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| Te oe so de Poncid Vicéncio, com milhares de exemplares Ce RS ea ct SOS OSORIO OT a SoC eet SUSUR CORSO Le CRIOEen CT Ree e OEE OL Saat eth OTN COOKE Se ORT O resultado ¢ pungente. Em Becos da meméria, novamente mergulhamos na favela — para a autora, uma encarnaco contemporinea da senzala — € nas historias de sofrimento er SRO at Ec ee ee ORCUTT ne aT DEE ee ere et que a vida Ihes deu: dinheiro, comida, gua, tudo mingua por entre Oe Ue a et urbano para o qual, inexplicavelmente, nio ha Lei de Usucapito. E estio sendo despejados pelos tratores dos pretensos donos, Romance coletivo, marcado por uma pluralidade de sujeitos ¢ dramas, POOR ORO ORM LUCU UORo LUO POS CNN CCM ENC MUTI MUTE OCOD construir subjetividades poderosas, mas perfis rarefeitos que, reunidos em coletividade, ganham em amplitude e apontam para as condigies EM ORR CEM er ae CCU CLL Se M RTT CMe EM My costurando vidas passadas e presentes a partir de um olhar marcado pela ternura que no esmorece perante a adversidade. Como nao poderia deixar de ser, Becos da meméria traz uma das marcas registradas de sua autora e descarla a violéncia gratuita presente, muitas veves, na representacao dos excluidos em nossas letras. Mais do que isto, busca narrar suas raizes. Eduardo de Assis Duarte me CN © 2013, Conceigéo Evaris Série Narativas™ © Coordenasio editorial Zahidé Lupinacci Muzart Comelte editorial ‘audia de Lima Costa (UFSC) Constancia Lima Der (UG) Eliane Vasconcellos (FCRB) Ivia I, D. Alves (UFBA) Joana maria Pedro (UFSC) June Hahner (New York) ‘Nadia Gotlib (USP) Revisdo Gerusa Bondan Capa Graco Bonetti Sobre fotografias de familia, envi Diagramasio Rita Motta Dados Internacionais Leny Hel E92b _Evaristo, Conceigdo Becos da meméria / Conceis smidt; posticio de M: polis: Ed. “Mulheres, 2013. Simone Pereira Sch: Fonseca. - Florian’ 272p. de Catalogagio » lena Brunel CRB 10/442 Norma Telles (PUC- Peggy Sharpe (ashore Rita T Schmidt (UFRGS) susana Bornéo Funck (UFSC) Simone P. Schmidt (UFSC) Tania R.O. Ramos (UFSC) Yonissa Wadi (UNJOESTE) iadas pela autora 1¢ Brasil em 2009. 1a Publicasio ~ CIP io Evaristo; prefacio de laria Nazareth Soares ISBN 978-85-8047-028-4 4. Literatura Nege Brasileiras. 3. Muth« Pereira. II, Fonseca, eres Escritoras. Maria Nazareth Si 1 Brasileira, 2, Escritoras Negras 1, Schmidt, Simone Soares. 111. Titulo. CDU 869.081) REALIZADO 0 DEPOSITO LEGAL Editora Mulheres Rua Joe Collago, 430 88035-200 Floriandpolis, SC Fone/Fax: (048) 3233-2164 e-mail: editoramu iIherest?tloripa.com.br www.editoramulheres.com.br Grafa atualeada segundo 0 Acrdo Ortegrafic da Lines Portuguesa se 1990, aque entrow em vigor CONVERSA COM O LEITOR Da construgao de Becos Novamente entrego Becos da meméria, ago- ra em sua segunda edig¢do, ao ptblico leitor. FE um especial momento. Nessa entrega, um pouco das memérias da construgio de Becos so ativadas. Como ja disse em outras oca- sides, essa narrativa teve nascimento em 1987/88, sendo, pois, anterior 4 escrita dos contos e do romance Poncid Vicéncio. E foi o meu primeiro experimento em construir um texto ficcional con(fundindo) escrita e vida, ou melhor dizendo, escrita e vivéncia. Talvez na escrita de Becos, mesmo que de modo quase que inconsciente, eu ja buscasse construir uma forma de escrevivéncia. Arrisco-me a dizer, também, que a origem da narrativa de Becos da Meméria poderia estar localizada em uma espécie de crénica, que escrevi ainda em 1968. Naquek extopodiaserapreendidaatent, i descrigiio da ambiéncia de uma favela, ts oO pequeno escrito com 0 titulo de ae vela”. E, o que foi apresentado como ur 2 cicio de redagio a Prof* Ione Corre: Lak a cursando ° ae rs a | (en ainda antigo ginasial) extrapolou a sala a aula € os muros do colégio. “Samba Favela”, meses depois, apareceu publicado no Diario Catélico de Belo Horizonte e em uma revista catdlica do Rio Grande do Sul. Hoje, relendo aquele pequeno texto, vejo que Becos da mem6ria, anos ¢ anos depois, retoma e am- plia um desejo ¢ um modo de escrita que se insinuava desde aquela época. A publicagio de Becos da memoria, por varios motivos, s6 vai acontecer depois de ter vindo a publico o romance Poncid Vicéncio. Creio mesmo que a aceitagao do primeiro romance publicado me deu seguranga para desengavetar Becos. Em 1988, 0 livro seria pu- blicado pela Fundagao Palmares/Minc, como parte das comemoragbes do Centenario da Aboligao, projeto que nao foi levado adiante, acredito que por motivos de falta de verbas. Desde entéo Becos da memoria ficou esquecido na gaveta. I fouve, entretanto, um momento, Ja J2 set lida ambien Contin Becos d velas | Outro: mais tarde, preciso ressaltar, em que, em ou- tra gestao, a Fundagao Palmares se colocou a disposig’o para retomar o projeto de publi- cacao da obra. O livro, no entanto, ja havia se acostumado ao abandono e sé quase 20 anos depois de escrito foi que aconteceu a primeira publica¢ao, em 2006. Por isso tudo e por muito mais, o romance Becos da meméria, em sua se- gunda edicAo, marca um momento especial no que tange a luta que constantemente enfren- tamos para publicar. Se nas primeiras buscas de publicagiio de Becos alguns caminhos foram incertos, ao longo dos anos, passagens mais seguras foram se apresentando. Becos da memoria é uma criagio que pode ser lida como ficcdes da memoria ao narrar a ambiéncia de uma favela que nio existe mais. Continuo afirmando que a favela descrita em Becos da meméria acabou e acabou. Hoje, as fa- velas produzem outras memérias, provocam outros testemunhos e inspiram outras ficgses. A forca das palavras, a memoria é da narrativa Srwone Pereira SCHMIDT O romance de Conceigao Evaristo, Becos da meméria, escrito nos anos 80, foi publicado pela primeira vez apenas em 2006. Este sig- nificativo intervalo entre 0 momento de sua escritura € o de sua publicagao € por si sé reve- lador das imensas dificuldades que enfrentam, em geral, aqueles que, vindos de lugares dis- tantes dos centros — sejam eles geogrificos, so- ciais, econdmicos —, lutam para transpor essas barreiras. Felizmente, agora, Becos da meméria ganha nova e merecida edicao, gracas ao reco- nhecimento sempre maior que vem ganhando do piiblico leitor, brasileiro em primeiro lugar, 15 mas também de outros tantos paises em que sua obra vem sendo divulgada. A narrativa deste belo romance que te- mos oportunidade de reencontrar, nesta nova edi¢o, comega por celebrar aqueles que, com suas vidas, constituiram a matéria de que sio povoados os ‘becos’ da memoria viva que aqui se transforma em escrita: “[...] Homens, mu- Jheres, criangas