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DEPARTAMENTO DE GCONOMIA Puc/ks junho 4 TEXTO PARA DISCUSSAO Ne 54 A HISTORIA DO PENSAMENTO ECONOMICO COMO TEORIA E RETORICA Pérsio Arida* * Este ensaio 6, no sentido forte do termo, un texto preliminar pera S80. Foi escrito entre rargo e junho de 1983 e contou con o Seu contetdo é faniliar aos meus alunos em cursos de Histdria do Pensa: to Boonémico e Teoria B lecicnades no IPE-USP e na PU en seninfrio conjunto do IAS e de Princeton Univ sity oO receram em artico intitulado "A Teoria Foonmica en Crise" e 1980 no Jormal éa Tard ML, Oliveira. Fste ensaio < cussio quando recebi o bertira @ "The Rhethoric of sar €2 scbreposigées, ranter € public tal cul havia sido escrito, § 1. 0 aprendizado a nivel de pds. uagho da Teoria Econémica (TE) @, hoje em dia, efetuado de acordo com dois mode- los distintes. No moéelo ericano, o estuéante icnora a ria do Pensarento Econémico (HPE) e as listas de leituras contém textos escritos hA mais do que cinco anos atrés. No mode~ lo europeu, o estudante deve besicamente dominar os classiccs éa HPE em prejuizo, muitas vezes, de sua familiaridade com cs desdo- bramentos mais recentes da TE. Obviamente, nem toéos os centros americanos conformam-se ao modelo americano como nem todos os centros europeus o fazem relativamente ao modelo europeu; ao in- vés da descrig&o expirica detalhada interessa captay, através Ga nte estabeleci- referéncia a estes dois modelos, posigées cultural das quanto ao significado do estudo da HPE. Por modelo europeu @ modelo americano designamos tipos ideais que acentuam unilate ralnente tragos de realidade visando iluminar aspectos de in- teresse. Os centros Ge pés-graduas&o no Brasil refletem a existéncia destes dois modelos, combinando, em proporgées muito variadas, as normas ge um e de outro.modelo. Isto impede a cons- trugdo de um curriculum para mestrado e doutorado com requisitos minimos de homogeneidade entre os diversos centros. No entanto, cs problemas colocados pela existéncia de dois modelos nitidos de aprendizado vado além das dificuldades pedagégicas de ensino e formagao. Na verdade, os dois modelos espelham concepgdes diver- aa sas sobre a evolugdo da TE. Subjacente ao modelo americano est. a id8ia da fronteira do conhecimento; o estudante ndo precisaria perder tempo com os classicos do passado porque todas as suas eventuais contribuicgdes j& estariam incorporadas ao estado atual da TE. Subjacente ao modelo europeu est4 a idéia de um conhe- cimento disperso historicanente; o estudante deveria dedicar-se aos classicos do passado porque precisaria rettilhar por conta pré- pria as matrizes“fundamentais da TE No modelo americano, a HPE definitivamente histéria das idéias; 4 parte um elemento irreprimivel de curiosidade sobre © passado, poderia perfeitamente ser desvencilhada por inteiro @a TE. No modelo europeu, a HPE confunde-se com a TE, 0 estudo da Gltima sendo indissoc: el A familiarizag&o com a primeira, Neste ensaio, refletimos sobre este duplo status atribuido a HPE, como hist6ria intelectual e como TE. Contra 0 modelo americano, afirramos gue a nog&o de uma fronteira do conhecimento falsifica a HPE como histGria intelectual. Contra o modelo europeu, afir- maros que a fusio entre Histéria e Teoria 6 sempre imperfeita, viezando simultaneamente HPE e TE. Por fim, reavaliamos a im- port&ncia da HPE. como histéria intelectual. § 2. A nogio segundo a qual o estudo atual da TE con- sistiria em uma fronteira do conhecimento nos é familiarmente transmitiéa das ciéncias exatas. 0 fisico em processo de apren- dizado nfo precisa aprender Histéria da Fisica; basta-lhe apren- der o estado atual de sua disciplina para poder fazer contribui- gSes efetivas ao conhecimento. 0 passado de sua disciplina é as~ sinalado pelos nomes daqueles homenageados por descobertas; mas & parte estas homenagens senti mentais, de tio grande peso na visio do mundo do cientista, o passado nfo desempenha nenhum Papel. Pois a histéria da ciéncia, que culminou no seu estudo atual, no precisa ser revisitada; suas contribuigdes positivas (do ponto de vista de verdade) j& est@o incorporadas ao estado atual e o restante consiste em conjecturas e concepsSes erréneas ou equivocadas. Percebemos assim que a nogao de fronteira do conheci- mento traz consequéncias interessantes para a HPE. Por um lado, torna-a desnecessaria do ponto de vista estrito do progresso da TE. Saber ou néo teorias formuladas no passado de nada altera @ capacidade de avangar a teoria; releca~se a HPE ac status, Ge disciplina eletiva. Por outro lado, a nogdc de fronteira do conhecimento afeta a prépria concepgHo da HPE como histéria inte- jectual. Se todas as contribuigdes positivas do passado encontram "se assimiladas ao estado presente da TE, a HPE converte-se em st6ria de erros e antecipagées. Erros cuando a doutrina que se presumia verdadeira no passado afasta-se substantiva- mente daquela que integra o estado atual da TE; antecipagdes quando a doutrina afirmada no passado prefigura o estado atval da TE. E se muda o estedo atual da TE, nuda a HPE; reescre: “se entao a HPE, como iniimeras vezes se observou,a ceda geracio. A “Histéria da Analise Econdmica” fornece o exemplo mais conhecido desta HPE norteada pela nogao de fronteira do conhecimento. A definigao cuidadosa da "andlise" permite a Schumpeter lamentar desvios e glorificar antecipagdes tendo co- mo referéncia o estudo atual da teoria; se Walras ali emerge com honra e distincZo, foi por ter formulado a nog&o de equili- TE. Ao brio geral e assin langanée as bases do estado mesmo’ tempo, a referéncia a TE atual permite empreenéer a busca de antecipadores. Gera assim uma historiocrafia enfadonha.onde se debate quem foi o primeiro a formular determinado conceito ea grande questao consiste enoato entender os fendmenos A la Merton de _simultaneidade de descobertas. Norteada pela nogio de fronteira do conhecimento, a HPE afirma-se como pura histéria das _idéias. E como histéria das idéias adquire um formato especifico: a histéria dos precursores lado a lado com a histdria dos desvios dagueles que acreditaram em doutrinas discrepantes das atuais. Seu eixo de referéncia & Gado pelo