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Joseph S. Nye Jr. Prefacio de Henrique Altemani de Oliveira, autor, professor de relagdes internacionais da PUC/SP e especialista em politica externa Cooperacao e conflito nas relacodes internacionais Uma leitura essencial para entender as principais questdes da politica mundial Traducao: Henrique Amat Rego Monteiro Revisao técnica: Janina Onuki Genie O Fracasso da Seguranca Coletiva ea Segunda Guerra Mundial 3 lideres Aliados vitoriosos Lloyd George, Clemenceau e Wilson pouco antes da assinatura do Tratado de Versalhes, 1919 ASCENSAO E QUEDA DA SEGURANCA COLETIVA, Primeira Guerra Mundial causou uma enorme perturbacao social e ondas de choque de repulsa ante a mortandade absurda (Tabela 4.1). A politica do equi- librio de poder foi amplamente culpada pela guerra. Woodrow Wilson, o presidente americano durante a Primeira Guerra Mundial, era um liberal classico do século XIX que considerava imorais as politicas de equilibrio de poder porque elas violavam os principios democraticos e a autodeterminacéo nacional. Ele afirmou: “O equilibrio de poder € o grande jogo agora desacreditado para sempre. Trata-se da velha ordem Capiruto 4 108 COOPERACKO E CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS perniciosa que prevaleceu antes dessa guerra, O equilibrio de poder é algo de que podemos nos privar no futuro”.>> TABELA 4.1 Mortes da Guerra, 1914-1918 Pais Mortes Alemanha 1.750.000, Austria-Hungria 1.250.000, Bul; 100.000, Estados Unidos 112.000. Franca 1.500.000 Gra-Bretanha (incluindo o império) 900.000 Itdlia 600.000 Roménia 300.000. Russia 1.750.000 Sérvia 50.000, Turguia 30.000, Wilson tinha razao, porque as politicas de equilibrio de poder nao priorizam a democracia ou a paz. Como vimos, o equilibrio de poder é um meio de preser- var sistemas de estados soberanos. Os estados atuam para impedir que qualquer estado se torne preponderante. O equilibrio de poder resultante leva em conside- racdo a guerra ou as violagées da autodeterminagao se essa for a tinica maneira de preservar a independéncia, Entretanto, a Primeira Guerra Mundial foi tao devas- tadora, caética e brutal que muitas pessoas comecaram a pensar que a guerra para pteservar o equilibrio de poder nao seria mais toleravel. No entanto, se 0 mundo nao poderia mais suportar o sistema de equilibrio de poder, o que deveria tomar seu lugar? Os estados soberanos nao poderiam ser abolidos, admitiu Wilson, mas a forca poderia ser regulada pela lei e pelas instituicdes assim como acontecia no nivel inter- no. A solugao liberal foi criar instituicdes internacionais andlogas as legislaturas e aos tribunais internos de modo que os procedimentos pudessem ser aplicados no nivel internacional. Alguns liberais da época pensaram que a Primeira Guerra Mundial fora travada nao s6 para tornar 0 mundo seguro para a democracia, mas que a democracia por seu turno poderia tomar o mundo mais pacifico. Em janeiro de 1918, Wilson emitiu uma declaracdo de 14 pontos com as razdes pelas quais os Estados Unidos entraram na guerra. O décimo quarto ponto era o mais importante, Ele reivindicava “uma associacdo geral das naces a ser constituida sob condicdes especificas com © propésito de sustentar garantias mutuas de independencia politica e integridade % Woodrow Wilson, cit in Ray S. Baker; Willian E, Dodd (eds) The public papers of Woodrow Wilson: war and peace, vol. 1. New York: Harper, 1927, p, 182-183 Cavirero 4 Fracasso pa Securanca CoLeriva E 4 Secunpa Gueana MunpiaL 109 cerritorial para todos os estados, grandes ou pequenos”, Sem diivida, Wilson queria dar o sistema internacional de um tipo baseado na politica do equiltbrio de poder para outro baseado na seguranga coletiva A Liga das Nagées Embora os criticos tenham chamado Wilson de utépico, ele acreditava que a organizacdo da seguranca internacional poderia ser um tratamento pratico da politica mundial. Ele sabia que meros acordos e tratados no papel ndo seriam suficientes; eram necessarias organizagdes e regras para por em pratica os acordos e obrigar o cumprimento das leis. Foi por isso que Wilson acreditou tanto na ideia da Liga das Nacées. A forca moral era importante, mas era necesséria uma forca militar para am- para-la. A seguranca precisava ser uma responsabilidade coletiva. Se todos os estados no agressivos estivessem do mesmo lado, Wilson acreditava que a preponderancia do poder estaria do lado dos bons. A seguranga internacional seria uma responsabi- lidade coletiva em que os paises nao agressivos formariam uma coalizio contra os agressores. A paz seria indivistvel. De que modo os estados poderiam produzir esse sistema novo de seguranca coletiva? Em primeiro lugar, tornar a agressdo ilegal e condenar a guerra olensiva. Em segundo lugar, coibir a agressdo formando uma coalizao de estados nao agres- sivos. Se todos se comprometessem a ajudar qualquer estado que fosse vitima em qualquer lugar do mundo, existiria uma preponderancia do poder do lado das forcas ndo agressivas. Em terceiro lugar, se a intimidacdo falhasse e ocorresse a agress4o, todos os estados concordariam em. punir estado que tivesse cometido a agressdo, Essa doutrina de seguranca guardava algumas semelhancas com as po- Iiticas do equilibrio de poder, uma vez que os estados tentariam coibir as agressdes desenvolvendo uma coalizéo poderosa, e se a intimidacao fracassasse, eles estariam dispostos a usar a forca. No entanto, havia trés diferengas importantes entre as politicas de seguranga coletiva e de equilibrio de poder. Primeiro, na seguranca coletiva o foco recaia sobre as politicas agressivas de um estado e nao em stia capacidade. Isso contrastava com as politicas de equilibrio de poder, nas quais se criavam as aliancas contra qualquer estado que estivesse se tomando forte demais; quer dizer, o foco recafa sobre a ca- pacidade dos estados. Segundo, ao contrario do sistema de equiltbrio de poder, no qual as coalizées eram formadas antecipadamente, no sistema de seguranca coletiva as coalizdes poderiam nao ser predeterminadas, porque nao se sabia quais estados seriam agressores. Entretanto, depois que a agressdo ocorresse, todos os estados se agrupariam contra o agressor. Terceiro, a seguranca coletiva foi criada para ser mun- dial e universal, sem partes neutras ou independentes, Se paises demais se mantives- sem