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3 Como trabalhar com 0 povo Paulo Freire Indice - Avresentacso ~ Introducso ~ Ninauém esté sé no mundo - Ninauém sabe tudo. ninauém ianora tudo - Assumir a ingenuidade do educando ~ Conclusao Apresentacdo & 2a. Edicao Este livrinho € fruto de um bate-papo entre Paulo Freire e um grupo de pessoas (CEBs. Pastoral da Juventude. Pastoral Ooeréria. Oposic#o Sindical Metaluraica) empenhados no trabalho de educac&o popular. na V-Alpina, Zona Leste de S80 Paulo, no inicie da década de 80. Na época. © pessoal ficou t&o animado que resolveu transcrever a fala de Paulo Freire e publicar um subsidio que servisse de luz para tantos outros educadores populares. @ socializac&o deu certo. tanto aue agora estamos lancando esta 2a. edic&o, mesmo sabendo aue ja @ outra a conjuntura sécie-politico-eclesial. Acantece que a atualidade dos princépios ent&e colocades por Paulo Freire é enorme e vem de encontro As arandes interrogactes que nos fazemos hoje em meio & desagradavel sensac&o de aque “andamas nos perdendo no caminho" nestes Ultimos anos. Paulo Freire pocura acentuar a importancia da nossa postura frente as praticas populares, pois n&o basta "querer mudar” a sociedade, @ preciso "saber mudar". © mais ainda, saber midar numa direcXo de igualdade e liberdade. Acreditamos que este subsidio é um bom instrumento de avaliac#o da nossa atuac¥o nos movimentos populares, nas pastorais, etc, além de nos ajudar a abrir novas perspectivas e alimentar a esperanca de recriar o futuro “pactentemente impacientes". como diz Paulo Freire. Comelhe Gdilerial doec s Introdug#o Como se d& a relacXo teoria e pratica? Em primeiro lugar, 0 moco ali tem raz¥o, cuando afirmou que n&o se pode ficar sé na teoria. 0 que ensina a gente é fazer coisas. € a prética da gente. ¢ claro que n¥o faz mal nenhum ler um livro ou outro. Ha um livrinho ai muito bom, escrito pelo Professor Brand&o: "O que é o Método Paulo Freire" (Coleco Primeiros Passos ~ Ed.Brasiliense), por exemplo. Mas o que @ fundamental ¢ fazer. € lancar~se numa pratica e ir aprendendo-reaprendendo, criando-recriando, com o povao. Isso @ que ensina a gente. Agora, se hé cossibilidade de bater um papo com quem tem pratica au com quem ia teve pratica, ou com que tem uma fundamentac&o tedrica. a propésito da experi€ncia. ¢ excelente. Eu me comprometo a fazer isso. Eu acho vélido. A minha assessoria tem certo sentido. Agora, o que é preciso é fazer. Assim a gente vai tendo a sensacko agradavel de estar descobrindo as coisas com @ pave. Ent&#o ai eu tenho a imoress&o de que hoje nXo caberia uma palestra sobre o método. N&o foi para isso que eu vim aqui. Mas eu tenho a impressao que poderia colocar a nds. e nao a voc@s. porque eu coloco a mim também alauns elementos. chamemos até de principios. Estes principios s&o validos nao apenas pra quem est4 metido com a alfabetizac&o, mas pra quem esta participando em qualauer tipo de pastoral. N&o importa se esta fazendo alfabetizac&o de adultos ou trabalhando na pastoral operdria, qualauer uma que seja. & valido até pra quem é médico e trabalha com 0 povac. 1Ninguém est4 sé no mundo 0 primerio principio que eu acho que seria interessante salientar aqui é 0 sequinte: Enquanto educadores/educadoras, devemos estar muito convencidos de uma coisa que @ dbviar a de que NINGUéM ESTA SO NO MUNDO. D& até para dizer - mas Paulo, como @ que voc@ foi arranjar um negdcio t&o besta desses? Mas vamos ver que implicactes a gente tira da constatac&o, porque isso @ constatac&o, ninguém precisa pesquisar. Agora. 