estudo da ciéncia. A histdria das idéias escrita ilu- minando-se 0 passado pelo presente. Seu interesse, do ponto de vista do avanco da ciéncia, é minimo; e se o economista, por es- ta concepgao, ndo precisa saber a histéria de sua prépria disci- plina, tende a dedicar-se & histéria do pensamento quando perce- be que seus poderes enaliticos se esgotaran, Norteada pela nogio de fronteiza do conhecinento, a HPE torna-se 0 campo dos econc- mistas jovens pouco preparados para a Ardua tarefa de avangar a ciéncia e dos economistas j4 estabelecidos que, j4 consagra- Gos na sua juventude pelas contribyigdes dadas 4 ciéncia, dedi- cam-se na’ maturidade a‘tépicos mais amenos. § 3. A nogHo de tempo implicita na fronteira da cién- cia no @ dificil de ser precisada. Pertencem ao estado atual da ciéncias os textos escritos no passado recentissimo; com algu- mas excegdes, parece verdadeiro observar que 6 horizonte de cinco ou seis anos & suficiente para diferenciar a fronteira do conhecimento dos textos que integram a HPE. As excegSes incluem textos seminais; mas mesmos estes textos seminais nao, se situam em um horizonte retrospectivo muito mais longo. 0 horizonte retrospectivo maximo da macroeconomia, por exemplo, chega a década de sessenta; as excecdes nao tém assim mais do que vinte @ poucos anos di passado. A excegao dos textos seminais, lidos basicamente por seu interesse de formulago de problemas, a es- -da fronteira do conhecimento & muito reduzida: A educacdo, quando compreendida sob a nogdo de fronteira da ciéncia, depende de modo essencial do livro-texto que possibili- ta conduzir 0 estudante de uma formagio genérica 4 fronteira do conhecinento; como esta tem espessura temporal reduzida, modifi- ease substancialmente em pouco tempo, tornando livros-texte utilizados recentemente ultrepassados e ériando constantemente a necessigade de novos textos didaticos. Vimos acina que esta nocZo de fronteira do conhecimento fundanenta o modelo americano’ de ensino. Por sua prépria nature 7a, trata-se de um modelo com clevada taxa de obsolescéncia ine felectual. Se a fronteira do conhecimento tem pequena espessura temporal, o economista corre o risco de decaimento intelectual ra pido se nfo se cubmeter a reciclagens e re-exposicSes a0s novos avangos da ciéncia. o economista que estd permanentem te atualizado nao adquire sabedoria, nas sim a menéria dos erros © um senso ex-post desenvolvido dos caminhos ée evolugdo éa fron teira do conhecimento. .o xisco de obsolescéncia traduz-se na angistia que motiva a remiincia ao esforco de perseguir uma fron teira sempre movente do conhecimento em prol de tépices mais se- guros como a HPE. Pois na histéria das idéias a nocdo de sabedoria tem sempre lugar e validade garantidos. 0 economista teérico do ini cio dos anos 70, especializado nas estimativas econorétricas da curva de Phillips de longo prazo com expectativas adaptativas,tor na-se proprietario de um saber rigorosamente initil menos de Gez anos depois; initil pois seu modo de pensar ¢ equacionar os dados consistiu em um erro e nao em uma antecipacdo do estédo da teoria no final da década de 70. Em contraste, a familiarizacao com a historia da disciplina & um processo rigorosamente cumulative de conhecimento e reflexdo. Na histéria des idéias, o conhecimento nao se perde; a Sabedoria, entendida como uma intuicao do todo ndo racionalmente formulavel, resulta naturalmente da intensidade’ do estudo. Os grandes textos da HPE ndo perdem sua posigao de relevo dentro da disciplina em perioges curtos ée tempo; Keynes, Marx, Schumpter, Marshall, Walras, para citar ape s alguns, sao. t6picos quase permanente de investigagdo. Bm contraste com a fron Feira, cujo corpo de textos altera-se quase que integralmente cada cinco ou seis anos, a histéria de idéias proporciona um conjunto basico de textos cujo interesse, se bem que matizado e diferencia do ao longo do tempo, dificilmente chega a ser corroido pelas transformacées vividas em horizontes substancialmente maiores. Bor isto, a obsolescéncia intelectual do estudicso da histérie do pensamento € muito menor; por mais que mude o ponto de ¢gravi- dade da disciplina, dificilmente torna-se proprietaério de um saber indtil. § 4. Bn contraste com o modelo americano, o modelo euro peu desconhece a nogao de fronteira da ciéncia. Parte-se dos principios de que as matrizes basicas da teoria econémica (Keyne siana, Marxista, Walrasiana, Ricardiana, etc.) s&o, por um lado, de reconciliagao problemdtica e, por outro, intraduziveis em seu vigor original. Estes dois principios requerem explicitagdo mais detalhada. © principio da reconciliac&o problematica afirma que as matrizes basicas da teoria ndo se contrapéem frontalmente; na verdade deslocam-se mituamente. Entre a matriz Ae amatriz B, & problenatico tanto contrapor A a B como sintetizé-las. As duas matrizes, por estruturarem visdes abrangentes do mundo eco- némico, dificilmente admitem fusées. Ao mesmo tempo, néo se com portam como Guas visdes de um mesmo mundo, pois as caracteristi cas da economia postam em relevo por A distinguem-se daquelas pos tas em relevé por B; e nesta medida dificultam ao investigador a afirmacdo de seus méritos ou deméritos. Pelo principio da recon- ciliagdo problematica, o investigador nao tem escolha a no ser familiarizar-se com todas as matrizes basicas. © principio da ndo-tradugao do vigor original afirma que toda transcricio das natrizes bésicas envolve uma perda irre mediavel. Nao haveria melhor modo de 2preender a matriz marxista (ou Keynesiana, ete.) do ¢ Teoria Ge- MO Capital" (ou " ral"); toéa exposi¢io secunééria da matriz bésica envolveria uma peréa importante de entendinento. Pelo principio da ndo-traducao, © investigador ndo pode escapar ao dedicar-se aos classicos do pensamento econémico no esforco de assimilar as matrizes basi- cas da TE. Por forcga destes dois principios, o aprendizado éa teo ria passa, no modelo europeu, necessariamente pelo estudo da HPE. Eo que vale para o aprendizado, vale também para o avango éa propria TE, entendido sempre como uma reflexéo empreendida dire- tamente a partir da histéria do pens: nto. O préprio conceito de histGria do pensamento de certa forma se