neutros, a coalizao dos bons poderia parecer fraca e diminuiria a capacidade da coalizao de intimidar ou punir o agressor. ‘A doutrina da seguranca coletiva foi materializada no Pacto da Liga das Na- es, 0 qual, por sua vez, fazia parte dos tratados que puseram fim a Primeira 110 Coorrracio & CONFLITO NAS RELACOES INTEENACIONAIS Guerra Mundial. Diversos dos artigos do Pacto da Liga das Nag6es eram especial- mente dignos de nota. No Artigo 10, os estados comprometiam-se a proteger todos os membros contra agressdes. No Artigo 11, qualquer guerra ou ameaca de guerra eram declaradas como uma preacupacio de todos os estados. Nos Artigos 12 e 15, os estados concordavam em submeter suas divergéncias a arbitragem e nao ir guerra antes de trés meses apés 0 fracasso da arbitragem. O Artigo 16, o artigo decisivo, afirmava que qualquer guerra contraria aos procedimentos da Liga das Nacoes seria considerada uma declaracdo de guerra contra todos os membros da Liga das Nagées. O estado que comecasse uma guerra estaria imediatamente sujeito a sancées econdmicas ¢ o Conselho da Liga poderia recomendar medidas militares adicionais. Isso parece muito direto, mas havia ambiguidades. Todos os membros precisa- vam concordar em aplicar a seguranca coletiva. Assim, cada estado tinha um veto. Ao assinarem 0 Pacto, os estados concordavam em aceitar as consequencias do Artigo 16, mas na pratica dependia de cada estado decidir sobre que tipos de sangoes aplicar e como implementé-las; eles nao eram coibidos por nenhuma autoridade superior. Assim, a Liga das Nacées nao foi um avanco no sentido de um governo mundial em. que uma autoridade superior pudesse submeter os estados membros a determinadas politicas. Nao significou o fim do sistema anarquico de estados, mas, ao contrario, um esforco para fazer os estados disciplinarem coletivamente os membros desgover- nados do sistema internacional. A seguranca coletiva envolve dois conceitos relacionados: soberania ¢ legislacao internacional. A definicao de soberania é muito simples: a supremacia legal dentro de determinado territorio. Conforme defendida por estados moralistas e estabelecida pela Liga das Nacées, a soberania do estado é absoluta e inviolavel; o governo de um estado tem autoridade total dentro de suas fronteiras. Ele pode limitar essa autoridade apenas com seu proprio consentimento; isto é, se um governo assina um tratado per- mitindo que outro governo tenha alguma influencia em seus dominios, o que é uma limitacdo consentida em vez de uma infragdo da soberania. Assim, ao assinar 0 pacto da Liga das Nacées, os estados desistiam voluntariamente de parte da soberania em favor da comunidade internacional em troca das garantias de uma seguranca coletiva e uma legislacao internacional. Conforme Wilson entendia e estava implicito na carta constitucional da Liga das Nacées, a legislacdo internacional transcendia a legislacao nacional, e dessa maneira a soberania em determinadas situacdes. Desde a Paz de Westfalia, de 1648, um princfpio central de legislacao internacional era que os estados so soberanos a ndo ser quando violam a legislacdo internacional, e nesse caso est4o sujeitos a punicées. A seguranca coletiva estava para a legislagao internacional como a polf- cia esta para a legislagao interna. Entretanto, a legislacao internacional gozava de muito menos aceitagao entre os estados do que a legislagao interna, Muitos estados recusaram-se a ser limitados pela legislacdo internacional ¢ encararam a adesao como voluntaria € néo como obrigatoria. Cartruto 4 Fracsso a Securanca Coteriva & a Secunps GUERRA MUNDIAL 111 Os Estados Unidos e a Liga das Nacées A relutancia dos estados a renunciar a parte da soberania em troca da segu- Tanga coletiva acha-se no centro de um dos mais notaveis pontos fracos da Liga: a negacao dos Estados Unidos quanto a participar de sua propria criacgéo. O Senado americano recusou-se a ratificar 0 Tratado de Versalhes, que continha os termos que endossavam a criagio da Liga das Nagdes. Em consequencia disso, o sistema de seguranca coletiva precisou funcionar sem aquele que teria sido seu maior participante. Por que os Estados Unidos recuaram quando, em grande extensio, a Liga era uum plano liberal americano para reordenar a politica mundial? Depois da Primeira Guerra Mundial, a maioria dos americanos queria voltar 4 “normalidade”. Muitos definiam “normal” como evitar 0 envolvimento nos assuntos internacionais. Os ad- versarios do envolvimento americano nos assuntos mundiais alegaram que a Doutri- na Monroe, de 1823, limitava os interesses americanos ao Hemisfério Ocidental, e assinalaram a adverténcia de George Washington de que os Estados Unidos deveriam evitar “aliancas embaracosas”. O lider dessa oposicao & Liga das Nacées, o senador Henry Cabot Lodge, de Massachusetts, temia que 0 Artigo 16 do Pacto diluisse tanto a soberania americana quanto 0 poder constitucional do Senado de declarar guerra Lodge suspeitava que os Estados Unidos pudessem ser atrafdos para guerras distantes com base nas decisoes da Liga para impor a seguranca coletiva e nao pela decisdo do Senado ou a vontade do povo americano. A discussao entre o presidente Wilson e seus adversarios as vezes é retratado como um choque entre 0 idealismo e o realismo, mas também pode ser conside- rada como um debate entre formas diferentes do moralismo americano. A recusa obstinada de Wilson de negociar os termos com Lodge foi parte do problema. No entanto, a resisténcia do Senado refletia uma atitude americana antiga em relacdo ao equilibrio de poder na Europa. Os adversarios da Liga acreditavam que os es- tados europeus seguiam politicas imorais em nome do equilibrio de poder e que 0s Estados Unidos nao deveriam ser um participante efetivo daquelas jogadas. Na verdade, porém, os Estados Unidos foram capazes de ignorar o equilibrio de poder no século XIX porque os americanos se aproveitavam de uma vantagem por tras da frota britanica. Outros paises europeus nao podiam ingressar no Hemisfério Oci- dental para ameacar os americanos. E embora os Estados Unidos fossem isolacio- nistas em relag4o a Europa, nao eram tao isolacionistas assim quando se tratava de interferir nos assuntos de seus vizinhos mais fracos da América Central, México ou Cuba. No fim da Primeira Guerra Mundial, os americanos se dividiam entre duas formas de moralismo, e o impulso isolacionista em relagao a0 equilibrio de poder europeu venceu. O resultado foi que o pats que alterara 0 equilibrio de poder na Primeira Guerra Mundial recusou-se a admitir a responsabilidade pela ordem no pos-guerra. 