0 que é fundamental n&o é, portanto, fazer uma constatacéo. Fazer a constatac’o é@ muito facil, Basta estar aqui, estar vivo. 0 que é importante @ encarnar essa constatacdo com um bando de consequeéncias. um bande de implicactes. A primeira delas. sobretudo no camoo da educacto, que ¢ 0 nosso, @ a de que se ninguém esta sd, é porque os seres humanos est%o no mundo com outros seres. “Estar com os outros significa necessariamente respeitar nos outros o direito de dizer a nalavra. Ai 54 comeca a embananar pra quem tem uma posic#o nada humilde, de quem pensa que conhece a verdade toda. e portanto, tem que meter na cabeca de quem no tem a verdade. Isso tem uma implicac&o no campo da teologia que eu acho muito importante. Mas n&o vamos discutir isso hoje. Eu aosto de falar dessas coisas também porque no fundo eu sou um tedlogo, porque sou um sujeito desperto, um homem em busca da preservacso da sua fé. E @ inviavel procurar preservar a f€ sem fazer teologia, quer dizer, sem ligar, sem ter um papo com Deus, A minha vantagem @ que eu nunca fiz curso de Teologia Sistematica, entXo ai eu posso cometer heresias maravilhosas. Saber ouvir Voltando aquele neadcio: a primeira implicacdo profunda e rigorosa que surce quando eu encarno que n&o estou sé. & feias, que sto t&o bonitas. Quando eu era muito moco, me contaram uma estéria que se deu, dizem com Henry Ford. D: que o Henry Ford reuniu os técnicos dele, os assessores etc, e disse: "olha, vamos (deve ter sido em Detroit). vamos aqui discutir 0 modelo nove dos carros Ford". Entao os técnicos comecaram :"Sr:Henry, vamos dar um jeito de acabar com esses carros s6 pretos e feios, danados, vamos tacar carro marrom, carro verde, carro azul, mudar o estilo, fazer um neaécio mais din&mico". Entao quando deu 5 horas dizem que a Henry Ford disse: "Olha, eu tenho um negécio agora, vamos fazer o seguinte: amanh&¥ a gente se reine aqui as 5 horas para decidir esse negécio". No dia seguinte, as 16h45 08 assessores estavam todas na sala e as 16h50 a secretaria de Ford entrou na sala e disse: "“Senhores o sr. Ford nao pode vir a esta reuniao, mas ele pede que os senhores se retinam e ele diz também que concorda com os senhores, desde que seja preta a cor dos carros". Isso é exatamente o que té ai. Se @ povo brasileiro concordar que a abertura deve ser assim, ela existe, se n&o... ¢ uma coisa extraordinaria isso! Uma coisa fantastica. Mas existe, ta ai. Entaa, eu falo contigo quando sou capaz de escutar, e se sou capaz, eu falo "A" ti. No falar "A" e no falar "SOBRE falar "A" significa falar em torno, eu falo a ti sobre a situaclo tal. Se eu. pelo contrério, escuto também, ent&o a consequéncia é a mesma para um trabalho de alfabetizacao de adultes, educacto sanitaria. satide. discuss%o do evangelho, de religiosidade popular, etc. Se eu me convenci desse falar COM, desse escutar, meu trabalho parte sempre das condictes concretas em que 0 povo est4. O meu trabalho parte sempre dos niveis e das maneiras e formas como o povo se compreende na realidade e nunca da maneira como eu entendo a realidade. Té claro assim? Desmontar a visto magica Vou dar um exemplo bem concreto! Guando eu tinha 7 anos eu j4 nfo acreditava que a miséria era punic&o de Deus. Ent&o vocés hao de convir comico que j4 faz muito tempo que eu nao acredito nisso. Mas vamos admitir que eu chegue para trabalhar numa certa area, cujo nivel de repress&o e opressdo, de espoliac’o da comunidade @ tal, que por necessidade, inclusive de sobrevivéncia coletiva, essa comunidade afoga-se em toda uma viso alienada do mundo. Nessa visto Deus @ 0 responsdével por aquela miséria, e n&o o sistema que esta ai. Nesse nivel de consci€ncia. de percepc’o da realidade, @ preciso as vezes acreditar que Deus ¢ mesmo o responsavel, porque sendo Deus, o problema passa a ter uma causa superior. ¢ melhor acreditar que & Deus, porque ai nao se tem a necessidade de brioar, com medo de morrer, do que acreditar que n&o é Deus. Esta ¢ uma realidade que existe, Eu n§o sei como é que os jovens de esquerda nio percebem esse treco ainda s6! Entao n&o & possivel cheaar a uma drea como essa e fazer um discurso sobre a luta de classe. Nao d&. mas nXo da mesmo! ¢ exatamente @ direito @ o dever que eu tenho de resoeitar em vac® 0 direito de voce dizer a palavra também. Isso Siginifica ent&%o que