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Resenhas FONSECA, Selva Guimaraes, Caminhos da Histéria Ensinada. Campinas, Papirus, 1993. Mara Ribia A. M. Verissimo* A autora fez seu curso de Histéria na Universidade Federal de Uberlandia, E mestre e doutoranda na 4rea de Metodologia do Ensino de Hist6ria pela Universidade de Sao Paulo. Atualmente € professora de Diddtica e Metodologia do Ensino de Geografia ¢ Histéria, do De- partamento de Principios e Organizagao da Pratica Pedagégica, da UFU. Este trabalho constitui a dissertagdo de Mestrado conclufda em 1991, originado da inquictagdo da autora acerca da distancia entre o ensino de Hist6ria corrente no ensino fundamental brasileiro ¢ a Histéria produzida no Ambito académico. Foi este o motivo da “investigagao mais ampla sobre o significado do ensino de Histéria e das mudangas nele anunciadas no interior das lutas polfticas e culturais dos diferentes setores sociais, em determinados momentos histéricos” (p. 12). A autora recupera a historicidade dos diferentes projetos de Histéria desde os anos 60, passando pela década de 70, até as propostas de renovagao elaboradas nos anos 80, perfodo em que vai se deter nas experiéncias dos estados de Minas Gerais ¢ Sio Paulo, no sentido de “apreender e analisar a configuragao da Histéria emergente das mudancas ocorridas” (p. 12). Neste caminho a autora vai delimitando seu objeto em suas miltiplas relagdes, ao analisar “a Histéria em nivel de ensino fundamental no interior do projeto de educag4o institucional ¢ nos fazeres auténomos dos professores e alunos, articuladamente com as mudangas ocorridas no Ambito do espago académico e da indistria cultural brasileira” (p. 12). * Professora de Metodologia do Departamento de Princfpios e Organizago da Prética Pedagégica da UFU. 277 © livro esté dividido em quatro capitulos: Capitulo 1, “A Histéria na Educago Brasileira”; Capitulo 2, “Historia nos Guias Curriculares — anos 70”; Capitulo 3, “Em Busca de Outras Historias: Duas propostas dos Anos 80”; Capitulo 4, “Longe da Escola, na Escola: Vozes da Universidade ¢ da Inddstria Cultural”. No primeiro capitulo, a autora analisa a Hist6ria no contexto politico institucional da segunda metade da década de 60, quando “nas mudangas educacionais irnplementadas apés 1964, o ensino de Hist6ria torna-se um alvo importante do poder politico autoritério dominante ¢ neste sentido varias medidas governamentais so adotadas visando a seu enquadramento ao binémio do regime: desenvolvimento econdmico! seguranga nacional” (p. 13). A autora enfoca os efeitos da reforma educacional de 1971 sobre a formagio dos professores de Hist6ria, num momento em que “o Estado Passa a investir deliberadamente mo proceso de desqualificagio/ requalificagdo dos profissionais da educagio” (p. 25), através das Licen- ciaturas Curtas, Esta questio & analisada no contexto mais amplo da politica oficial de desvalorizacfo das Ciéncias Humanas e da formagio geral dos alunos ¢ professors”. Sio abordadas também os desdobramentos da institucionalizagdo das disciplinas Educagéo Moral ¢ Civica e OSPB como conteiidos bésicos na educacéo dos jovens brasileiros, como instrumentos das forgas politicas detentoras do poder que, “ao tentarem destruir o ensino de Hist6ria como possibilidade de reflexio, substituindo-o por conceitos de moral e civismo, tiveram como preocupagdo transmitir valores morais e Politicos titeis & consolidagdo do projeto autoritério desenvolvimentista” (p. 43). A andlise da autora considera as relagdes contraditérias entre as iniciativas institucionais ¢ as pressbes contrérias dos setores educacionais organizados, num processo de resisténcias relativo “A concepgéo de ensino de Hist6ria subjacente, a descaracterizagio operada no de- senvolvimento da Historia como ciéncia e sua instramentalizagao politico- ideol6gica (...)” (p. 32). Aborda as mudangas no ensino de Histéria ocorridas no final dos anos 70 ¢ na década de 80 como resultado do embate dessas forcas politicas, sobretudo 0 processo de reformulagio dos currfculos em yérios estados brasileitos. No segundo capitulo a autora vai analisar a Hist6ria a ser ensinada, de acordo com os Guias Curticulares de Sio Paulo e Minas Gerais, claborados a partir das diretrizes da Reforma Educacional de 1971, quando “hé um aprimoramento do controle técnico-burocrético na educagio ¢ os 6rgios governamentais exercem um controle ainda maior sobre as pro- postas de ensino” (p. 13). 