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rors LINKS UTEIS Pensamento Extemporaneo ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo REVISTAS DE FILOSOFIA FAM SOBRE FILOSOFIA A QUALQUER TEMPO ARETE E PAIDEIA: a exceléncia e a educagdo na era de Homero © admin # 20 de novembro de 2013 | ow Euclides Evangelista Marcal (1] Frequentemente a ideia de virtude, tomada como meio de aperfeicoamento da sociedade e do ser humano, perde-se em meio ao emaranhado ideolégico veiculado pelos meios globais de comunicagao de nosso século. Este artigo propée uma breve refontizagdo de determinadas caracteristicas referentes ao comportamento humano e sua relagdo com a areté, a virtude entendida com base, especificamente, no contexto da cultura homérica da Grécia Antiga (séc. XII-VIII a.C.). Aqui, faz-se necessério propor uma anélise interpretativa. para uma resumida diferenciaggo entre a virtude no sentido moderno e aquela situada nos poemas Iliada e Odisseia, conjunto de cantos atribuidos a Homero, poeta de cuja existéncia nao ha sequer certeza,_e + que _retratam, respectivamente, a Guerra de Troia e 0 regresso do guerreiro Ulisses 4 sua terra natal, {taca. Serao visualizados alguns dos Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 Q “10 rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo principais _personagens _considerados protétipos das diversas perspectivas pelas quais a areté pode ser analisada, que, por isso, acabaram se tornando modelos para o aperfeigoamento e 0 ensino da mesma entre as geracdes, a chamada paideia. 10 Conceito de Areté Areté era uma palavra utilizada no idioma grego que, entre outras coisas, trazia 4 tona certos tragos da personalidade do homem. Sua correspondente mais usada na lingua portuguesa, virtude, normalmente é definida como: “1. Disposigao firme e habitual para a pratica do bem. 2. Boa qualidade moral; forca moral. 3. Ato virtuoso. 4. Qualidade prépria para a produgdo de certos efeitos; eficdcia” (VIRTUDE, 1996). Os ideais de virtude relacionados ao homem do campo em Hesfodo, ao homem politico com os Sofistas e ao habito orientado para o bem com Aristételes teriam, todos, como precursores as sagas de Homero. Para compreendermos a ideia de areté, diferenciando-a das afirmacies convencionais sobre virtude, é preciso nos situarmos no contexto da Grécia Antiga, por volta do século VIII a.C. Nessa época, segundo a tradicdo, teria vivido Homero, poeta grego a quem sio atribuidas as epopéias Miada e Odisseia, tramas guerreiras repletas de aco, fruto da tradigo oral compilada e remontada ao longo dos século: figura de um herdi, sempre protagonista de grandes feitos corajosos e situado como intermédio entre os homens e os deuses, uma vez que, na maioria das vezes, é fruto do encontro amoroso entre as duas dimensées. Em ambas se destaca a ‘Tomando como base os poemas e 0 contexto cultural, a areté se manifesta num cardter geral que nao aponta, necessariamente, para as aces e posturas humanas que promovem 0 bem. Nem sempre é possivel, como na definigao citada, atribuir 0 adjetivo “moral” Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 20 rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo as agdes realizadas por alguém com areté, porque ora elas se situam em outros ambitos, ora contrariam 0 que hoje seria considerado moralmente aceitavel. No heréi homérico, a virtude assim compreendida aparece de maneira totalmente abrangente em seu modo de vida, na atitude diante das situagdes e no cuidado a ser tido consigo mesmo. Seja para ajudar, assim como superar ou até destruir 0 adversario, o importante é ser o melhor dos melhores naquilo que se faz. A definicao de areté é muito propriamente unificada com o conceito de exceléncia, relacionada tanto ao que se refere ao homem como & utilidade de certos animais e até mesmo objets domésticos. Por exemplo: a areté de uma faca & tanto maior quanto melhor ela cumprir sua fungdo de cortar e a areté de um animal de carga esta relacionada a sua robustez. 