chandler Publishing Co, 1966, 516517, CAMPOS, M.MM. Participantes ou marginals ~ Estilo de socia- Tizago em familias de Séo Paulo © Brasiis. Cadernos de Pesquisa, 1975, 14, 7586. CARRAHER, T.N. & CARRAHER, .W. 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