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Conselho Consultivo Dr. Alberto da Silva Moreira Universidade Catdlica de Goids Dra. Clélia Aparecida Martins ‘Unesp, Campus de Maria Dra, Clétia Botélho da Costa Universidade de Brasilia Dra. Elza Guedes Chaves Associagdo Educativa Evangélica, Andpolis Dra, Genilda D’Are Bernardes Universidade Federal de Goiis Dr. José Alcides Ribeiro Universidade de Sa0 Paulo Dr. Leopoldo Jestis Fernandez Gonzélez Universidade Federal de Rondénia Dr. Valdemar Munhos Rodrigues Unesp, Campus de Sio José do Rio Preto Estudos — Humanidades est4 indexada no {ndice Bibliografico Clase, Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades, Universidad Nacional Auténoma del México Estudos: Revista da Universidade Catdlica de Goids. v. 1, n. 1 (1973) — Goiania Ed. da UCG, 1973 ~ Mensal ISSN 0103-0876 CDU 001(05)*540.3" estudos om a® “RADES PB estudos, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. O VALOR DA PESQUISA HISTORICA PARA AS RELACOES INTERNACIONAIS GEISA CUNHA FRANCO. Resumo: este artigo busca identificar as contribuigées da pesquisa historica e da historiografia para o estudo das Relagées Internacionais com base na andlise do tra- batho de diversos autores contempordneos que se utilizaram dos métodos e fontes da historia para a construgdo de seus argumentos, seja no estudo de relagées bilaterais ou em proposigées tedricas de maior alcance, seja no estudo da politica externa de alguns patses ou no estudo da guerra. Palavras-chave: pesquisa histérica, relagdes internacio- nais, historiografia estudioso que se aventurar na seara dos fendme- nos internacionais logo ira se deparar com duas vertentes de estudo: de um lado, a teoriae, de outro, a histéria das Relacdes Internacionais. Ambas as vertentes tiveram notdvel evolucao depois da Primeira Guerra Mun- dial e, mais ainda, depois do segundo conflito. No entanto, apesar dessa evolugao concomitante, o didlogo entre as duas vertentes nem sempre se pautou pela compreensao recipro- ca. Preconceitos e esterestipos, muitas vezes, dificultaram a aproximagio. Conforme Vigezzi (apud DUROSSELLE, 2000, p. 461): 741 Historiadores e tebricos continuam a trabalhar em territ6- rios diferentes, salvo quando fazem, sobretudo os tedricos, rdpidas incurs6es no outro campo, a fim de recolher qual- quer resultado itil. [...] Também acontece que os historiadores e os tebricos se consideram como inimigos mais ou menos declarados, entre os quais tudo se opGe: métodos, inten- ¢des e resultado. Grosso modo, poder-se-ia dizer que os historiadores acusam 0s te6ricos de abusarem das abstragdes e modelos na ansia de explicar a realidade, subsidiar a tomada de decisdes e de prever 0 futuro, aproximando, muitas vezes, seus métodos daqueles das Ciéncias Naturais ou da Matematica, métodos esses inadequados para as ciéncias humanas. Dessa forma, apesar da sofisticagao e originalidade de muitos modelos, eles se distanciam enormemente da realidade. O fim da Guerra Fria provocou, com efeito, o des- monte de alguns desses modelos. Os te6ricos, por sua vez, criticam 0s historiadores (sobretudo quando confundem toda historiografia com a histéria diplomati- ca) de apegar-se excessivamente ao passado e aos detalhes, de primarem pela descrigao em detrimento da andlise e pouco ofe- recerem de ajuda na tomada de decisaio aqueles que tém de optar, as vezes com urgéncia, entre um e outro caminho na condugéo da politica externa. Diante desse debate, concordamos com Saraiva (1997, p. 55) que o classifica como um “pseudo-embate”: A dicotomia entre histéria e teoria é um falso problema: uma nao pode prescindir da outra. Na verdade, o histori- ador faz teoria quando explica, sustentado em suas fontes, quando elabora conceitos e categorias de andlise. Faz trabalho de teérico, exatamente como este faz trabalho de historiador quando amplia o espectro e a base empirica de suas hipéteses. Ohistoriador das relagGes internacionais pode e deve