112 COOPERACAO E CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS Minha concepcao da Liga das Nacées ¢ exatamente esta, que ela deve funcionar como a forca moral organizada entre os homens de todo o mundo, e que em to- das as ocasides ou em todos os lugares em que as mas agdes € a agressio forem planejadas ou contempladas, essa luz vigilante da consciencia deve ser conduzida em sua direcao. — Woodrow Wilson** Os Primeiros Dias da Liga © que a Franca queria mais do que tudo ao fim da Primeita Guerra Mundial eram garantias militares de que a Alemanha nao se levantasse de novo. Uma vez que os Estados Unidos nao participaram da Liga das NacGes, a Franca pressionou a Gra- -Bretanha em busca de uma garantia de seguranga e de preparativos militares para © caso de a Alemanha se recuperar. A Gra-Bretanha resistiu com base em que uma alianca dessas iria contra o espirito da seguranca coletiva porque identificava 0 agres- sor de antemao. Além disso, a Gra-Bretanha considerava a Franca mais forte do que a Alemanha, e sustentou que nao havia necessidade de uma alianga, mesmo nos termos do equilibrio de poder tradicional. A Gra-Bretanha afirmou que era importante rein- tegrar a Alemanha no sistema internacional, assim como o Congresso de Viena per~ mitira a volta da Franca ao Concerto Europeu no fim das Guerras Napoleénicas em 1815. As paixdes da guerra tinham se aplacado mais rapidamente na Gra-Bretanha do que na Franca, e os ingleses achavam que era o momento de apaziguar os alemaes e trazé-los para dentro do processo. Inabalada por esses argumentos, a Franga formou aliancas com a Polénia, que renascera no fim da Primeira Guerra Mundial, e com a “Pequena Entente”, os estados da lugoslavia, Tchecoslovaquia e Romenia, que surgira a partir do antigo Império Austro-Htingaro. A politica francesa fracassou por ndo conseguir nem uma coisa nem outra: nao s6 essas aliangas iam contra o espirito da seguranca coletiva, mas também nao eram muito produtivas para a Franca em termos de equilibrio de poder. A Polonia desentendia-se com seus vizinhos e, como aliada da Franga, agia como um mau substituto da Russia, que fora condenada ao ostracismo por causa da Revolucao Bolchevique. Os estados da Pequena Entente eram desestabilizados por problemas étnicos e divisées internas, e em consequencia disso também eram aliados fracos. ‘A Alemanha saiu da Primeira Guerra Mundial imensamente enlraquecida (Figura 4.1). Perdera 65 mil quilometros quadrados de territério e 7 milhées de habitantes. Assinado em junho de 1919, o Tratado de Versalhes forcou a Alema- nha a reduzir seu exército a apenas 100 mil homens e proibiu-a de ter uma forca aérea. O tratado continha a famosa “clausula de culpa pela guerra”, atribuindo a culpa pela guerra unicamente a Alemanha. Uma vez que a Alemanha era a respon- 37” Woodrow Wilson, cit, in Inis L. Claude, Power and international relations. New York: Random, 1962, p. 104. Captruro 4 © Fracasso a Securanca Coteriva & 4 SEGUNDA GUERRA Muxprat. 113 el, 0s vitoriosos sustentaram que ela devesse pagar por seus custos. A conta de aracdes foi de 33 bilhdes de délares, uma soma que os alemaes consideraram absurdamente alta, considerando sua posicéo econdmica prejudicada. Quando xaram de pagar inicialmente, a Franga enviou tropas para ocupar a regio in- ustrial do Ruhr alemao até que o fizessem. Depois de engajar-se em uma resis- cia passiva, a Alemanha sofreu uma inflacdo enorme que esgotou as economias de sua classe média. Isso, por sua vez, eliminou uma das fontes da estabilidade nterna enquanto a Republica de Weimar lutava contra as dificuldades para insti- uir a democracia. O Preco da Derrota As perdas territoriais da Alemanha pelo Tratado de Versalhes de 1919 Rew Schleswig do Norte Danzig part Binns b> 2 ade 2 oO PRUSSIA ‘A Aleman perdeu todas as suas ORIENTAL colias; muito alemdes = Pome [desi ‘retomaram i Alemanha| : satel Comunista | Rio Oder \CIDEI 1918-1919 HOLANDA JOLan Onno poreme Eapen e Malmedy reuniu-se age por ron Baye causa da rebelo em Betis por BEDGICAL jssoa Alemanha I onc on como Repiblca | farina de eno és Weimar_Il de Saar cacm sob sPaie © govern frances *Veralhes ; orcino anos_|rCHECOSLOVAQUIA ALSACIA BLOREN. [A Aleman fa proibida ara Prange (que proibida | AUSTRIA reac de seunir Austria Ris Demibio ara a Alemanka a Outros Tratados de Paz: “Todos foram asinados em plicios rancses a poucos FRANCA auilometros de Pais Teando de St. Germin 1919—vom a Austria derotada ‘Tratadode Neuilly 1919—com a Bulgira derrotada Tesi perdido pela Tratado de Sevres 1920-—com a Turquia derotada Aleman para outos pie nas ese ratado mo foi adotado “Teritsro perdido pela ‘eum novo fi asinado.em Alemania para a Liga Lausanne em 1923, > Alemtes desaojados Teatado de Tisnon __1920-—com a Hangrn derrorada Figura 4.1 As Perdas Alemas 114 —_CooPERACAo & CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS A Italia munca se interessou muito pelos tratados de paz de Paris ou pela Liga das Nagées. Originariamente, a Italia fora aliada da Alemanha e da Austria- -Hungria, mas no comeco da guerra os italianos decidiram que ganhariam mais com os Aliados e mudaram de lado. No secreto Tratado de Londres, assinado em 1915, foi prometida uma compensacdo a Itdlia a custa da parte do Império Austro- -Huingaro que se tornou a lugoslavia no pés-guerra. Os italianos esperavam que aquelas promessas fossem cumpridas, mas Woodrow Wilson objetou contra esse tipo de comportamento antiquado com relacdo aos espélios de guerra. Além disso, depois que Benito Mussolini e os fascistas tomaram o poder em 1922, um de seus objetivos na politica internacional era obter a gloria e finalmente cumprir o desti- no de um novo Império Romano. As metas eram incoerentes com a nova visdo de seguranca coletiva Com um comeco desses, € admiravel que a Liga fosse capaz de conseguir rea- lizar alguma coisa, Ainda assim, 1924-1930 foi um periodo de sucessos relativos. Fizeram-se planos para diminuir as proporcdes das reparacées que a Alemanha tinha de pagar. Em 1924, os governos assinaram um protocolo sobre a solucao pacifica das desavencas em que prometiam arbitrar