de-historiza. Pois se € verdade que os classicos do pensamento esto no passado, enten didos como obras de individuos mortos, é também verdade que eles co-habitam o presente, constituindo-se fonte permanente de refle xdo e problematizacdo da realidade atual. Neste medida, o conhe cimento econdmico vé esmaecida sua dimensio temporal. No modelo americano, © conhecimento relévante condensa-se nos textos dos Ultimos cinco anos; no modelo europeu, espraia-se nos textos dos Gltimos duzentos e poucos anos. § 5. Nonodeloamericano, o estudo da Histéria do Pensamen to divorcia-se radicalmente do estudo éa TE. A histéria do pensa mento afirma-se como histéria intelectual cujo sistema de referén cia € dedo pelo estado presente da Teoria. No modelo europea, o estudo da Histéria do Pensamento confunde-se com o estudo da TE. Longe de ser uma disciplina localizada dentro da histéria geral @as idéias, passa a ser vista como fonte de reflexdo para a pré- pria TE. Na raiz destas duas concepgées distintas da Histéria do Pensamento esta a divergéncia de julg: do ao estudo ento qu. atual da TE. Se este pode ser caracterizado como fronteira, correto conceber a Histéria do Pensamento como uma histéria de erros e antecipacées; mas se nao existe fronteira, é natural vol tar-se aos classicos do passado no esforco de desenvolver a tego ria. A existéncia ou nao de fronteira depende, por sua vez, do modo de resolucao das controvérsias surgiéas ao longo da histé- ria do pensamento. A evolugdo da ciéncia econdmica é pontilhada, como o @ 0 desenvolvimento de qualauer ciéncia, por controvérsias. Pouco importa aqui sua origem; importa saber seu modo de, resolucdo. Im plicita na nocdo de fronteira esta a presungio da superacdo posi tiva das controvérsias. Por superacdo, entende-se que as contro- vérsias terminam ¢ sAo percebidas como finéas pelos seus parti cipantes. Nesta medida tornan-se superadas afastando-se da fron teira e instalando-se definitivamente no passado, saindo da agen da do investigador interessado em desenvolver a teoria e passando Para a agenda do historiador de idéias. Por superacdo positiva; entende-se que a resolugdo da controvérsia faz emergir sua veréa Ge; e@ que esta verdade, entendida como o saldo positive da contro vérsia e aceita como tal por todos os participantes, incorpora-se ao estudo atual da cigncia. Se 0 modo de resolugdo das controvérsias corresponder a0 modelo de superacdo positiva, entSo a noggo de fronteira do ~10- conhecimento torna-se confiavel. Percebemos assim que é a his téria do pensamento que permite validar ou n3o a nogéo de fron- teira; trata-se, antes de mais nada, de saber como se resolvem as controy rsias no rassado. Ora, um minimo de reflexdo mostra gue a superacdo positiva fornece um modelo pouco adequado para captar o modo de resolugaéo de controvérsias em economia. Casos ha onde a superag&o positiva é um modelo ade quado. A controvérsia sobre integrabilidade nas fungées deman da 8 um exenplo. HA casos, contudo, onde a superacio positiva ées creve apenas um aspecto parcial da controvérsia. Na chamada con- trovérsia de Cambridge a disputa sobre a existéncia ou-nao de “reswitching" de técnices resolveu-se de acordo com o modelo de superacdo positiva; mas a disputa sobre os limites de aplicacdo do método da estatica comparativa, parte integral da Controvérsia de Cambridge como um todo, simplesnente ndo foi resolvida. Esta terminou sem resolver — varios dos impasses ali levan tados. EB este nfo é © Gnico exemplo de controvérsias que termi nam por cansaco e desinteresse. Lembre-se o "Methodenstreit" no final do século XIX, a controvérsia sobre os conceitos de firma representativa e renda nacional nas décadas de vinte e trin ta, a controvérsia sobre a constancia de velocidade renda da moeda no final da década de sessenta, etc. Se 6 verdade que as controvérsias muitas vezes ndo Sao levaéas a seu término, ndo é menos verdade que muitas vezes seu término, quando acontece, n3o se associa com a emergéncia inequivoca da verdade. 0 debate Ricardo-Maithus teve fim e como tal foi percebido na sua época; mas a vitéria de Ricardo foi considerada, & luz da terminclogia adotaéa aqui, primeiro como =a - evidéncia de superaco positiva, depois com Keynes como evidén cia oposta e agora, na perspective dos novos cléssicos, nov ren te como evidéncia de superacdo positiva. Para complicar ainda mais o quadro, lembre-se que determinaéas controvarsias, cuando resolvidas, na verda m de sentido. A resolugao moderna de ie mu controvérsia Bohm. Bawerck/#ilferding sobre o problema de trans formag¢do por Seton 6 na verdade uma solugdo de um problema dis tinto do problema original; ° teorema fun damental de exploragac de Morishima € completamente estranho A critica de Bohm-Bawerck sobre a deducdo da teoria do valor tra balho a partir da troca. de equivalentes. Evidncia mais grave contra 0 modelo de superacdo po ‘iva surge com a permanéncia de doutrinas opostas por perfodos muito longos de tempo. Tome-se 0 episédio da Revolucao Keynesia na. Os ataques de Marget e Hayek a Keynes nao foram suficientes para evitar a consolidecdo do paradigma Keynesiano a partir dos anos quarenta; mas foram suficientes para solidificar um nicleo de resisténcia a este paradigma que sobreviveu com expressfo na arena do debate americano por mais de‘trés décadas até lograr reverter a situacdo e fazer dos keynesianos a resisténcia isola da ao paradigma vigente. Da "Teoria Geral" até hoje, as contro vérsias na macroeconomia entre clissicos e keynesiancs nio se caracterizaram pelo modelo de superacdo positiva mas sim por cris talizacées alternadas de consenso em torno de uma ou outra Po sicdo, associadas A inexisténcia de uma regra comum de validacdo empirica das diferentes proposicées teéricas. Néo @ necessArio multiplicar referéncias & HPE para mostrar a inadequacdo do modelo de superacdo positiva. Desenvol vemos abaixo consideragées sobre um mcdelo alternativo para 4 resolugdo de controvérsias na teoria econémica. A implicacao ba sica a ser retida atém-se 4 dificuldade de sustentar a nogio de fronteira de conhecimento quando se sabe que es controvérsies mui tas vezes terminam sem resolug&o, ou continuam por perfodos anor nalmente prolongados, ou decidem-se pela alteraco dos seus ter mos originais ou tém suas sentencas marcaéas de forma ambigua pelo operador verdade. § 6. Se o modo de resolugdc das controvérsias nao pode ser escrito pelo modelo de superacdo positiva, deixa de haver ga rantia de que o conhecimento ou as formulacées verdadeiras desen volvidas no passado est&o preservadas no estado atual da ciéncia. A volta dos classicos do passado adquire o caréter de uma recupe racdo, de um resgate da verdade. 