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LEITURA DA POESIA Clarice Zamonaro Cortez Milton Hermes Rodrigues NATUREZA E EXIGENCIAS DA POESIA Quando nos dizem queamatéria-primado pocta€o"sentimento” (PaDxK0, 1984,. 14), queapoesia & “estado cmocional ou lirico do poeta” (AMORA, 1973, p. 74), somos levados a crer, no primeira momento pelo menos, que o interesse imediato da poesia nao é a representacio direta da realidade fisica, histérica, quea leitura de poesia tem mais a ver com a busca de um estado, de uma emogio especifica, nio distanciada de fatores estéticos ¢ intelectivos. Essa emocio, é certo, alimenta-se de algum modo na ‘ealidade, que €, afinal, resultado de imstitucionalizagoes, de ideias. Esse entendimento ligeiro de poesia como comunicagio de wm “estado psiquico", na terminologia de Bowsofio (MOISES, 1982, p. 403), define bem o interesse maior desse género literirio-propor aa citar wma esperitncia cognitiva mais (digamos) imaterial, pedindo-Ihe que se aproprie, até despudoradamente — para aceitar ow para recusar —-do “sentimento”, do “estado psiquiico” que ela carrega, ainda que mais ou menos fingidamente. Ler ‘um poema seria também huscara “estado poético do poeta, a fim de que cle suscite no leitor outro ou ~siunlar estado postico”, conforme Angelo Ricci (apud DUFRENNE, 1969, p. xvii). Enfim, a criagio ¢ 1 leitura de poesia orientain-se, em termos amplos, menos pela busca de uma realidade (fisica, social) do que pela demanda de um estado, de uma emogio particular. A mensagem poética, embora possa conter um fato (ou fatos narrativos), busca ainda, as vezes mais do que outra coisa, acionar estados, -vivéncias, ideias, sutilezas. “O poeta é doador de sentido”, diz Bosi (1983, p. 78) Nio se trata, pois, de negar & poesia forga representativa, mas de destacar, pelos recursos que normalmente aciona, suas proposigées suplementares. Essa mensagem (de “sentido”) costuma abrigar nos pormenores figurativos (¢ em outros estratos do poema) segundas ¢ terceiras intengoes. A metaforizagio esti no horizonte, em maior ou menor grau. Por isso soa impréprio invocar a questo da inverossimilhanga (principalmente a externa) no trato da poesia. Ela tem um modo de ser, uma natureza diferente da que tem a prosa. Nio se diz 4 toa que os melhores tradutores de poesia sio ‘s poetas, talvez porque tém maior facilidade na captagio de estados € na busca de seu correlato na lingua de chegada. Mesmo assim, hi quem insista, até com certa razo, que a poesia € intraduzivel porque demanda estados e sensagdes nem sempre facilmente tangfveis. Se nossa inclinagio imed em face da prosa, é buscar a realidade representada, diante da poesia essa tendéncia precisa ajustar-se a0s parimetros sugeridos pelo poema, ainda que este seja de indole narrativa, Neste caso, no se trata es Ropricues apenas e necessariamente de reconkecer no poema, por si 6, agbes ¢ atitudes de algum personagem, ‘mas sim de apreender também tum estado, ou uma emotividade estética. Uma outra significagio se instala na agio ou atitude descrita. (© contato com a poesia, seja ele de fruigio espontinea, seja com intengio analtica mais alentada, for um gjuste do espitito ¢ da inteligéncia para uma experiéncia emotiva ¢ intelectiva especifica, {ntensificada, Que ativemos a intuigio, que elaboremosa sensibilidade, Em alguns casos, a poesia chega So extremo do hermetismo, 20 nonsense aparentemente gratuita, como notamos em poemas surrealistas. ‘Um leitor mais afoito diria que poemas assim concebidos buscam mais testar sua paciéncia, © poema funciona, de fito, como uma caixa de mil ressonincias, onde pulsam cada fonema, cada palavra, cada frase. Como, objeto estético, haveré normalmente de “singularizar”, de estlizar seu recado, para melhor agilizar, explorar e segurar nossos sentidos. Sirva de exemplo “Mocidade € morte”, de Castro Alves. © lamento do poeta, distribuido em sete conjuntos (modulado, cada um, numa citavae num distico, como se vé logo adiante), testifica um percurso emocional, na descendente, que vai do fnimo inicial (*Oh, eu quero viver [..]")passa pela consciéncia do inevitivel (“E.eu sei que You morrer..") ¢ chega a0 destnimo total, 3 entrega final (“E eu morro, 6 Deus!.."; “Adeus, vidal”. Entre um extremo e outro, entre, de um lado, o louvor da natureza, da liberdade, da mulher, do talento pessoal, da gldria vindouta, e, de outro lado, a vor da morte, 0 lamento do “triste Ahasverus”, a deposigéo de toda esperanga; entre um ponto ¢ outro, enfim, floresce uma exuberante Aiguragio, Essa antitese maior, geral (viver/morrer), pulsa também na maioria dos conjuntos, com os dsticos rebatendo enfaticamente todo o animo positivo, também enfitico, das oitavas. Essa énfase brota da figuracio, como vemos no conjunto inicial, onde se destacam o pleito espacial (ibertiio) ¢ a fru dos sentidos. ‘Obt En quero vives, beber perfrmes Na flor silvestre que embalsama os aes; ‘Ver minha alma adejar pelo infinit, Qual brana velan'amplidio dos mares. ‘No seio da mulher bi tanto aroma ‘Nos seus beios de fogo hi tana vida. ‘Arabe errante, vos dormir’ tarde ‘A sombra fesca da palmeira enguida ‘Mas ana vor responde-me sombria Teris 0 sono sob a Ijea fia (CASTRO ALVES, 1976) No verso “Qual branca vela n'amplidio dos mares" a assonincia do /a/ reforga tanto a imagética cromética (a “branca vela”) quanto o sentido de abertura, de amplidio. A esse pleito espacial vem jjuntar-se o apefo sensorial intensificado por sinestesias (“beber perfumes”, “beijos de Fogo”, “sombra fresca"), A ideia de calor (*fogo") que conota prazer ¢ vitalidade, também ressoa na “tarde”, num contexto em que outra vez se intensifiea a aspiragio pelo espaco aberto, amplo, livre. Todo esse pleito libertirio vital vai esbarrar no distico que se segue: “Mas uma voz responde-me sombria,/ Tieris 0 sono sob a Iijea fria”. A sinestesia aqui (voz sombria) remete a ideia de clausura, de tsimulo. ‘Agora a ideia de sombra é negativa, interligando-se bem, dentro do amincio negativo, com a ideia de sono-morte, Também o sentido de “fria” contrapde-se ao dle “fresca”, negando aquela abertura espacial. Essa reversio seméntieaa partir de vocabulos quase idénticos talvez revele o quo préximos esto a vida ea morte. A morte, de visibilidade imediata, comega a ganhar maior sentido dramético ( estético) quando percebemos no jogo antitético ~ oitava versus distico ~ a sonegacio, a0 fim, de laridade, de calor. A nogio de’fechamento espacial intensifica-se no distico com 0 advento da frialdade, para o que também contribui a assonancia, na rima, do fonema //, sujeito a ajustar-se, pela nossa sensibilidade, 3 ideia de frio, tanto que Augusto dos Anjos aproveitou essa relagio sonoro~ semintica em alguns versos, como neste: “Fazia frio ¢ o frio que fazia [...]". Assim, em apenas dois vyersos lacénicos opera-se a contradicio do longo pleito vital (sensorial ¢ espacial) do infcio, gravado ‘em oito versos. © desejo e sua negacio — expressies de estado, de ide ~adquirem dramaticidade 6O—TEORIA LITERARIA Po ss yS ESS eseimensiemmieereene maior em razio da qualidade informativa, da énfase estilistica (estética) colocada 4 disposi¢io da sensibilidade e da intuiclo do leitor. A natureza da poesia se define, pois, por cobrar do leitor um olhar especial, arisco, intensificado, minucioso, algumas vezes necessariamente ousado. Que esse Ieitor force a visibilidade, tio poema e ‘om si, de experiéncias sensiveis e emocionais amortecidas, indefiniveis as vezes; que ultrapasse a pura intelecgio, que calibre o olhar para um enfrentamento mais sugestivo de imagens obscuras, resistentes A compreensio imediata, Algumas situagdes, figuradas ow nao, recusam, de fato, a interpretagio com crivo apenas no referencial. Lemos no pocma “Aniversirio”, de Fernando Pessoa: “O que eu sou hoje € como a umidade no corredor do fim da casa/pondo grelado nas paredes[...]”. Nao basta aqui desmontar mecanicamente a comparacio. A imagética de um poema, que reclama, € certo, em graus variados, uma representagio da realidade, riem sempre se resolve, para nossa compreensio, por wma ‘operacio apenas inteléctiva. Exige muitas vezes, pelo intrincado de sugestdes, uma participacio decisiva da intuigio, da afetividade, da experiéncia, Podemos enfrentar desde sugest6es imagéticas inusitadas, tensas ou “dificeis", até a informacio direta, franca, livre de figuragio, de “efeitos”, mas também cexigente. Num texto que se apresenta como poema, a informagio seca, sem aderecos figurativos, sem rima, sem regularidade métrica, no raro suscita desconfianga nos menos avisados. Avancemos um, pouco mais nessa questio, considerando que, ainda aqui, perseveram na poesia uma natureza literdria especial e uma exigéncia especial. Em poemas modernistas, 0 gosto do prosaico € 0 vezo do coloquialismo levam a uma espécie de esvaziamento figurativo, a0 desprezo pela rima, pela métrica. O leitor impaciente, acostumado com a poesia tradicional, dird logo que isso nfo é poesia. Ttistio de Athaycle, embora reconhecesse a poesia modernista, chamou os poemas de Poesia pau-brasil (Oswald de Andrade) de “patacoadas” (TELES, 1980, p. 347). O poema “seco” incomoda. O esforgo analitico, duvidando as vezes da propria condigao poética do texto, se obriga 8 explicacio, nem sempre lograda, daquilo que apenas a intuicio ca sensibilidade poderiam arrancar de certas imagens, ou sugestdes de imagens. O olhar atento, insatisteito com a exposi¢io de superficie, debate-se com a literalidade nua € crua, descobrindo qualidades em poems aparentemente primérios. Vejamos isso, com mais vagar, tomando aquele “Poema tirado de ‘uma noticia de jornal”, de Manuel Bandeira, incluso em Libertinagem, de 1930: Poema tirado de uma noticia de jornal [Joo Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilénia nom barracio sem. ‘Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebew Cantow Dancow Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morveu afogado (BANDEIRA, 1993). ‘Opoemaétodonarrativo, supostamente decalcadodejornal, queé um meioinformativocomprometide mais com o referencial, com a denotacio. Podemos admitir, de inicio, que 0 autor coloca em pritica 0 ideal modernista de conferir poeticidade a fatos da realidade cotidiana, como pede Oswald de Andrade, no Manis da Poesia Pau-Brasil, de 1924. O jogo livre entre versos longos € curtos, que incomoda, ousadia de indole modernista. Também é modemnista a opgio pelo vocabulério simples, pela sintaxe direta, liberta. Bandeira revelou noutro poema da mesma obra que estava farto do lirismo burocritico, escravo dos manuais, Seu “Poema tirado de uma noticia de jornal” vincula-se, pois, pelo assunnto (de jornal) e pela forma, a uma estética, a um movimento literério, © tratamento aparentemente frio do suicidio fiz ainda lembrar o pedido modernista de Mario de Andrade no preficio da revista Klaxou (primeiro niimero), de cextinpacio das glindulas lacrimais ssa primeira mirada nos permite comegar a afastar uma eventual impressio de gratuidade ou de superficialidade criativa, E essa impressiotendea desaparccernamedidaem que, abrindoasensibilidade para as minticias, para as ressonancias poemiiticas, nos pegamos descobrindo significagSes para além da literalidade, Qualquer iniciante no jornalismo sabe que uma reportagem sobre acontecimentos Tuomas Howat / Lecis Osan Zoun (oncanizavonss) — 61 (Moxrrez & Roonicuers | deve responder a algumas questées bisicas: Quem? © qué? Quando? Onde? Como? Por qué? © poema deixa em suspenso a tiltima pergunta, ou € abtuso em relagio a ela, E motivo da morte acaba sendo, de fito, o primero, talvez o principal incomode para a inteligéncia ¢ a sensibitidade do leitor. ‘Uma mirada ligeira descobre nesse fato um acaso, tim ironia do destino, pois 0 sujeito mostrava- se antes aparentemente ajustado a0 mundo (trabalhanco, divertindo-se). © mergulho na lagoa seria apenas outra etapa do momento festivo. A morte inesperada, injusta, coloca-nos diante do trigico. E assim 0 poema se resolveria, para nossa sensibilidade, com um grande mal-estar, pois expe 0 ser humano desarmado e impotente