recor- rer as teorias explicativas que o ajudem na interpretagao dos acontecimentos. De acordo com Steinert (apud DUROSELLE, 742 2000, p. 458): | | estudos, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. PB estudos, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. Uma abordagem posstvel é a andlise hierdrquica dos fa- tores que influenciaram a decisdo: os dados econdmicos, politicos, militares, pessoais, organizacionais, a opinido publica, etc. que podem variar consideravelmente com 0 tempo, sobretudo no decorrer de uma seqiiéncia decisoria. Mas, afinal, com que a histéria contribui para o estudo das Relagées Internacionais? Estaria ela habilitada a nos fornecer algo mais que um conhe- cimento diletante para ilustrar nossas abordagens teéricas? teria o rigor cientifico necessdrio para uma pesquisa que fundamentasse nossas andlises? serviria como um par4metro para orientar as de- cisdes politicas dos atores internacionais? Vejamos. Asrelagées intemacionais, como disciplina aut6noma, sio um campo bastante recente, pois datam do século XX. Tendo ela nas- cido no bergo da Ciéncia Politica, é natural que a influéncia materna tenha, inicialmente, se sobreposto as demais. A medida que a cri- anga dava seus passos, no entanto, outras influéncias epistemolégicas se lhe agregavam. Mas falemos primeiro da influén- cia materna. A Ciéncia Politica sempre buscou um rigor metodoldégico expresso na construgao de modelos teéricos utilizados como ins- trumental de andlise da realidade das disputas pelo poder e de sua manutengo e legitimacao, temas classicos dessa area. Essa busca de rigor fez com que, muitas vezes, se buscassem nas ciéncias fisicas e biolégicas os parametros de cientificidade, parimetros estes carregados das influéncias positivistas que exclufam do sa- grado pantedo os saberes menos afeitos 4 medi¢ao, quantificagao e A taxonomia. Mesmo fazendo parte das Ciéncias Humanas, os politdlogos buscavam fugir das suspeitas de imprecisao, subjetivismo e lassitude epistemoldgica que pairavam sobre as Humanidades. Tal postura resultou em grandes avangos na compreensao dos fendmenos do poder, no campo da politica interna e da politica internacional, mas também resultou em uma valorizacao, de certa forma exagerada, da tarefa de teorizar. Assim, grande parte dos profissionais de Relagdes Internacionais, mesmo assumindo seu oficio como interdisciplinar, parecem ter hierarquizado a composi ¢ao gnoseoldgica desse saber, atribuindo 4 Teoria das Relagdes Internacionais seu nticleo essencial. O aporte da Hist6ria, bem como 743 de outras ciéncias, era visto como ferramenta Util, mas nio como componente intrinseco e necessdrio as andlises. Portanto, a ‘pou- ca cientificidade’ da Histéria retirava-lhe a importancia. Ora, conforme nos lembra Gaddis (apud WOODS, 1997), se formos retirar a Histéria do pantedio das ciéncias em fungao do fato de nao se encaixar nos par4metros de cientificidade estabelecidos pelo positivismo (e sofisticados posteriormente por outras correntes cientificistas), provavelmente ela nao saird sozinha. As proprias cién- cias fisicas, pela descoberta de novos parametros, como a teoria da relatividade eo principio da incerteza, passam por uma revisao de seus pressupostos metodoldégicos. Conforme esse autor, as criticas a Hist6ria se sustentavam no fato de que esta falhava em atingir sete objetivos, a saber, a objetividade (em razao do pouco esforgo dos historiadores para livrar-se dos preconceitos e subjetividades); a padronizacio para medir os fendmenos; a construgao de modelos; a quantificagao (em razao da preferéncia pela descri¢&o); a gene- ralizagao (pela énfase na contingéncia); a sistematizago na coleta de evidéncias (pelo recurso a intuig&o) e no rigor em provar suas hipéteses (langando mao prioritariamente da retorica e persuasao). Mas esses objetivos, hoje, sao vistos de forma muito limitada e relativizada por esses outrora rigidos praticantes das hard sciences. Ocomplexo