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a propdsito de trés mitos da déecada Paulo de Tarso Presgrave Leite Soares Hipéteses teéricas, as vezes sofisticadas, no raro aca~ bam popularizando-se ¢ dai basta apenas um passo para tomnerem-se mitos (1). Trés deles so abordados neste arti- g0. © primeiro pertence & primeira metade da década e 0 segundo aos meados da década. Deles podem ser extraidos ensinamentos que ajudam a critica a0 terceiro mito (que aa~ inhou forca no fim da década). Primeiro mito: a politica econémica estava levando 0 par- que industrial brasileiro para sua destruigéo: De acordo com a liderange tedrica dos economistas de oposicéo aos governos militares, a politica econdmica prati- cada pelo ultimo governo da “Velha Republica” simples- mente repetia 0 erro do governo anterior com um agravan- te: a contracdo ortodoxa ndo sé agravava o problema da “‘ciranda financeira’" que impedia a valorizagao do capital na 6rbita produtive, como levaria & destruicéo do parque in- dustrial brasileiro. A crtica & poltica econémica do governo Para alguns, 4 “Industrializago Pesada", ocorrida no. perfodo Juscelino, completou 0 processo de constituigéo de Tail, de, Jaca, Presorme Lei» Soctos ~ Professor Asslete, seve da FEMUSP eas PEAPUCSP. Ut De scardo com meure Aut, mio nites “eprasaniacte datos ou persone fos olaeragnerae popula aba, eu cores. pions Se posse ou asontcmems nao poe arupos humancr que represents lance So Paulo em Parspectva, 4(1:55-58, janamar, 1990 forcas produtivas capitalistas no Brasil. Desde entéo, estéo constitufdas integralmente as bases técnicas para @ autode- terminacdo do capital, cristalizadas no estabelecimento de relagSes entre os Departamentos de Bons de Producao, Bens de Consumo Assalariado e Bens de Consumo Capita- lista, que impdem uma dinémica especificemente capitalista a0 processo de acumulagdo. A partir daf, a acumuulacao s6 vai encontrar barrairas que ela prépria se colocar @ 0 cenério do comportamento da economia passa a ser o da demanda efetiva. Registre-se, no entanto, que a industrializagdo pesa- da, em condigées de subdesenvolvimento, conduz a uma grande instabilidade nas taxas de crescimento dos setoros lideres (bens de consumo durdveis e bens de capital), cujos ritmos de crescimento acelerado so incapazes de se auto- sustentarem por muito tempo devido a seu limitado peso relative na composigao de gasto e na producéo industrial global. Uma vez montados esses setores (1959-60), ou pas- sado um periodo de aceleracéo da sua taxa de investimento (1970-1973), cessa a capacidade de realimentarem a deman- de interindustrial, Sendo assim, 0 Il PND & um projeto piblico self. defeating: em primeiro lugar porque tem pouco impacto so- bre a substituic3o de importacées de bens de capital (a que- da nas importacdes de bens de capital verificada a partir de 1975 deveu-se principalmente &s quedas nas taxes de inves- imentos dos setores de material elétrico e de comunicagées, téxtil, alimentar, material de transporte e quimical; em se- gundo lugar porque, apesar de sustentar a taxa de acumula- 0 de sotores importantes de bens de producéo, ele no 6 capaz de manter o ritmo de crescimento da produgéo cor- 55 rente da inddstria pesade e, muito menos, da demanda do resto da indistria, Conseqiientemente 0 Ii PND é visto como uma mani- festacio da megalomania e do desperdicio dos governos militares, como um elefante branco que se perdeu no meio do caminho. A complementagso da critica afirma que a for- ma de financier o I! PND, via divida externa, dera origem a uma vultosa divide interna que alimentava a valorizacao do capital na érbita financeira e ndo estimulava sue valorizacao nna Srbita produtiva, O I! PND e a chamada “ciranda finan- ceira” sao vistos como duas faces da mesma moeda (2). Ora qual a politica econémica do governo Figueiredo? Em agosto de 1979, Delfim Netto assume o Ministério do Planejamento € 0 comando da politica econémice. Esta, no primeiro ano, sob a batuta do ministro Delfim, teve um cu- iho heterodoxo: crescimento econémico