0 impeto da volta é fungao do grau de desilusio quanto ao estado atual da ciéncia; quanto raior a desilusdo, maior a propensio a empreender a arqueologia do sa ber voltando-se 4 HPE. Por mais que varie o grau de desilusio, e este varia muito através do tempo, o fato é que a inadequacdo do modelo éa superacdo positiva confere 4 HPE um interesse tedrico. No modelo europeu, tal é certamente o caso; o estudo da Histéria do Pensamento no se distincue do estudo da prépria Teoria. No entanto, o estudo da HPE sob o pricsma da TE acar reta distorcdes tanto na primeira quanto na Gltima. A distorgdo Provocaga na teoria decorre da tentegio de inventé-la ex, nove. Na sua forma extrema, consiste em desconfiar por principio de toda - reflexdo recente; em ignorar, sem qualquer sentimento de culpa, todos os desdobramentos atuais da teoria; e em sé interessar-se por colegas de profissfo cujo pensazento tenha sido formado escoliando 0s classicos do passado. Ora, reinventar a teoria a partir da HPE s6 se justificaria se 0 modelo apropriado para o modo de re solucdo de controvérsias fesse o da superacio negativa. Isto é, 'se as controvérsias terminassem preservando exatamente sua ver tente de falsidade. 0 estado atual da ciéncia seria entfo a con densacio de toda falsidade gerada no passado; ao investigador no restaria alternativa que ndo sua rejei¢io em bloco e a reconstru c4o da teoria desde o inicio a partir da verdade resgatada do Passado. Se nos foi necessdrio argumentar com alguma extensdo so bre os desacertos do modelo de superagdo positiva, nio nos pare ce necessario faté-lo para o modelo de superacéo negativa. 0 de senvolvimento da ?E deve ser feito simultayeamente em duas fren tes, familiarizendo-se com o estado atual da ciéncia e com a HPE e tecendo, a partir destes dois saberes, a trama da veréade. © estudo da Histéria do Pensamento sob 9 prisma da Teoria é assim parte integrante do aprendizado e desenvolvimento da prépria Teoria. A distorcdo, do ponto de vista da Teoria, con siste em converter esta parte no todo; a esta distorcdo, tipica do modelo europe, corresponde a distorcdo oposta, tipica ao modelo americano, que consiste em ignorar esta parte integrante, desprezando o papel da HPE para a formagao teérica. Ambos os modelos acarretam distorgdes na TE. E quanto & Histo- ria do Pensamento? £ inegdvel que o status da HPE é maior no modelo. eu ropeu do que no americano; se no segundo a histéria das idéias tem um interesse exclu ivanente acad&mico, no primeiro passa a ter um interesse prético, inspirando a TE e prescrigdes de poli mexicano tem como sistema de tica. Se a HPE inspireda no modelo referéncia o estado atual éa ciéncia, a HPE inspirada no modelo europeu tem como referéncia as preocupagées atuais da ciéncia. ,J& que no nogelo eurcpeu julge-se “o estado atual da ciéncia co mo um deploravel acimilo de erros e falsidades, busca-se na HPE a resposta para as voltando-se a ler Teo’: os austriacos quando os conservadores ganham peso na arena poli tica, etc. Esta utilizagdo heuristica da HPE nao deve ser ques- tionada quando o interesse na HPE restringe-se 4 recuperagao de idéias desperdigaéas ou esquecidas. No entanto, a compreensao @a HPE decorrente desta utilizaggo heuristica dos textos classi- cos do passado 6, em geral, deficiente enquanto histéria do pen- samento propriamente dita. Pois para aquele gue se volta ao pas~ sado no intuito de resgatar idéias e intuigSes profundas sobre a TE, a HPE reduz-se a uma série de textos onde nio importa sua posi¢Zo no tempo nem seus autores - uma série de textos sincré- nicos e despersonalizados. Pouco importa © contexto de criag&o e formulagZo de determinada idéia; tudo o que importa saber & se esta idéia serve cono base ou aprofundamento de algum aspecto da TE ou nao. Na utilizago heuristica da HPE, o texto classico do passado torna-se auténomo face ao contexto onde foi escrito @ 20 qual historicamente pertence. Nada exemplifica melhor na vida intelectual brasileira es ta utilizacdo heuristica da HPE do que os infmeros e quase — sem= pre efémeros grupos de estudo 0 dos cl&ssicos aa emades em tor HPE. Lé-se a “Teoria Geral" ou "Os Principios da Economia Soci- al" capitulo a capitulo, do primeiro ao Gltimo, afastando-se com desprezo de textos ancilares de comentadores e contemporaneos. Parte-se da nogio de que o sentido dos textos classicos seja da do neles mesmos; como o texto de estudo forneceria a chave de seu préprio significaéo, trata-se de ler e reler inimeras vezes o tex to até que seu significado torne-se transparente. Esta utilizagao heuristica da HPE, defens4vel enquanto expediente para promover a TE mas questionével enquanto HPE propriamente dita, constitui © tépico da préxima secdo. § 7. Tornou-se chavéo dizer que o texto deve ser anali sado & luz de seu contexto. Todavia, na utilizacao heuristica aa HPE, para a qual os cléssicos importam em funcdo de sua presumiéa e esconsa verdade, o contexto no qual foram escritos perde im- portaéncia. Uma vez que sua leitura é orientada pelos problemas atuais da TE, 0 Gnico contexto de referéncia é 0 presente. Ao autonomizar o texto face a seu contexto de origem, na verdade subs. titui-se sea contexto de origem pelo contexto presente. A apre ensio do significado do texto claésico do passado fica, no entan to, em geral prejudicada por este processo de de senraizanento. A leitura do texto do passado informada pelo contexto presente ndo é necessariamente nociva 4 sua compreensdo. Tal es tratégia de leitura nao oferece dificuldades Gesde que o contex to original nao se Gistancie substantivamente do contexto presen te. Ou seja, desde (a) que o objeto de andlise seja aproximada- mente 0 mesmo e (b) que a constelag#o