ante os designios do destino. Mas se nos aproximarmos mais do poems, se repararmos bem que Joio Gostoso “se atirou” na lagoa, somos levados a crer que ele quis morrer. E essa ilagio pode redefinir os motivos da merte, Reparamos, por exemplo, que a situacio social do “personagem” se define pela caréncia, O apelido “Joio Gostoso” é certamente irdinico, de amesquinhamento da figura fsica. A profissio exige apenas forga bruta, a conotar pouca ou nenhuma cescolaridade, além de que, pela época, auséncia de amparo previdencisrio. Morar no morro era, de certa forma, estar exilado, tanto mais que esse morro se chama “da BabilOnia”, lugar de padecimento, de escravidio. A figura do péria social se completa naquele “barracio sem nximero”, expressio que define a pobreza nio contabilizada, 0 homem afiundado na anonimidade. Nao se cogita aqui de uma Sifo redentora, da esperanga que fizera os hebreus sobreviverem no exilio. A retérica da caréncia se completa. Ir a um bar certa noite ~ beber, cantar ¢ dancar ~ resultatia da extrema desilusio. E morrer na lagoa Rodrigo de Freitas ~ reduto dos remediados ~ soa ironicamente, parecendo coroar uma derrota social. Assim, a leitura mais concentrada, inimiga da superficialidade, faz com que aquilo que no poema apenas denotava acabe também conotzndo, © “morro da Babilénia”, por exemplo, transformou-se numa metifora, No final, pensando -10 conjunto de informagSes, podemos dizer que © pocma abriga uma intengio, um “sentimento” que € o de fraternidade, 0 de solidariedade para com os esquecidos, os oprimidos. Para reforcar essa conclusio, invocamos a presenga forte, na pocsia de Bandeita, do tema da humildade. Ao resgata- para a literatura a noticia dessa morte, que o Jjornal (pela sua rotatividade e pela natureza de sua linguagem) empurraria automaticamente para 0 limbo, Bandeira “desautomatiza” o acontecimento, como que © eterniza, conferindo dignidade a0 homem comum, esquecido, invistvel. Um leitor pessinista talvez dissesse que o poeta, reparando a vvida mesquinha e dissoluta do carregador, achou melhor, para corrigir tanto desacerto, que o sujeito se matasse. O poeta teria analisado, julgado e sentenciado. Essa interpretagio, que vé 0 poeta como wma espécie de carrasco, s6 pode prosperar — e por isso ser vélida ~ se o poema é tomado isoladamente, porque o conhecimento de certas tendéncias na poesia de Bandeira a inviabiliza Esse, afinal, a explicagio social para o suicidio nio satisfaz, podemos arriscar uma visada metafisica, tomando Jofo Gostoso como um homem que, por mais simplério que seja, descobre de repente 2 inutilidade de todos os gestos, pensamentos ¢ sentimentos. Imerso no tédio existenicial, decide ‘matar-se, Assim entendemos, frise-se, por que 0 poema, ¢ o poeta por ele, favorecem também essa impressio. A fapidez narrativa,a linguagem denotativa {de superficie) ¢ a auséncia (imediata) de jufzos de valor como que abrem esse vazio metafisico, destacando, para nossa sensibilidade, o fato morte € a sua modalidade talvez mais trégica, a autoimolacio. A morte, ou a “indesejada das gentes”, foi sempre um fantasma para Bandeira, compondo uma das linhas temdticas mais nfidas de sua poesia. Disse certa ocasiio, quase estoicamente, que, quando ela chegasse, encontraria “lavrado 0 campo, a casa limpa, a mesa posta”. No poema que abordamos, 0 estoicismo € apenas aparente. O apelo final, de qualquer modo, é direto: Por que esse homem, cu qualquer outro, se mata? O poema sugere ‘uma resposta, mostra-nos um processo, uum ritual que conduz a tal desfecho. Primeiro, 0 homem af interage socialmente, cumpre papéis: o de divertido (pcr ser feio, por cantar, dancar), 0 de trabalhador, ode morador, 0 de consumidor (bebendo). A conduta social de Joao Gostoso, ou de qualquer outro homem, pode ser encarada como uma tediosa ¢ angustiante repetigio do mesmo. Esse sentimento, que desmobiliza valores altraistas ¢ esvazia o sentide dos compromissos, pode levar ao desespero metafisico. A opcio extremada pelo suicidio € jf a anestosia da razio pritica, ¢ o bar se transforma num, centro dionisiaco, num espaco ritualistico onde o festim antecede o sacrificio, como ocortia em certas culturas primitivas. Guardadas as diferencas de explicacio entre a situacio poemitica e a primitiva, nos dois casos a experiéncia metafisica da morte, uma constante antropolgica, aproxima homens @Q—TEORIA LITERARIA de tempos e lugares diferentes. Joio Gostoso € o ser humano, © rito que levard a0 autossacrificio se define pela euforia, pela movimentagio. O homem bebe, canta e danga. A disposicio dos verbos, cada tum valendo um verso curto, parece reforgar essa nogio de movimentagio rpida, de euforia. Depois, 0 salto para a morte, o sactificio. E na 4gua, berco da vida (os psicanalistastalvez dissessem que o homem retomou ao titero da mae terra, da mae-me mesmo, dona do abrigo seguro, de onde um dia safra para sofer). Esse suicidio metafisico se colocaria como reagio a uma praxis exigente e indtil. Como uma atinude vingativa e desafiadora, compensaria a pouca ou nenhuma disposigio para o combate repetitivo do cotidiano. Parece razodvel supor,aessaaltura, queacondigio poética de um texto nfo depende necessariamente da figuragio explicita, de recursos sonoros intensificados. E, mais do que suposigio, evidencia-se que a revelagio do poético depende tambéin, e bastante, da atitude do analista, que deve mobilizar 4 inteligéncia e o espitito para 0 reconhecimento da natureza especial da poesia, de suas exigencias Assim torna-se ele mais apto a dialogar com cla tirando melhor proveito. Quando aplicado a uma amdlise mais detida, esse diglogo supe ainda certo conhecimento técnico-teérico. O que é assonincia? O que pode conotar a presenga de versos livres mm poema? O reconhecimento dos recursos poéticos agiliza 0 animo investigativo fazendo nascer ilacdes ¢ relagées importantes. Num quadro de méiltiplas sugest6es, a interpretagio divergente ea polémica apenas chancelam o alto indice de variagio do olhar poético, sujeito a todo tipo de interferéncia (biogréfica, emocional, estética, hist6rica). Pensemos na distingZo entre poesia e poema, Por estranho que possa parecer, ha quem descubra auséncia de poesia em alguns poemas, como fz Moisés em relagio a0 “Vaso chinés”, de Alberto de Oliveira destitufda de subjetividade (1973, p. 57-58). Um amante da poesia parnasiana tomaria essa opinio como herética Costumamos_assaciar a pocsia § mensagem 4 informacia que sendo estética ¢ também testermunho de subjetividade. Ela expressa uma emocionalidade inserida numa forma, num invélucro. Esse invdlucro € 6 poema. Assim, o soneto é um poema ¢ a anguistia ou a alegria nele presente é a pacsia, Uni é continente: a outra, conteddo, Em termos bastante ligeiros, dirfamos que a poesia é parte ideal material, digamos) co posma a parte material (palavras, versos, estrofes...). Ora, se & verdade que forma pode carrear emocionalidade, resta perguntar: Haveria auséncia de subjetividade, de emogio, no citado poema de Alberto de Oliveira? Costuma-se dizer que cada leitor sente um poema de modo particular. Que seja, mas é sempre melhor fruir a criagio poética reconhecendo alguns fundamentos técnico-tesricos. Ensinam os manuais que lexpacsia 6 destrincar os estratos do poem, 0 semnizo,o sonore, olesicel, .suidsco € 0 préfico (ow visual). No primeiro localizam-se a metifora, a metonimia, a hipérbole, o paradoxo; no segundo, o verso, a metrificacio, oritmo, arima, aaliteragdo, a assonancia, aonomatopeia, arepeticio. O estrato lexical 60 lugar do arcafsmo, do neologismo, da repeticio vocabular, da sinonimia, do contraste; 0 sintdico revela o hipérbato, a sinquisc, 0 anacoluto, o encavalgamento; o estrato gnifico expoe a visualidade do poema, particularmente dos poemas concretistas, refratirios a0 verso tradicional e simpiticos ao grafismo. Ler poesia é, em menor ou maior grau, reconhecer fendmenos como esses, wali a yentos e suas repercussdes. Comecemos abordando o verso, © vERso Dito de maneira bastante simploria,o verso é uma linha de poema. Difere da linha prosaica porque se sujeita, na poesia tradicional-a.certa tegulatidade métrica e ritmica, Seu variado modo de ser impoe uum vasta terminologia. Verso bramo & aquele destitufdo de segmento rimante, verso agudo é aquele ten vi sflabo € aquele constituido de dez sflabas. A poesia moderna, desprenendoe regulatidade-méssica-dlevntou especial apnea an verso Tue, aguele descompromissado con 3s-versos do poema, normalmente também livres. Nio obstante livre, ele tem sua medida, o seu ritmo, pois todo verso apresenta andamento melédico, oscilacio entre silabas, Twouas Bonwact / LoctA Osava Zouw (oncantzanonss) — 63 onrez 2 Roonicues ftonas ¢ tdnicas. Mas 0 apuro ritmico intencionalmente buscado se torna mais evidente em versos situados num contexto de regularidade métrica, Ou seja, versos da mesma medida supdem maior ~efeite sitmico, tanto mais expressivo quando rimante. Houve momentos na hist6ria da criagio poética em que a regularidade métrica constitu valor estético por si s6, Bom poeta era aquele que sabia dispor em estrofés “inhas” do mesmo tamanho. Lembremos 0 Parnasianismo. Olavo Bilae, o poeta que, como diz um verso seu, “trabalha, e teima, e lima, e soffe, e sua”, escreveu com Guimaries Passos um tratado de versificacio. Jf 0 modernista Oswald de Andrade teria ficado aliviado quando, na Franga, caroaram principe dos poetas um sujeito que escrevia versos livres, Paul Eluard. Estava liberado, enfim, o verso live. Quverso se mede pelo niimero de silabas que abriga Pade ser, na ordem: monossilabo, disstlabo, bo, tetrassilabo, pentassilabo, hexassflabo, heprassilabo, octosstlabo, eneasstlabo, decassilabo, silabo, dodecassflabo (ow alexandrino). Alguns versos recebern nomes especiais: 0 de cinco silahas é chamado de redoidilha menor ¢ 0 de sete, de redondilha maior, Os dois tipos formam as chamadas “medidas populares”, porque preferidos nas trovas, nas estrofes de eumho popularesco. A literatura de-cordel, no Brasil-aproveita bastante essas medidas, também chamadas de “medidas velhas”, porque anteriores a0 Renascimento, que conheceu a “medida nova", o decassilabo, trazido para o universo da lingua portuguesa, da Itélia, por Si de Miranda, Vérios motivos explicariam a opsio pelas redondiliasHinguagens mais simples ¢ direta: memorizacio ficil, como auxilio das simas; potencial “desafiante”, trovadoresco; alcance direto do leitor menos instruido; natureza “leve” ‘ou popular do assunto; remissio estética c/ou ideologica @ quadros medievais, Outra denominacio estranha & sequéncia nominativa € alexandrino, que identifica 0 verso de doze silabas. Vem, como explica Moisés (1982, p. 512), da cangio de gesta francesa, mais diretamente do Roman d’Alexandre, composigio “iniciada por Lambert de Fort e continuada por Alexandre de Bernay”. EScaNsAo © verso é uma linha de palavra(s) ¢, visto como segmento ritmico, ¢ wma sequéncia de silabas scilando catre fortes e fracas, Costuma ser entendido, na sua forma tradicional, como uma linha medida e ritmada, A apreciagio do ritmo pressupéc a afericio da medida, o que, de verso pata verso, viabiliza a impressao sonora da estrofe, ou de determinados segmentos. Acontagem sildhica de um verso, ou escansio, exige, como esforco inicial, uma leitura (silenciosa ov nio) natural, isto é, que alavras. Assim, lemos “contente” como paroxitona (acento forte na pensitima), e nfo como exfiona ou proparoxftona, Bssa recomendacio pode parecer fitil, mas encontramos com frequéncia pessoas praticamente amusicais, ou que, intimidadas pela impressio de que os versos de um poema ditam prévia e artficiosamente sua cadéncia, perdem muito do senso ritmico natural. Aconselha-se, pois, para melhor distingo da medida de um verso, que se marque a cadéncia da leitura nos dedos, imprimindo mais forca na prolagio das sflabas fortes. A contagem silibica do verso, passado esse primeiro esforgo natural, exige 0 conhecimento de certas licencas, de certos artificios, presentes principalmente em versos de estrofes isométricas (com versos do mesmo “tamanho”), Nesse caso, pressupomos que o autor de um poema, ao escolher certo tipo de verso, ao optar pela medida fixa, tudo faz para nfo “errar”. Se, por exemplo, decidit-se pelo verso de sete sflabas ~ 0 heptassflabo, ou redondilha maior ~, aumentars ism verso de seis silabas ou diminuird um verso de oito. Dito de maneira simpléria, fazer versos medidos é esticar ou encolher “Tinhas” para ajusté-las a um padrao. Para essa operagio 0 pocta serve-se de licencas legadas pela tradicio poética, A andlise da poesia, especificamente da méuica edo Hino, Supoe 0 COnHeCmTENT dessesatificios e,nesse particular, imp6e-se uma lcio préva: cles ocorrem principalmente no campo no fim, a métrica) de certos versos sem saber o que sto ditongo, tritongo e hiato, tal como a gramitica os Gt—TEORIA LITERARIA centende. E comegamos a entendé-Los reconhecendo a existéncia de vogal forte (V) e de vogal fraca, ou semivogal (5). ‘Drronco, TRTONGO, HIATO No ditongo constatamos duas emissées, dispostas em dois esquemas: V++sv, como em pai: (AV ou _[__)sesv+¥, como em lingiiga (ull ou __|_). O tritongo apresenta trés emiss6es, uma forte (V) ‘entre duas fracas (sv), como em enzaguou (aOw/ = __|__). Em termos de separacio silabica, as -vogais, nesses dois casos, nao sio, segundo a norma, separiveis, Rei, com um ditongo (V+rsv), é palavra de uma silaba 56; i-quais, contendo um tritongo (sv+V+sv), possui apenas duas sflabas (iguais). As vogais do hiato, por sua vez, pede a gramitica que sejam separadas, E que temos aqui, agora, o encontro de duas vogais plenas (V+V), como em pais (/Al/ = _|__|_). © hiato costuma ser mais nitido quando rio meio das palavras, E o que notamos em sara, fata, said, jutzo, palavras trissilabicas, No verso de sete sflabas “Cordeirinhos mantesidos” (Silva Alvarenga), 0 ditongo /Bi/¢ 0 histo /EU/ pedem a seguinte divisio: Cor-dei-ri-nhos man-te-t-dos. (Nao custa lembrar: s6 contamos até a éltima sflaba tOnica, no caso, 0 /u/). O verso “Arqueadas sobrancelhas” (T. A. Gonzaga) contém sete silabas, pois em. anqueadas aparece um hiato; este, “A saudade faz verter” (S. Alvarenga), também é heptassilabo, pois Jau/ de saudade € ditongo, nfo separsvel, como pede a gramitica, Segundo a Norma Gramatical Brasileira (NGB), encontros finais Stonos como /ia/ (histiria), / ie/ (rie), /ua/ (Arua), fue! (atenue), /uo! (vino), passam por ditongos ou por hiatos, conforme prevé sua emissdo na lingua portuguesa. Propde Cegalla (1994, p. 27), considerando a proposicio da NGB, que, “nio obstante, € preferivel considerar tais grupos de ditongos crescentes”. Verificamos, porém, {que na poesia as palavras terminadas em /la/ e em /Ua/ aparecem quase que exclusivamente como hiatos. Sao heptassflabos “Se Ihe falta o dia, chora” (S. Alvarenga), “Tua frente a coroar” (idem), “Da alegria suspeitosa”, “A alegria natural”, todos de 8. Alvarenga; sio endecassilabos “E os dias do homem por dores se contam” ¢ “Nao sio dos invernos as fiias geadas”, ambos de F. Varela. Palavras como saia, raio © correio nio sfo tritongos, embora juntando trés vogais. Emitindo-as percebemos 0 seguinte esquema: V+sv+V (/AiN/, /AiO/, /EIOW/AIN, /AiO/, /EIO/ = _|___|_). 0 esquema do tritongo, como vimos, ésv+V-+sv (__|___).Entio, como resolver, em termos de separacio silabica, saia, rai e coneio? Segundo a gramtica, seria assim: sai-a, rai-o, cor-rei-o, ou seja, um ditongo seguido dde uma vogal. Cegalla prope que, em casos assim, temos dois ditongos (si), como demonstrariam as emiss6es: sai-ia, rai-io, cor-rei-io. Em relacio & proposicio gramatical, é também possivel supor o ‘contrario se repararmos em veia, por exemplo, que 0 /ia/ esta mais claramente para ditongo do que 0/ cif, de modo que terfamos uma vogal (/e/) seguida de um ditongo (/ia/). Bis dois versos heptassflabos de'S, Alvarenga com esse tipo de ocorréncia: “O receio jé pressago” (O re-ce-io ji pres-sa-go), “Nem 6 raio luminoso” (Nem 0 ra-io Iu-mi-no-so). Hi, por fim, encontros de quatro vogais, nlio nominados em particular. Se em Unuguai temos uum tritongo (uAi/ = ___|___), o que temos em unguaio? Segundo a formula de Cegalla (1994, p. 27), temos af a jungio de am tritongo € um ditongo, sendo assim dividida: w-ru-guai-io, Nada impede, contudo, que vejamos nesse encontro vocalico a configuragio de um tritongo acompanhado de uma vogal (/wAi-O/). Também teria razo quem visse af dois ditongos crescentes /uA-iO/, solugio mais visvel, parece, na leitura de versos. Esse tipo de encontro (tetrongo2) aparece mais no arranjo entre palavras (quase que exclusivamente), como neste decassilabo sifico “Porque meu seio é de ilusdes vazio” (F. Varela). Haveri um momento, na aferigio métrica, em que a nds, leitores, caberd descobrir, pelo sincopado da prolagio natural e pela cadéncia proposta pelo verso, quando um encontro vocilico menos simples se ddefiniré como uma silaba métrica, ou mais. Precisamos sim de certo jogo de cintura para o enffentamento de seqiiéncias vocilicas esticadas, como neste decassilabo herbico, esquisito de propésito: “E vai a, ii, 0 ‘Thomas Bowwict / LOcia Osawa Zouin (oxeantzaponts) — 65 ¥ ‘aio a0 onteiro”. No decassilabo herdico temos acento (forte) fixo na sexta e na décima silabas, sendo livre, fora desse esquema, a fixagio dos outros acentos. Logo, para escandir esse verso (forcado), para separar suas sflabas, o acento na sexta servird de referéncia. Temos, no geral, uma sequiéncia que dispSe um ditongo (vai), uum hiato (af), dois ditongos siameses (iéid), um ditongo com uma vogsl sobrante (ai), e,finalmente, tr8s ditongos (ao ¢ outeiro). A leitura pelo natural, apenas com intensificagio das batidas, revela logo que a sexta emissio forte recai no segundo ditongo de iaid. Entio até a sexta temos o seguinte: EArai/a/Viaia. Restam apenas quatro sflabas para se fechar o decassilabo, ¢ elas estio na sequéncia “o aio a0 outeiro”. Segundo 4 gramitica, eis a divisio: o/ai/olao/outeifro. Sete silabas, Para que possamos “encolher” a sequéncia comegamos por admitir que s6 contamos as silabas de um verso até a tiltima