como forma de combater os problemas de inflagdo © de balanco de paga- mentos. A mudanga no patamar inflacionério (superando a casa dos 100% em funco da maxidesvalorizacéo do cruzei- fo, realizada no pacote de dezembro de 1979, dos presos agricolas, da alteracao na politica de precos dos energéticos, da alteragéo na lei salarial, da pressdo dos juros ne mercado livre ¢ da expansao do crédito subsidiado) e a perspective de asfixia cambial (em fungao da recess mundial, do recru- descimento do protecionismo e da queds dos precos dos produtos primérios) fazer com que, jé em meados de 1980, 2 politica econémica caminhe na direcdo de uma politica ortodoxa contracionista (3). Eliminaggo de subsidios, politica realista dos pregos dos energéticos, manutengao de elevadas taxas de juros @ eleva- 40 da relacdo cémbio-salario sio medidas postas em préti- ca pelo governo na primeira metade dos anos 80, Para os economistas da oposigso, essas medides no contribuiam positivamente para o desmentelamento da “‘ciranda finan- cela” e para 2 expansdo da demanda efetiva. Para eles, sem se desatar 0 né da divide externa com a divida interna, sem se parar de buscar gerar superévits comerciais com a finali- dade de honrar a divide externa, néo seria possivel ¢ eco- nomia retomer 0 crescimento, nao seria possivel eviter a destruigdo do parque industrial brasileiro. Comentérios Apesar das previsdes catastrofistas, o Pais conseguiu uma brutal reducdo de importacdes industriais, uma signi cative expansio das exportagdes e a retomada do cresci- mento, Um excelente trabalho (4) jé mostrou que dos oo Brsitanay Sua. ter seescolmants sno suestetaanaino do Ago, A 3. Aletanen ‘ransomacto: s| Esoramis Sreers e187 1904 Iv GASTRO. A 8 SOUELRSE: nce ogni, No Jani, Parc Yer 180, end so «6 BSS #0 Shue heargor: Comba (si Sede Cer um Enioge Htrdo,E Tinete Keon Eeoriame ita ci see de dovorsmenio An ar Reznde, ial rogram de Subeiur lo 1 ttaggo@ Retorma Monet 56 USS 7,2 bilhdos (valores de 1979) do roduc3o nas importa- Oes industriais entre 1979 @ 1983, 95,8% ocorreu nos seto- res de bens intermediérios (4,5 bilhdes) e de bens de capital (2,4 bilhGes). Da reducéo total, apenas 27,8% se explicam pela queda na demanda decorrente da queda do cresci- mento. Mais da metade (54,7%) é explicada pele expansao da produc doméstica em substituicao as importacées. Portanto, nao hé como negar a importancia do I! PND para este resultado, Inclusive porque ele contribuiu para gerar uma base técnica capaz de responder mais eficazmente 305 estimulos da polftica econémice e assim, a partir de 1983, retomar 0 crescimento das exportacdes. Crescimento este que, em fungéo do déficit comercial norte-americano e da quede nas taxas de juros e nos pregos do petréleo, foi ex- pandido em 1984 e constituiu-se num fator significative para ‘© crescimento de 4,0% registrado na economia nessé ano. A previséo catastrofista para e economia brasileira ers 0 resultado de uma série de equivocos. O primeiro era a su- perestimagdo da estrutura técnica do capital na economia brasileira. Daf seguiu-so 0 equivoco de eleger 0 comporta- mento da demande efetiva como o ponto central da politica econémica, Superestimou-se 0 papel da “ciranda financel- ra" @ subestimou-se 3 apo "purificadora” das crises, em que existe um sinal claro sobre a direc a seguir (no caso, poupar/gerar divisas estrangeiras). ‘Segundo mito: 0 Plano Cruzado deu errado por causa dos politicos e dos gananciosos Em meados dos anos 1980, foi aplicada uma estratégia de estabilizacéo de precos, conhecida como Plano Cruzado, que foi enxergada como a salvacéo nacional contra a infla- 80. Apesar do sucesso inicial, da quase unanimidade nacio- nal quanto aos seus méritos, este plano fathou, A culpa pela falha acabou caindo em cima dos politicos, que queriam po- pularidade fécil, dos cepitalistas, que eram gananciosos, ¢ dos sindicatos, que lutavam para aumentar @ parcela dos trabalhadores na renda nacional. A inflacao inercial De acordo com um dos principais elaboradores (5] des- sa hipdtese