que se amontoaram dentro de mim, como amontoados eram os barracos da minha favela”, Nesta espécie de pértico ao re- lato, a autora nos apresenta aos personagens de forma ampla, como a compor um quadro que se ira detalhar em cores € tragos na con- tinuidade da narrativa. Assim, 0 romance ini- cia deixando claro quem sao os sujeitos que pretende representar. Ao evocar, no texto que abre a narrativa, as “lavadeiras que madruga- vam os varais com roupas ao sol”, o pacto da representagao € assumido pela autora: a es- crita, com afirmou Donna Haraway (1994), é um jogo mortalmente sério, porque o que est4 em questdo é justamente a possibilidade (ou a negagdo) da representacdo. A quem se representa, € como se representa sao, assim, quest6es cruciais para o discurso literdrio, 16 de repres ciais em | Regina | que € set ser bran Pa ‘ota tor mb Pela ‘Bais, Ses Va ; ‘ que Xe visto, aqui, numa imagem que nos remete a Bakhtin (1981), como uma arena onde dispu- tam constantemente as diversas forgas politi- cas em que se constituem os grupos sociais. Especialmente num pais como o Brasil, onde a questiio da representacio se mostra ainda tio problematica. Dar corpo 4 meméria dos moradores da favela, caminhando em senti- do contrério ao dos esteredtipos que se colam a pele dos subalternos em nossa sociedade, é, portanto, uma estratégia de grande impac- to politico e cultural, j4 que permite ao lei- tor brasileiro, desamparado de uma tradigio de representacao das diferengas sociais e ra- ciais em nossa cultura, aprender, como sugere Regina Dalcastagné (2008), “um pouco do que € ser negro no Brasil”, e do que “significa ser branco em uma sociedade racista”. Para a construgao de seu romance, a au- tora tomara como mote a estrutura sinuosa e miltipla dos becos da favela, que, percorridos pela narradora, mostram-se, a um s6 tempo, iguais e diversos, miltiplos, tortuosos, promis- sores, cheios de histérias de vida. A narrati- va que a partir de entao se desdobra é feita de pequenos relatos, breves histérias de vida de muitos pe sonagens avela, Ne posta em pritica homens, mulheres vemos vem MP benjaminiana de historia, que privileyia o fragme a totalidad tro de ur que a histo e criangas da seas histori a perspect nto sobre + talegoria sobre o simbolo, den- compreens wo mais profunda de tradicionalmente divulgad: perspectiva dos vencedo: a pode ser esctita a contrapelo, dando vez a vers fragmentirias de vid ‘sy minimas, comun: nem exemplares, de pequena nem herdicas vidas de perso- nagens em cujos percursos se conjugam der- rotas advindas de sua condigao social, racial e de género. E nesse sentido que 0 t ho das ‘io central na narrativa, sintetizando a atividade incansavel dos corpos das mulheres da favela, em constante esforgo de gerar e garantir a vida, enfrentando pobre- za e violéncia. Corpos que atuam, por vezes, lavadeiras ocupa posi¢: como tinico capital simbélico dos sujeitos negros, como assinalou Stuart Hall, identifi- cando nos mesmos verdadeiras “telas de re- presentacao” de sua experiéncia. Sio todas personagens femininas que atualizam, em suas historias de vida e em seus prdprios corpos, uma relacio repetidamente evocada na narra- tiva: a aproximacao entre senzala e favela. 18 desigualé cendente uma out seus per neste m fio de rr quanto tura qui Senzal, fim histsy a Part; Vsig ; Esta relagio, senzala-favela, no romance de duas formas. Pr memoria da escravidao, freque: na relatada pelos mais-velhos, ern histérias nas quais rememoram sua infancia passada ern? zendas, senzalas, plantagoes € enfrentarnentos com os sinhés. Nurn segundo plano, o mais vivido no romance, a relacéo da senzala corn a favela, atualiza-se na geografia dos becos onde se vivencia a condig’o subalterna dos seus moradores. Através deste fio que une 0 pas~ sado colonial e escravocrata corn as profundas desigualdades vivenciadas na pele pelos des- cendentes dos escravos nas cidades de hoje, uma outra historia da literatura brasileira e de seus personagens, esta, sem diivida, a ser feita neste momento. Atando as duas pontas deste fio de meméria de uma heranga tio silenciada quanto irresolvida em nossa historia, a litera- tura que presentifica esta perturbadora relacio, senzala e favela, permite-nos encontrar, como afirma Eduardo de Assis Duarte (2009), “uma historia de superacdo vinda dos antepassados a partir de uma perspectiva identificada com a visio do mundo e com os valores do Atlantico Negro". No corpo das mulheres negr, historias se destacam na profusag ce Bs i: vas que compdem 0 romance, atualizase on ligagao entre o passado Colonial ¢ 9 Prese; ne Povoado de herangas coloniais por eile Enquanto se desenrolam as historias Ds Petsonagens, a grande tensio que une ea as suas experiéncias € 0 crescente Processo de desfavelamento, que culminars Por expulsé-tos a todos do nico lugar a que pertencem, e que, Supostamente, também Ihes pertencia, A Vio- léncia extrema da destrui¢go da favela za, dentro da narrativa, a reiterada vitéria dos mais fortes em nossa Sociedade, fendmeno due aponta para 0 “enigma da desigualdade” explicitado por Osmundo Pinho (20089), que cntrelasa, de forma continuada em nossa his- tora, os indices que associam pertencimento tacial e de classe, Entretanto, contra 0 destruigao dos trat barracos ¢ seus sinali- poder de morte e ‘tores que avancam sobre os moradotres, €ncontramos a for- ja fav em ira se incumbir de net rela, ria a vida ameagada, ¢ tomara i screve-la. O roman- alegrias di mem eee d dia es A eum a) 7 a tarefa ‘1 ‘o circular Poe cerra, assim, num moviment ce se encestay m chave metanarrativa, © intulr : tora, como percebemos na assistindo na escola a uma que retoma, z to da propria escril passagern em que; 285 aula sobre a “liberta¢ao mie 7 ivro. nase inquieta com o que lé no “ favela, os mais velhos, as personagens de sua favela, — mulheres, as criangas que, em sua maioria, ni vio a escola, “uma histéria viva que nascia das pessoas, do hoje, do agora”. Naquele instante, a menina decide: “quem sabe escreveria esta historia um dia? Quem sabe passaria para o papel o que estava escrito, cravado e gravado dos escravos”, a meni- Pensa nos no seu corpo, na sua alma, na sua mente?”, A forca das palavras, da meméria e da narrativa sio as armas encontradas por Maria-Nova para seguir sua luta pela vida, mesmo depois da morte de muitos persona- gens e da destruicao da favela. Gragas A sua iniciativa, o fim que aqui se impde pode con- duzi-la, e também a nds, a um outro comego. Becos da Memoria V6 Rita dormia embolada com ela. V6 Rita era boa, gostava muito dela e de todos nds. Talvez