intelecty nte seja aproxima - 16 = "a. Vejasos mis cetidasente estas duas suposigées que, se corretas, viabilizariam como HPE uma estratégia de leitura e interpretagao dos textos classicos do passado que ten com referéncia as preocu- pacdes atuais da TE. Sab a suposicao de semelhanga Go objeto de andlise,o texto do passado perquire a mesma Gama de fendmenos que preocupa © investigador no presente. Tal suposicdo vale para vérias cién cias exatas, pois a evolugdo do universo 6 muito lenta comparada & evolugio aa ciéncia, Mas para a TE, a suposicdo de senelhanca Geve ser demonstrada. Nao se pode garantir a priori gue o ciclo @o século XIX retenha suas carecteristices basicas no ciclo do século XX; ler o texto classico da HPE que aborda ciclos do sé culo XIX, seus contemporaneos,como se discutisse os ciclos atuais pode levar a uma compreens&o equivocada do seu significado A mera coincidéncia vocabular deve ser encaraéa com re- servas. Se 0 texto cldssico do passado discute o capitalismo e vivemos hoje sob'um regime capitalista, ndo se segue que 0 obje to de andlise seja o mesmo a menos que se demonstre que 0 capi. talismo do passado continue inalterado essencialmente no presente. Se esta demonstracao nao puder ser feita, a leitura da discussdo empreendida no classico da HPE sobre o capitalismo como se fosse © capitalismo de hoje certamente distorce seu significado. A suposic¢ao de semelhanga da constelagdo intelectual vigente 6 ce Geterminagaéo mais dificil. Em uma de suas facetas, admite-se que o texto do passado move-se dentro da mes- Ma particéo de conhecimento que vigora no presente. A cuisa de exemplo, pode-se dissecar a teoria monetéria S¢ Adam Smith a partir da selecdo, justaposicdo e montagem de trechos Ga "Rique- za Gas Nacées" onde Smith discorre sobre tépicos afins & teoria monetaria; mas este paciente esforco de “bricolage" intelectual ndo pode almejar a uma compreensdo adequada do texto classico de Smith simplesmente porgue a teoria monetéria n3o existia como area is da do saber econémico no século XVIII. icas da supos. HA outras facetes igvalmente proble: ao de similitude da constelacéo intelectual. Ao desenraizar-se © texto do passado do seu contexto original, ignora-se a rede mil tipla de referéncias que o suporta e anima. Um exemplo interessan te @ o fornecido pelo capitulo 6 de “Teoria Geral" e seu apéndice sobre 0 "User cost". Na nossa constelagao intelectual, problemas da medida e agregagao ocupam um papel muito restrito; a teoria dos nimeros-indice néo constitui, hoje em dia, um tdépico ardente de discussio e debate a nfo ser @iante das wodifica- ges sugeridas pelos cons do poder. Mas nos anos que antecederam a “Teoria Geral", tal nao era o caso; a polémica Pigou-Hayek so “bre o conceito de renda nacional tinha terminado de forma incon clusiva e 0 capitulo 6 e seu apéndice aa “Teoria Geral” devem ser lidos como uma _tomada de posigao dentro desta polémica. Lé-los como textos auténomos e isolados, réferidos 4 nossa constelacao intelectual, conduz a compreender mal seu significado. Da mesma forma, 0 conceito de taxas préprias de juros do cap.17 é tomado de empréstimo a Sraffa; este por sua vez formulou o conceito cri ticando o Hayek de "Precos e Produgdo' a retomada do conceito por Keynes na "Teoria Geral" marca assim seu afastamento guanto a uma das teses basicas (e surpreendentenente moderna) do livro_ ée Hayek, a saber, que a moeda s6 importa por afetar precos re lativos. Ora, quem 1@ 0 capitulo 17 ignorando o debate Sraffa- Hayek 86 pode obter uma vise parcial de seu significado. Nao acabam ai os problemas da suposigao de similitude da constelacdo intelectual. Mesmo quando a constelacéo que © texto do passado nos @ familiar, a familiaridade pode revelar- Se enganosa. Yome-se o caso das "Recherches" de Cournot. Ka obra em que frequentemente se situa a yénese da economia matemé tica, nos pareceria natural interpretar a sequéncia analitica mo nopdlio-duoplio-concorréncia como exemplificando uma conscién— cia moderna dos canones do método cientifico. Ao colocar em rele vo as "Recherches" com as denis obras de Cournot, verificamos,no entanto, que as "Recherches" se integram no dentro éa ur tevisao de moderna microeccnomia, mas sim dentro de um plano or aan ganizado do saber cuja énfase fundamental residia na substituigdo da impossibilideée de chegar 4 coisa em si da epistemologia Kan- tiana por uma abordagem probabilistica do conhecimento. Supor que a constelagao intelectual que preside o tex to do passado se mantém no presente 6, em geral, extremamente ar riscado. Gracas a Foucault, sabemos hoje bem como a episteme que governa o pensamento da economia classica, centrada no conceito ée riqueza, se diferencia da epistene moderna e, no entanto, con tinua-se a ler os textos de economia politica classica como se estes se movessem dentro do nosso universo intelectual. Marx ini cia o “Capital” com a frase, "A rigueza das sociedades capitalis tas...". Parte-se de uma falsa pista; a palavra “rigueza", que marcaria uma continvidade tematica com a economia politica clés sica, desaparece no restante de "0 Capital". Merx @isfarca assim sua ruptura com a epi tome classica; mas isto s6 0 percebe quem se dispde a abdicar Ge nog&o de constancia de constela tual em beneficio de uma abertura & ¢rgani s do saber distin tas da nossa. As dificuldades da suposicéo de permanéncia do obje to de andlise e Ga constelacdo tra poderiam ser ilu: 4S com riqueza maior de exemplos. Tal do nos parece necess& rio. A menos de prova em contrério, a estratégia de leitura dos textos Ga HPE desvinculada do seu contexto original de formula so prejudica a apreensdo de seu significado. 