de inferioridade das Ciéncias Humanas nao se justifica mais, pois ocorreu uma aproximagao entre métodos e pressupostos cientfficos nas diferentes dreas. Isso aconteceu tanto por causa de uma evolugao na forma de fazer varias ciéncias quanto por um teste de eficiéncia que a rea- lidade impés aos modelos canonizados, rebatendo a arrogancia e a pretensdio de tudo explicar. Gaddis nos ilustra com 0 exemplo da botAnica e da geologia, caracterizadas como ciéncias histéricas, pois, atualmente, mais do que prever o futuro e estabelecer leis gerais de funcionamento das espécies vegetais ou das camadas terrestres, atém-se, sobretudo, a explicagio e descrigao minuciosa e detalhada dos fenémenos naturais e de sua evolucao ao longo do tempo. Ou seja, abdicam de qualquer tentagao reducionista que explique os fendmenos valendo-se de poucas variaveis e de pou- cas possibilidades de interagao entre si, levam em conta as mudangas que se operam no tempo e sabem que, por mais que se amplie 0 foco, € possivel que um evento contingencial afete toda possibili- dade de previsdo. PB estudio, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. | | estudos, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. Aqueles cientistas sociais que buscaram estabelecer leis de funcionamento para as agGes humanas, negligenciando 0 fato de que océrebro humano nao foi nem totalmente mapeado, muito menos teve seu funcionamento explicado, falharam incontestavelmente. Aqueles que se acreditavam portadores da objetividade total e da neutralidade cientifica, perceberam o quanto sao influenciados por sua formagao cultural, religiosa e social. Aqueles que construfram modelos sofisticados e generalizagées bastante confortdveis, na medida em que todos os fendmenos sociais pareciam poder ser engavetados nessas explicagdes, viram seus edificios rufrem pela chegada do furacdo Histéria. Nao é a Histéria dos ‘modos de produgio’ que se sucedem linearmente, nao é a Histéria evolucionista, mas a Historia feita por agentes concretos, carregados de motivagdes das mais diversas origens, seres humanos cujas identidades nao se reduzem a sua posigdo nas relagdes de produgdo nem cujos objetivos eram pos- siveis de se prever em fungao das ‘escolhas racionais’. Dessa forma, os modelos desabaram e instalou-se uma cau- tela mais salutar na tentativa de explicagdo dos fendmenos sociais, politicos, econdmicos e culturais, tanto no 4mbito interno quanto das relagGes internacionais. Neste campo, particularmente, o fim da Guerra Fria foi o fenmeno que mais desalojou teorias consa- gradas, embora a consagracao se desse mais pela repetigao do que pela comprovagao. Passado o vendaval, derrubados os pilares de pretensdes exa- geradas, o terreno ficou mais fértil para aceitar as contribuigdes da Histéria. Mas, por qué? Porque a Histéria sempre se ateve ao es- pecifico, singularidade, 4 passagem do tempo (que demonstra quao mutdveis sao as estruturas) e 4 diversidade cultural. Porque os historiadores, no officio de tentar reconstruir e compreender 0 passado, sabem que as varidveis que interferem nos fendmenos sociais, até mesmo os internacionais, so, senao infinitas, tao diver- sas, e suas possibilidades de combinacées igualmente tio variadas que a previs4o rigorosa torna-se um risco. Além disso, a hierarquizagao da importancia das varidveis na determinagao dos acontecimentos nem sempre é possivel. Aspectos pouco percep- tiveis em determinados momentos podem adquirir uma relevancia stbita, situando-se entre as ‘forcas profundas’ ignoradas pelos analistas contemporaneos aos fatos. 