ela s6 pudesse contar com 0 amor de V6 Rita, pois de nossa parte, ela s6 contava com 0 nosso medo, com o nosso pavor. Eu me lembro de que ela vivia entre o esconder e 0 aparecer atrds do portao. Era um portao velho de madeira, entre o barraco e o barranco, com algumas tabuas jé soltas, e que abria para um beco escuro. Era um ambiente sempre escuro, até nos dias de maior sol. Para mim, para muito de nés, criangas e adultos, ela era um mistério, menos para V6 Rita. Vo Rita era a tinica que a conhecia toda. Vé Rita dor- mia embolada com ela, Nunca consegui ver plenamente o rosto dela. As vezes adivinhava a metade de sua face. Ficava na espreita, colo- cava a lata na fila da 4gua ou punha a borra- cha na tina e permanecia quieta, como quem nao quisesse nada. Ela aparecia para olhar o mundo. Ver as pessoas, escutar as vozes. E eu, de olhos abertos, olhos), * Pulava eng; _ Ma (565 Os Eunio atinava com - dade, do querer dela em ver Med ee iii ™ Ver o Mund, dos!... Uma bir, achag, Ae pedago de ae era do filho dela. Nj nada al ; © Movimento era ra ‘ i. bem sah seanil Een Me anil, E, Produtos que a cas, a tam. » fora mai em que ela mor 1 uma tomeir Agua sanitari S eram os Em frente d com Vo Rit chaya, este: aca Wa 4° piiblica, A UtO extremo da de baixo”. Tinha ea no torneira ©M pontos de cima”, em y Lagaio a sera melhor, Fornee; amos buse 6 podi to ou lavar rouy quase t possivel se fazer i 0 servigo brincadeir, Era mais perto VAM sempre amor OW pen de 10 boter Me eu pa Ava seMpFE restos de doce a Pp ecceeneeee Quando eu estava para o softer, para 0 misté- ro, buscava a “torneira de cim i orneira, a gua, as Iavadeiras, os barra- coes de zinco, papelbes, madeiras¢ lixo. Roupas dias patroas que quaravam. ao sol. Molambos ossos lavados com o sabio restante, Eu tinha nojo de lavar 0 sangue alheio. E. nem entendia ¢ nem sabia que sangue era aquele. Pensei por longo tempo, que as patroas, as mulheres ri n sangue de vez em quando. na, minha Naquela época, eu men dade ardia diante de tudo, A curiosi- curio dade de ver todo 0 corpo dela, de olha-la todinha, olhe Zu queria poder vasculhar com os su imagem, 1 cla percebia ¢ fagia sempre, Sera que cla, algum dia conseguiu ver o mundo circundante, ali bem escondi- dinha por s do portao? Talvez. Em um st- bado ou domingo em que a tornei mais vazia de lavadeiras, cordagio daquele mundo, me aos olhos, Como éramos pobres Miscriveis talvez! Como a vida acontecia simples ¢ como tudo era ¢ € complicado! Mavia as doces figuras tencbrosas. E ha- via o doce amor de V6 Rita. Quando eu soube, a0 oul a, j a ja Wo dia, grande, depois de que V6 Rita dormia embolyi me voltou este desejo do) I a Vo Rita, que dormia embol, que nunca consepii ver MO ter, Je lc ride d : ese revo como uma homer olada coy Ee fy foi cine Tever, : ICH pi ala conn plenatnente, a8, a08 ralanlros, ae m4 ish dos, as put a8 va nha mesndbtia. Ue, WEIN postutna as layaclesy, FATA O8 VATAIS Conn toupas 8 que habitat os becuse de 1 me a8 ue rade an sol. As peanis Cansathas, sala, re gras, slosradis de porn dey Carp alerto onde acontecian on festivais ee tla dba Sereda, omenayern a abe, a Vian Vora Vaca, 4 velba Iodine, a 1), Avbhia, ao Vin Van, a Vedre ¢ “andida, ay bb Sencnhia, 6 1), Maria, wie: do N ya val, ary Cata hia Via, a Verezinkva da Osearlinda, a Marina, 6 Vowana do Padin, omens, suheres, crianyas que ve snonsvarain dentro de mis, como armontoa- Gas erain os barracos de m v4 favela, homem nito yostaria de ter Quem disse que y dessem at terra? ratzes que 0 pren fotG ri se Conforsnaya Com 6 aCODtECY Jo viela? Por que a i Dens do eéu, seria a seat we eta ras, cresce, sult nares wires rhesina terra, natn snesnHl yar? Sea yente sai por al por este runt freer ee & Ita,o que vale o respeito, a fé toda quand se est distante, no que para Iris fice? Para que a crenga na volta ar gar Verdaite fost onde se enter Vio Vor) andaya inconsolavel, J velhio, tnudar de novo, nur snormento em que seu terva, Ele nao vairia da favela, Ali corpo ped seria sua dltima morada, Ele ollhava o mundo conn o olhar de despedida, Olava sua terceira mulher, seus netos drfios, sua casinha caiada de branco, alyumas galinhas € 0 chiqueito vazio, - Perdias forgas, Maria-Velha, Trabalhei demais, Eu quero agarrar nas coisas, pegar 0 machado, rachar essa lenha... Assento € penso, pra que? Fiz isso a vida inteira.,, Labutei, ca- sei trés vezes, viuvei duas, a terceira mulher é vocé. Tive filhos das duas primeiras. Os filhos também se foram. Partidas tristes, antes do tempo cumprido, antes da hora. Eu, vivido, ja velho, estou aqui. Meu corpo pede terra, C, lugar de minha derradeira mudanga, Quando Tio Tots se entendeu por pen Jc ja estava em Tombos de Carangola, Sq. ‘ova, bia que nao nai ali, como também ali nao m seus pais. Estavam todos na labutg a. Sabia que scus pais cram escravos ¢ que cle jd nascera na “Lei do Ventre Livre”. Que diferenga fazia? Seus la vida e nem ele, dis NAO es- colheram Antonio Joio da Silva tinha uma letra . Dava tra- balho ler. Juntar letra por letra e no final a pa- bonita e sabia soletrar alguma cois lavra, Depois juntar palavra por palavra ¢, no fi ntamento, algum pensamento, algum dizer bonito ou alguma bobagem su a - Tots - apelido a mal, cachorro é ami ; igo mem. Um dia, ele, ¢ : letras ¢ as. de juntar as avras, Jeu isto: Mais vale um cachorro am, : i amigo cachorro, ‘so do que wm ee deu um grito de alegria. er cachorro e amigo do me nunca ser amigo. ‘Quando menino foi chamado de Tots. Por qué Toté ¢ nado Totonho ou Tonico ou até mesmo Joaozinho? Jé homem, So Tots, agora velho, Tio Totd. Era tio de seus sobrinhos € dos sobrinhos dos outros. — Nao, eu jé rodei, 4 vaguei por esse mun~ do velho... Ja comi ¢ bebi poeira das estradas. muita carga no Jombo. Na as palavras, € quase £ mesmo, mais valia s dono, do que ser home: Tenho marcas de ro¢a, as vezes, meu pai contava historias e dizia sempre de uma dor estranha, que nos dias de muito sol, apertava 0 peito dele. Uma dor que era eterna como Deus € como 0 sofrimento. Toto entendia, era menino, mas, de vez em quando sentia aquela punhalada no pei- to. Uma dor aguda, fria, que sem querer fazia com que ele soltasse fundos suspiros. O pai de ‘Toto chamava aquela dor de banzo. A vida passou e passou trazendo dores. Um dia, ainda com a primeira mulher, tivera de deixar a fazenda em que foram cria- dos trabalhando na roga. As terras haviam sido vendidas, os donos estavam em ma situa- G40. Quem quisesse ficar, ficasse, quem nao quisesse, arribar podia. Tot6 juntou a mulher, a Sha ay trapos. Nem ele, nem ela tinham moje vivos. Um surto de