278 Analisa as influéncias dos modelos europeu e americano sobre o ensino de Hist6ria. Este é marcado pelo esquema quadripartite francés (Histéria Antiga, Medieval, Moderna e Contemporanea) ¢ por uma Hist6ria do Brasil dividida a partir dos marcos polftico-institucionais. Tal modelo eurocentrista “foi aplicado de forma marcante no s6 nos programas de ensino, mas também na pesquisa hist6rica e na organizagao dos curriculos dos cursos superiores em Histéria” (p.51). A influéncia americana, por sua vez, se refere As experiéncia com os Estudos Sociais, cujas repercussées no ensino de Historia vio se efetivar sobretudo na década de 50 com o Programa de Assisténcia Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (PABAEE), ¢ na década de 70, ajustado ao novo contexto da Reforma Educacional de 1971. Além dessa base comum, em que, “no que se refere as concepgdes de educagio, de curriculo, do proceso ensino-aprendizagem ¢, sobretudo, & concepgao de ensino de Histéria, sob a forma de Estudos Sociais, a inspiragdo na Pedagogia norte-americana é marcante” (p.59), a autora analisa as especificidades dos guias curriculares de Minas Gerais ¢ de Sao Paulo dos anos 70, quanto as diretrizes ideolégicas ¢ metodolégicas e quanto & organizagio dos respectivos conteddos. A autora sintetiza os limites do ensino de Histéria nas séries, onde “Hist6ria ¢ Geografia (Estudos Sociais) tomaram-se apéndices, lembradas pelos professores nos perfodos préximos as provas oficiais ¢ nas comemo- ragdes civicas [quando] havia entdo o culto aos herdis e aos seus feitos marcantes, havia a imposigSo de valores e concepgées explicitos nos pro- gramas de ensino (...)” (p. 71). No terceiro capitulo, a autora vai tratar das transformagdes ocorridas no ensino fundamental de Histéria, na década de 80, representadas pelas novas propostas curriculares de Séo Paulo e Minas Gerais, refletindo “sobre os paradigmas histéricos ¢ as concepgées que embasam as propostas tendo em vista o movimento historiogréfico académico ¢ as experiéncias alternativas em ensino de Hist6ria [e] sobre as perspectivas de renovacdo do ensino bem como os limites apontados nesse processo” (p. 14). A autora analisa tais mudangas dentro do processo geral de redemocratizaglo das instituigdes puiblicas brasileiras em que se Produziram novas discussdes acerca do ensino de Histéria, envolvendo rgios oficiais, Universidades, Escolas de 1° ¢ 2° graus, associagdes cientificas ¢ sindicais, bem como os Meio de Comunicagao. Recupera, criticamente, as especificidades do processo histérico de discussio e implementagao das Propostas Curriculares de Minas Gerais ¢ de Séo Paulo constatando que, a despeito dos avancos significativos, “os dois Processos (...) revelam que a estrutura democrética ocupada com o 279 planejamento ¢ geréncia do ensino, apesar de reestruturagdes constantes, apesar de contar também com o trabalho de profissionais com tradigdo no debate educacional, nfo se desvencilhou de instrumentos ¢ métodos proprios do periodo auge do controle técnico-burocrético-militar” (p. 89). Sto analisadas as bases te6ricas e metodolégicas que norteiam as novas propostas Curricularcs de Minas Gerais ¢ Sao Paulo, cuja sintese ¢ a produgio do conhecimento pelos diversos sujeitos envolvidos no Processo de ensino, no sentido de romper com a hierarquizagio do trabalho cientifico, e de resgatar a professores e alunos o trabalho pedagégico como reflexéo e como pesquisa. Para além desses pressupostos comuns ¢ da oposigo conjunta aos principios da Hist6ria tradicional, a autora destaca as divergéncias entre as duas propostas de ensino, sobretudo as diferentes referéncias historiogréficas que as norteiam. Assim, “enquanto a proposta curricular de S%o Paulo revela dimensdes da bibliografia que faz a critica da historiografia tal como colocada no Guia Curricular dos anos 70, na Proposta curricular de Minas Gerais substitui-se um sistema explicativo da Histéria por um outro que, como todo modelo, unifica o campo da Histéria em fungdo dos caminhos previamente determinados” (p. 98). A abordagem da Proposta de Minas Gerais é criticada pela autora, dentre outros motivos, por seu evolucionismo economicista ¢ pela desconsideragiio das préticas coletivas e sociais do