é preciso também saber ouvir. Na medida, porém, em que eu parte do reconhecimento do teu direito de dizer a palavra, quando eu falo porague te ouvi, eU faco mais do que falar a ti, eu falo contigo, Eu nao sei se estou complicando. E veja bem, eu n#o estou fazendo joao de palavras. Estou usando palavras. Veja que eu usei a preposic&o A, "falar A ti". mas disse que o "falar A ti" sé se converte no falar contigo, se eu te escuto. Veiam como no Brasil tA cheio de gente falando pra gente, mas n¥o com a gente. Faz 480 anos que o povao brasileiro leva porrete Ent&o. vejam bem o que é que tem que ver como trabalho do educador. Vejam 14, numa posicdo autoritaria, evidentemente a educadora/educador, falam ao covo. Falam ao estudante. 0 gue ¢ terrivel @ ver um mont&o de gente que se proclama de esquerda e continua falando ao cove e n¥o com o Povo, numa contradic¢&o extraordinaria com a prépria posicko de esauerda. Porque o carreto da direita @ falar ao povo, enquanto @ correto da esquerda é falar como povo. Pois bem. esse "trequinho" eu acho de uma importancia enorme. Entao essa é a primeira conclusao que eu acho que a gente tira quande a gente percebe que n¥0 estaé sé no mundo 0 que ¢ o método paulo freire? Mas quando a gente encarna e vive este n&o estar sé no mundo. isso tem a ver com o chamado Método Paulo Freire. Mas eu nao gosto de falar nisso, que é um negécio chato pra burre. Perque isso. no fundo, n&o é Método. N&o é nada. isso € uma CONCEFRO DO MUNDO, que ta ai, @ uma pedacogia e no um métado cheio de técnicas. Eu acho que a gente sabe mato mais as coisas quando a gente aprende o significado disso que eu disse e pte em pratica, do que quando t& pensando no "ba-be-bi-bo-bu". 0 "ba-be-bi-bo-bu" sé se encarna quando esse outro principio ¢ respeitado. Veia bem, se o alfabetizador no est4 sobretudo disnosto a viver com o alfabetizando uma experi@ncia na qual o alfabetizando diz a sua palavra ao alfabetizador e n&o apenas escuta a do alfabetizador, a alfabetizac3o se autentica, tendo no alfabetizando um criador da sua aprendizagem. Pois bem, esse é um principio que eu acho fundamental. Agora, uma outra consequ@ncia disso, desse falar ae falar com: eu s6 falo com na medida que escuto também. "Eu sO escuto na medida em que eu respeito, inclusive o que fala me contradizendo”. Porque se a gente sé escuta o que concorda com a gente, puxa! € exatamente o que ta ai no poder. Guer dizer. desde que voc@s aceitem as regras do jogo, a abertura prosseaue. Eu gosto muite de anedotas. inclusive as anedotas chamadas absoluta inconsist@ncia te@rica cientifica. ¢ ianorancia da ci@ncia. fazer um treco desse. € claro que um dia vai cheaar o neaécio da classe, mas & impossivel enguanto n&o desmontar a visto maaica, a compreens&o magica. Forque v@ bem. se houvesse uma nossibilidade de uma participacdo ativa. de uma oratica politica imediata. essa visto se acabaria. “Ent&o @ uma viol€@ncia voc® querer esauecer que a comunidade ainda nfo tem a possibilidade de um enaajamento imediato”. Ai ent&o o que acontece ¢ que voc@ vai falar a comunidade n&o com a comunidade. Voc@® faz um discurso brabo danado. E o que @ que voc® faz com esse discurso? Cria mais medo. Mete mais medo na cabeca da populacdo. Guer dizer, que o que a gente tem que fazer é@ partir exatamente do nivel em que a massa esta. Diante de um caso como esse hé duas possibilidades: 1. A primeira ¢ a aente se acomodar ao nivel da compreensao que a comunidade tem, e a gente passar a dizer que na verdade @ Deus mesmo que quer isso. Essa é a primeira possibilidade de errar. 