tonica, ¢ essa recai em /te/. : Para as outras operacées de reducio precisamos reconhecer a existéncia de “licencas” espectficas na pritica (€ no desvendamento) da metrficagio. Por exemplo: a vogal final de uma palavra pode fundir-se com a vogil inicial da palavra seguinte, formando uma silaba s6. E 0 que se entende comumente como elixio. Em “ela esté triste” contamos apenas trés silabas porque, além de dispensar a iltima (/e)), por ser toma, \ fandimos 0a final de ela com o/es/inicial de est, ficando assim, na emissio sonora: lae (um ditongo, pois) ‘ou, dependendo da letura, ks, sumindo toda a emissio do /y/. Fis o resultado: e/levtatris/te. Retomandlo a sequéncia final do decassilabo, jé com essas nogbes contrévias & gramética, mas vilidas, verificamos que set ‘encolhimento para quatro sflabas se viabiliza por uma reformulagio dos encontros voealicos que, embora respeitando a emissio natural, nfo respeita a integridade morfoldgica dos vocabialos. Nao deve assustar, portanto, se, na prolagio corrida, descobrimos em “o aio a0 outeiro” a sequéncia vocilica aAioACOu. ‘Uma leitura que exagere as emissdes fortes, rOnicas,revela logo a presenca de tréssilabas (Sendo 0 ei/ de outeira, fora da seqiiéncia vocélica, a quarta complementar da seqiiéncia que abordamos), ficando assim a divisio silabica do trecho: oAVoAo/OwtBi/to. Um olhar atento descobre certa ldgica ness solucio, pois a sequéncia vocilica €feita de dois tritongos (oAi, aAo = sv+V-+sv) ¢ um ditongo (Ou = V+sv), encontros vvocilicos que, segundo a gramitica, nfo sio separdveis. Por outro lado, as licencas afetaram a morfologia dos voesbulos: 0 artigo o junta-se a0 a inicial do substantivo ato, € 0 @ final dessa palavra se une a0 a do vocibulo seguinte, ao. Sé a este ponto as coisas parecem complicar-se, lembremos que a separagio silabica pela emissio fonética natural (como primeiro passo) reconhece nossa capacidade espontinea para perceber os fatos sonoros (gramaticsis ou nfo), sem que soframas com a teoria, Importa conhecer os comandos gramaticais nna medida em que sua formulacio aproveita essa espontancidade (repetida); ¢, por outro lado, na medida ‘em que podem ser contrariados pelo poeta na claboragio de versos medidos, Assim, quando enfentamos jum poema, particularmente a métrica € 0 ritmo, precisamos saber de antemiio que pode o poeta afastar-se ddesses comands. Sabe ele que, como pede a norma, nfo separamos as vogais dos ditongos e dos triongos, que separamos as vogais do hiato. Respeitars tais mandamentos até que no contrariem seus interesses métricos. Destaquemos esse até, porque um principio deve prevalecer, ode que contradicio da norma no € ordinariamente um mandamento criativo, uma pritica sistemitica, um recurso premeditado, gratuito. Por isso no ppdemos avangar na escansio de um verso considerando, a prior, que tudo nele 6 artificioso, fora da norma. A preocupacio com as licengas métricas corresponde a uma espécie de segundo passo, de segundo recurso, no processo de escansio. ARTIFICIOS METRICOS NO PLANO DOS ENCONTROS VOCALICOS r ‘Ao compor versos para estrofes isométricas (aquelas com versos de medida igual), © esforco a do poeta consiste basicamente, no plano técnico, em esticar ¢ encolher linhas, em acrescentar ou « diminuir silabas. E nos dominios dos encontros vocilicos que esse trabalho se desenvolve com a possibilidades e alternativas mais amplas. Ao contrariar a norma o poeta nada mais faz. do que recorrer ny A tradicio pottica, que Ihe coloca 8 disposigio um arsenal de recursos, de “licencas”, de arificis. Lan ‘Tomemos esses artificios como fendmenos que ocorrem, em termos gerais, entre palavras (ex. chorand9 ésté, receio amargo) dentro de palavras (ex.: longo janeiro, desmaio fatal). Entre palavras nl 65—TeEORIA LiTERARIA temos; elisa sual dialfi hiato «dent de palavras temos:siuérese edie. Para faciitara memorizacio de alguns desses termos ¢ do fendmeno que cada um indica, consideremos a particula sin- como dcterminante de diminuigio, de retragio; € a particula dé- como indicativa de aumento, de expansio. Assim, a sinalefa indicard contragio e a dialefi, esticamento. LLICENGAS INTERVOCABULARES (DE CONTRAGAO): ELISAO, SINALERA ‘Vejamos isso com mais vagar, comegando pelas situagies eur palavras (intervocabulares). O entendimento costumeiro de elisio, geralmente equiparando-a 3 sinalefa, aponta para uma supressio explicita (grafica) “ou implicita (oral) de uma emissio vocilica, ou simplesmente de uma vogal, quando, entre palavras, forma-se_um encontro_vocd jusio de vogais, nesse caso, implica @ completa elimmagio sonora de uma delas, ao contrario do que ocorre na sinale Jomauwe palavras, lembremos — conserva a emissio de cada vagal. Natamos a elisifo explicita do /e/ no inicio do heptassilabo “D'alvos peixes os cardumes” (S. Alvarenga); no /2/ de tua do decassflabo (sifico) “Que de twalma reverbera o céu” (F, Varela), A-clisda implicita nem scmpre a identificansas com facilidade, aemissiod: 0s wocilicas AU ‘ de itor para leitar Loga, no verso heptassflabo “A serpente enfurecida” (S, Alvarenga), 0 encontto /te en/ sera considerado eliséo se quem o ler o tomar simplesmente como /ten/, eliminando a emissio de um /e/. Se a leitura, mesmo. fandindo as duas vogais, conservar as duas prontincias, gerando um ditongo (En = ___|_); temos entiouuma siualefa que pode ser chamada, por fundir vogsis iguais, de sinalefa-rase, Consideremos outro verso, heptassilabo “E se as trevas no horizonte” (S. Alvarenga). Parcce-nos dificil uma leitura que converta 0 /se as/ em /sas/, eliminando 0 som do /e/, até porque mudaria o sentido do verso, que resultaria em “Essas trevas no horizonte”. Logo, estamos diante de uma sinalefa, pois que se conservam osdois fanemas, um fraco.o do/e/, ¢ outro forte, o do/a/, formando 0 ditongo /eAY. A supressio total de um fonema parece mais visfvel e l6gica no encontro /no ho/, que passa, em termos Tonéticos, a /no of. De fato, lemos quase que naturalmente “trevas norizonte”, Caso, pois, de elisao. A leittura eventual dos dois os