tuberculose que comer na casa grande, assolara também os cscravog, Iriam pari, queriam esquecer as historias escravidio, suas © de seus pais. Foram dine ¢ dias sobrevivendo pelo mato. Lembravag histérias mais amenas de campo, de vasti- dio, de homens lives, em terras longinguas, Lembravam-se de deuses negros, reais, con. tantes¢ tao diferentes daquele Deus-Jeaus de que tanto falavam os senhores ¢ os padres, Nesta hora vinha a dor fina como um espi- nho rasgando 0 peito, Havia 0 rio para atravessar, uma canoa improvisada de tronco de arvore. Nao dava Para esperar mais do lado de cd. Jé havia uma oe one tio subindo, mais e mais. 7 ae vate beaten © tio ou fica, Miqui- nt por ficar? A kente atravessa, Tots, Tenho medo mas havemos de atravessar! : O tio, a cheia, 0 vaio da barca impro- visada, o turbilhao, a vida, a morte, tudo indo de roldao. : Tots alcangou sé a outra banda do rio. ‘Uma banda de sua vida havia ficado do lado de la. Cidinha-Cidoca andava muito quieta ulti- mamente. Quem te viu quem te vé!... Alheia pelos cantos do botequim, nem cachaga exi- gia mais. Suja, descabelada, olhar parado no vazio. Se Ihe dessem um trago, bebia. Se no Ihe dessem, nem da secura na boca reclama- va mais. —Bons tempos ja houve, hein, Cidocal... Bonita a mulher, mesmo com aque- les olhos parados ¢ com aquela carapinha de doida! Bonita a mulher! Doida mansa, muito mansa. Antes gostava de andar de branco. Qua- se sempre usava um vestido solto sobre o corpo. A sombra de sua negra nudez era per- cebida sob 0 camisolio alvo. Era tudo muito bonito e tentador. ouro”, Nao havia quem 0 provasse ¢ nio 40 se tornasse frou Thos, mogos ¢ até As mulheres da fy. vel4 odiavam Cidinha-Cidoca. As mais velhas atemiam pelos seus homens, as mocinhas por s mamorados ¢ as mites por seus filhos que cr ¢, que entre 0 vicio da comegavam a cr mito, do aurocatinho, preferiam 0 corpo ma- cio © quente, preferiam 0 “rabo-de-ouro” da Cidinha-Cidoca. Bom que cla estava doida, demente, desmioladal Bom mesmo! Diziam até que era trabalho de uma moga virgem que criara migoa de Cidinha, A menina havia desco- berto que seu namoradinho andava visitando Ciinha-Cidoca Falou com ele. O frangui- oc fi ho em véspera de galo nao gostou, Discutiu, sey panel due era homem. E homem tinha le ir 1a P 3 * Homem nao era igual 4 mulher! Ho- ™em vai ou endoida! Sobe ‘ Pra cabeca! menina nio gostou, — orém bol A ida Porém boba nao! Endoida qu ive abafa de- quer? Muther vive abafando a vontade, os palmente se moga virgem como sejos, pri cu! ~ ela retrucou. ie “© frango em véspera de galo” nao gostou. Achou a virgem saliente, achou @ virgem nao tio virgem assim! : E nao se sabe porque, dai para entao, questo de dias, de quase més, Cidinha-Cidoca comegou a adoecer. : “Frango em véspera de galo” cismou com os prazeres da vida. Disse que nao tocaria em mulher alguma mais nunca. Ia ser santo, ia fandar uma religido s6 para homens. Jamais olharia uma mulher sequer. Os festivais de bola na favela tinham gosto de grandes alegrias. Aconteciam em uma épo- ca certa, era uma vez por ano. Duravam meses, durante os sabados ¢ domingos. O campo era uma rea livre, enorme que ficava entre a fa- vela € 0 bairro rico. Bem rico e bem préximo. No campo, a terra solta, durante os jogos, a cada chute dado, levantava um redemoinho de pé, os jogadores caiam ¢ rolavam na poeira. 37 Em dias de chuva, cafa-se na lama, até se machucava, mas a disputa gu Vezes Juntos estavam os operarios, os ean os marginais em hora de gozoelazen Em volta do campo fincavam-se ba deirinhas armadas em um varal de estacas de bambu. A garrafa de cachaca rolava de mic em mao, algumas cervejas também. Mitidos de porco eram sempre servidos. Muita gen- te criava porquinho no chiqueiro, no fando do barraco. A bebida ficava sempre por con- ta daqueles que no momento tivessem mais. Donos de botequim e de bitaquinha sempre davam alguma, A criangada ganhava balas, Pipocas e pirulitos. Os heréis ali muitas ve- 2: giohavam mulheres. Brigas sempre, s6 ca, tiro, as i i alguna morte Se morte hava ojona ahs no tinhai fate ipeaididenti ee aaetnte ee outros motivos; da mogada. Nos jogos em que 0 Bon cia podia-se saber que alguma coelho’ dade nao apare coisa nao sairia bem. ~ Hoje Bondade nao apareceu, alguma coisa vai acontecer. Ou vai ter sururt, ou Var mos perder! ae ‘Uma vez quase que uma partida foi adiada. O time contrario era bravo, havia a chuva atrapalhando ¢ Bondade ainda nao ha- via chegado. Toca de esperar, depois de muito, chega o préprio. Eis o Bondade trazendo alt- vio para 0 coracao de todos. Trouxe também alguns raios de sol, estiagem passageira, que s6 durou o tempo da partida. O time local saiu feliz. A cachaga descia quente na gocla de todos. Era um dia de frio. — Bondade! Oh; Bondade! Que € isso Maninho, 0 que houve? — Eu estava longe, ld no barraco de Filé Gazogénia. A velha est doente, vomitando, est quase a passar... Bondade fazia jus ao apelido. Nao tinha pouso certo, Morava em lugar algum, a nao ser no coracao de todos. — Para que ter pouso certo? — dizia ele — Homem devia ser que nem passarinho, ter 39 asas para voar. Jé rodei. Jé vivi favela e mai favela, jd vivi debaixo de pontes, viadutos.. jg vivi matos e cidades. Jé vaguei, vaguei... Muj- to tempo estou por aqui nesta favela. Aqui é grande como uma cidade. Hi tanto barraco para entrar, tanta gente para se gostar! O tempo ia passando, Bondade ficando ali. Comia em casa de um, bebia em casa de outro. Era amigo comum de dois ou mais ini- migos. Nao era traidor e nem mediador tam- bem. Quando chegava a casa de um, por mais que indagassem, por mais que futricassem, Bondade nao abria a boca. Desconversava, conversava, € a intriga morria logo. Vivia in~ ‘ensamente cada lugar em que chegava. Cada casa, cada pessoa, cada miséria e grandeza a seu ‘emp Certo, no seu exato momento. Tete 40 juiz. Triunfante, sai do cam, ae aah fesse um jogador que fesse upranse o Primeiro gol. E sé selembra de onde veio ¢ os 10 € 6 lemby boca murcha e tisica de Filg ete sangue na Victam lhe indayar de sua dem, es wenia porque Bondade sofreu muit mento, Ele, Tio Toro, Man sa © destavela- ria-Novae algumar 40 criangas foram talvez os que naquela época traziam 0 cora¢4o mais dolorido. Festival de bola no campo. Festival no cor- po de Cidinha-Cidoca. Tempo de novo ho- mem, de homem estranho chegar ao corpo de Cidinha. As mulheres gostavam, enquanto ela se divertia com os homens do time contrario, os seus estavam resguardados. Havia homem que nem bola direito chutava, s6 pensando em Cidinha-Cidoca. A fama da mulher corria. Era conhecida de corpo e nome