745 746 No final do século XVIII, quem poderia prever a forga avassaladora que viriam a adquirir os movimentos nacionalistas e operdrios? hd trés décadas, quem poderia prever que o terrorismo islamico adquiriria esta centralidade nas questdes da politica externa norte-americana e, conseqiientemente, nas relagGes internacionais? quem poderia pensar os pafses do leste europeu compondo a Unido Européia ou, ainda mais, a Otan? E esses elementos s6 podem ser percebidos e dimensionados tomando-se por base uma rigorosa pesquisa hist6rica, fundamentadana consulta de fontes variadas, no respeito, na critica e no cruzamento dessas fontes. Entdo, a Histéria vem se impondo nao apenas como ferramen- ta, mas como componente essencial do estudo das Relagées Internacionais, obviamente sem a pretensio de ser 0 Unico ou o mais importante deles, mas consolidando um fértil campo do saber. Vejamos como se deu a evolugao desse ‘nicho epistemolégico’, denominado Histéria das Relages Internacionais. A HISTORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS: SURGIMENTO E EVOLUCAO Oestudo histérico dos fenémenos internacionais tem um mar- co nitido quando a critica a histéria diplomatica se avoluma e esse campo se reestrutura, com base em novos parametros, e dé lugar a histéria das relagées internacionais. Ent&o, o campo de possibi- lidades para o estudo de novos temas amplia-se consideravelmente. A primeira corrente, predominante até, pelo menos, as primei- ras décadas do século XX (MERLE, 1980), por concentrar-se predominantemente nos atos governamentais, nas relagGes entre Estados, nos documentos oficiais ligados a diplomacia, era limitada em amplitude, em profundidade e, pode-se dizer também, em credibilidade. Em amplitude, pois negligenciou atores e forgas que, mesmo fora da esfera estatal, interferem nas relagdes internacio- nais; em profundidade, pois direcionou 0 foco de sua pesquisa primordialmente aos documentos oficiais, desconsiderando, mui- tas vezes, fontes primarias que revelavam dimensoes importantes para a andlise dos fenémenos em questo e contentando-se com a mera descricdo factual, no lugar de uma andlise dos processos € das estruturas; em credibilidade, por basear-se, em grande parte, na versao oficial dos fatos abordados. [Bi estudos, coiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. | | estudos, Goiadnia, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. A abordagem denominada historia das relag6es internacionais resultou de alguns fatores, a saber, a percepcao da insuficiéncia da hist6ria diplomatica como instrumental de andlise, sobretudo apés o choque da Primeira Guerra Mundial; 0 didlogo com a Ciéncia Politica; e a influéncia marcante da Escola dos Anais no campo epistemoldégico da Histéria, a partir dos anos 1920, partindo da Franca. Essa escola, que teve Marc Bloch e Lucien Fevre como precursores, enfatizava a andlise das grandes estruturas econémicas, sociais e culturais e dos processos de longa duragao em detrimento das ‘hist6rias nacionais’ , de marcado cunho factual, descritivo, linear e apologético, O eco dessa mudanga historiografica fez-se sentir no campo de estudo dos fendmenos internacionais, a partir dos anos 1950. do século XX, também na Franga, com Pierre Renouvine Jean Baptiste Duroselle, entre outros que se seguiram. Ao destacar a importan- cia das ‘forgas profundas’ a afetar a cena internacional e a influenciar as agdes dos ‘homens de Estado’, Renouvin langou luz sobre fendmenos antes menosprezados como os movimentos so- ciais, as forgas econémicas, as correntes de opiniao e as correntes demograficas. A onda crescente dos movimentos nacionalistas, a partir do século XIX, e a conseqiiente quebra dos impérios multinacionais ao final da Primeira Guerra, as transformagées econémicas do capitalismo, gerando o capitalismo monopolistaea competi¢do internacional pela exportagao de capitais, as paixdes (a favor ou contra) geradas pelos ideais socialistas demonstraram, de forma contundente, que tais fendmenos nao podiam mais ser ignorados por qualquer estudioso. Além disso, o processo de democratizagio, iniciado na Revo- lugao Francesa e aprofundado com enormes variagGes nacionais, nos séculos XIX e XX, fez com que as decisées politicas saissem da esfera exclusiva dos reis, ministros e presidentes e passassem a ser partilhadas com