separadamente, formando o ditongo /oO/, levaria 0 caso para a sinalefa, e, mais uma vez, sinaefacease. E preciso ter em conta, sempre, que essa emissio distinta de vngais em contato nio opera uma separacio automatica de silabas, de modo que a sinalefa, geralmente conformada num ditongo, continua indicando uma jungio de vogais (entre palavras) para o “encurtamento” do verso. Tomemos agora um caso menos simples, o do decassilabo “Soluga 0 arroio; diz a rola amores” (F. Varela). Uma leitura espontinea dir logo que os acentos fortes recaem sobre a segunda, a quarta, a sexta, a oitava, € a décima silabas, ou seja, o decassilabo € a um s6 tempo herdico (acentos na sexta e na décima) & sifico (na quarta,oitava ¢ décima). No segmento “Soluca 0 arroio” temos a sequéncia vocilica, entre palavras, aoa (aA = sv+sv+V = _____|_), um nio-tritongo (que se expressa no esquema __|_ _), um ditongo somado a uma vogal, que pede separacio. A leitura natural revela, no entanto, que praticamente eliminamos o /a/ final de Soluga, restando a sequéncia “Solue’o arroio”, E conservamos a sonoridade do artigo @ e da vogal inicial de aro, restando um /c'ow/ que vale como sflaba pottica Como pronunciamos aqui os dois fonemas vocdlicos, estamos diante de uma sinalea, de modo que, 20 fim, detectamos naquela sequéncia voeflica (entre palavras) else sinalefe. O encontro vocdlico em «amv (note-se: dentro da palavra) se ajusta ao esquema V++sv+V (iO = _|___|_): um ditongo mais uma vogal, ¢ nfo um tritongo, o que viabiliza sua divisio, no caso. Aqui basta acompanhar a gramdtica: arroi-o. (Hi quem entenda que melhor seria ar-ro-io). Desse modo, temos, até aqui: So/lu/caoal rToi-o. Acentuagio mais forte ma segunda ¢ na quarta silabas. No resto do decassilabo, “diz a rola amores”, constatamos entre rola e amores ou uma elisfo, para quem ler flax apenas numa emissio seca, dando fla, ou temos uma sinalefa-rase, para quem pronunciar os as em dois tempos. Jé percebemos sta altura que a sinalfa se ajusta nfo apenas no ditongo, mas também na crase. E, mais ainda, pode ajustar-se (sempre entre palavras) a um tritongo, dependendo das exigéncias métricas. E o que ‘Tomas Bowser / LOcIs Osan Zouin (oncantaananes) — 67 (ourez © Rooenicues e vemos no heptassilabo “E deixaste a magoa, os danos” (S. Alvarenga), particularmente no segmento, igoa, 05 danos”, com um tritongo perfeito (Aas = sv4V+45v). LLICENGAS INTERVOCABULARES (DE SEPARAGAO): DIALEEA, HIATO Passemos agora para o recurso inverso, para alicenga que fora, ada entre palavras,oesticamento doverso, o aumento de silaba (s), Em muitos estudos de poesia aparece como Tato, mas, POPS Aqui, tum caso de poética e nao de gramstica (onde o hiato reside dentra da palavra), mais adequada seria chamar esse antficio de dialel - é c 5 si Se. identifica a fusio de vognis com emissio sonora dupla, as vezes tripla, a dialefi sinaliza a separagio do encontro vocilico de dupla emissio (nao soa impréprio pensarmos num desencontro voeilico). Nio obstante, assim como admitimos a sialefa-crase, também podemos admitir a dialefe-iato, veri quando a separagio ocorre entre emiss6es vocilicas fortes. Numa estrofe com versos padronizados ent sete silabas, este, “Soft Avido de nés”, contém necessariamente uma dialefa-hiato no desencontro /fieV No decassilabo sifico “Sobre o passado correrd um véu” (RB. Varela), somos levados a separar 0 /ri uum, duas sflabas fortes, Da mesma forma separamos “tu és” do decassilabo “Oh! mundo encantador tu és medonho!” (F, Varela), E certo que nos ocorreria querer saber, aqui, a razao pela qual vemos exatamente af, nesse /tu és/, uma licenga poética (dialfa), quando hi no verso outro encontro vocilico, © /do en/. Vejamos isso detidamente. Trata-se de um verso aparentemente ficil de ser deslindado em termos meétricos ¢ ritmicos apenas com uma leitura espontinea que realce mais as silabas fortes. ‘Sabemnos jf que a feitura ea leitura de versos costumam fundir os encontros vocélicos entre palavras, ¢ no verso transcrito temas dois encontros, /do eny/ e /tu és/. Primeira constatagio: trata-se de um verso de nove silabas. Acontece que, se examinamas os outros versos do poema, descobrimos que todos possuem dez sflabas. Seria precipitado admit logo que o pocta errou, Adotando o critério gramatical, constatamos onze sflabas... $6 resta uma estratégia: verificar se alguma licenga poética incide sobre os cencontros vocilicos. Um desses encontros deve encother, reduzir-se a uma s6 sflaba. Considerando a Jeitura corrida, um deve ser esticado, transformado em duas sflabas. Fechando as contas: um encontro deve encolher; outro, esticar. Para decidirmos melhor, um fator deve ser previamente considerado: © verso decassilabo, na tradigio, é séfico (acento fixo na quarta, na oitava ¢ na décima sflabas) e/ou herGico (acento fixo na sexta ¢ na décirha silabas). Assim, se esticamos em duas silabas o encontro do en encolhemos em uma o /tu és, temos a seguinte leitura: Olymun/do/em/canyta/dor/tués/me dofnho, Entio nos perguntamos: 0 acento forte recaiu na quarta silaba, no /em/? Recaiu na sexta, no Aa? Nenbuma resposta pode ser positiva. Essa solucio nfo referenda, pois, o decassilabo sifico nem © heréico. Uma leitura que troque a incidéncia das licengas (Oh/mun/doen/eanyta/dor/twés/me/do! ho) resolve todos os problemas. Essa explicagio minuciosa expe a necessidade que temos, diante de certos versos, de criar ¢ conduzir uma argilicio, de escolher caminhos, de inventar um processo. Os antificios métricos ¢ ritmicos, como liberalidades, estimulam um jogo de desvendamento que coloca & prova, nio raras ‘vezes, em certo estigio analitico, nossa capacidade de envolvimento lidico. A légica da escansio é em parte, alégica do jogo, que respeita apenas 0 “tamanho” padrio do verso e, em muitos casos, seu ritmo. ‘Considerando 0 caso da dialefa-hiato (separacio no encontro de duas vopais fortes, como no octossilabo “Infante pela mio da_L.ama”, de A. Nobre), ocorre-nos pressupor, como que jogando, a existéncia de uma dialefa nio-hiato, ou simplesmente