0s textos do Passado devem ser lidos como textos cifrados cujo cédigo de en tendimento sé pode ser obtido pelo confronto com a multi-textua lidade de seu contexto histérico. Pois do contexto histérico na da nos resta a ndo ser textos e objetos; reconstruf-lo € a arte do historiador das idéias, arte irredutivel a Procedimentos formais e que consiste essencialmente em uma ope ragao de resgate de significado. Tratar os textos Ga HPE como textos cifrados é uma es tratégia prudente para livrar-nos da tentagdo de projetar o con texto presente no passado; ou ao menos para empurrar, na sua maxima distensdo, os limites que nosso contexto de vida impdem & compreensao do passado. Por analogia a0 dito de Ricoeur sobre @ ideologia, podemos dizerque a critica aa aplicacdo do nosso contexto de vida a0 passado 6 uma tarefa que é sempre necess4rio comegar, , mas que, por principio, & impossivel terminar. Ese guindo a metafora criptografica da HPE como textes cifrados, ob Servanos que a chave ée decodificasio do texto encontra-se nos tex tos de seu contexto histérico. 0 erro do modelo eurogeu na lei tura dos textes da HPE desvinculades de seu contexto consiste inte justenente em supor gue 0 texto é azto- 1, fornecendo os elerentes para sua prépria compre Go. Além do exposto acina,es ta estratégia de leiture deve ser criticada por duas outras con sequéncias. De vm lado, induz o leitor a querer dissolver todas as contradicdes do texto; se este auto-intelegivel, sempre pa ¥ece possivel, através de uma exegese aperfeicoada, recuperar a sua suposta coeréncia. Por outro lado, induz o leitor a preencher as lacunas do texto; se este encerra os elementos necessarios pa ra sua prépria compreensao, a exegese perfeita permitiria ao lei tor avangé-lo, fazendo sua a voz do autor do texto original no afa de preencher siléncios e eliminar omissdes. 0 mito Ga exegese perfeita do texto isoladamente considerando infelizmente ainda permanece firmemente instalado na nossa vida intelectual. § 8. Vimos que a HPE desempenha um papel crucial na for macéo tedrica. 0 modelo evropeu tem razio ao enfatizar a irportdn cia de absorver as matrizes bésicas da TE no vigor de sua for mulagdo original. Além . do esforco de entendinento destas matri- zes basicas, a leitura dos textos da HPE desempenha o papel de um expediente heuristico germinador de idéias novas diante do es tado atual da ciéncia. Em que pesem estas caracteristicas inequi vocamente corretas, 0 modelo europeu enfatiza de forma indevida © papel da HPE como TE. £ verdade que a HPE constitui um manancial de idéias relevantes que podem n&o estar incorporaéas na TE atual; mas nao é menos verdade que a tentativa de inventd-la ex-novo contraria razdo. N&o A como escoimar-se do es. tudo do estado atual da ciéncia, sob pena de uma efetiva regres so no conhecimento. A atitude vrescrita neste ensaio, do ponto de vista da TE, envolve ao mesmo tempo o estudo da liPE e do estudo atual da ciéncia. Identificar o estado atual da ciéncia 20 manejo de ins trumentos analitices @ equivecado; por estado atual éa cil ncia entende-se, além do instru: ntal de formalizacdo e estimacdo,os nodos de percepgdo do fendmeno econémi mental. Mas sé se aprende, desenvolve e critica o modo ée percep go manejando o instrumental; para dar um exemplo simples, nao se pode entender em sua plenitude o conceito de expectativa racio nais sem preparo analitico para utilizar o ope rador esperanga com e sem correlacdo serial, etc... Nesta medida, prescrever ao mesmo teni udo atual da PO oO estudo da RPE e do ciéncia equivale a-prescrever erudicao e cultura, de um lado, e capacidade analitica e formal, de outro. Se a énfase concedida 4 HPE como TE no modelo europeu peca por excesso, no modelo americano peca por falta. Ao situar a HPE como uma disciplina dentro da histéria geral das idéias, o modelo americano perde de vista seu potencial cono TE. Seu peca do original, a nocdo de fronteira do conhecimento, 0 responsé vel por esta ruptura entre TE e a HPE. Mas ha uza lig&o do mo Gelo americano gue é necessério preservar. Vimos na seg&o anteri or que a utilizacao heuristica da HPE, defensdvel de ponto de vista da TE, é em geral equivocada quando se almeja uma compre ens&o aéequada dos textos do passado. Ou seja, a dimensio de pu ra histéria intelectual ndo se confunde com aquela motivada pelo interesse da TE, £ noraielo americeno que se afirma, enbora pro blematicamente, a dimensdo de histéria das idéias da HPE. Desenvolver a HPE enguanto histéria intelectual exige situar os textos do passado 4 Juz de seu contexto de formulaic. No modelo americano, isto é sem divida feito; mas a histéria das idéias, por ter como referéncia o estado presente da ciéncia,coro vimos acima, esté longe de atincir cia po: ua mdxina indepenéén Sivel face ao contexto de vida do investigador. A HPE, enquanto Gisciplina da histéria das idéias, exige colocar entre pa ses 0 estado atual da ciéncia. A taxonomia do passado em termos de erros e antecipagdes sé poderia ser mantida sob a conviccao de que o estado atual da ciéncia constitui a fronteira do conhecinen to. Segue-se que a construcdo da HPE propriamente dita, isto enquanto histéria das idéias, supde um tipo de interesse e ¢ ge métodos de investigac’o essencialmente distintos daqueles MCs sarios quando se utiliza a HPE como TE. Ler a teoria do valor no livro I de "O Capital" com o interesse posto na determinagéo de pregos ou na crise do movimento geral do capital nos anos oiten ta do século Xx é muito diferente de ler o mesmo texto tentando deslindar as influéncias heterogéneas de Ricardo e Hegel. Enquan to histéria dasi: jas, os problemas da HPE nfo se distinguem qua litativamente dos problenas gerais de toda histéria das idéias, expostos de forma lapidar por Skinner no seu classico e justamen te famoso artigo de 1969 ("Meaning and understanding in the History of Ideas, History and Theory, vol. VIII). ez admitida a diversidade da natureza entre a MPE enqvanto TE e enquanto disciplina de histéria das idéias, co loca-se imediatamente a diivida sobre o interesse em desenvolver a HPE como histéria intelectual. A HPE tem status e charme no moGelo europeu porque este a percebe como TE; mas uma vez redu zida a histéria das idéias, ndo se tornaria uma disciplina de Pouco ou nenhum interesse pratico? Ndo nos cabe aqui dissecar a visdo tosca da pratica social em que se inspiram aqueles que desprezam a histéria das idéias. 