suas diferencas. Talvez o mais importante de todos, em 1925, 0 Tratado de Locarno permitiu que a Alemanha ingressasse na Liga das Nacées e reservava ao pats um lugar em seu conselho. O Tratado de Locarno tinha dois aspectos. No oeste, a Alemanha garantia que suas fronteiras com a Franca ¢ a Bélgica seriam inviolaveis. A Alsécia-Lorena, tomada por Bismarck na Guerra de 1870, fora devolvida a Franga pelo Tratado de Versalhes, ea Alemanha prometia desmilitarizar a Renania. Locarno reafirmava aqueles resulta dos. No leste, a Alemanha prometia arbitrar antes de fazer mudangas em sua fronteira oriental com a Polénia e a Tchecoslovaquia. Essa segunda clausula deveria ter feito soar o sino de alarme, pois passavam a existir dois tipos de fronteiras ao redor da Alemanha — uma parte inviolavel no oeste e uma parte negociavel no leste. Mas, naquele momento, esses acordos pareciam progressos. A Liga conseguiu resolver algumas desavencas menores, tais como uma entre a Grécia e a Bulgaria, e deu inicio a negociagdes para o desarmamento, Em seguida a Conferéncia de Washington, em 1921, na qual Estados Unidos, Gra-Bretanha e Japéo concordaram em uma medida de desarmamento naval, a Liga organizou uma comis- sio preparatoria para conversacdes mais amplas sobre desarmamento, preparando 0 cenario para uma conferéncia mundial que finalmente se reuniu (tarde demais) em 1932. Alem disso, em 1928, os estados concordaram em condenar a guerra no Pacto Kellogg-Briand, que recebeu esse titulo em homenagem aos ministros americano e francés das Relagdes Exteriores. O mais importante de tudo, a Liga tornou-se um centro de atividade diplomatica. Embora nao fossem membros, americanos e russos comegaram a enviar observadores para as reunides da Liga em Genebra. O colapso fi- nanceiro mundial em outubro de 1929 e o sucesso do Partido Nacional Socialista nas eleigdes alemas de 1930 foram prentincios dos problemas futuros, mas assim mesmo Cartruto 4 © Fracasso Da SeGURANCA CoLerIva # A SEGUNDA GUERRA MuNDiaL 115 ainda havia um sentimento de progresso na assembleia anual de setembro de 1930 da Liga das Nacdes. No entanto, esse otimismo quanto ao sistema de seguranca coletiva se dissipou pelas duas crises na década de 1930, na Manchuria e na Etiopia. O Fracasso Manchu Para compreender 0 caso manchu, devemos compreender a situagao do Japao. O Japao se transformara de vitima potencial da agressao imperialista em meados do século XIX em poténcia imperialista muito bem-sucedida no final do século. O Ja- pao derrotou a Russia na guerra durante 1904-1905, colonizou a Coreia em 1910 € uniu-se aos Aliados na Primeira Guerra Mundial. Depois da guerra, o Japao pretendia ser reconhecido como uma poténcia importante. Os europeus e os americanos resis- tiram. Nas conversagées de paz de Paris em 1919, os governos ocidentais rejeitaram uma proposta japonesa de que o Pacto da Liga afirmasse 0 principio da igualdade racial. Essa decisao espelhava o sentimento politico interno do Congresso americano, que, na década de 1920, aprovou leis racistas, excluindo os imigrantes japoneses. Simultaneamente, a Gra-Bretanha pés fim a seu tratado bilateral com 0 Japao. Muitos japoneses conclufram que as regras mudaram exatamente quando estavam prestes a entrar para o clube das grandes poténcias. A China foi 0 outro protagonista da crise manchu. A revolugdo de 1911 levow a queda da dinastia Manchu ou Qing que governara a China desde 1644 instituiu uma reptiblica. No entanto, a nacdo rapidamente entrou no caos quando irrompe- ram guerras civis regionais entre os senhores da guerra rivais. A Manchuria, embo- ra fizesse parte da China, estava sob a influéncia de um desses senhores da guerra € mantinha uma posicdo quase independente. Com Chiang Kai-shek (1887-1975) como chefe militar conselheiro da republica, o movimento nacionalista chinés tentou unificar 0 pais e criticou radicalmente os tratados desiguais que sempre humilharam e exploraram a China desde o fim das Guerras do Opio imperialistas do século XIX. Quando os nacionalistas ganharam forca na década de 1920, aumentaram os atritos com 0 Japao e a China declarou um boicote contra as mercadorias japonesas Enquanto isso, no Japao, as faccdes militares e civis rivalizavam pela lideranca A crise economica mundial que comecou no fim da década de 1920 deixou o Japao, uma nacido insular, numa situacdo extremamente vulneravel. As faccdes militares ga- nharam a supremacia. Em setembro de 1931, o exército japonés provocou um in- cidente ao longo da Ferrovia Manchu, onde tiveram o direito de estacionar tropas desde a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905. Esse ato de sabotagem na Ferrovia Manchu deu ao Japao o pretexto para tomar o poder na Manchuria. Embora afirmas- se que suas acdes tinham como pretexto proteger a Ferrovia Manchu, além disso 0 Japao constituiu um estado marionete controlado pelos japoneses que foi chamado Manchukuo, instalando o tiltimo imperador Manchu da China, Pu Yi, como seu go- vernante. A China apelou a Liga das Nacdes para que condenasse a agressao japonesa, mas 0 Japao impediu a aprovagao de uma resolucao pedindo que retirasse suas tro- 116 COOPERAGAO E CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS pas. Em dezembro de 1931, a Liga concordou em enviar uma comissdo liderada pelo britanico Lorde Lytton para investigar os acontecimentos na Manchtiria. Lorde Lytton. finalmente enviou um relatério a Liga em outubro de 1932. Seu relatorio identificou 0 Japao como 0 agressor € rejeitou o pretexto do Japao como uma intervengao injus- tificada, Embora recomendasse que os membros da Liga das Nacdes nao reconhe- cessem 0 estado de Manchukuo, 0 relatorio nao reivindicava a aplicagdo das sancdes do Artigo 16 contra o Japao. Em fevereiro de 1933, a Assembleia da Liga das Nagdes votou por 42 a 1 pelo acatamento do relatorio de Lytton sobre a invaséo japonesa da Manchuria. O unico voto contra foi o do Japao, que entao anunciou a intencdo de se retirar da Liga das Nacoes. Alem disso, o caso manchu mostrou que os procedimentos da Liga das Nagées eram demorados, cautelosos e totalmente ineficazes. O episédio manchu foi um teste para a Liga, e ela fracassou A Derrocada Etiope O ultimo grande teste do sistema de seguranca coletiva da Liga das Nagdes aconteceu na Etiépia, em 1935, Dessa vez as sangdes foram aplicadas, mas o resul- tado