2. A segunda possibilidade de errar é arrebentar com Deus & dizer que o culpado ¢ 6 imperialismo. Veiam a falta de senso desse pesscal. Porque no fundo isso @ falta de compreensao do fentimeno humano. da espoliac&o e das raizes. # enaracado, se fala tanto em dialética e n¥o se @ dialético. (Dialética € 0 processo de conhecimento pelo qual se acerta o caminho certo, através de um processo de reflex%o em cima da realidade ou oratica). Vamos ver o que acontece na cabeca das pessoas. Se Deus é o responsavel e Deus ¢ um caboclo danado de forte. o criador desse treco todinho, 0 que @ que n&o pode gerar na cabeca de um cara desse se a gente cheaa e diz que nfo é Deus? A aente tem que brigar contra uma situacto feita por um ser tao poderoso coma este e ao mesma tempo tio justo. Essa ambiquidade que est4 ai significa pecado. Ent&o a aente mete mais sentiment de culpa ainda na cabeca da massa popular. Deus é 0 culpado 0 que a gente tem que fazer num caso como este é aceitar. Eu me lembro por exemplo, que antes do golpe de Estada, quando eu trabalhava no Nordeste, de um bate papo que eu tive com um grupo de camponeses em que a coisa foi essa: Dentro de POUCOS minutos OS camponeses se calaram e houve um silencio muita grande @ em certo momento um deles disse: "O senhor me desculpe, mas o senhor @ que devia falar e n¥o néis". Eu disse: "porqué?". Ele disse: "porque o senhor @ o que sabe e n@is n&o sabemos". Eu Ent&o disse: "Ok, eu aceito que eu sei © voc@s n&o sabem! Mas por que é@ que eu sei e vocés nso sabem?" Ent&o vejam: Eu aceitei a posic#o deles no luoar de me sobrepor & posicko deles. Eu aceitei a posicio deles mas a0 mesmo tempo indaguei sobre eles. Eles voltaram ao papo e ai respondeu um campon@s: "o senhor sabe porque o senhor foi A escola e nds nao fomos". Eu disse: "Eu aceito, eu fui a escola e@ voc@s nto foram, mas por que @ que eu fui & escola © voc@s n&o foram?" “Ah! o senhor foi porque seus pais puderam @ os nossos nao". Eu disse: “muito bem eu concorde. mas por que os meus pais puderam e os de voc@s n&o puderam?" "ah o senhor pade porque seus pais tinham condicao. bom trabalho, tinham bom empreao e os nossos n&o." "Eu aceito. mas por que os meus tinham e os de vocés nao?" "Ah! porque 05 nossos eram canoneses." Ai um deles disse: "0 meu av era campon@s. 0 meu pai era campon@s, eu sou camponés. meu filho @ camponés. meu neto vai ser campon@s! (ai vem a concepcao fatalista da histéria) "o que é ser campon@s?" ~ "Al campon@s € n&o ter nada, @ ser explorado". Eu disse: "mas gue @ que explica isso tudo?" Ele disse: “Ah! € Deus! € Deus gue quis que o senhor tivesse e nés nfo". Eu disse: "Ok. eu concorde. Deus ¢ um cara bacana! € um sujeito poderoso Agora eu queria fazer uma pergunta: quem aqui ¢ pai?” Todo mundo era. Olhei assim, pra um e disse: "Voc@ quantos filhos tem?" Ele disse: "Tenho seis." Eu disse: "Vem ca, voc® era capaz de botar § aqui no trabalho forcado e mandar 1 para o Recife. tendo tudo 14 - comida, hotel ~ pra estudar e ser doutor, @ os 5 aqui morrendo no porrete, no sol?" Ele disse: “Eu n&0 fazia isto n¥o" “Ent&o voc® acha que Deus & poderoso, que @ pai, ia tirar essa oportunidade d Seré que pode?" Ai houve um siléncio e disseram voces? é nao. n&o € Deus nada, ¢ © patrao!" Quer dizer, ai sim, seria uma idiotice minha se eu dissesse que é 0 patr&o imperialista Yanque. Eo cabra ia dizer: "o que @, onde mora esse home?" Olha a transformaca&o social se faz com ci€ncia, com consci@ncia, bom senso, humildade, criatividade e coragem. Ve que ¢ trabalhoso, né? Nao se faz isso na marra. no peito. 0 voluntarismo nunca fez revolucto em canto nenhum. Nem espantaneismo tampouco. Implica em COM-VIVENCIA COM AS MASSAS POPULARES e nao a distancia delas. Ent&o esse @ o principio que eu deixaria aqui. Perguntas 1. 0 que mais lhe chamou a atenc&o no texto? 2. Que tipo de vivéncia temos com pessoas "alienadas", no Gnibus. no bairro, na escola? Cite exemplos. 3. Na prética dos nossos arupos estamos com o povo ou para o povo? Cite Exemplos. 4. Porque existem poucas experiéncias de "falar COM 0 Povo" @ muitas experiéncias de "FALAR PARA O POVO"? 5. Qual era o jeito que Jesus tinha de lidar com o povo e qual a relac%o disso com nossa pratica atual? 6. Como podemos viver a experi€ncia dos companheiras e escuté-los para assim despertar neles uma consciéncia critica através de um processo de reflex%o/acko? Indique pistas concretas. 