2.A Areté nos poemas homéricos Para o guerreiro, ser apenas agathés, isto é, bom, portador do bem, nao é o bastante. E preciso, incessantemente, alimentar a ansia por romper os préprios limites e deixar para tras o semelhante, visto sempre como concorrente, cuja virtude mostra o que deve ser superado sob a pena do valor da prépria vida. Ou seja, a meta visada é ser aristés, (superlativo de agathés), aquele que é detentor de areté, e, por isso é 0 melhor, nao no sentido moral, como ja foi exposto, mas em sua habilidade prépria, especialmente a coragem de guerreiro, o éxito militar, o vigor do corpo, enfim, a mais elevada perfeicao como harmonia do ser. Na Iliada, transparece tal rivalidade nesta fala de Glauco a Diomedes, que evoca nao um cardter patridtico, conquanto este possa_ ser encontrado em outros trechos de Homero, mas a medicao da virtude pessoal por meio da pratica guerreir Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 a0 rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo Hipéloco é meu pai, que, no expedir-me / De flio em socorro, superior coragem / Me encomendou; que nunca desmentisse / De meus nobres avés, nao s6 de Efira, / Da Licia em peso altissimos guerreiros. / Deste preclaro sangue eu me glorio.” (HOMERO, Iiada, VI, 181-186) Mas, diante do exposto, nao devemos pensar que o simples fato de se alcancar 0 ideal de uma perfeicfo que atinja e resulte em aprimoramentos constantes do corpo e da alma (kalokagathia) seja satisfatério por si sé. Caso nao haja reconhecimento das virtudes por parte da sociedade, o guerreiro considerara intitil seu esforo e seus frutos. Aqui entra a nogdo da timé, a honra em fungao da qual 0 homem gasta sua vida e, se preciso for, oferece sua morte. Sob tal prisma, vé-se logo que a areté, muito mais que de qualquer outra espécie, é uma moral de classe, onde a vergonha, no sentido da humilhagao, é a fatal desolacao que faz de um morto digno alguém maior que um vivo sem dignidade (GALITO, 2012, p. 3-4). No Livro I da Iliada, hé o exemplo de Aquiles, que tem ferida a sua timé no momento em que Agamenon, rei de Micenas, até entdo seu aliado, Ihe rouba a concubina Briseida. Por tal ousadia, Agamenon fere também sua prépria areté, nao tanto pela imoralidade do ato, mas porque se coloca na possibilidade de ser alvo de censura. Aquiles, entio, parte rumo a Troia movido nao por motivos alheios ao senso da verdade e da justica, muito menos por patriotismo ou juramento, mas em busca da timé e da kléos (gloria), atributos que atingem a legitimacao e 4pice no momento de sua morte. Plato, no Hipias Menor (365a), apresenta um didlogo entre Sécrates e o sofista Hipias a respeito de quem seria mais virtuoso: o heréi Aquiles, da Iliada, filho da deusa Tétis e do Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 ano rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo mortal rei Peleu, ou Odisseu, rei de {taca, principal personagem da Odisseia. O que sucede é que Hipias propde que a areté de Aquiles é superior, j4 que se trata de uma exceléncia relacionada diretamente & coragem herica e ao vigor do corpo, e quando o heréi se utiliza de mentiras, o faz por ignorancia. A refutacaio ao argumento é a de que os vicios de Ulisses so tornados qualidades, j4 que sua astiicia, seus subterfiigios e sua fama de enganador so colocados em pratica com o inico intuito de defender sua dikos (casa), “Se a Iliada retrata a exceléncia do corpo e a coragem, a Odisseia apresenta a exceléncia da mente como igualmente necesséria a sobrevivéncia e a vitéria” (CURADO, 