a sociedade. Esse fenémeno, de inicio, ficou mais restrito as decisdes de politica interna, mas, progressivamente, estendeu-se as decisdes de politica externa. O préprio distan- ciamento entre essas duas esferas foi diminuindo 4 medida que, cada vez mais, a vida internacional se entrelagava & vida nacional eisso se refletia na percepgao do eleitor. Obviamente, a globalizagao aprofundou, sobretudo apés 0 arcabougo institucional articulado em Bretton Woods, esse entrelagamento dos campos da politica 747 interna e externa, trazendo novos atores, objetos e temas cuja relevancia se impunha incontestavelmente e cuja andlise deman- dava novas metodologias. A CONTRIBUICAO DA PESQUISA HISTORICA E, atualmente, como se pode perceber a contribuigdo historiogréfica para o estudo das Relagées Internacionais? Vejamos alguns exemplos. Quando se colocam aos interna- cionalistas algumas questOes importantes como a possibilidade de se estabelecer um nexo entre os regimes politicos e suas politicas externas, como ocorreu no semindrio Foreign Policy and Political Regime’, realizado na Universidade de Brasilia, em 2003, todas as tentativas de resposta, sejam elas realizadas por teéricos, historia- dores ou outros cientistas, tém a Histéria no cerne. E uma histéria calcada na rigorosa pesquisa e andlise das fontes, em detrimento da histéria fundamentada exclusivamente em fontes bibliografi- cas, forjada para corresponder as argumentagGes do seu artifice. Sendo, vejamos. Frank (apud SARAIVA, 2003), em seu artigo Political Re- gimes and Foreign Policies: Attitudes Toward War and Peace, coteja as abordagens do realismo e dos liberais a respeito dessa questao, ¢ a primeira julga quase irrelevante o tipo de regime no estabelecimento das politicas externas, uma vez que o que efeti- vamente conta € 0 interesse nacional, ¢ a segunda defende a chamada Teoria da Paz Democratica, segundo a qual, a probabi- lidade de duas democracias entrarem em guerra é minima. Sem tentar repetir aqui seu brilhante percurso de investiga- ¢40 e andlise sobre o tema, quero apenas salientar que suas respostas sfo buscadas nado em modelos teéricos generalizantes, com res- postas taxativas, mas na trajet6ria histrica singular, especifica das interages entre os paises que participaram de guerras nos dois tiltimos séculos. Se, de um lado, o autor mostra que é impossivel fazer uma generalizagao dessa relagao para todas as guerras, e alguns exemplos parecem reforgar a tese dos realistas, ao passo que outros sustentam os argumentos dos liberais, tampouco cai numrelativismo total que renuncie a qualquer explicagao. Ele mostra, por exemplo, a continuidade da politica externa francesa perpas- sando governos autoritdérios e democraticos, imperiais e E estudos, Goiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. Pl estudos, coisnia, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005. republicanos. Mostra também que regimes democraticos evitaram a guerra, mas nao se furtaram a fazé-la quando ela foi provocada por agressao territorial; que ganharam todas as guerras de que participaram, exceto aquelas extremamente impopulares que nao conseguiram mobilizar a opiniao publica a seu favor. Mostra que um fator — no caso, o regime de um Estado ser democratico — por si s6 nao é suficiente para explicar uma determinada conseqiién- cia, participar ou ganhar uma guerra, pois h4 outros fatores intervenientes de grande peso, no caso, 0 apoio ou a rejeiciio de tal decisao pela opiniao publica. Frank atenta também para o risco de generalizagdes apressa- dasa que alguns conceitos, adespeito de sua utilidade e larga utilizacao, como 0 conceito de totalitarismo, podem conduzir. Embora os regi- mes nazista e fascista, de um lado, e soviético, de outro, possam ser caracterizados como totalitdrios, em razao do alto grau de autoritarismo, controle de praticamente todos os aspectos da vida social e politica de seus cidadaos, pelo uso indiscriminadoe massificado