naquela e em outras favelas. As vezes, um ou outro jogador mais afoito, do time contrério, arriscava pedir a Cidinha que mudasse de pouso, que fosse com ele. Cidinha tinha mesmo vontade de conhecer outros lugares. Seu peito arfava de desejo por areas desconhecidas. Era uma tentacao. Afinal por que ficar? Ja conhecia quase todos os ho- mens da favela. Iria! O aventureiro se sentia feliz, vitorioso, afinal levaria consigo o melhor troféu, “Cidinha-Cidoca-rabo-de-ouro”. Cor- tia os olhos em volta, sabia que estava sendo 41 observado, Os anti; nos de Cidinha, ¢. stavam com ele ou outro, is Sim, ela podia igio para a favela, mai forte. Que desejo era aquele de partir? scu rosto, em seu corpo. Nem uma marca, nem um sinal. Entretanto, por maior que fosse mi nha curiosidade, cu guardava uma certa dis- tincia. V6 Rita me atrafa, mas cu tinha medo, muito medo... V6 Rita guardava tanto amor no peito! Também tinha mesmo 0 coragio grande ¢ s6 descobriu isto depois de mosa. Um dia passou mal, o patrao era médico, exame para la, exame para cé, ficou explicado por que, as vezes, ela se cansava tanto. Havia dias em que o coragio parecia lhe querer sair pela boca. O médico disse-Ihe que ela viveria pouco. Enganou-se. LA estava ela, velha, mais de 70, de 80 talvez. V6 Rita era imensa. Gorda e alta. Tinha um vozeirio. Todo mundo sabia quando ela es- tava para chegar. Vivia falando. Nunca vi V6 Rita calada. Se nao conversava, cantava. Boca fechada nao entra mosquito, mas nao cabem isos € sorrisos. ~ V6 Rita, como anda o tempo hoje? — Bom, filha! Muito bom! — Vo Rita, mas esta chovendo tanto! —O que é que tem, menina? Chuva é tio bom quanto sol... 43 vio. Era coi ; = no uma tempestade sua) one tinha rios de amor, chy, pe de dentro do Peito. aay Miquilina © Catita? Nao! Nao podia er = gre ca. Nao! Serd que o rio tinha O tio estava bebendo tudo que encon- trava pelo caminho. Pedras, paus, barrancos, casas, bichos, gente € gente e gente... : Pe rand aad a vida, levava tudo de rol- ils ‘Pido, era sé Deus piscar os we oe de visi a gente um tiquinho s6 endo, engolindo tudo. aie a ae continuar a vida sem “que que eu vou fazer? O que fazer agor a do meu co; po, do meu pensa- mento, desse labutar tio sozinho? a corpo A sede do rio? Se eu voltasse, quem sabe, 14 embaixo ou em outro rio qualquer, eu pu- desse encontrar aqueles corpos amigos?” Toté, moo de tantas coragens, mogo de tantas proezas e aventuras, continuou na outra banda do rio. Sao, salvo e sozinho. Continuou ali covarde, sem muita coragem de voltar ao rio € a vida. — Maria-Velha, dizem uns que a vida é um perde e ganha. Eu digo, que a vida é uma perdedeira s6, tamanho é o perder. Perdi Miquilina ¢ Catita. Perdi pai ¢ mae que nun- ca tive direito, dado o trabalho de escravo nos campos. Perdi um lugar, uma terra, que pais de meus pais diziam que era um lugar grande, de mato, bichos. De gente livre ¢ sol forte... E hoje, agora a gente perde um lugar de que eu ja pensava dono. Perder a favela! Bom que meu corpo ja esta pedindo terra. Nao vou mesmo muito além. Se eu tivesse mais mog¢o, come- ava em qualquer lugar novamente. Comecei cheio de dor, mas comecei outra vida quando cheguei sao, salvo e sozinho na outra banda do tio. O tempo foi passando, pensava que estava ganhando alguma coisa. Nada, s6 dor. A dor sempre bate no coracao da gente. Cada dor cai como uma pedra no peito. Pedras Pontia; ¢ foram tantas! A dor d6i fina, firme. ral pedradas. Tantas! E mais aquela quando New Tuina morreu. Contudo Toté era es duro. Nao morria por qualquer coisa, Talver cle nem fosse de morrer. Pedras pontiagudae batiam sobre o scu peito, sangravam seu oe io € Tio Tots ali duro, Sio, salvo e sozinho. Maria-Vetha, mulher dura também, era a terceira mulher de Tio Tots. Quando encon- trou o homem, ela também jé tinha uma larga € longa colecao de pedras. Jé vinha sur de muitasdore € era por isso, talvez, que ela ae eee Podia até estar con- ouvidos fundos”, aaa eit uma gargalhada alta, que a ae a vem logo tristezando atras da : ae sera gente”, a de roca. O pai, antes de endoidecer entre um sumigo ou outro, fora. Vid: completamente, faria alguma coisa com a sua lucidez, Plantava a terra que tinha, vendia a colheita aos fazen- deiros. Fazia, ainda, cruz, banguinhos, mesas ¢ madeira. A mae cuidava um outras coisas de sha um lado esquecido. Tor- pouco da casa, tin rou café, saiu na friagem, pegou vento, diziam. Maria-Velha ¢ Tio Toté ficavam tro- cando hist6rias, permutando as pedras da colegio, Maria-Nova, ali quietinha, sentada no caixotinho, vinha crescendo e escutan- do tudo. As pedras pontiagudas que os dois colecionavam eram expostas 4 Maria-Nova, gue escolhia as mais dilacerantes e as guar- dava no fundo do corasio. Havia uma histéria que Maria-Velha re- petia sempre, um fato passado em sua infancia ¢ que ela recontava € recontava para a menina Maria-Nova: “Um dia, ela, Maria-Velha, ainda nos tempos de sua meninice pulava que nem ca- brita na frente de seu avo. Ele olhava, limpa- va os olhos e fungava sempre. Um dia, Maria descobriu que ele chorava. ~ O que foi, vove, chorando, chorando sim! Pulos acabritados, era a imagen, fi filha sua. Piha que ele perdera de 7 nunca mais vira, Mie-de-leit a cite de uma cri, iang: i escrava aie serchela contra o sinhd. Agarrou o elo pei ; _ tem pelo peito da camisa, sacudiur sacud A e*erava foi posta no tronco, iam sutri-la ate.9 fim. A er nga. filha de leite, chora, prita, ber »volta a si, quase enlouquece — Nao matem, “mama i Nio matem, “mamie Preta”, nio ma- tem “mamie preta”! Os sinhés re solveram entio vender a se soube dela. escrava ¢ nunca m: i‘ on tte, quando era crianga, quan- ben 9 Maria, toda vez que pulava, que ca- tava diante do avd, era como se uma pedra Pontiaguda atingisse o peito do velho fiona eee Era muito bonito. Tudo tomava um tom aver- melhado. A montanha ld longe, 0 mundo, a favela, os barracos. Um sentimento estranho agitava 0 peito de Maria-Nova, Um dia, nao se sabia como, ela haveria de contar tudo aqui- lo ali. Contar as histérias dela e dos outros. Por isso ela ouvia tudo tio atentamente, Nao perdia nada. Duas coisas ela gostava de cole- cionar: selos ¢ as histérias que ouvia. Tinha selos de varios lugares do Brasil ¢ de alguns lugares do mundo. Ganhava, achava, pedia. A igreja do baitro rico ao lado da favela, era de uns padres estrangeiros. Maria-Nova lé ia pedir sclos. Ganhava das patroas de sua mic € de sua tia. Tio Tatio dava os mais lindos. Ele tinha ido a guerra. Tinha histérias tam- bém. Mas, das histérias dele, Maria-Nova nao gostava. Eram historias com gosto de sangue. Historias