2010, p. 54). Ainda na Odisseia, diante da sagacidade e persisténcia de Ulisses, outra figura ganha destaque por seu tipo especial de exceléncia: trata-se de sua esposa, Penélope, que, ao Jongo do poema, tem seu nome intimeras vezes acompanhado dos adjetivos “prudente” e “sensata”. Com efeito, a areté feminina, ao contrério da masculina, nao estava relacionada perspicdcia da mente, ao vigor do corpo, & coragem ou as demais faces da exceléncia guerteira. Os atributos fisicos da mulher constituiam sua areté _prépria (JAEGER, 1995, p. 46), mas, longe de resumirem sua virtude, eram um fator situado ao lado da oikonomia (capacidade de administrar a casa), refinamento dos modos, obediéncia e fidelidade. Penélope, mesmo vinte anos apés a partida do marido para ‘Troia, e também pressionada pela legiao de cento e oito pretendentes que disputavam sua mo (HOMERO, Odisseia, I, 86), ainda insistia em esperar seu retorno, cuidando do filho Telémaco. Sendo mortal, nao podia ser comparada aos deuses (HOMERO, Odisseia, V, 154-155), mas sua beleza fisica da juventude retornaria em determinado momento por uma especial intervengdo dos mesmos. Quando Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 S10 rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo Priamo leva para Troia a princesa espartana Helena, a terrivel invasdo consequente nao é 0 bastante para sacar-Ihe 0 respeito diante da sociedade troiana: “Mesmo a pura beleza de Helena, que tantas desgracas atraira j4 sobre Troia, basta pata que os ancidos da cidade se desarmem ante a sua simples presenca e atribuam aos deuses todas as culpas.” GAEGER, 1995, p. 46) 3 A Paideia grega a partir de Homero Introduzindo agora 0 conceito de paideia no contexto homérico, é preciso considerar os ideais aristocraticos nao apenas como aqueles que visam colocar 0 aristés como responsavel pelo poder no Estado (Kratos), mas como meio de perpetuacao dos valores da exceléncia guerreira. “Apesar das _transformacées sofridas pela Grécia Antiga ao longo de sua histéria, a trindade poeta, homem de estado e sabio permaneceu como eixo central desta cultura” (CURADO, 2010, p. 49). O termo paideia, aplicado & definiggo do processo formativo do intelecto, do corpo e da virtude, indica tanto a prépria ago educativa quanto seu resultado (GALITO, 2012, p. 1-2). Como ja foi dito, a idea de areté, mesmo referente a um mortal, trazia a tona um atributo sobrenatural confiado pelos deuses, sobre 0 qual eles mesmos detinham plenos poderes. Prova disso é 0 que Jaeger (1995, p. 26) afirma a respeito, por exemplo, de um escravo que, por algum motivo, traga misturado ao seu sangue o de uma familia nobre: “Zeus tira-Ihe metade da areté e ele deixa de ser quem era antes.” Talvez fosse essa ligagéo da exceléncia com a ago do sobre-humano que fez 0 centauro Quiron ser contemplado pela tradi¢ao oral ao longo dos tempos como 0 educador de Aquiles. A Iliada, porém, mostra que Peleu teria confiado tal fungo a Fénix, que era seu vassalo e principe dos Délopes. O proprio Fénix afirma: “(...] Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 ero rors ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo Contigo, estranho jovem / A guerra e discussdes que herdis afamam, / Longevo 0 bom Peleu para Agamemnon / De Fitia me expediu, que na logiiela / Te amestrasse [..].” (HOMERO, Iliada, IX, 362-366). Ha a certeza de que a areté homérica pode ser ensinada, pois, embora garantida pela linhagem familiar e pela intervengao divina, esta inteiramente condicionada ao bom uso que se faz dela (CURADO, 2010, p. 55). 