tedrica, @ inflacéo resulta de um choque (altera- 40 nos precos relativos, alteracdo distributiva), cujos efeitos 840 mantidos por um comportamento defensive do pico de renda real. S6 que esse comportamento defensivo dos picos de renda real é caracterizado com bastante rigor. Distingue- se claramente 0 choque inicial (denominado simplesmente choque inflacionario| da manutengdo dos seus impactos (chamada de tendéncie inflacionéria). E apenas a esse se- gundo componente que se pode chamar de inflagao inercial, e desde que esta tendéncia tenha caracteristicas bem defini- das: picos invariantes de renda real; pregos relativos médios. sem se alterarem; ¢ texa de inflacdo constante. Para facilitar a compreensao do que esté sendo exposto, 6 Util relacionar @ hipdtese de inflacdo inercial com a teoria cepalina de inflacao (6). A inflacéo inercial é uma forma par- ticular dos mecanismos de propagacéo das causas bisicas da inflag8o. A particularidade est4 na autonomizagéo do me- canismo de propagagéo (tendéncia) em relacdo & causa bési- ¢@ (choque) e est na auséncia de efeito distributivo, Ora, se os picos de renda real sdo constantes, a taxa de inflago € constante e os pregos relativos médios so cons- tantes, tem-se um tipo de inflacéo em que no existem transferéncias liquidas de renda, Portanto, por mais que se insista que @ inflago inercial resulte de um comportamento defensivo dos picos de renda real, e dessa forma se deixe a impressao de que a inflacdo resulta de um conflito distri butivo, a realidade é bem outra. Se assim no for, o agente econémico desse esquema conceitual é um tipo estranho que no aprende com a experiéncia, nao se preocupa com o futuro @ mecanicamente reajusta seus precos sempre mesma taxa. ‘S6 € possivel compatibilizar esse comportamento sis- ‘temético com uma hipétese razodvel de recionalidade se os agentes econémicos da inflagao inercial estiverem contentes com seus niveis médios de rends. Assim, oles reajustam ‘seus pregos sempre 4 mesma taxa por causa da falta de sin- cronie nesses reajustes, 0 que os obriga a lutar pelo pico como forma de defesa do nivel médio de renda. E por isso que 0 choque heterodoxo se constitui numa estratégia efi- ciente de combate & inflaco, pois, em esséncia, essa estra- tégia_consiste em, num dado momento, levar todos os agentes econémicos para o seu nivel médio de renda real (desejado) e ali congelé-los para apagar a meméria inflacio- néria € evitar que retorne a assincronié nos reajustes dos pregos. Mas @ proposta do choque heterodoxo néo era a tinica que tinha 0 objetivo de acabar com a inércia inflacionéria, A existéncia de duas propostas distintas levou a que se pen- sasse existirem duas concepgdes diferentes de inércia infla~ ciondria, Num trabalho escrito em 1979, um dos autores da pro- posta de reforma monetéria (7) jé procurava uma teoria al- ternativa da inflagéo. O termo “alternative” era usado por- que 0 esquema tedrico fugia & dicotomizacéo da classifica- 40 da infiaedo como um fenémeno monetério ou como um fenémeno real. A inflacéo no era um fendmeno monetério, porque néo era causada e sim apenas possibilitada por uma expanséo na oferta de moeda e crédito. Tampouco era um fenémeno real, pois sem a expansio da oferta de moeda e crédito a transgresséo des condicées de realizacao do valor (esséncia da hipdtese alternative) seria quase imediatemente contida. Essa teoria de inflaco era, segundo 0 autor, alternativa também por outra razdo. As teorias que vim o process flacionério como expresso de um impasse no conflito entre as varias clesses € fracdes de classe no deduziam aquele processo como resultado e necessidade ditados pela Idgica da acumulagdo de capital. Na visio das teorias de inflacao como resultado do conflito distributivo, a acumulacao de capital 86 conduzirie a situagées inflacionarias se conduzisse a situagées de impasse na apropriacéo do produto, Na au- séncie de uma situagdo de impasse social, 0 proceso de ‘acumulagéo nao seria acompanhado por press6es inflacio- nérias. O mesmo néo acontecia com a teoria