foi novamente o fracasso. A Ttélia havia muito planejava anexar a Etiépia; nado 86 ela ficava proxima das colonias da Itélia na Eritreia junto a0 mar Vermelho, mas também os fascistas sentiam-se aftontados pelos etiopes terem derrotado um esforco italiano de colonizé-los durante a era imperialista do século XIX. As ideologias fas- cistas apregoavam que esse “erro” hist6rico deveria ser retificado. Entre 1934 ¢ 1935, a Italia provocou incidentes na fronteira entre a Eti6pia ¢ a Eritreia. Fez isso apesar da existencia de um tratado de paz entre a Etiopia e a Itdlia e apesar do fato de que a Itdlia assinara o Pacto Kellogg-Briand condenando a guerra e de que, como membro da Liga das Nacoes, tinha o compromisso de procurar a arbitragem por trés meses antes de fazer qualquer coisa. Em outubro de 1935, a Italia invadiu a Etiépia. A invasao foi um caso nitido de agressio e 0 Conselho da Liga evitou o veto italiano pelo instrumento processual de convocar uma conferéncia especial para definir quais sangdes seriam impostas contra a ltdlia. Cinquenta estados compareceram e oito dias depois da invasio a conferéncia Tecomendou aos estados membros que impusessem quatro sangdes: um embargo sobre venda de todos os suprimentos militares a Italia, uma proibicdo contra emprés- timos a Itélia, a cessacaio de importacées provenientes da Itélia e a recusa de vender determinadas mercadorias que nao pudessem ser adquiridas facilmente em outros lu- gares, tais como borracha ¢ estanho. No entanto, trés coisas estavam faltando: a Italia ainda tinha a permissio de comprar aco, carvao e petréleo; as relacoes diplomaticas nao foram rompidas; e a Gra-Bretanha nao fechou o canal de Suez a Italia, permitindo que continuasse a embarcar materiais para a Eritreia Por que os membros da Liga das Nacées nao fizeram mais? Havia um oti- mismo generalizado de que as sangdes recomendadas forcariam a Italia a se retirar da Etidpia. As sancées certamente produziram um efeito na economia italiana: as Captruto 4 Fracasso pa Securanca CoLeTiva & A Secunpa GuERRA Munpia. 117 ortacées italianas declinaram e houve estimativas de que as reservas de ouro Italia estariam exauridas em nove meses. No entanto, além de infligir prejuizos econdmicos, as sangdes nao fizeram Mussolini mudar suas politicas em relacdo a Exiopia. A ira da Gra-Bretanha e da Franca em relacdo a Etidpia era mais do que locada por sua preocupacdo com o equilfbrio de poder europeu. Gra-Bretanha Franca queriam evitar a alienacao da Itélia porque a Alemanha, agora sob a lide- ranca de Hitler, estava recuperando seu poderio, e Gra-Bretanha e Franca pensavam ue seria conveniente ter a Italia em uma coalizao para compensar a Alemanha m 1934, quando pareceu que Hitler anexaria a Austria, Mussolini moveu topas talianas para a fronteira austriaca e Hitler recuou. Os britanicos e os franceses, portanto, esperavam que Mussolini pudesse ser persuadido a ingressar em uma coalizao contra a Alemanha. Os diplomatas tradicionais nao se opuseram ao sistema de seguranga coletiva da Liga das Nagées; eles o reinterpretaram de acordo com a velha filosofia do equi- ibrio de poder. Do ponto de vista do equilibrio de poder, a tiltima coisa que eles queriam era envolver-se em um contflito distante na Africa enquanto houvesse pro- blemas urgentes no centro da Europa. A agressao distante na Africa, afirmavam os realistas tradicionais, nao era uma ameaca a seguranca europeia. Eram necessarias a conciliagéo e a negociacdo para trazer os italianos de volta para a coalizio para compensar a Alemanha. Nao é de surpreender que a Gra-Bretanha e a Franca come- cassem a se impacientar com relacao as sangdes. Sir Samuel Hoare e Pierre Laval, os ministros britanico e francés das Relacoes Exteriores, reuniram-se em dezembro de 1935 e desenvolveram um plano que dividia e Etiopia em duas partes, uma italiana ea outra como uma zona da Liga das Nagées. Quando alguém vazou o plano para a imprensa, houve manifestagdes de ultraje na Gra-Bretanha. Acusado de ter vendido a Liga das Nacdes e a seguranca coletiva, Hoare foi forcado a renunciar. No entanto, dentro de trés meses, a opiniao britanica mudou de novo. Em mar- co de 1936, Hitler denunciou os tratados de Locarno e enviou tropas alemas para a zona desmilitarizada da Renania. Imediatamente, Gra-Bretanha e Franca pararam de se preocupar com a Etidpia. Emissarios dos dois paises reuniram-se com os italianos para uma consulta sobre como restaurar 0 equilibrio de poder na Europa. Conse- quentemente, o equilibrio de poder na Europa prevaleceu sobre a aplicagao da dou- trina de seguranga coletiva na Africa. Em maio de 1936, os italianos concluiram sua vitoria militar e em julho as sancées foram retiradas. A melhor frase sobre essa tragédia foi proferida pelo delegado haitiano a Liga das Nacoes: “Grandes ou pequenos, fortes ou fracos, proximos ou distantes, brancos ou de outra cor, nunca nos esquecamos de que um dia poderemos ser outra Etiopia”.® Em poucos anos, a maioria das nacdes europeias foi vitima da agressdo de Hitler na Segunda Guerra Mundial. Os primeiros esforgos mundiais por uma seguranca coleti- va foram um fracasso desolador. Git in Walters, A history ofthe League of Nations. London: Oxford University Press, 1952, p. 653, 18 CooPERACAO & CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS OS MOTIVOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A Segunda Guerra Mundial sobrepuja todas as outras guerras em termos de seus custos humanos, estimados entre 35 e 50 milhoes de pessoas. A guerra se des- tacou pelos avangos no material bélico. Os tanques e avides que tinham acabado de ser lancados e desempenharam um papel insignificante na Primeira Guerra Mundial dominaram a Segunda Guerra Mundial. O radar desempenhou um papel importante, por exemplo, na Batalha da Gra-Bretanha, um dos momentos decisivos da Segunda Guerra Mundial. E ao fim da guerra, € claro, a bomba atmica anunciou o amanhecer da era nuclear. A Segunda Guerra Mundial terminou com uma rendicdo incondicional. Ao con- trario da Primeira Guerra Mundial, os Aliados ocidentais ocuparam a Alemanha e 0 Japao e transformaram suas sociedades durante a ocupacio. O “problema alemao” foi resolvido durante meio século pela divisto da Alemanha. A Segunda Guerra Mundial também criou um mundo bipolar em que os Estados Unidos e a Unido Soviética sai- ram