2Ninguém sabe tudo, ninguém ignora tudo Um outro principio, que a gente tira daquele COM e do A, é 0 seauinte: @ que NINGUEM SABE DE TUDO NEM NINGUEM IGNORA TUDO, © que equivale a dizer, n&o ha, em termos humanos, sabedoria absoluta nem ignorancia absoluta. Eu me lembro, por exemplo, de um jogo que eu fiz no Chile. no interior, numa casa camponesa, onde os camponeses estavam inibidos sem querer discutir comigo, dizendo que eu era doutor. Eu disse que n§0 @ propus o jogo que era o seguinte: Eu pequei um giz, fui pro quadro negro e disser "Eu faco uma pergunta a voc®s e, se voc@s n¥Xo souberem, eu marco um aol. Em sequida voc@s fazem uma pergunta pra mim, e se eu nao souber, voc@s marcam um gol. Quem vai fazer a primeira pergunta sou eu, eu vou dar o primeiro chute". E ent&o, de propésito, disse: “Eu gostaria de saber o que é a hermen@utica socratica". Ja disse mesmo um treco dificil, treco que veio de mim, um intelectual. Eles ficaram rindo nao sabiam 14 0 que era isso. Ai eu botei um gol para mim. Acora so voc@s. Um deles se levanta de la e me faz uma pergunta sobre semeadura. Eu n¥o entendia pipocas! Como semear nem o qué... Ai eu perdi, foi um a um Ai eu disse a segunda pergunta: o que @ alienacto em Heael? Ai, dois a um, ai eles levantaram de 14 e me fizeram uma perqunta sobre praga. Foi um neadcio maravilhoso. Checou a 10 a 10, e os caras se conveceram no final do jogo, na verdade ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada. Elitismo Mas isso que o nivel teérico. o intelecto diz. a gente precisa ¢ viver! ¢ essa minha @nfase. Todo mundo aqui sabe que nto esté sé no mundo. Ok. Mas @ preciso viver a consequéncia disso, sobretuda se a opcao é libertadora. 0 que ¢ preciso ¢ encarnar isso, sobretudo quando a cente se aproxima da massa popular arrogantemente, elitistamente, para salvar a massa inculta, incompetente, incapaz: isso é absurdo! Porque, inclusive n&o é cientifico. H& uma sabedoria que se constitui na massa popular pela pratica. Basismo Agora ha também um outro equiveco, que ¢ 0 que também se chama de "basismo". Ou voc® esta dentro da base, o dia todo, a noite toda, mora 14, morre 1a, ou nfo d& palpite nunca Conversa fiada, esse treco também n&o ta certo, n&o. Esse neaécio de superestimar a massa popular é um elitismo as avessas. N&o h& porque fazer isso n&o s6! Eu pelo menos, & claro, sou um intelectual, @ sou um intelectual de m&o fina. @ sociedade burguesa em que eu me constitui como intelectual nae poderia me ter feito diferentemente. E eu sou humilde pra aceitar uma verdade histérica que ¢ 0 meu limite stérico, ou ent&o me suicido! E eu n&o you me suicidar. porque € dentro dessa contradic&o que eu me forio como um nove tipo de intelectual. EntXo eu entendo esse treco. E tenho uma contribuic#o a dar & massa popular. Nés temos uma contribuicao a dar. Acora pra mim o que ¢ fundamental é o sequinte: ¢ que contribuicao sé @ valida na medida em que eu sou capaz de partir do nivel em que a massa est& e, portanto, de aprender com ela. Se n&o for assim, ent&o a minha contribuic&o nxo vale nada, ou pelo menos vale muito pouco. Ent&o esse é 0 outre principio independentemente de tecnicazinha de ba-be: bi-bo-bu. Quer dizer. @ esse estar COM 0 povo e nao simplesmente FARA ELE e jamais SOBRE ELE. ¢ a que racteriza uma postura realmente libertadora. E bacana era se a gente tivesse tempo de ir mostrando essas afirmactes a luz da experiéncia para peceber o que significam Perguntas 1. Reveja a ac¥o proposta na reunigo anterior. Se houve falhas, por que? - Muitas vezes a gente fala que o povo 14 do bairro & ignerante, n&o sabe das coisas. Como fica ent&o essa afirmacto: "Ninguém sabe de tudo e nem ignora tudo"? 3. 0 que @ ser culto? 4. Por que as classes populares consideram que as pessoas gue t@m diplomas sabem tudo? 5. Guais s&%o as consequéncias dessa atitude para as pessoas e para a sociedade? 