proposta e, ‘Sto Paulo em Perspectiva, {1):55-58, janimar, 1990 sendo assim, era alternativa porque poderia haver inflagéo sem a existéncia de conflito distributive, © auge desta busca por ums teoris alternativa para o rocesso inflacionério esté na hipStese da inflagao inercial (8). A inflagao se tornava inercial quando a inflacao pessada se tornava o melhor previsor para a inflacao futura. Se a in- flagdo for inercial, a reforma monetiria, tal como proposta Por seus autores, 6 uma estratégia eficiente de combate & inflagéo. A questo crucial para o sucesso era fazer a refor- ma quando a taxa de inflapao fosse constante, Era irrele- vante 0 nivel da taxa de inflacdo, 0 que importava era a es- tabilidade da taxa, Além disso, trés eram as condigées idesi pare o sucesso da reforma monetéria: inflacgo puramente inercial, desequilibrio negligenciével nas contas do governo © um arranjo institucional que o impedisse de voltar a infla- cionar a economia. © paredigma é 0 que acontece durante a hiperinflagdo. Nessas condigées, a indexacao 8 quase perfeita e, por isso, traz em si o germe da sua destruicao, pois forca os agentes a eliminarem os contratos quo ndo so perfeitemente indexa- dos. Ora, num sistema de indexayao perfeita nao existe transferéncia de renda entre os agentes, a capacidade de reacdo a perdas de renda real 6 instanténea, & perfeita. Dito com outras palavras, 0 mecanismo de reajuste de preos torna-se ineficiente e ineficaz para transferir renda ®, por isto, ele desaparece. Ora, qual a reforma monetéria proposta? Primeiro, to- dos os contratos serism expressos em termos de um indice de pregos e reajustados no mais curto espaco de tempo pos- sivel, Em termos préticos, no caso brasileiro, 0 indice esco- Ihido, 0 indexador, serie 0 IGP e 0 periodo de reajuste seria ‘mensal. Dessa forma, tudo que interessaria para a inflacio deste més era a inflago do més passado. Isto posto, o paso seguinte era dar um gigantesco choque monetério ou inde- xar a moeda. Por questées técnicas que néo séo relevantes pera o presente, 6 proposto indexar a moeda, Dessa forma, com a indexago generalizada, todos os contratos teriam seus valores alterados de acordo com a taxa de inflagso mensal, mas a nove moeda seria valorizada na mesme pro- Porcdo da variagso dos precos. Conseqtientemente, os pre- 908 dos bens e servicos soriam constantes em termos da no- ve mozda ©, por isto, @ indexacéo perderia sua utilidade, de- sapareceria, e a estabilidade dos pregos reais seria vistvel, Ora, a estabilidade da taxa de inflacdo complementada pela indexecéo generalizada 20 IGP significa que todos os egos estaréo se movendo na mesma velocidade durante 0 ‘més. Portanto, assim como no caso anterior, a inflagao iner- cial tem taxa de infisc8o constante, picos invariantes.de ren- da real ¢ prezos relativos médios constantes e, conseqiien- temente, € uma inflagdo em que no se tem efeito redistri- butivo, 6 uma inflacdo que no resulta do conflito distributi- vo. Em esséncia, tem-se um quadro tipico da chamads eco- Nomia cléssica, onde variéveis nomingis néo afetam varid- veis reais. A reforma monetéria & um artificio (forma de re- duzir 0 custo de informacéo] para deixar claro que ninguém estava ganhando ou perdiondo com a inflacao existente, Comentérios © primeiro problema com a concepcao de inflacao iner- 87 cial esté na separagao entre choque e tendéncia, Problema que se agrava porque nao sé se separa como se autonomiza a tendéncia em relagéo a0 choque do qual ela se origina, Is- 80 corresponde @ uma autonomizagéo entre curto € longo prazo. E simples perceber o equivoco dessa postura meto- dolégice, basta compreender que é aqui e agora que se constréi o amanha. conflito distributivo existe apenas no choque inflacio- nario € no na tendéncia inflacionéria inercial. Nenhume ra- 240 6 apresentada para 0 desaparecimento do conflito dis- ‘tributivo, Mas esse desaparecimento, que ocorre com @ au- tonomizagao entre choque e tendéncia, é fundamental para a hipétese de inflagdo inercial, pois permite a existéncia de uma