do conflito muito mais fortes do que as grandes poténcias mundiais anteriores A guerra representou o fim da Europa como arbitro do equilibrio de poder. A Europa tornou-se entao um campo onde os participantes de fora combatiam, mais ou menos como a Alemanha antes de 1870. O fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 pro- duziu as diretrizes que fixaram a ordem mundial até 1989. Uma Guerra de Hitler? A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) costuma ser chamada de “a guerra de Hitler”. Embora seja verdadeira, essa explicacdo é simples demais. A Segunda Guerra Mundial também era um negocio antigo, o Segundo Ato da Guerra Mundial que pos fim a hegemonia europeia em 1918; 0 periodo entre as guerras foi apenas um interva- Jo. Hitler queria a guerra, mas nao a guerra que conhecemos como a Segunda Guerra Mundial. Ele queria uma guerra curta e grossa, uma guerra-relampago. Outra razio pela qual ela nao foi simplesmente a guerra de Hitler foi a guerra no Pacifico, Hitler insistiu continuamente, mas sem sucesso, que os japoneses atacassem a colonia brita- nica de Cingapura ou atacasse a Sibéria para afastar as tropas soviéticas da Europa. O Japao nao fez nem uma coisa nem outra; em vez disso, surpreendeu Hitler atacando a base naval americana de Pearl Harbor. A guerra no Pacffico, como parte da Segunda Guerra Mundial, teve motivos diferentes e foi mais um esforco imperial tradicional pela hegemonia regional. No entanto, podemos ir longe demais ao enfatizar outras causas. Alguns histo- tiadores praticamente exoneraram Hitler. A. J. P. Taylor sustenta que, embora Hitler fosse uma pessoa terrivel e um aventureiro muito inconveniente, ele nao passou de um oportunista aproveitando-se de vazios no poder deixados pelas politicas de apa- ziguamento das democracias ocidentais. Mas Taylor vai longe demais. Por exemplo, © livro de Hitler de 1924, Mein Kampf (Minha lutal, expde um plano vago que Taylor despreza como um discurso espalhafatoso de Hitler por estar ressentido com a invasio Caotruvo 4 —_O Fracasso a SecuraNca Coteriva £ a Secunpa GUERRA Munpiat. 119 francesa do Ruhr. Hitler, porém, escreveu outro livro, secreto, em 1928, em que repe- tia muitos dos argumentos de Minha luta. Mesmo que nao fosse um plano detalhado, era uma indicagao evidente de onde ele queria chegar Hitler saudado pelo Reichstag em 1939 Aqui, parece-me, esta a chave para o problema quanto a Hitler visar deliberadamen- te a guerra, Ele nao visava tanto a guerra quanto esperava que acontecesse, a menos que pudesse fugir dela por meio de algum truque engenhoso, como fugira da guerra civil em sua tetra. Aqueles que tem motivos malignos atribuem-nos facilmente a outros; ¢ Hitler esperava que os outros fizessem 0 que ele faria no lugar deles. —A.J.P Taylor, The origins of the Second World War {Os motivos da Segunda Guerra Mundial] A.J. P Taylor. The origins of the Second World War, 2 ed, Greenwich: Faweett, 1961, p. 281 120 CooPERAGAO F CONFLITO NAS RELAGOES INTERNACIONSAIS Taylor também trata muito superficialmente do “memorando Hossbach”, O co- ronel Hossbach, um ajudante de ordens de Hitler, fez apontamentos em uma reu- nido em Berchtesgaden em 1937 que detalhavam o plano de Hitler para conquistar territorios estrangeiros em 1943, antes que a importancia da Alemanha se tornasse obsoleta, Hitler sabia que era importante aproveitar as oportunidades quando elas surgissem no leste, e que a Austria e a Tchecoslovaquia seriam seus primeiros alvos. Taylor desconsidera a importancia desse memorando dizendo que nao se tratava de um memorando oficial. Depois que Taylor escreveu, novas evidencias apareceram. Sabemos que Hitler costumava falar de seu cronograma e desses objetivos. O memo- rando Hossbach previu de maneira geral as ages de Hitler. A Estratégia de Hitler Hitler tinha quatro opedes depois de chegar ao poder em 1933 e rejeitou tés delas. Ele poderia ter escolhido a passividade, aceitando a posicao internacionalmente enfraquecida da Alemanha. Poderia ter tentado a expansdo por meio do crescimento econdmico (como 0 Japao depois da Segunda Guerra Mundial) e levado a Alemanha a uma influéncia internacional por meio da expansao industrial. Poderia ter limitado suas metas a uma revisto do Tratado de Versalhes e recuperado parte das perdas da Alemanha de 1918. Essa opedo parecia provavel mesmo se algum outro lider tivesse chegado ao poder na Alemanha. Na década de 1930, as democracias ocidentais eram sensiveis a injustica de culpar a Alemanha por tudo da Primeira Guerra Mundial, No entanto, Hitler rejeitou essas trés estratégias e escolheu em seu lugar uma estratégia expansionista para romper com o que ele considerava uma contencao da Alemanha De seu ponto de vista, a Alemanha, presa no meio da Europa, nao poderia viver cercada para sempre. Precisava aumentar seu territério. Ele queria ir para o leste em busca de novos espacos, expandir sua base e numa etapa posterior buscar um papel maior no mundo. Hitler seguiu essa quarta op¢ao por meio de quatro fases. Primeiro, ele se dispos a destruir as diretrizes de Versalhes por meio de um conjunto muito inteligente de manobras diplomaticas. Em outubro de 1933, ele se retirou da Liga das Nagdes e da conferéncia sobre desarmamento convocada pela Liga. Ele pos a culpa de sua saida na Franca, que segundo afirmou nao estava disposta a eduzir suas forcas na conferéncia sobre o desarmamento. Em janeiro de 1934, ele assinou um tratado com a Polonia, contrariando os arranjos que a Franca vinha tentando promover com a Polénia e com outros estados europeus orientais menores por meio da “Pequena Entente”, Em mar- ¢o de 1935, Hitler denunciow as cléusulas militares do Tratado de Versalhes, dizendo que a Alemanha nao seria mais restrita a um exército de 100 mil. Em vez disso, ele anunciou planos de triplicar o exército e de formar uma forca aérea. Os britanicos, franceses ¢ italianos reuniram-se em Stresa (na Itélia) para reagir as atividades de Hitler, mas antes que pudessem chegar a um consenso, Hitler convi- dou a Gra-Bretanha a entrar em negociacoes sobre um tratado naval. A Gra-Bretanha Cantruto 4 © Fracasso na SEGURANCA CoLETIVA F 4 SeGuNDA GUERRA MUNDIAL 121 aproveitou imediatamente a oportunidade, perturbando dessa forma qualquer reacéio coordenada da reuniao de Stresa. Em marco de 1936, quando os acontecimentos na Etiépia