presente, uma vez que, “neste caso, os historiadores acabam priorizando os conceitos, os esquemas explicativos em detrimento da ago histérica dos homens, que aparecem apenas para confirmar ou ilustrar o arcabougo tedrico” (p. 107). Por sua vez, a defesa da proposta de Séo Paulo é justificada por tentar “romper com os modelos ortadoxos ¢ reducionistas ¢, situando-se dentro do movimento de renovacao da historiografia contemporanea em nfvel mundial, [propor] 0 ensino através de cixos teméticos.” (p. 108). De qualquer forma, 0 que a autora tenta evidenciar, nesta parte, séo os diferentes projetos hist6ricos representativos de uma época, que se manifestam nas diferentes propostas curriculares em questio — de Sao Paulo ¢ de Minas Gerais —, 0 que, por si s6, constitui uma evidéncia da Histéria enquanto processo de tenses € possibilidades. No quarto capitulo, a autora tenta ampliar 0 campo de andlise das mudangas ocorridas no ensino de Hist6ria, relacionando-as a outros espagos importantes na constituigdo da Histéria ensinada nas décadas de 70 © 80 — o espago académico e a indéstria cultural. A autora acompanha o movimento da produgio. historiogréfica brasileira, articulando-o as influéncias do contexto sécio-politico, desde a reforma universitéria de 1968 até as lutas politicas da década de 70, as quais teréo um papel relevante na reavaliagio da historiograia que vai 280 desembocar nas renovagdes operadas nos anos 80. O sentido dessa andlise € mostrar que “a universidade brasileira, como um determinado local de produgo ¢ reprodugo do saber, experienciou mudangas, confrontagées ¢ préticas que, inseridas no contexto maior da sociedade, nos dio uma dimensfo clara da construgfo da meméria histérica no Brasil contempordneo” (p. 118). Analisa o desenvolvimento das relagGes entre a universidade e o ensino fundamental de Hist6ria, no sé através da formagio de professores para o 1° ¢ o 2% graus, como pela produgio e difusio de conhecimento histérico destinado & Escola Fundamental, Sao relagdes que “variam de acordo com as concepgSes tedrico-metodolégicas e, sobretudo, politicas das forgas atuantes em cada época” (p. 119). Ainda nesta parte, a autora vai analisar a relagio entre as mudangas no ensino de histéria e a indtistria cultural nas décadas de 70 ¢ 80, pela influéncia dos meios de comunicagio de massa na definicaio de © que e como ensinar em Histéria no ensino fundamental. Contextualiza a produgao da indiistria cultural — livros didéticos e paradiddticos, TV, imprensa etc. — dentro da légica histérica do Estado capitalista comprometide com a politica de acumulagio do capital privado. Em um primeiro momento aborda os anos 60 e infcio dos 70, quando “a ampliagio do ntimero de pessoas escolarizadas € acompanhada de consider4vel ampliagdo das condigdes de modernizagdo da indistria de produtos educacionais ¢ culturais” (p. 136), sob os incentivos de politicas estatais. Posteriormente, a autora abrange o final dos anos 70 ¢ inicio dos 80, fase em que “a indéstria cditorial passa a participar ativamente do debate académico, adequando e renovando os materiais, aliando-se aos setores intelectuais que cada vez mais dependem da midia para se estabelecerem na carreira académica” (p. 143). Os nfveis de relacionamento entre a universidade brasileira ¢ os meios de comunicagao de massa, nos tiltimos anos, so considerados pela autora como significativos para as transformagGes por que passa o ensino de Historia na escola fundamental. A légica de tais relagdes revela, por um lado, como a produgio do conhecimento “é apropriada pela Indéstria Cultural que a mercantiliza em grande escala, auxiliada por uma linha direta com o Estado (...)” (p. 147). Por outro lado, demonstra como a pressao dos grupos de poder pode determinar os limites ¢ as possibilidades ao ensino de Histéria como instrumento de construgio da cidadania e da democracia. Caminhos da Histéria Ensinada constitui uma obra destinada nfo sé as pessoas envolyidas com o ensino de Histria, como também aos demais profissionais da cducagdo. De um lado, possibilita pensar historicamente 281 © fazer-ensinar Hist6ria ¢ refletir sobre suas diferentes abordagens teérico- metodoldgicas; por outro lado, oferece um quadro significative de momentos relevantes da recente histéria da educagio brasileira.

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