inflago sem conflito distributivo e, portanto, permite existéncia de uma terapia indolor ¢ sem contra-indicagses no combate & inflagao. Plano Cruzado foi uma estratégie de estabilizaco de pregos usada para combater a infiacdo entao diagnosticada como sendo inercial. O Plano Cruzado deu errado por causa do seu pressuposto, a existéncia de uma inflagéo sem con- {lito distributivo dominando 0 cenério do movimento dos precos, e nao por causa dos politicos que ndo permitiram a realizagéo de ajustes no programa de estabilizacéo, dos capitalistas que queriam aumentar sua taxa de lucro e dos trabalhadores que reivindicavam melhores saldrios. O Plano Cruzado dou errado porque subestimou 0 conflito distributi- vo da sociedade brasileira. Nao é demais ressaltar que a auséncia dos téo famosos “ajustes necessérios do Plano” compativel com uma visio te6rica de que o processo de substituigéo de importacdes jé estava completo ¢ de que os conflitos distributives eram ne- gligenciéveis para a explicag8o da inflagao. Com esse tipo de viséo te6rica e com um plano razoavelmente bem implanta- do, “os ajustes necessérios” resultam negligencidveis. Sen- do assim, néo se deve dizer que o Plano fracassou pele falta de ajustes, ou melhor, porque os politicos, os empresérios © 0s trabalhadores séo como so. Terceiro mito: 0 Pais esté precisando de menos interven- 40 governamental Muitos acreditam que o parque industrial brasileiro esté Preticamente completo e que, por isso, 0 governo nao deve ‘mals concentrar sua atuacdo na producao de bens e servi 08, devendo concentrar sua atuacao na area social. Para es- sa corrente 0 “proceso de substituicéo de importacées” estava completo © a0 governo caberia a tarofa de cuidar da seguranca nacional e dos individuos, da sade, da educagéo, etc, Como 0 governo Samey acabou ndo fazendo nem uma coisa nem cutra, 0 descrédito com 0 governo & geral @ in- tenso, levando as pessoas a pedirem menos intervencéo go- vernamental. ‘A imagem do governo ¢ de que gasta muito mais do ue arrecada e gasta muito mal. Contrata gente demais, pa- gando muito mel a uns e pagando excessivamente a outros. Compra mal e vende mal (subsidiado). Para financier essa corgia de gastos, 0 governo se endividou em excesso tanto no exterior com no Pals e agora quer que a sociedade pague pelos seus dasmandos. 58 0 governo acabou sendo visto como causador de todos (0s males. 0 setor privado, os mecanismos de mercado, pas- saram a ser a solugio para os problemas no campo de pro- dugdo e da prestagao de servigos bsicos como a salide, educagéo, etc, Privatizacio passou a ser a palavra de ordem. mito do final da década 6 0 de que & preciso conter @ a¢80 do govorno para que as pessoss possam ser felizes. Comentérios O entendimento de que j chegou o momento deo go- verno retirar-se das atividades produtivas e concentrar-se nas atividades sociais resulta de dois tipos de erros: conti- nuar a superestimar a base técnica da economia brasileira e confundir combate 8 pobreza com assistencialismo. Satide, educacéo, aposentadoria decente, cesta bésica, ticket do leite, etc., s80 medides que reduzem o grau de de- gradacéo 8 que 6 submetida uma parcela significativa da populace brasileira. No entanto, elas néo resgatam os indi- viduos para a sociedade moderna. Na sociedade regida pelo mercado, a cidadania 6, antes de tudo, comando sobre bens. Isto eles n3o conseguem fazer, pois os individuos assistidos no comandam aqueles bens e servicos, simplesmente os Fecebem do Estado. Registre-se que nao se esto negando ‘08 méritos das politicas assistencialistas. O que se esté fa- zendo & chamar a atencfo para 0 fato de que elas no séo capazes de combater a pobreza, Ao contrério, elas acabam mantendo ne condicgo de merginalizados aqueles a quem procuram assistir. Assisténcia social nao 6 instrumento de incorporacéo ao mercado e na sociedade capitalista, regida pelo mercado, quem esté fora dele osté marginalizado na vide social. Num pats capitalista, sé se consegue combater a miséria incorporando & economia de mercado as