4 verdadeira questdo é outra. Teria a HPE, enquanto his tOria intelectual, alguma contribuigéo a dar para o entendimento do proprio conhecimento cientifico da economia? A gama de respos tas a esta questdo é limitada. Enquanto histéria intelectual, a HPE constréi-se visando determinar 0 significado dos textos luz de sua multitextualidade de referéncia: os textos eriticos ou de apoio de seus contemporaneos, os textos que refletem o mo mento intelectual entéo vigente, os textos programaticos do au tor, etc. O texto aparece sempre no plural. E neste plural de textos néo se busca, enquanto disciplina intelectual, novas iééias substantivas. Logo, se a HPE enquanto disciplina intelectual con tribuir para a ciéncia atual, ndo o sera pela massa substantiva de conhecimento gerado sobre 0 modo de funcionanento das econamias exis~ tentes + Veronps nas préximas secdes que classe de conhecimento gera- Go na HPR tem relevo para o desenvolvimento da cigncia econémica, 89. Contra o modelo americano, criticamos a nogéo de * Superacdo positiva; contra 0 modelo europeu, criticamos a nogao de superacdo negativa. Mas se as controvérsias néo se resolvem snequivocamente de modo a preservar qner a falsidade quer a ver dade, ndo deverfamos abandonar de vez o operador verdade na qua iificacdo das sentencas do saber econémico? Em analogia ao teo roma Go Terski panaa semdntica, nio deveriamos dizer que os concei fos de proposicao verdadeira © de proposigio demonstrével jamais - 24 = coincidem, © prineiro sendo 5 ta-se de colocar em joco a prépria cientificidade do saber econd is abrangente que o segundo? Tra mico. De forma propositadanente sintética, afirmaremos a seguir que nos parecem cruciais. a controvérsia i portante na TE foi resol vida através do teste ou da mensuragao empirica. Nao importa aqui © rigor do teste; o recurso aos fatos nunca serviu para resol Ver controvérsias substantivas, excecdo feita aquelas cuja pré pria formilagdo foi exnressa empiricamente [e mesmo assim, com gue di, ficuldade! Lembre-se o caso do coeficiente a ser igual ou ndo a um na curva de Phillips}. Dito de outra forma, ndo existem re gras comuns de validacdo aceites por todos os participantes em controvérsias de relevo. A crise de 29 ndo prova a “feoria Geral” aos olhos dos novos classicos assim como as estimativas das con dicdes de Euler relativas 4 alocacdo intertemporal entre trabalho e lazer nao prova Lucas para os keynesianos. Os exemplos podem ser facilmente multiplicados. Disto ndo decorre que 0 teste ou exame empirico nio tenha importancia; pelo contrério, ambas as partes envolvidas em um debate esfor¢am-se por documentar ou invocar trages do real que sirvam para reforgar suas posigSes e ilidir argunentos adversarios. 0 ponto & que os testes expiricos slo sofisticades ad infinitun sea potencial efetivo de resolucdo de controvérsias. Aos que se chocam com esta observacaéo, fica um desafio: encontrar um debate envolvendo ma trizes bisicas de concep¢do da realidade econémica gue tenha s consensualmente resolv @ através da evidéncia factual. 0 papel metodolégico de econometria é um fantastico faz—de-conta. Todo mando sabe que seu poder de decisio ultimamente irrelevante, faz-de-conta que no sabe. A econonetria faz sentidy quendo tendsda como desdobramento de investigagao efetuada dentro uma Gada natriz ccnceitual; torna-se desprovida de significado quando entendiga como critério de aferigao da verdade de mi trizes conceituais diversas. Duhem afi. uu gue nunca se pode pro duzir uma rejeicgdo conclusiva de uma teoria; as teorias econémi- cas nio sio excegdes A regra. S11. Tsto quer dizer que a epistemologia falsificacionis fa, que tanto apelo exerceu e exerce sobre econonistas, néo pro vé una Gescricéo adequada de sua prépria pratica cientifica. Mas 20 mesmo tempo, a HPE nos mostra que as controvérsias se resol. vem. NZo porque uma das teses foi falsificada; mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento. Controvérsias se re solvem retéricamente; ganha quem tem maior poder de convencer, quem torna suas idéias mais plausiveis, quem é capaz de formar consenso relativo em torno de si. © reconhecimento de que as controvérsias se resol vem retéricamente, e que portanto 0 avanco da teoria econdmica se faz Gependendo Ga arte retérica, dificultado pela desconfianca G0 senso comum face & retérica. Mes naga é mais equivocade do gue @ nogdo de que a ciéncia social consiste em preceitos que visem minimizar © papel da habilidade retérica. Na verdade, sio as regras de retérica que dio carater cientifico A ciéncia. Este Ponto € delicado e exige maior cuidado. negativa. A comunidade de cientistas debate sob o pressuposto de comunicagdo ideal, coo bem o demonstrou Habermas; o operador de verdade marca a disposicio de renunciar A posigdes tomadas antes ria inegufvoca. Acontece que Go debate diante de evidiscia cor © conceito relevante de evidéncia é muito mais amplo do que o ge € a conformidade do de evid@ncia empirica; a evidéncia de ver discurso 4s regras de boa retérica. Estas sim sfo aceitas consen- sualmente; € a aderéncia as regras da retérica que confere caré- ter cientifico 4 economia. Pois é a retérica que prové o substra- to comum que permite a homoceneidade do discurso, de suas formas Ge argumentagdo e portanto de evolugio. Garantiria a existéncia de um "core " retédrico a adequagZo do discurso ao ser ou a verdade no seu sentido classico? Ricoeur bem argumentou sobre os enganos desta nogao classica de verdade; e Aristételes intuiu @ respos- ta ao dizer que ndo se pode pretender falar como mesmo grau de cientificidade sobre todas as coisas § 13. Quais seriam as regras retéricas consensualmente aceitas? (a) Simplicidade. Esta regra que privilecia a eleg&n- cia formal estabeleceu-se em parte diante das exigéncias do espiritoe - en parte derivada das cigncias nat + Ceora: cu-Roegen observou can proprieda de que os fenSuenos puros slo ansliticanente formulaveis con simplicidede. (b) Coeréneia. Nao @ preciso ser um lakatosiano extre- mado para olhar com suspeita hivSteses ad hoc. (c) Abrangéncia. 0 arcunento deve dar conta de todas as evi neias empiricas disponiveis. Como vines acina, isto é sempre possivel; trata-se simplesmente de burilar con suficente mindcia © arcunento. (a) Generalidade. 