distrairam a atengdo da Europa Central, Hitler entrou com suas tropas na Renania, que fora desmilitarizada pelo Pacto de Locarno. Ele culpou a Franca por forcé-lo a fazer isso, alegando que a Franga destrufra o tratado de Locarno ao promo- ver um acordo com a Unido Soviética. Ele deixou escapar algumas indicagées de que poderia regressar & Liga das Nac6es depois que outros estados da Europa acatassem. suas opinides sobre as revisoes do Tratado de Versalhes, uma manobra inteligente que jogava com a culpa e a incerteza em muitas das capitais ocidentais. ‘A segunda fase (1936-1940) foi a da expansao de Hitler nos pequenos paises vizinhos a Alemanha. Em 1936, Hitler delineou um plano econémico quadrienal para um crescimento militar, para estar pronto para a guerra em 1940. Ele assinou 0 Pacto do Eixo com a Italia e um Pacto Anti-Comintern com o Japao. (Fundado por Lenin em 1919 para fomentar a revolucao no estilo bolchevique em todo o mundo, a Interna- cional Comunista, ou Comintern, mudou sua politica em 1935 com Stalin para apoiar os assim chamados governos da “Frente Popular”, coalizoes antifacistas compostas de socialistas, anarquistas e “partidos burgueses”.) Hitler tambem interveio do lado dos fascistas em sua guerra contra o goveno da frente popular da esquerda eleito de- mocraticamente na Espanha. Hitler justificou envio de tropas e bombardeiros para apoiar o general fascista Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) como parte da protecdo do Ocidente contra a ameaca do bolchevismo, Em 1937, a Es- panha tornou-se um campo de provas para a forca militar da Alemanha quando os pi- lotos de Hitler bombardearam populagoes civis indefesas e aniquilaram a cidade basca de Guernica. Apesar do clamor internacional generalizado, Franca, Gra-Bretanha € Estados Unidos fizeram pouco ou nada para defender os legalistas da Republica Espa- nhola. No ano seguinte, 0 chanceler Schuschnigg da Austria convocou um plebiscito para saber se a Austria devia unir-se a Alemanha, esperando que 0 povo austriaco vo- tasse contra, antes que Hitler os forcasse a isso. Mas Hitler interveio, Em 1938, tropas alemas marcharam sobre Viena, pondo um fim a independéncia austriaca A Tehecoslovaquia foi a seguinte. Hitler pressionou a Tchecoslovaquia fazendo pressio sobre o problema da autodeterminacao nacional para os + milhdes de ale- mies da regido dos Sudetos na Tchecoslovaquia. Essa regiao onde a Tehecoslovaquia faz fronteira com a Alemanha era importante militarmente porque inclufa as monta- nhas da Boémia, a linha defensiva natural da Tchecoslovaquia e o lugar légico para os tchecos montarem suas defesas contra ataques potenciais alemaes. Hitler afirmou que a resolucao pés-Primeira Guerra Mundial que colocara aquelas pessoas de lingua alema no territério da Tchecoslovaquia era uma violacdo da autodeterminagao delas € outro exemplo da perfidia dos pafses ocidentais. Ele exigiu que o territorio de lingua alema tivesse permissio para deixar a Tchecoslovaquia e passar a integrar a terra natal alema. Os tchecos preocuparam-se e mobilizaram partes de suas tropas de reserva Isso enfureceu Hitler, que prometeu esmagar a Tchecoslovaquia. 122 Cooreracdo & CONFLITO NaS RELACOES IVTERNACIONAS Esses acontecimentos também alarmaram a Gra-Bretanha, que nao queria que a guerra estourasse na Europa. Neville Chamberlain, 0 primeiro-ministro britanico de 1937 a 1940, fez trés viagens a Alemanha para tentar evitar a guerra. Chamberlain acreditava que nao era possivel para a Gra-Bretanha defender a Tchecoslovaquia por causa da distancia e porque a Gra-Bretanha nao tinha tropas no continente. Mais importante, ele nao pensava que a Tchecoslovaquia valesse uma guerra e sabia que a Gra-Bretanha nao estava pronta para a guerra. Quando se evidenciou o bombar- deio de Guernica, o poderio aéreo estava se tornando mais importante, o temor por campanhas de bombardeios aéreos aumentava, e Chamberlain percebeu que a defesa aérea ¢ os sistemas de radares britanicos nao estavam prontos para uma guerra aérea. Por essa combinagao de razdes, Chamberlain reuniu-se com Hitler em Munique em setembro de 1938 e concordou com a divisto da Tchecoslovaquia, dando a regiio dos Sudetos a Alemanha se Hitler prometesse deixar o resto da Tehecoslovaquia em, paz, Hitler prometeu e Chamberlain regressou a Gra-Bretanha afirmando que salvara a Tehecoslovaquia e conseguira a “paz para a nossa época”. Apenas seis meses depois, em marco de 1939, tropas alemas entraram em grande ntimero no resto da Tchecoslovaquia e tomaram sua capital, Praga. Choca- da, a Gra-Bretanha percebeu que Hitler poderia buscar outras conqnistas e que seu proximo alvo poderia ser a Polonia. Dividida no século XVIII, a Polonia fora re- criada como um estado depois da Primeira Guerra Mundial e ganhara um corredor Para o porto de Danzig no mar Baltico, embora a regio incluisse pessoas de lingua alema. Uma vez mais, Hitler aplicou as mesmas taticas. Ele alegou que a presenca de pessoas de lingua alema dentro do territério da Polonia era uma violacdo da autodeterminacdo, outro exemplo da perfidia do Tratado de Versalhes, Dessa vez, Gra-Bretanha e Franca tentaram intimidar Hitler, comprometendo-se publicamente a defender a Polonia. Hitler entao desferiu um golpe diplomatico excepcional. Apesar de ter dito que protegeria o Ocidente contra 0 bolchevismo, Hitler subitamente assinou um tratado com Stalin em agosto de 1939. pacto dava a Hitler carta branca para fazer o que quisesse no Ocidente. Também incluia um protocolo secreto para outra particao da Pol6nia. Stalin e Hitler concordaram em ficar cada um com uma parte. Hitler tomou Sua parte iniciando uma guerra contra a Polonia em 1* de setembro de 1939. Dessa vez, ele nao estava em busca de outro acordo de Munique ao qual os britanicos che- gariam e The dariam parte da Polonia em troca de promessas de moderacao. Agora a Polonia estd no lugar onde eu queria que estivesse. [..] S6 receio que no Ultimo instante apareca algum chato me propondo um plano de moderacao. — Adolf Hitler, 27 de agosto de 1939 “Adolf Hitler, cit. in Gordon Craig, Germany, 1866-1945. New York: Oxlord University Press, 1978, p. 712. CamtruLo 4 © Fracasso Da SeGuRANCA CoLETIVA E A SEGUNDA GuERRA MUNDIAL 123, A fase tres da estratégia de Hitler era curta. A Alemanha alcancou o dominio militar sobre o continente em 1940 (Figura 