You are on page 1of 3
2. O QUE JESUS FEZ NA ULTIMA CEIA E POR QUE? Nao sabemos exatamente o que Jesus disse e fez na ultima ceia. As passagens biblicas que nos falam desse acontecimento nao sao relatos jornalisticos e nem sao uniformes. Cada passagem (de Paulo, Marcos, Ma- teus, Lucas, Jodo...) j é o resultado da interpretagdo feita por uma comuni- dade. No entanto, sem entrar nos detalhes das diferengas, podemos apon- tar 0 essencial que aparece de alguma forma no conjunto dos textos. Jesus reuniu os discipulos para uma ceia, conversou longamente com eles sobre o Reino de Deus; seguiu o ritual da ceia pascal judaica, que re- corda a libertagao do povo de Deus da escravidao do Egito; e anunciou a libertagdo plena no futuro: Tomou o pao, deu gracas, partiu e deu a seus discipulos [...] no fim da ceia tomou o calice com vinho em suas maos, deu gracas e o deu a seus discipulos [...]. As palavras que acompanharam esses gestos simbdlicos de Jesus é que traziam a novidade em relaco a ceia judaica: Tomem e comem, isto é meu corpo que sera entregue por vocés [..]. Tomem e bebam todos vocés, isto é 0 calice do meu sangue, o sangue da nova e eterna alianca que sera derramado por vocés [...]. Fagam isto para celebrar a minha memoria. Como entender essas palavras no contexto da Ultima ceia? Vivendo a experiéncia de confronto com as autoridades, de perseguigado, condenagao e morte iminente, Jesus se viu e leu seu destino de profeta-messias na mis- teriosa figura do servo do Senhor que sofre e da a sua vida pela salvacao dos irmaos (cf. especialmente Is 53).' Deu gracas ao Pai, pela iminéncia do Reino, no ardente desejo de vé-lo realizado. No gesto simbdlico de partir e repartir 0 pao e de entregar o calice com vinho, antecipou ritualmente sua morte na cruz, dando-lhe o sentido de entrega voluntaria, de “doagao”, que caracterizou toda a sua vida e que deverd caracterizar a vida de seus segui- dores: corpo doado, sangue derramado, simbolos da vida entregue, garan- tia da nova e eterna alianga de amor e de comunhao indissoluvel entre Deus ea humanidade. O amor incondicional ao Pai e ao povo, seu trabalho incan- sAvel e destemido para libertar os pobres de seus males e da opresséo imposta pelos lideres politicos e religiosos, ele os vivera até o fim, até a morte de cruz. Realizando a profecia do Cordeiro pascal, sera morto, mas sua morte beneficiara seus irmaos. E ele mesmo vencera a morte, passando por ela: sera glorificado pelo Pai e recebera o nome que esta acima de todo nome: Kyrios! Senhor! O amor é mais forte que a morte. Por isso, 0 livro do Apocalipse apresenta o Cordeiro pascal como imolado, sim, mas de pé, isto 6, vivo e vencedor. % Vejam principalmente 1 Cor 10,16-18; 1Cor 11,17-32; Mt 26,17-19.26-29; Mc 14,12-16.22-25; Le 22,7-20, estudados em detalhe em Léon-Durour, O partir do pao eucaristico segundo o Novo Testamento.. * Visentin, Eucarist In: Diciondrio de liturgia, p. 396. 33 3. O QUE JESUS NOS MANDOU FAZER E POR QUE? A tradigo nos ensina que Jesus confiou & comunidade dos discipulos 0 mandamento da ceia: Facam sempre isto em minha memoria. Confiou nao somente as agées a serem realizadas (Fagam isto...), como também seu sentido, sua compreensao teolégica fundamental (em minha meméria). 3.1. Quais sao estas acdes? Para sermos fiéis ao mandamento do Senhor, devemos fazer 0 que Je- sus fez (e nao outras coisas!). Os varios momentos listados a seguir formam uma unica “ago eucaristica”, na qual cada momento esta dinamicamente interligado com os demais.