6. Coma Jesus valoriza as pessoas? (Um trecho do Novo Testamento deve ter sido previamente escolhido para facilitar a discussao) 7. 0 que podemos fazer a partir desta discuss%0? SAssumir a ingenuidade do educando Mas outra principio que eu acho fundamental é a capacidade gue a gente tem de assumir a ingenuidade do educando, seja ele universitério ou popular. Eu estou cansado de me defrontar nas universidades onde eu trabalho. com ingenuidades, com perquntas que as vezes eu nao entendo. Mas nXo entendo porque o cara que esta fazendo a pergunta nao sabe fazer. Agora voc#s imaginem 0 seguinte: aue pedagogo seria eu se, ao ouvir uma peraunta mal formilada, desorganizada e sem sentido, eu resnondesse com irania. Que direito teria eu em dizer que sou um educador que pensa em liberdade e respeito? De maneira nenhuma. E as vezes me sinto numa situacko meio dificil porque o estudante coloca a questo e eu realmente n&o estou entendendo. Guando isso se da nos EUA. eu até tenho a chance de dizer: "Eu nao entendo inglés, poderia repetir?" Mas aqui eu n&o posso dizer: "“Olha eu nge entendo bem o portugues." Ent&o eu digo pro estudante: Olha eu vou regetir a pergunta e presta atencao pra ver se eu nao distorco o espirito da tua perqunta. Se eu distorcer voc® me diz". Ent&o eu repito a pegunta que ele me fez, reformulanda de maneira mais clara como eu penso que entendi. Ai o estudante diz: "Era isso mesmo que eu queria perguntar, sO que nao estava sabendo". Eu digo: "Ah! Entao Gtimo!". Mas se eu digo: "NXo, voc® é um idota", com que autoridade eu poderia dizer isso ao jovem estudante? Que sabedoria tenho eu pra fazer isso? Guem sou eu? Entio esse & outro treco que eu encontro de absolutamente fundamental. Na medida em que voc® assume a posicao ing@nua do educando, voc@® supera essa posic&o com ele. e no sobre ele" Mas. se @ fundamental assumir a ingenuidade do educando, & absolutamente indispensavel assumir a criticidade do educando diante da nossa ingenuidade de educador. Esse é¢ o outro lado da medalha para o educador auto suficiente. S60 educande ¢ ing@nuo. 0 educador nunca é. No fundo ele @ que é ing@nuo, porque a ingenuidade se caracteriza pela alienac&o de si mesmo ao outro. Pela transferéncia de si em alouém para © outro. Eu n&o sou ing@nuo. 0 patricio ¢ que & ing@nuo. Eu transfiro pré ele a minha ingenuidade. Eu sé critico na medida em que eu também acredito que eu também sou ing@nuo, porque n&o hd nehuma absolutizacao da ingenuidade e nem absolutizacaa da criticidade. Entao o educador que n&o faz esse jogo dialético, contraditério, dinamico, ele pra mim n¥o trabalha pela LIBERTACAQ. 0 educador ¢ um politico Pra terminar essa série de consideractes., eu diria a vocés o sequinte: tudo isso € politica, porque no fundo, a EDUCACRO € UM ATO POLITICO! A educacko @ tanto um ato politico quanto um ato politico é educative. N3o ¢ possivel negar, de um lado, a politicidade da educacdo e do outro a educabilidade do ate politico. E @ nesse sentido que todo partido ¢ um educador sempre. Mas depende de qué Educac&o ¢ essa que esse partido faz. Depende de com quem ele esta. A favor de que esta o educador ou a educadora. Ent&o. se a Educacao é sempre um ato politico, a quest&o fundamental cue se coloca pra mim é a sequinte: 0 educador, a educadora, somos todos politicos. 0 que é& importante saber agora 6 se a politica que nés fazemos esta a favor de quem? Gual ¢ a nossa opcio? E clareada a nossa opc&o, ent#o a gente vai ter que ser coerente com elat ai é que fecha o cerco. Porque nao adianta © discurso revoluciondrio com uma pr&tica reacionéria. N&o adianta que eu passe uma noite fazendo esse curso aqui, © depois v4 & 4rea de favela "salvar" os favelados com minha ciéncia. em lugar de aprender com os favelados a ciencia deles. Porque na verdade, meus amigos, n¥o @ o discurso que diz se a praética 6 valida. € a prética que diz se o discurso & valido ou nao. Entao. quem ajuiza ¢ a pratica, sempre, e nXo o discurso. E nXo adianta um lindo serm&o ao qual se seque uma pratica reacionaria. No adianta uma proposta revolucionaria se no dia sequinte @ minha oratica @ pequeno-burouesa. Isso @ que eu acho que é fundamental. @ coragem de correr o risco Aaora ¢ claro, que para aqueles que estao metidos em alfabetizac&o de adultos, ha um bocado de coisinhas que nao foi dita aqui, que deve ser aprendida e que deve ser feita. Por exemplo: como é que faz a decodificaca’o de uma palavra? Come ¢ que voc@ acha uma palavra melhor? Como @ que voce codifica? 