boas, alegres ¢ tristes eram as de Tio Toté € da tia, Maria-Velha. Aquelas historias ela colecionava na cabega e no fundo do cora~ 40, aquelas ali haveria de repetir ainda. Maria-Nova crescia. Olhava 0 por do sol. Maria-Nova lia. As vezes, vinha uma afli- io, ela chorava, angustiava-se tanto! Queria saber 0 que era a vida, Queria saber o que 49 me leve até a Outra, Posso também j a ferida que 0 Magricela tem ne Bho nojo, mas olho. Posso ir assisrirs Tereza, quem sabe hoje ela dio ataque? Posso Passar devagar, Pé ante pé, Perto do barraco i Tito Puxa-Faca. Gosto de ouvi-lo afiar a lamina. Imagino a dor se ele me retalhar a car- ne. Hoje quero tristeza maior, maior, maior... Hoje quero dormir sentindo dor Maria-Velha parece que adivinhava os desejos de Maria-Nova, E quando a menina “stava para o sofrer,a tia tinha tristes historias Para rememorar. Contava com uma voz en- secortada de solugos. Solucos secos, sem ld Brimas. Sabia-se que ela estava chorando pela Yor rouca e pela boca amarga. da vida, e que nunca pode expandir toda a sua efervescéncia intima. Era um homem de matutar, de imaginar as coisas e as causas. Quando voltava de suas peregrinagées, vinha contando as novidades que ninguém acre- ditava. Era chegar no povoado, abrir a boca, j4 todo mundo dizia: “La vem mais uma do Luisao da Serra”. A primeira vez que Maria-Velha viu seu pai, foi na rua, Fora comprar fumo de rolo para o avé. Entrou na venda da Palhoga e viu um homem igual ao vové,s6 que novo.O homem fitava o além. Maria chegou, pediu béngao ao pai. Ele pediu a Deus que a abencoasse sem contempla-la, jé trazia o olhar distante, vazio. Ji estava quase louco. Maria, nao velha ainda, tinha uns sete anos, talvez. O wo de Maria-Velha sempre chorava quando via a menina cabritar em suas brin- cadeiras infantis de pula-pula. O velho tinha um amontoado de dores. Dos varios filhos que tivera, perdera quase todos. Vivo, s6 tinha Luisoe mesmo assim, louco. Luis fora menino 51 i nteligente, sempre indagador das co; 8 ois, causas. Era um rebelde, odiava os sinh s sin Quando venderam a sua inms a, aS das 6s, ter agarra 6 agarrado 0 sinhé pelo peito da carne Sao! Ic isa, mitava ddio ¢ prometia se vingar, Por fe i: Por fog na casa-grande. Chorou a noite tody. FE teve uma surpresa. Luis falou com ele dase te horas naquela lingua da terra distante "0 Pa pensava que 0 garoto soubesse falar 6 a Qual nada! Surpre- } Luis falava aquela linguagem tio No outro dia Luis sumiu. O avé de linguagem dos branc Maria chegou até a chegou até a pensar que os sinhds nm vendido o rapaz também, Eles ja ti- nham vendido Ther © os outros filhos, ua 1 matado © menino? Sera que tink Anos se pass tebelar, im, © homem sem se a dor, 0 banzo alimentando a » vender tanto fazi indo ov ‘paz, homes Pent © alto, sem- 52 yer nio é preciso nem = Pai, vamos daqui, iessas_andangas da fazenda. Ni HA muito que branco no € Nem vender Iya, a mic, minha irma falar pro sinhO descobri coisas... mais dono de negro. com os filhos, nem vender Ayaba podiam. Tenho algum dinheiro, labutei fora, trabalhei madeira e vendi. O homem velho ¢ 0 homem moso fo- ram acaminho. O velho calado, o mogo mudo. CO homem moo comprou um pedago de terra, passaram a lavrar 0 que era de seus, pai e filho ‘A vida seguia calma, boa. Luis vivia a cismar coisas, a falar sozinho. © pai olhava o filho, © filho olhava o pai, os dois estavam sozinhos. tivesse O pai queria tanto que o filho casasse, mulher ¢ filhos, se multiplicasse, continuas- se a raga. Luisio da Serra cumpriu os dese- jos do pai. Casaria, Uma negra calma haveria de ser a bonanga, a paz, a lucidez de sua lou- cura. Teria filhos: Maria, Tatio, Natividade, Ilidia ¢ Joana. Ele ja velho, ainda haveria mui- to de chorar, vendo Maria, sua neta, ali na sua frente. Naqueles momentos tinha a impressio de ver a vida se repetindo. Maria era igual, era. a imagem pura de sua filha Ayaba. Filha para quem ele escolhera um nome bonito. Os sinhés na i ; naquele dia estavam de bo; le bom coragao talvez e it neon Seu povo significava Rainha Maria era i, aA aby "a, Maria parecia igual 2 i com a Rainha. oe Bondade conhecia todas as misérias ¢ ‘grande- vas da favela. Ele sabia que ha pobres que sio capazes de dividir, de dar © pouco que tém ¢ ne ha pobres mais egoistas em suas misérias ae 8 ricos na fartura deles, Ele conhecia i arraco, cada habitante. Com jeito, ele aa Mm eatrando: no coragao de todos. E quan- o a £6, ja se tinha contado tudo a0 Bon a a a eer como, sem perguntar today, Baht’ Participando do segredo de 2 de homem Pequeno, quase mitido, ce pe Muito espaco, Daj, talvez a sua ca- estar em todos os hy igares. Bondade sai © apelido que merecia Im dia, jé fazia 3 Alina fine fitia anos, Bondade chegou tos € a boca seca de sede € orta em que ele bateu foi na de VO Rita. Passou ali o resto do dia, o rmiu. No outro dia, tirou do saco um chapéu de couro, deu um bejo na testa de V6 Rita saiu a ver 08 OW oe, Nunca mais parou. Todos jé tinham em vee eantinho para o Bondade, assim que cle hegasse. Ali cle forrava a sua cama e dormia. ue ficasse, nao era um Durante o tempo em q estava ajudando sempre. Nao se sabe fade tinha sempre um trocadinho. um remédio ‘Tinha os olhos afl de fome. A primeira Ps comeu € do: ‘0 scu tesouro, parasita, como, Bond: Era um leite que ele comprava, que trazia, um pio que nao se teria hoje. Cortia 0 boato que Bondade era rico, la pelas terras dele, Pernambuco ou Par, nao sei. Diziam que ele tinha dinheiro que rendia ju- 10s. Fato é que Bondade, sempre uma vez por més, safa da favela de manhi e sé chegava com © pér-do-sol. Diziam que ia ao banco buscar dinheiro. Podia ser! No outro dia, as criangas ganhavam doces ¢ ele atendia sempre aos mais necessitados, os que tivessem com uma carén- cia urgente. Comprava também uma garrafa de cachaga ¢ bebia tudinho. Depois se deita- va no canto do barraco onde ele estivesse, € 55 curiosidade em pessoa, Tod V8 0 mistério de Bondade Maria-Nova tinha em Bo, OU triste? Ela quase se amargura. Achava vida de todos, tud Bondade, entao comegou a contar: Maria-Nova, em um barraco desses ha uma menina de sua idade. Quantos anos vocé tem? Treze. Isto mesmo, treze anos, A meni- na sonha. Infantis desejos, guardar na palma das mios estrelas e lua. Armazenar chocolates e magas. Ter patins para dar passos largos... A mie da menina sonha leite, pao, dinheiro. Sonha remédios para o filho doente, emprego para o marido revoltado e bébado. Sonha um futuro menos pobre para a menina. A mae da menina sonha ter nenhuma necessidade. So- nha dinheiro, dinheiro, dinheiro... Para um pouco e recomeg: Outro dia, veio aqui o fornecedor da fi- brica de cigarros, suprir os botequins da favela, © homem, diferente de nés, fala grosso com a mao no bolso. A mae da menina fica a olhar a mao do mogo sempre no bolso. Os dois se olham. Ela jé sabe do vicio do moso. O mogo ja sabe das necessidades da mae da menina.O mo¢o € répido, direto, franco e cruel. “Quan- to vocé quer, mulher?” A mie da menina nio responde. O mogo tira um pacote de notas. A mie chama a menina: Nazinha, acompanhe © mogo!” © homem pega a menina pela mao € segue outros rumos. Nao ma; fabrica, era preciso fugir, pega do patrio. A mae da menina aj is © rumo dg rao dinheiro NTA Os trapos 0 filho doente, 0 marido revoltado e bébate Procura outros caminhos, também era Preci~ so fugir. Maria-Nova na noite em que ouviu a histéria de dor da outra menina dormiu e sonhou com amiguinha. Nazinha sentia dor, Sangue, sangue, sangue... Era como se a vida estivesse Ihe fugindo, a comegar por aquele Ponto entre as pernas. O homem tapou-lhe a hoca ¢ gozou tranqiilo. Deis dias depois, o zunzum se espalhou pela favela. Teté do Mané vendeu a filha. O homem comprou com dinheiro roubado. A Policia estava fazendo a sindicncia, Ninguém sabia para onde ela havia arribado com o filho doente ¢ 0 marido bébado. Este foi o assun- to durante uns bons dias baixo como na torneira , tanto na torneira de de cima, Maria-Nova ja sabi, do. Ela sentia falta, senti; Por sua amiga Nazinha, ‘a antes de todo mun- a a dor, se angustiava <1 numa madrugada chu- os ossos. Era mui- s negras bem ‘rio chego Alirio ch : mae até ‘ Estava molhado — ras ito, tinha as caracter! to bonito, i irio. Ela siete ia-Nova gostou de Negro Aliri faria- era uma menina, mas ne «4 bulia dentro de si. O que faeaniginieee N 10 Alirio foi da boca. Ela fic 7 oe ; la as labios carnudos. A ee ae i ai - : Alirio coincidiu com avenda de aa No s, Maria-Nova confun Nos sonhos noturnos, satires audo, © homem que comprara Navinha ers ro Alirio, Nazinha era ela propria. S6 q\ eee ‘A boca de Negro Alirio a i to. ela nao sofria tan the dava um certo alivio. Acordava suada, em 1c ‘ asem i Uma certeza Maria-Nova tinha: lagrimas. Uma Es ia nunca! Mae Joana nao a venderia nui alguma coisa de mulher mais gostou em Mie Joana era uma mulher triste. ae fee nunca. Conscidéncia ou nao, era ilies le Maria-Velha. Vinha de uma mie que tinha ° Jado direito abobado, adormecido e de um pai doido, demente, maluco. a pu venderia alyurn dj 8, KE] ii = - la comeria 0 pio que o diabo ana” 1, 10a ao i die Le fanit te fundo do inferno, mataria se prec D Tosse, a i: : eo Mex ganas nat daria nem venderia neha °8 filllos, Mae Joan he Joana estava ali feito gali ae 1 feito Tepiada, detectando ‘eper 0. E, Bo. E na sua fragilidad Maria-Nova ¢, apesar de Tio Toté estar se tornando um velho sistematico, ele permitira gue Negro Alirio passasse o resto da noite ali. Mal o dia raiou, Negro Alitio Jevantou-se € saiu. Tio Totd sentiu um certo alivio, Maria- “Velha, indiferenga, Maria~Nova uma espécie de tristeza. Negro Alirio encontrou pouso Jogo perto dali. Baixou a sua tenda na casa, no corpo € no coracao de Dora. Maria-Nova sentiu que Negro Alirio ti- nha um segredo. Percebeu que ele tinha nos olhos o ar de fugitivo. Tempos depois, Bon- dade Ihe contaria uma historia que logo ela adivinharia como sendo a de Negro Alirio. Ela jamais esqueceria aquele homem molhado até os ossos, aquele ar misterioso, aqueles labios carnudos. E aquela imagem, por longos anos se tornou um vicio. Maria- -Nova sempre procurou aquela sensagao pri- meira, aquela impressio deixada por Negro Allirio, no corpo, no jeito dos homens que ela veio a ter um dia. Na favela havia uma familia que tinha um grande comércio, O negécio deles nao era 61 Cia de todos, Vendiam tudo, ane ne Pet, 05 homens compravam ficha ¢ j a € iam Jf se b; se banhar. Dey + Devia ser bom, era banho de chuveiro, co; A famili - ah finlia de Maria-Nova néo fazia uum gasto q ett Tio Tors achava que ser @ mais. Mari, : 7 ria-Velh; ies : a sempre lavay: ‘uscava 4gua em torneiras pil : erimentar 0 banho de chuveiro. A nao era exp : omens que saiam dos quar- ser a alegria dos hi a fnhos de banhos, ainda nus da cintura para cima e com a cabera molhada, nada era inte- sessante por ali. Nada para se ver. Aconteciam coisas, porém. Ali, na porta do armazém esta- vam os homens, alguns bébados, outros vadios ¢ muitos os trabalhadores. Entre eles havia os que bebiam o dinheiro todo e, por isso, as mulheres sempre iam 14 brigar. Algumas bri- gavam também com S6 Ladislau. Esses acon- tecimentos Maria-Nova nao achava graga em observar. Ela preferia mesmo a torneira ptibli- ca. Gostava de ver a agressividade das pessoas nos dias em que a agua estava pouca. Gos- tava de ouvir as histérias que as mulheres, as vezes, contavam baixinho. Gostava de ficar a espreita, olhando fixamente para 0 portio na esperanga de ver a Outra. Era preciso aguar- dar o instante em que ela, as escondidas, viesse admirar o mundo. Uma sombra se movimentou e quando 0 enigmatico corpo percebeu os olhos da menina 63 cm cima de si, se desfe E duro Cnfig nM 0 T das pesso; te 0 olhar das Pessi Ultima nente g f filho ultimamente : ferente. Ela percebi Sera? Até seu filho? vt 7 olhares dos outros. Tinha von mas faltava-Ihe coragem. O fee menina, com seu olhar ae Perado. Aquela busca incessa mente, Maria~Nova nao safa da tempo de férias. Epoca de aula uma parte do dia, : ior era aquelg » cruel, deses- inte. Ultima- torneira. Era cae pelo menos nte lem- brava 'm que ela estar i wa ali. Nas féri . Nas f tormento! Maria-N, eae i ‘ova ficava du; dia lavando roupa o1 ante todo o 64 is de bola, um outro mo- 5 festi in dos fes' , : tht a favela respirava allegtia crt Numa casa ou noutra, s¢ Colhia-se dinheiro de as festas jun fogucira. dar, comprava-se canjica ¢ 8CUS pronto para um ¢n- acendia uma quem pudesse ingredientes ¢ estava tudo voir, para uma festa. Se viesse alguém que nao tivesse participado com dinheiro, nunca the seria negado um prato. Entretanto, havia uma festa ju vela. A festa de Cabo Armindo. Cabo Armindo, antes de tudo era um brasileiro devoto. Em todas as datas civicas, ele, talvez tendo herdado o espirito ¢ as pra- ticas do Quartel, punha na vitrola o Hino Nacional e, com seu servigo de alto-falante, a musica se espalhava pelos quatro cantos da favela. Dia Sete de Setembro, ouvia-se 0 Hino Nacional o dia todo. Dia de Nossa Se- nhora Aparecida, padroeira do Brasil, tam- bém. Neste dia, rezava-se 0 tergo ea ladainha de Nossa Senhora. Depois sempre tinha uma mesa farta de doces ¢ biscoitos. Todo mundo comia. Muitos nem