0 ideal paidéutico se encontrava nos poemas homéricos, cujos arcaicos e lendédrios herdis eram 0 modelo realmente perfeito a ser imitado pelas novas geragdes. A poesia composta e cantada pelos aedos nas cortes e banquetes reais levou & consagrada afirmagao de que os poetas foram os primeiros educadores dos gregos. A tradigio das sagas heréicas era eficaz para a educagao dos mais jovens, muito mais do que os preceitos proverbiais orais, uma vez que na época ainda nao se podia contar com o auxilio de uma ética devidamente sistematizada. Hoje, uma histéria surge apenas. como um acontecimento singular que s6 pode servir de modelo naquilo que, porventura, estiver de acordo com a vontade do ouvinte ou se aplicar as necessidades do momento. 0 mito na Grécia daquele periodo nao precisava estar necessariamente ligado a essa espécie de moral de analogia, mas, pelo contrério, na maioria das ocasides adquiria um significado normativo. Sua natureza nao estava vinculada & educacao por meio da comparacao de realidades, mas da aplicacéo direta e irrevogavel da excelén Consideragées Finais Pode ser observada com clareza a diferenca entre a concepcao antiga de virtude e aquilo a que essa palavra nos remete em nossos dias devido, principalmente, a influéncia que os filésofos posteriores a Homero exerceram Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 mo wire [ARETEE PAIDEIA a ercalércia ea ec.capo na era de Homero—PensamentoExterpertneo sobre tal definigao. A areté, muito longe de estar acessivel a todos os homens, constituia, primordialmente, uma moral de elite, por estar ligada a nobreza familiar e & sua quantidade de riquezas materiais. Somente os aristocratas tinham acesso as epopeias, 0 que limitava, consideravelmente, 0 poder da paideia. As préprias obras atribuidas a Homero foram alvos de intimeras criticas pelo fato de ndo se deterem especificamente aos relatos histéricos, mesclando elementos mitolégicos e bélicos com personagens cuja areté estava quase infinitamente acima das capacidades humanas pelo fato de os mesmos se tratarem, muitas vezes, de semi-deuses. Persiste, no entanto, a necessidade de visualizagio daquela época como raiz primaria daquela virtude que, mais tarde, seria redefinida e ganharia nova visio, principalmente, pela ética aristotélica. Nota: 1. Graduando em Filosofia na Faculdade Arquidiocesana de Mariana Referéncias CURADO, Eliana Borges Fleury. 0 movimento sofista e o ensino da areté. 2010. 121 f. Tese (Doutorado em Educacao) ~ Faculdade de Educacao, Universidade Federal de Goids, Goiania, 2010. Disponivel em: . Acesso em: 04 maio 2013. GALITO, Maria Sousa. Areté. Centro de Investigagao - Ciéncias Politicas e Relacdes Internacionais, Lisboa, n. 2, p. 1-13, 2012. Disponivel e Acesso em: 04 maio 2013. Iitpsipensamentoextsmporaneo,com.br/7p=2498 ano wire ARETEE PAIDEIA excl HOMERO. Iliada. Tradugio Manoel Odorico Mendes. (Lisboa): Typographia Guttemberg, 1950. a ecucagio na era de Homero— Pensamenla Extemporaneo - Odisseia. Traducao Manoel Odorico Mendes. 3. ed. Sao Paulo: Atena, 1970. JAEGER, Werner W. Paideia: a formacao do homem grego. Tradugao Artur M. Parreira, Sao Paulo: Martins Fontes, 1995. PLATAO. Hipias Menor. 2. ed. Lisboa: Ed. 70, 1999. VIRTUDE. In: ROCHA, Ruth. Minidicionario Ruth Rocha. Sao Paulo: Scipione, 1996. Categorias Euclides Evangelista Marcal, Homero ‘Tags antigo, areté, aristételes, cultura grega, educacio, filosofia, filosofia antiga, grécia, hesiodo, histéria da filosofia, homero, ilfada, pensamento grego, verdade € Nietzsche: a negacao da religido O surgimento das leis escritas na > ‘como consequéncia do niilismo Grécia Deixe uma resposta 0 seu endereco de email nao ser publicado Campos obrigatérios sdo marcados * Nome * Email * Site Comentério Iitpsipensamentoextemporaneo,com.br/7p=2498 ano noire ARETE E PAIDEIA: a excelércia# a educago na era de Homaro— Pensamenta Extemporsneo Vocé pode usar estas tags e atributos de HTML:
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