da repressao pelo Estado, essa semelhanga nao pode ocultar dife- rengas que resultam em posturas decisivamente dispares em politica externa. Sejam diferengas de ideologias — a conquista do espago vital, a lei do mais forte e a necessidade de eliminagao das ragas inferiores, no nazismo, em oposi¢ao a busca do reino daigualdadee do fim do Estado em um idilico e distante futuro, no comunismo—ou mesmo diferengas de avaliagao do jogo de forcas no sistema inter- nacional. Tais diferengas foram de crucial importancia para a op¢aio pela guerra, pelos primeiros, e negagao da guerra abertae declarada contra os paises democraticos, pelos segundos. Para dizer em poucas palavras, Frank mostra que é possivel algum nivel de generalizagao, desde que sejam levados em conta os diferentes aspectos que condicionaram as relagées internacio- nais do periodo estudado, bem como as politicas exteriores. Um olhar critico com essa agudeza seria de grande utilidade nao s6 aos estudiosos da vida internacional, mas também aos formuladores de politicas exteriores das grandes poténcias. Na tentativa de responder a essa mesma quest4o, Wolfgang Dopcke (apud SARAIVA, 2003) analisa 0 caso da politica externa da Africa do Sul, norteado pela seguinte pergunta: teria a politica externa mudado substancialmente a partir do fim do regime do apartheid? Novamente, com base nas especificidades que gera- 749 750 ram a construgio politica desse regime ¢ o conduziram 4 sua crise, valendo-se das complexas varidveis que condicionavam as rela- ges desse pais com seus vizinhos e com 0 sistema internacional, so investigadas as possibilidades de resposta. E 0 autor nos mos- tra que o peso relativo das condicionantes muda muito ao longo do tempo. Fatores morais, como a hostilidade internacional ao regime racista, reforgada pela politica de direitos humanos de Carter, tiveram um forte peso, mas tém que ser contrabalangados, posteriormen- te, com outros fatores, como a necessidade circunstancial de apoio, buscada pelo presidente Reagan em sua reedi¢ao da guerra fria nos anos 1980, para contrapor-se aos governos da regido ou por- que eram apoiados por Moscou, ou pelo fato de que paises vizinhos, governados por negros, mesmo condenando moralmente 0 re gi- me, tinham fortes (ou vitais) lagos econdmicos com o pais de Pieter Botha. Nesse caso, se partirmos de dois aspectos apenas — 0 racismo institucionalizado pelo Estado ¢ sua politica externa agressivaem relagdo a alguns paises vizinhos (Total Strategy, entre outras) — para identificar o regime sul-afticano com 0 nazista, como fizeram alguns estudiosos, perderemos de vista duas diferengas fundamen- tais para a compreensio de sua natureza e de sua politica externa. Primeiramente, o governo sul africano nao tinha em mente uma expansao territorial, como o Fiirher, mas, sobretudo, estabelecer um ‘cordao sanitario’ de seguranca que garantisse a sobrevivéncia de um Estado governado por brancos (0 que, obviamente, nao lhe retira a violéncia e agressividade). Em segundo lugar, nao visava aeliminacao fisica dos negros, pois eles cram parte integrante da economia desse pais. Assim, Dépcke demonstra que, nesse perfodo de profundas transformacées, houve continuidade e rupturas na politica exterior e que nao € possivel estabelecer nexos causais mecanicos entre esta € oregime politico, mas relagdes mais matizadas pelas circunstancias e especificidades. Embora intimamente relacionadas em suas cau- sas e efeitos, nao foi o fim do Apartheid que conduziu a uma mudanca na politica externa, pois essa mudanga ja iniciara seus passos nos governos de Bothae De Klerk, em razao de pressées internas, como acrise econdmica e a critica interna, e externas, como as mudangas no jogo internacional de forgas, como o forte declinio da URSS ede sua interven¢do no continente africano. Em sfntese, trata-se de dois PB estucos, coiania, v. 32, n. 5, p. 741-756, maio 2005.

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