0 que significa codificar? 0 que sicnifica descodificar? Ha uma série de outras coisas. mas eu diria a Voc@s, que o fundamental é essa coer@ncia com a opc&o que a gente tem, que @ politica. ¢ essa coragem de correr o risco. Porque a Educac&o Libertadora. ou ela é uma aventura permanente ou n&o ¢ criadora. NXo hé criac¥o sem risco. 0 gue a gente tem que fazer @ reinventar as coisas. @ marca do autoritarismo Temos que combater em todos nés uma marca trégica que nés carregamos. os brasileiros e as brasileiras, que ¢ a do autoritarismo que marcou os primérdios do nosso nascimento. © Brasil foi inventado autoritariamente. E é autoritariamente que ele continua. N&o é¢ de se espantar de maneira nenhuma que a abertura se faca autoritariamente. Eu fiz um discurso em Goiania, no Congresso Brasileiro de Professores, em que li uma série de textos comecando por um sermao fantastico do Pe.Vieira, durante a guerra dos holandeses. Ele dizia uma coisa muito bonita: em nenhum milagre Cristo gastou mais tempo, nem mais trabalho teve do que em curar o endemoniado mudo. E esta tem sido a grande enfermidade deste pais: 0 siléncio a que tem sempre submetido o povo. 0 que Vieira nao disse e porque inclusive ele n&o faria essa anélise de classe tXo cedo. @ que, sobretudo, nesse pais, quem tem sido mudo @ a classe popular, as classes trabalhadoras. Quer dizer, n¥o mudas no sentido de nso fazerem nada. Elas t@m feito sua rebeliao constante. AS lutas populares nesse pais s4o coisas maravilhosas! Sé que a historiografia oficial, em primeiro lugar, esconde as lutas populares. Em segundo lugar, quando conta, conta distorcidamente, em terceiro lugar, o poder autoritério faz tudo pra gente esquecer. Mas essa é@ a marca do autoritarismo Qutre trechinhe que eu citei ¢ © discurso de Joaquim Nabuco no parlamente, sabre a mudanca da constituic&o. Tem 103 anos 0 discurso. Ele sé n§o usou a palavra pacote, mas o resto & dele. Igqualzinha hoje! Vec@s ja imaginaram como nds somos. autoritérios, os intelectuais desse pais, inclusive quando somos de esquerda? Mas o autoritarismo nosso se tranformou na arrogncia nossa, na sabedoria que a gente fala, no comportamente da gente no seminario, no curso, nas exig@ncias de leitura. 0 professor cita 40 livros num semestre @ manda o estudante ler uns 200 capitulos a mais dos 40 livros. E 0 aluno nXo 1@ nem jornal. Pois isso eu venho dizendo a mais de trinta anos, Comece a reaprender de novo e voc® pretende pra semana comecar um trabalho com grupos populares, esqueca-se de quase tudo o que jA lhe ensinaram. Dispa-se, figue nu de nove e comece a se vestir com as massas populares. Esqueca-se da falsa sabedoria e comece a reaprender de novo. E ai @ que voc@s vo descobrir a validade daquilo que voc@s sabem, na medida em que veces testam o que vac@s sabem com o que © povo esté sabendo. Eu acho que isso ¢ o basico. Eu nunca escrevi nada do aue tivesse feito. Nem carta eu posso fazer se n¥o tiver algo importante sobre o que conversar. Ent#o é uma das minhas boas limitactes. Meus livros s&o sempre relatérios. Agora é claro, s&o relatérios teéricos, feitos a partir da pratica, ent&o isso significa o seguinte: quem pretende trabalhar com esses relatérias, que S80 meus livros, deve sobretudo estar sempre disposto a re~ criar o que eu fiz, a re-fazer, @ n¥o sé copiar, mas reinventar as coisas. Este treco inclusive é muito