* @ Reunir a comunidade, ouvir e interpretar as leituras biblicas, dirigir a Deus stiplicas para que venha seu Reino anunciado nas leituras. e Reunidos ao redor da mesa do Senhor, trazer 0 pao e o vinho, que simbolizam toda a nossa vida e a vida do mundo (com suas alegrias e esperangas, tristezas e angustias, acertos ¢ desacertos, avangos e retrocessos), e entregar nas maos do Pai, juntamente com a vida de Cristo, durante a oragao eucaristica. ¢ Proclamar a béngao da mesa, a oragao eucaristica: por Cristo, com Cristo e em Cristo; oferecer ao Pai, com os sinais do pao e do vinho, 0 “sacrificio de louvor”, dando gragas pela salvagao que ele realizou na morte-ressurrei¢ao do Senhor (anunciada na Ultima ceia pelo pré- prio Jesus); e invocar o Espirito Santo para que o mistério da Pascoa de Jesus se realize hoje entre nés, na celebracao e na vida. © Partir 0 pao e dar um pedago a todos os participantes; passar também 0 calice para que todos bebam (ou molhem 0 pao no vinho). Comendo desse pao, bebendo desse vinho, somos associados ao mistério pascal de Cristo, incorporados nele, de modo que toda a nossa vida possa ser vivida como uma grande transformagdo pascal, um cami- nho'de seguimento de Jesus, rumo a plena comunhao com 0 Pai. * Voltar as nossas atividades no “mundo”, na sociedade, como teste- munhas do Ressuscitado, profetas do Reino de Deus. Também no relato do encontro do Ressuscitado com os discipulos de Emais (cf. Le 24,13-35) reconhecemos essa mesma estrutura dinamica. O Ressuscitado vem ao encontro dos seus, caminhando com eles; a partir dos relatos feitos pelos discipulos, anuncia-lhes o sentido de sua morte- ressurreicdo; em seguida, celebra com eles a fragao do pao; cheios de ar- dor, os discipulos voltam a Jerusalém para anunciar 0 acontecido. 5 Reconhecemos nesta seqliéncia as varias partes da missa: ritos iniciais, liturgia da Pala- vra, liturgia eucaristica e ritos finais. 34 3.2. Qual € 0 sentido teolégico fundamental subjacente G acdo eucaristica? A aclamagéo memorial, introduzida durante a renovagao conciliar, nao deixa dividas: Eis 0 mistério da fé! Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreicao. Vinde, Senhor Jesus! A eucaristia é uma aco ritual, simbdlico-sacramental, ago de Cristo Ressuscitado na forga do Espirito Santo, atualizagaéo memorial de sua entrega e de sua glori- ficagao, fazendo de nés participantes de seu mistério pascal e de sua co- munhdo com o Pai, na expectativa da plena realizagao do Reino de Deus. E uma agao profética que aponta o rumo por onde o mundo encontrara a paz, a felicidade, a unidade. Implica nosso compromisso na construgao de uma sociedade sem fome, sem guerras, sem discriminagées, buscando cami- nhos de solidariedade, respeito e compreensdo mutua, partilha de bens. O ato de comer o pao e beber o vinho envolve o compromisso de viver de acordo com o mistério pascal que acabamos de proclamar na oragao eucaristica. Nao é uma ago individualista, mas sim comunitaria, eclesial; nossa comunhéo com Cristo é inseparavelmente também comunhao na comunidade. Todos bebem do Unico calice de salvagao, calice de béngao; um Unico pao é partido e repartido entre todos para que formem um so corpo em Cristo, pelo poder do Espirito Santo, que faz com que se amem uns aos outros, como Jesus os amou. Assim, a Igreja, a comunidade ecle- sial, nasce e cresce na ceia do Senhor, sacramento pascal, sacramento da unidade, antincio profético da comunh4o universal, quando Deus sera tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). A seguir, aprofundemos cada um desses elementos, apontando, quase que de forma esquematica, seis mudangas significativas introduzidas na “maneira de celebrar” a missa que geraram uma mudanga significativa na “teologia da eucaristia” do Concilio Vaticano II e que talvez nao tenham sido ainda devidamente assimiladas pelo povo cristéo. Para cada um desses tragos teolégicos, implicitos na renovacao da liturgia eucaristica, esbocare- mos uma aproximagao da compreensao e da vivéncia espiritual do sacra- mento central de nossa fé “no atual contexto social e cultural”. 4, MISTERIO DE NOSSA FE, MISTERIO PASCAL Vamos olhar mais de perto a aclamagao memorial: Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreigdo! Vinde, Senhor Jesus! (ou outra semelhante, baseada em 1Cor 11,26). Esta aclamagao indica o sentido central da acdo eucaristica: o mistério pascal. Vamos apontar cinco aspectos relacionados: a proclamacao da ressurreigdo, o antincio da morte do Senhor, a vinda escatolégica do Reino, o mistério de nossa fé e a missa dominical como pascoa semanal. 35

You might also like