4.2). Depois que Hitler tomou a Polonia, as coisas se acalmaram temporariamente; esse perfodo foi chamado de “guerra falsa”. Hitler esperava que a Gra-Bretanha fizesse um pedido de paz. Na primavera de 1940, porém, Hitler temeu que a Gra-Bretanha deslocasse tropas pata a Noruega. Ele pre- veniu um desembarque britanico na Noruega enviando suas tropas para l4 primeiro Entio desencadeou sua guerra-relampago contra Holanda, Bélgica e Franca. Envian- do seus tanques através da supostamente impenetravel floresta de Ardennes em maio de 1940, Hitler pegou os franceses ¢ os britanicos de surpresa. Ele contornara a Linha Maginot de fortificagoes francesas que guardavam a maior parte da fronteira francesa com a Alemanha. As forgas alemas empurraram as tropas britanicas de volta para 0 porto de Dunquerque, onde elas precisaram abandonar seu equipamento e evacuar © que restava de homens através do canal inglés. Assim, Hitler ganhou 0 dominio do continente europeu a oeste da Unido Soviética por meio de um conjunto excepcional de movimentos em 1940 Guerra-relampago! 1939-1940 TS) Ocapado pela Risia HB Gcupado pela Alemanha Evacuaes britinicas oS —- Rissa, ‘COMUNISTA, tn NECA Figura 4.2 © Inicio da Segunda Guerra Mundial, 1940 124 CooPERACAO E CONFLITO NAS RELACOES INTERNACIONAIS E> Borba alemaes escoltados por cagas © Base de Spitfire ou Horsicane da RAF 2k Bath Cidade bombardeada pela Luftwatte CCanhdes alemies de Lufiflote No, 5 da Noruega em Dover BD Varredura de radar Car Prymoubgk x ExcerB conn Linge Reading [Operagio Leto do Mar| (planejada mas ‘io executada) — Lafiflone No.3 Figura 4.2. continuacao ‘A quarta fase dos planos de Hitler, “a fase do tiro pela culatra” (1941-1945), desfechou a guerra total. Havia muito Hitler queria avancar para o leste contra a Unido Soviética. No entanto, ele queria derrotar a Gra-Bretanha primeiro, para evitar a possibilidade de uma guerra em duas frentes. Se pudesse obter a supremacia, seria entdo capaz de cruzar o canal ¢ invadir a Gra-Bretanha. No entanto, a forca aérea de Hitler foi derrotada na Batalha da Gra-Bretanha (julho-outubro de 1940). Incapaz de obter a supremacia aérea, Hitler deparou com um dilema: deveria desistir dos planos de atacar a Unido Soviética? Hitler decidiu atacar a Unido Soviética mesmo sem ter conseguido derrotar a Gra-Bretanha, pensando que conseguiria bater Stalin rapidamente e depois se voltar contra a Gra-Bretanha outra vez. Além do mais, ele acreditava que atacando a Uniao Soviética privaria a Gra-Bretanha de uma potencial alianca com a Unido Soviética. Em. junho de 1941, Hitler atacou a Unido Soviética, um erro imenso. Em dezembro de 1941, depois que os japoneses atacaram Pearl Harbor, ele cometeu outro erro enor- me: declarou guerra aos Estados Unidos. Hitler provavelmente fez isso para manter 0 Japao preso na guerra, uma vez que vinha insistindo com o Japao para aliar-se a ele, € aproveitou a ocasiao para desfechar sua campanha de submarinos contra as frotas mercantes americanas. Ao fazer isso, ele também desfechou a guerra mundial que pos fim a seu Terceiro Reich. Captreto 4 Q Fracasso na Securanca CoLeTIVA E 4 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 125, Papel do Individuo Que papel desempenhou a personalidade de Hitler ao provocar a Segunda Guerra Mundial? Provavelmente, esse nao foi o fator decisive na primeira fase. As democracias ocidentais estavam téo tomadas pela culpa, enfraquecidas e divididas internamente que qualquer nacionalista alemao esperto provavelmente teria sido ca- paz de revisar o sistema de Versalhes. No entanto, a segunda e a terceira fases que The deram o dominio da Europa dependeram da habilidade, da audacia e da ideologia belicosa de Hitler. Ele sempre sujeitou seus generais e seu estado-maior conservador. Hitler queria a guerra ¢ estava disposto a assumir riscos. A quarta fase, que trouxe a guetta mundial e o fracasso, também pode ser atributda a dois aspectos da persona- lidade de Hitler. Primeiro, o apetite de Hitler revelou-se insaciavel: quanto mais ele tinha, mais queria, Ele estava convencido de seu proprio genio, mas essa conviecao 0 Ievou a dois erros fatais: invadir a Unido Soviética antes de terminar com a Gra- -Bretanha ¢ declarar guerra contra os Estados Unidos, 0 que dew a Franklin Roosevelt, o presidente americano de 1933 a 1945, um pretexto para engajar-se na guerra tanto na Europa quanto no Pacifico. A outra grande falha de Hitler foi sua ideologia racista, a qual, promovendo o mito da superioridade racial ariana, privou-o de bens decisivos. Por exemplo, quan- do a Alemanha iniciou a invasao da Unido Soviética, muitos ucranianos e outros se revoltaram contra a brutalidade de Stalin. Hitler, porém, considerava os eslavos um povo inferior, indigno de uma alianca com ele contra Stalin. Ele também pensou que 0s Estados Unidos fossem fracos, por causa de sua populagao de negros e judeus. Ele costumava ironizar o fato de Roosevelt ter um antepassado judeu. Ele nao con- seguiu entender que o pluralismo americano poderia ser uma causa de sua forga Além disso, seu antissemitismo o levou a expulsar alguns dos cientistas fundamentais para desenvolver a bomba atomica. Em resumo, sua lideranga individual foi uma das causas fundamentais da Segunda Guerra Mundial, O tipo de guerra que ela foi e seu resultado dependeram muito da personalidade monomanfaca de Hitler. Causas Sistémicas ¢ Internas E claro que houve outras causas. A Segunda Guerra Mundial foi mais do que apenas uma guerra de Hitler, e esse € o valor da interpretacao de A. J. PB. Taylor. Houve causas sistémicas, tanto estruturais quanto processuais. No nivel estrutural, a Primeira Guerra Mundial nao resolveu o problema alemao. O Tratado de Versalhes foi ao mesmo tempo duro demais, de modo que despertou o nacionalismo alemao, e brando demais, porque deixou aos alemdes a capacidade de fazer alguma coisa em relagao a ele. Além do mais, a auséncia dos Estados Unidos e da Unido Soviética do equilibrio de poder até quase o fim do jogo significou que a Alemanha nao se sentia intimidada em perseguir suas politicas expansionistas. Além disso, 0 processo do sis- tema internacional era descomedido. A Alemanha era um estado revisionista disposto a destruir o sistema criado pelo Tratado de Versalhes. Além disso, o crescimento das

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