cristao & nesse sentido que a gente participa da obra da criac&o e& re-criacao do mundo com Deus. Eu faco uma forca danada pra nfo deixar de cumprir essa tarefa. Esse neaécio de receber coisinha de graca de Deus eu n30 gosto. & dar o dure também Uma experiéncia Assim que eu cheouei da Europa pra morar de novo no pais, eu trabalhei um semestre com um grupo de jovens que fazia uma experi@ncia numa comunidade de favelados. Eles fizeram durante alguns meses um trabalho. Foi durante a construcae de um barraco que eles fizeram uma experiéncia de alfabetizac’o muito interessante. Depois eles sumiram de casa e bem depois apareceram de novo e me disseram: "Paulo. a coisa mais formidaével que a gente tem pra dizer é que por mais que a gente tivesse lido voc® e conversando com voce, a gente cometeu um erro tremendo. A gente tinha botado na cabeca da gente que o povo queria ser alfabetizado. Como a gente sugeriu ao povo que a alfabetizacdo era muito importante, © povo passou seis meses com a gente Talando daquilo por causa da gente. Depois, que 0 povo ganhou intimidade com a gente dando risada eles falaram: "néis nunca quis isso!". Voc@s vejam, olha era uma equipe bacana que tinha lido tudo meu, que tinha discutido comiao um semestre. E eu também fui enrolado por ela. Essa equipe esta totalmente convencida do que 0 povo queria na verdade. Essa equipe tinha transferido ao povo a necessidade de alfabetizacao. Isso @ outra coisa, pois num pais de 480 anos © povao leva porrete. @ a coisa mais facil do mundo se voc@ chega com pinta de intelectual e voc@ termina insinuando, sugerindo que ha uma necessidade que o povo deve atender a ela. O povo vai dizer: “€, senhor, 0 que eu quero". Entao essa adverténcia que eu faco. Conclusso 4Viver pacientemente impaciente Uma coisa que eu sempre falo © que poria agora num dos principios que eu esqueci: 0 educador na opcao que a gente pensa que tem, tem que viver pacientemente impaciente, viver @ relacdo entre a impaciéncia e a paci@ncia. N&o ¢ possivel ser sé impaciente como muita gente @. Guerer fazer uma revoluc#o daqui a quinta~feira. & meter na cabeca da gente um desenho da realidade que no existe, como esse por exemplo: “as massas ia tem o poder no Brasil, sé falta o governo". Isso sé existe na cabeca de alguém, n¥o na realidade econ@mica, politica e social do Brasil. "® impaci@ncia sionificaria a ruptura com a paciencia. Entao quando voc® rompe com um desses dois nélos, voc® rompe em favor de um deles' Perguntas 1. Confronto com a proposta da reuni&o anterior. 2. Ao seu ver qual a idéia central do texto? 3. Como se d& em nossa pratica "o assumir a ingenuidade do educando"? 4. Até aue ponto o nosso arupo se fecha num grupo de “iluminados" que t@m a receita pronta para a libertacao? 5. Qual esta sendo nosso discurso e qual esta sendo a nossa praética? Qual a relac&o entre os dois? 6. Por que Paulo Freire coloca a educac%o como um ato politico? 7. Por que sempre se esconde na histéria do Brasil a participacto popular? @. Como podemas confrontar o texto acima com a fé que a gente vive? 0 coordenador deve trazer alaum texto tirado do evanaelho: algum documento da Igreja ou algum livro para facilitar a discussia. esse autoritarismo 9. Como concretamente iremos combate! iste em nas 0D que podemos fazer para que nossa meméria histérica nao seja esquecida e coma nosso grupo pode ajudar a viver @ historia da classe oprimida desse pais? . TU VIVES, MAS TRISTE DUMA TAL TRITEZA TAO SEM AGUA GU CARNE TRO AUSENTE. VA QUE PEGAR GUISERA Na MRO E DIZER-TE AMIGO. NAO SABES QUE EXISTE AMANHA? ENTAO UM SORRISO NASCERA NO FUNDO DE TUA MISERIA € TE DESTINARA A MELHOR SENTIDO. EXTSTO. AMANHA SERA OUTRO DIA. PARA ELE VIAJAS. Vans PARA ELE. VENCESTE 0 DESGaSTO. CALCASTE 0 INDIVIDUO. J@ TEU PASSO AVANCA EM TERRA DIVERSA. TEU PASSO: OUTROS PASSOS AO LADO DO TEU..." (Carlos Drumond de Andrade Uma Hara e mais outra)

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