gostavam de rezar, mas iam pelo lanche. nina que se tornara oficial na fa- Soas eram solicitadas Para tirar o t as rezas de casa em casa, TSO, puxar Os santos Visitavam olhos sempre indagad i re “SF ste, aocthada ne we OPS No meio d los ani 66 Brandes Jer tao bem as oragoes do livro. Maria-Nova, muitas vezes Jia em latim a Jadainha de Nos- sa Senhora. Todos sabiam a Jadainha de core sespondiam em coro: “Ora pro nobis”. Maria~ _Nova, emocionada, lia alto ¢ firme: _ Mater creatoris. E todos respondiam: - ora pro nobis Mater salvatoris, ora pro nobis. ‘Mas a oragio de que Maria~Nova mais gostava era Salve-Rainha. Havia partes da ora¢ao em que ela via todo o seu povo, em que ela reconhecia o brado, as tristezas, os softi- mentos contidos nas histérias de Tio Toté, nas de Maria-Velha e nas hist6rias que Bondade contava. Ela conhecia e reconhecia os perso- nagens. A oracao podia ser aplicada a vida de todos ¢ a sua vida: “A vis bradamos os degredados filhos de Eva Por vés suspiramos neste vale de lagri- mas [...]” Ela via ali, em coro, todos os sofredores, todos os atormentados, toda a sua vida e a vida dos seus. Maria-Nova sabia que a favela nao era o paraiso. Sabia que ali estava mais para et mas pec a muito 4 No: Permitisse que que methora cles ac. ; chorar, festajunina Nnaca: Para os adultos, Cabo Os ensaios com Armindo era exigente ava com uma certa an- sempre aos sb tes sabados ¢ do- 408. Quem faltasse aos = Se apresentar no dia, p qu HME Se propunharn a d ter tecedéncia ¢ cram ensaios nio podia ‘oucos faltavam e os langa cria Cae ar queriam mesmo © ativa na festa, Cab n ri- “abo Armindo morava na area : ndo mo a | pp o numa area py Sua casa oe ua casa ficava no centro P enorme, Armava-se wadrilha, Os assists ou do lado vile, a fogucira, entes fica- de fora da cerca fannavanse a q vate ne 1 10 terreiry de modo que as pessoas c4 de cima assistiam a tudo também. Ele bancava toda a festa. Serviam-se canjica, doces, biscoitos, fogueira, hatata-doc quentio, tudo @ vontade. Ninguém pagava nada. Diziam alguns que cle apenas organi- vava a festa ¢ cedia o local, mas quem banca- va tudo eram os ricos que moravam no bairro nobre bem ao Jado da favela. Bancavam para que 0s favelados nao 0s importunassem. Ha- via outros bairros perto de favelas em que as casas eram constantemente arrombadas. Pa- rece que havia mesmo um acordo tacito entre 0s favelados ¢ seus vizinhos ricos. Vocés ban- quem a nossa festa junina, déem-nos as sobras de suas riquezas, oportunidades de trabalho para nossas mulheres ¢ filhas e, antes de tudo, déem-nos 4gua, quando faltar aqui na favela. Respeitem nosso local, nunca venham com plano de desfavelamento, que nés também nao arrombaremos a casa de vocés. Assim, a vida seguia aparentemente tranqiiila. E, dois grupos tao diversos teciam, desta forma, uma politica da boa vizinhanga. Na quadrilha de Cabo Armindo, duas mulheres sobressaiam sempre: Mae Joana ¢ 69 Cidinha-Cidoca, Mie Joana, todo linda € séria, Cidinha-Cidloca, em cc do de caipira sempre branco ¢ cheig 4 da, Mic Joana, linda e séria; Cidinha- Cine bonita e risonha, bonita ¢ faceira, bonita em. sinuante, » CStava ‘U Vesti~ tac in- : Maria-Nova nunca entendeu porque Mic Joana, tio linda, com aquele vestido, eve cha ficava meses fizendo & mio, que fave tio bonito ¢ que todo mundo clogiava tanto, ao se olhar no espelho, ao ver a sua imagem. refletida, nao desse nem um sortiso a si propria. site Mari Now nio entendia a seriedade, a 808 ¢ sorrisos da mie. Mac Joana, Ma na, Mic Joana, sorri ae : la, SOrria Mic Joana! ia um pouco, Ji Tio Tors sempre foraum ho mem de sorrisos fartos. A 1em de risos ¢ gargalhada del oni A le retumbava Ele viera de pais escravos, Views an sozinho da outra banda do rio, de ‘ , dei Aguas, o melhor de 0, salvo ¢ xando nas ‘ s in u. Viera de uma primeiy le uma segunda mulher morta. Viers sie . Viera de 70 Estava no terceiro casamento, de vida com scus noventa ria filhos mortos. cumpria seu tempo até ha bem pouco tempo, ¢ tantos anos. E Seu riso, sua gargalhada gostoso, ria liberto. foi rarcando quando cle Tio Toté custou a se torn: comesou a envelhe- ar um velho. Aos cer. oitenta anos cra uM MOGO- E gostava de repe~ tir; cu nao sou de morte facil, de vida dificil, as suas histérias, a que cle gos sim! De todas ar ¢ repetia sempre, era a da tava mais de cont travessia do rio. Sempr “Cheguei sia, salvo € banda do rio. Gostaria de ter morrido, mas es- c comegava assim: sozinho na outra tou aqui. Mas, um dia, todos comegaram a per ceber que Tio Toté estava envelhe endo. Nao pelos cabelos brancos, porque hi muito que cle jf os tinha. Nao porque andasse meio trO- pego ¢ nem porque ja trouxesse a voz meio rouca. Nao cram essas as marcas da velhice de Tio Tot6. Ele envelhecia porque estava per- dendo as esperangas. Envelhecia porque nem vontade de recomegar de novo tinha. Enve- Ihecia ao fazer um balango de toda a sua vida €s6 ver a morte como unica saida. 1 : ist to de Tio Tots e dese; 2 80 envelh pouco de j lesejava comunica, wu ec juventude. Ela sab tnicar-Ihe z = - Ela compreendi le, mas Perguntava ao Tj ete ae ao 10 Tio Tots; nds, € eu? : Tio Tots insistia: ~ Maria-Nova, pi oo ‘Nowy Para que sitvo? A fave » ie tenho de i — i ir com vocés? Px i. bade Meu corpo pede terra ] ol ac i: : 6 nao entendia que seus noven- tae tant 0s an 10s eram necessérios aos quase quinze de Mariinha ~ Estoy i tando viver hg and» menina! Jé venho ten- lidas, Voce co Sande tempo, venho de duras tra mulher, Ria, sorria, espantar, 5 para deb squecer © aceitar ote! roldio, levadony, © T°! havia ie ee que ex tinha qe, Mae de 72 © melhor de > a me transformar em. em ia ficar amalu- abega no lugar tei, Eu nao queri desesperada € Carecia de por ac mev. Lu ama pessoa cado por isto. e sair vivendo- Deu uma pausa ¢ retornou: w Nas andangas de 14 para c4, consegu do de almanaque, Li todos, foi 0 i. Tinha dor na cabega ando acabei a lei- ido alguma coisa. jA no me dava um punh: tempo em que eu mais e nas vistas de tanto ler. Qu: tura de todos, havia aprend Senti que lia melhor. A leitura tanto trabalho. Eu ja nao precisava mais juntar Jetra por letra, havia palavras que eu lia no pri- meiro olhar... Um dia li em voz alta para mim mesmo e senti que quase ndo gaguejava mais. Passei, entio, a copiar tudo que eu gostava num caderno e veja isto aqui. Estas palavras riscadas embaixo:. Os sonhos dao para 0 almogo, para o jantar, nunca. Mostrou-lhe 0 caderno e continuou a contar: — Fiquei embatucado com aquele dizer. Primeiro pensei que era sonho (doce, daquele ae

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