0 arcumento deve subsumir seu adver- sario como um caso particular. Exemplos: a tesoura Marshalliana costurando 0 valor com Ricardo e Jevons como laminas; Marx no li- ir rercentilistas, cldssicos e vro II do “Capital” ao subs: ocratas cono recortes unilat: do processo de circulagao do capital; Keynes na "Teoria a0 atribuir aos das posigées possiveis de equilibrio; Sraffa do "Produco de cadorias" ao desviar-se do problema dos retornos de escala, sen do depois associado 20 caso especifico de retornos constantes de escala em oposi¢o ao modelo neo-classico geral, etc. (e) Reduc&o de net&foras. Todo argumento retérico é irremediavelmente metaférico; a metafora é um instrumento do pen samento e nao um recurso de exposic&o; disto sabem todos os ted- xicos da ret6rica, de Aristételes a Peralman. Mas como os econco- mistas praticam a retérica sem o saber e, © que € pior, dela desconfiando, o argumento que se apresenta vi © candidato alternativo como menos carregado de metdforas tem maior poder de plausilidade. A met&fora atinge seu mixino de efi- cigncia retérica no inicio do debate ou na apresentagdo de cer- tas proposigées originais; no decorrer do debate ou da contro- vérsia, tenta-se efetivar ao m4ximo possivel sua eliminaco que, com respeito a Bachelard, denominamos reducao. (2) F rmalizac&o. 0 argumento cue puder ser formalize do tem maior poder de convencimento do que aquele apresentado literarianente. Esta regra supde, 6 claro, cue o piblico seja ca paz de entender a formalizacdo; toda formalizagao precoce é, ne te sentido, prejudicial, como bem o denonstra a repercussio in @iata das "Recherches" de Cournot. (g) Reinventar a tredicdo. Trata-se de uma estratégia de retérica que consiste em recortar o passado de forma a rein- vidicar para si uma tradicdo de pensamento e isolar o oponente \como fruto de um des © @a tradic& correta. xeynes inventcu os classicos e se inaginou continuar a tradigdo anti-Ricardiana de Malthus;.estratégia eficiente, como se,viv, mas ardilosa - basta lembrar que o arqui-classico Picou defendeu em 1931 politicas anti-depressivas que a "Teoria Geral". Marx inventou a economia vulgar e se imaginou retomando o fio da economia poli- tica classica; Lucas reinventou a tradigdo atstriaca do estudo do ciclo como.o fenémeno de eauilfbrio e denunciou Xeynes como svio; etc. . Observe-se que a reinvengao do passado de forma a criar uma tradicio néo é expediente retérico prévrio A economia; os surrealistas redescobriram Bosh, Picasso a arte africana primitiva e o ABC da literatura de Pound é o ABC da reinvengao da tradi¢do pré-poundiana, para ficar com exemplos notérios. Os pés-keynesianos reinventaram sua tradigao enfatizando o mun- do da incerteza e da moeda existente na T.G. em contraste como mundo do multiplicador da interpretag3o Hicks-Se: claro que ambos existem, que a Teoria Geral comporta ambas inter- pretagSes, que trata-se - e no ha nenhum mal nisso - de une es- tratégia retéri sianos. Kant defendia Leibniz de a dos pds-key seus prdvrios seguidores desculpando-o do pecado de dogmatismo tal como Davidson defende Keynes de seus préprics seguidores (co- Gesculpando-o do dogmatismo da teoria do multiplica~ fargadp na IS/IM - sé que entre Kant e Davidson ha un § 14. Apés inineras tentativas de aplicar Kuhn, Laka- tos, Popper e outras metodologias da ciéncia 4 economia, restou a certeza Sbvia de que a prética da ciéncia econdmica nio se conforna aos preceitos sé partir das cigncias natu- rais. Retornar 4 verstehen w Leriana, ao argumento Neo-Kantiano neturais e sociais nado mire sobre as diferengas oa xece um caminho promissor. Forque nfo empreender uma auto-refle- x40, ‘abandonando 0 faz-se-conta e as ilusées de metodologias que’ nunca refletiram a pratica efetiva da teoria econémica? E dentro desta linha de preocupagdes que se insere o estudo das regras de retdrica. Cono logram os economistas con- vencer seus pares sobre a veracidede de seus pontos de vista? Quais sao as regras retéricas que norteiam a resolugdo de contro- vérsias e nesta medida noldam o desenvolvimento éa ciéncia? Tra- ta-se de questo crucial para o préprio estatuto cientifico da economia; nfo para enunciar julgarentos com base no enfadonho par de opostos ciéncia/ideologia, mas para clarificar, e nesta medida criticar, a prépria modalidade de discurso existente. Ao tornar explicitas 7 reeras, imediatamente pde-se em pauta sua razoalidade. Se de fato conandaren consenso, existiriam outras regras? No limite, pode-se imacinar o debate econémico como nor- teado por quesitos retérices explicitos que propiciaram uma sele 80 rpida e coerente de hipdteses e teorias. § 15. Preocupar-se com a retérica significa aumentar a consciéncia dos ica cientifi- onomistas face 2 sua prépria pr: reservado & So € evidente. Tra~ PE nesta eutc-refle: nalisar as controvérs do para ressaltar cs procedimentos retéricos envolvidos. As 7 regras de retérica, ec mencionadas, fornecem penas a superficie da estrutura retérica que define a economia como modalidade dé discurso cientifico. A HPE, como estudo ap? mentar a -auto-conseiéncia dos econcnistas e, nesta medida, cor, ungao de au- tribuir positivamente para a TE sen perder seu cardter de “isté- ria intelectual. Superar-se-ia, assim, o dilema entre uma his- toria intelectual initil Para a TE do modelo americano e uma HPE que perde sua dimensao de hist6ria das idéias no modelo euroveu. § 16. Em textos anteriores, afirmei a necessidade de estudar as controvérsias em economia & luz de uma hermenéutica ce neralizada. Por hermenéutica, acentuava o cardter interpretativo de todo debate; vor generalizeda, acentuava que interessava cap tar como cada Gebatedor interpretava as proposigées rivais em seus préprics termos. Tinha em mente as regras (a) e (g) acima. Nos préximos ensaios, o estudo aa HPE como retérica sera apro- fundado tendo rx @ Keynes como objeto. 5. Wi1Saeson, 3. (exgotedo) 6. Lera Resende, A. e Le Inflecionaria" (esgotséo) Cesargo,J.M. “A Nova Politica Selarial, Distritviczo ce Renéss e Inf enciel Markets: & from the Pert; e Aley ancisco L. "Dilezes a vergetscn™ page Folic V1. Monteiro, J.V. "A Econozia éo Crescimento do Setor Piblico" Sstrizlized Econe "A Three-Sector Hodél of 2 13. Mogisno, E.M. "Derived De: (evised edition) néeis” 14, Lopes, Francisco L. "Rational Expectations in “Keynes “Reflexdes sobre o Encino ée Fecnesia™ 15. Cenargo, JM 16. 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