camadas sociais que vivem fora dele. A grande tarefa redistributive no Brasil 6a de incorporar uma parcele significative de populagao & economia de mercado (néo confundir pobreze com econo- mia informal, cuja questo requer outro tipo de tratamento). Quanto & questéo da base técnica, da base material, da economia brasileira, é certo que no pode ser igualada de Cuba, Nicaragua, etc., mas é igualmente certo que, apesar do II PND, ela ainda esta muito distante de uma Alemanha, Franga, Itélia, etc. Para aproximar-se desses paises, a eco- nomia brasileira ainda se defronta com problemas de salto tecnolégico, acesso & tecnologia, tamanho do investimento iniciat, centralizacao e mobilizecao de recursos que néo se- rao superados sem a participagto do Estado e sem que 0 Brasil passe a interessar 20s capitals que hoje interessem-se pela Asia, pelo Leste Europeu € pela integracdo econdmica européia. A base técnica da economia brasileira néo é de- senvolvida o suficiente pera gerar um excedente que possa ser transferido dos que estéo na economia de mercado para (05 que nao estao @ nao acirrar © contlito distributive pre- sente no Pais, O setor produtor dos bens consumidos pelos trabalhadores n8o 6 moderno o suficiente para gerar_ uma producdo que atenda aos que esto no mercado e sobre um excedente que possa ser destinado (via intervencéo gover- ntamental) aos que ndo esto incorporados 8 economia de mercado. Rogistre-se que no se esté defendendo a “teoria de crescer 0 bolo para depois distribuir”. O que se esté defen- dendo é que a esséncia do combate 4 miséria & o cresci- ‘mento econémico e, para tanto, o governo & fundamental na definigdo © execugio (inclusive no mbito da producio) de um programa de investimentos. O que dificulta a compreen- so da necessidade da intervencdo governamental € que, tanto no plano micro como no plano macro, 0 setor publico esté paralisado € stualmente nfo serve como instrumento de acao. ssetor piiblico foi inchado por um empreguismo re- sultante de uma classe polftica que reflete 0 subdesenvolvi- mento material e mental deste pais. Na administragdo dire- ta, 0 inchamento espelha uma troca de favores entre inte- resses particulares financiada com recursos arrecadadas de todos. Em razéo da distribuicao injusta da carga tributéria, 880 as camadas de ronda mais baixa que pagam pela ma- utengéo de uma massa de funcionérios desqualificados que, em troca, nao Ihes oferecem quase nada. Tal situacéo mostra uma dominacao de classe com resquicios coloniais: ums elite que ignora a agresséo contra 2 massa (no méximo tem uma indignagéo passageira quando ocorrem referéncias a essa violencia), massa sem meios para dar conseaiiéncia politica & sua indignagao. No caso da administracdo indireta, em torno de cade “BRAS” da vida criou-se um conjunto de fornecedores'e de compradores dos seus produtos que nao sobrevive sem 0 apoio do setor piiblico. Interesses ptiblicos e privados se entrolagaram a tal ponte que hoje j8 no ¢ to fécil dizer on- de comega um e onde acaba o outro, O setor pilblico esté loteado entre os incontéveis interesses privados. ‘A exacerbaco do empreguismo e do corporativismo, nfo raro criou uma mdquine de reivindicar @ conseguir vantagens em relagao aos trabalhadores no setor privedo. Tal foi possivel porque nao 6 infreqiiente que dirigentes es- telam nas estatais pera obter benesses para os interesses privados que representam e nfo criam dificuldades para os empregados em troca de que esses empregados no difi- cultem as coisas para eles. Forma-se entao um pacto de cumplicidade entre dirigentes © empregados nas estatais, com 0 objetivo de dividir os ganhos de monopélio nas ativi= dades em que atuam, Obviamente, tudo 6 feito em nome da defese de classe trabalhadora e dos interesses maiores da nagéo. No plano macro, o setor piiblico esté amarrado pola sua ida. A divida é a forma através da qual o passado 6 trazi- do para 0 presente e condiciona o futuro. As imensas divi- das externa e interna acumuladas na “‘Velha" Repiblica e que néo teve solugéo na “‘Nova’” Republica mostram a au- séncia de hegemonia entre os diferentes interesses mate- rials, mostram que nenhum deles consegulu apresentar seus interesses como interesse geral e obter @ adeséo de outros segmentos importantes de forma a imprimir seus planos de ‘expansao. A imonsa divida pdiblica mostra que néo se con- seguiu definir quem page @ conta do passado e quem val ganhar na nova fase expansionista. Sem uma solugdo para 0 passado, ou melhor, para a divida, vai ser muito diffi! lever 8 cabo um programa de crescimento capaz de incorporer ‘amplos sagmentos populacionais @ economia de mercado, E preciso libertar o setor ptiblico de suas amarras, Mas 80 Paulo em Perspective, 4(11:85-59, jan.lmar, 1990 isso néo pode ser feito sob o comendo do mercado. A li- bertagao tem que ser conseguida respeitando certas condi- goes. Nao 6 a divida pablica que gera a “ciranda finenceira", que impede 2 valorizagao do capital na érbita produtiva, Os capitais s8o transferidos para o exterior e/ou dirigidos para a “ciranda" (buscando abrigo sob 2s asas do setor piblico) Por causa do impasse distributive que impede a definicéo @ implementagéo de um programa de investimentos. Con- seqientemente, nao adianta s6 dar uma solucdo para @ divi- da publica, A solucio sé serd eficiente se acoplada a um Programa de investimentos e sem a participacao do governo ® do capital estrangeiro ndo existe um programa de investi- mentos que mereca esse nome. Nao adianta sé demitir funciondrios puiblices. Neste ca- 0, 8 bandeira da moralizacao seria apenas mais uma arma contra os assalariados de baixa renda, No adianta s6 priva- tizar. A privatizacao s6 seré eficaz se se terminar com 0 po- der de monopélio. Sem isto, 0 pacto de cumplicidade ape- ‘nas seré transferido do setor publico para o setor privado. Ao invés de um politica de liquidagao, 0 que o setor puiblico precisa € de uma reforma que resgate a competéncia técnica 2 a dignidade da funcéo publica, A separacdo metodolégica entre curto ¢ longo prezo, entre tendéncia e flutuagdes, tem levado a equivocos vérios, Um deles é se conceber uma estratégia de estabilizagao de regos sem uma ligagdo visceral com um programa de cres- cimento, O resultado, a pritica tem mostrado, foi o fracasso dos diferentes planos (Cruzado, Bresser, Verdo). Uma vez definidos os rumos, € preciso manter a politica econémica que conduza naquela diregdo. Nao imparta se a demanda efetiva estd alta ou baixe, se 0 desomprago agora esté alto ou baixo. O que importa é que ¢ politica econémica aponte consistente @ persistentemente na diregdo correta. Nao se ode retroceder em funcdo de problemas transitérios. Toda mudanea de rumos traz quebras ¢ desemprego. O cambete 2 isto reflete ume postura de defesa do status quo. Todo ‘empresério que € ineficiente e/ou esté num setor obsoleto defende seus privilégios alegando querer proteger seus em- pregados. O correto é deixar a empresa quebrar suportar seus empregados com um seguro-desemprego decente. E étimo que a sociedade esteja livrando-se do mito do Estado Demiurgo, do seter pilblico que tudo pode, que & remédio para todos os males. Mas & péssimo que, simulta- eamente, esteja ocorrendo uma substituigao de mitos, conflito distributive na sociedade brasileira ¢ muito grave. A construcso do amanh8 pressupée uma estratégia de distri- buicéo de perdas. € ilusdo pensar que 0 mercado consegue fazer essa reparticao de forma eficiente e na direcbo de tor- nar este pais uma naco desenvolvida E preciso transitar da “Velha” para uma “Nova” Repii- blica. Nao basta limitar 8 transic&o ao campo des liberdades politicas. E preciso adotar medidas para a retomada do de- senvolvimento, incorporar amplas camadas populacionais 20 mercado e aumentar @ produtividade do setor produtor de bens de saléios. Para tanto, 6 preciso mais enao menos intervengao governamental. O que no é preciso & um setor piiblico como o que esté al, paralisado ¢ incapaz de realizar tarefes que 0 mercado, por si, nao faré num pals como o Bresi

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