dialgfa, que envolva a separagio (entre palavras) niio de duas vogais fortes, ou plenas (separagio até l6gica, do ponto de vista gramatical, pois se trata de um hiato), mas a separacio de uma vogal € de uma semivogal, ou seja, de um ditongo, ¢ até mesmo de duas semivogais em encontro. Se o verso heptassflabo "A serpente enfurecida”, abordado atras, estivesse hum estrofe em que todos os outros versos fossem de oito silabas (octossilabos), terfamos de separar © encontro /te en/, resultando correta esta solugio: A/ser/pen/te/en/fu/re/ci/da (lembrando ainda outra vex: 86 contamos até a sltima silaba tOnica). Bis um heptassilabo auténtico com exigéncia de dinlefa em encontro voeilico ditongo: “Vede em que fogo ferve” (Camées). Nesta outra redondilha maior 68—TEORIA LITERARIA o(Z)Orenavonss ob Leituns BA Poesia “Quero acabar comigo” (Camées), a dial esté no ditongo od (sv-+V) da sequéncia “Quera/ax HA casos, no entanto, de afericio menos simples, como em “O triste que a Amor serve” (Camées), ‘um verso que precisa ser de sete sflabas para acompanhar os outros da estrofe. Uma leitura corrida, espontinea, revela, a principio, seis silabas, pois emendamos 0 /ques/ (sinalga) ¢ climinamos o /A/ dc Amor (clisio). A dialefa se impoe quando, em vez. de eliminarmos o /AV, damos-Ihe plena validade silabica, Entdo 0 verso heptassilabo se resolve, em termos de licenca poética, por uma sintalefa (quea/ e por uma dialefa (quea-A). No decassilabo séfico “Beijava a onda num solugo mago” (F. Varela) temos ‘uma elisio (va a = va) € uma dialefa (va-on), € no heptassflabo “Jé Etonte inflama o ar” (S. Alvarenga) temos, na sequéncia, uma dialefa (J6-E), duas elisdes (do /e/ no encontro /te in/ = /tin/, ¢ do fof no encontro /ma o/ = /mo/, na verdade /mu) ¢ outra dialefa (/mo-ar/, ou /mu-at), Explicadas, pois, no campo dos encontros vocilicos, as licengas poéticas entre palavras (elisdo,sinalea, sinalefa-rase, dialefae dialefa-hiato), passemos agora i abordagem das licengas vocalicas incidentes dentro do vocabulo (intravocabulares), asinéresee a diérese. LICENGAS INTRAVOCABULARES: SINERESE (DE CONTRACAO) E DIERESE (DE SEPARACAO) Aprimeira, ques verso, padeserentendida comoatransformagio arbitraria (mas poética) de um hiato num dit assflabo sifico “Sonho de Fosas num pais nevoento” (A. Guimaraens), onde /oen/ (um hiato) de nevoento 6 tomado como ditongo, valendo, portanto, uma sflaba s6. A palavra, que tem gramaticalmente quatro sflabas (ne- vyo-en-to), passaa conter trés (ne-voen-to). Essa operacio de encolhimento nao pode incidir sobre © outro hiato, pais (que continua um vocibulo dissilabo), porque modificaria a condigio séfica do decassilabo (acento fixo na quarta, na oitava e na décima sflabas), sem viabilizar o decasstlabo herdico (acento fixo na sexta e na décima sflabas), pois, com esse encolhimento (sinérese) de pats © acento forte recairia na sétima sflaba, Em versos como “Ainda com Ligrimas relembro” (A. Guimaraens), um octossflabo sem nenhum outro encontro vocilico, é ficil localizar a sinérese em jinda”, que passa a ter apenas duas sflabas (Ain-da). J4 no caso de “Em sua miséria profunda” (F. rela), verso de sete por leitura espontnea revela af oito silabas, porque em sua temos um hiato e em miséria temos um ditongo. A questio basica é esta: precisamos encurtar o verso, diminuir silabas. Ora, o ditongo / i 4 foi contado como uma sflaba, de modo que a operagio s6 pode incidir sobre o sua, que se transforma de vocbulo de duas silabas (dissilabo) em vocabulo de uma silaba (monossilabo) ‘Tomemos agora um verso menos simples, 0 alexandrino (doze silabas, com cesura ~ acento ~ na sexta) “Uma saudade cruel 0 coragio me corta” (A. Guimaraens). Comegamos jogando com a Ieitura espontanea, que nos revela treze sflabas. Precisamos encolher o verso. Vemos nele tres encontros vocilicos, os ditongos /au/, de saudade, ¢ /ao/ de coragio; € 0 hiato /uel/, de cruel. Somos induzidos, em prinefpio, a testar a reducio do hiato a monossflabo. Uma releitura espontinea revela que, se cruel se mantiver como hiato (cru-el) ~ 0 que por si s6 dé treze sflabas a0 verso ~ desfiz-se a tonica da sexta silaba (aquela que promove a cesura, a pausa do meio do verso alexandrino), pois 0 /el/, onde fica acento forte, corresponde & sétima sflaba (U-ma-sau-da-de- cru-el-o-co-ra-¢io-me-cor-ta). Além disso, uma olhadela nos segmentos anteriores e posteriores labas com dois encontros vocilicos, temos dé comecar jogando. A contagem a cutel revela a impossibilidade, neles, de redugio silabica. Logo, ocorrers uma necessiria sinérese do cml, ¢ essa transformagio de um dissilabo em um monossilabo, tanto reduz 0 verso a doze silabas como devolve 0 acento & sexta silaba Quando houver necessidade de esticar um vetso a partir de encontros vocilicos intravocabulares, a questio é de diérese. A diérese, que estica 0 verso, que Ihe acrescenta silaba(s), indica a transformacio de um ditongo num hiato, Numa estrofe de Camdes, com versos iguais de cinco silabas, encontramos este, aparentemente com quatro sflabas: “Saudosa dor” (Sau-do-sa-dor). Ocorre que o poeta esticou o ‘Thomas Bowwici Locia Osan Zou fonsantzanonrs) — 69 ontez © Rooricues ditongo /aw, tomando-o por um hiato, ficando assim a divisio silabica: Sa-u-do-sa-dor (cinco silabas). $6 tomamos “Piedosas aparéncias” (Camées) como verso heptassflabo se consideramos a diérese do /ie/ de Piedosas. No caso de verso com mais de um encontro vocilico (¢ precisando ser esticado), 0 ritmo dos outros versos (se uniforme) € que determinarg o melhor lugar para a sinérese. Em se tratando de vverso em estrofe heterorritmica (aquela composta de versos com ritmos variados), a escolha pode ser aleatéria. Em “Ferro, frio, fogo e neve” (Camées), desconsideradas as licencas, temas um verso de seis silabas (hhexassflabo) que, pelo padrio dos outros da estrofe, deve ser de sete. Devemos, pois, esticé-lo, para o que invocamos a possibilidade de licengas. Temos af dois encontros vocélicos, um em fifo, outro em /go e/, dois ditongos. Podemos, em principio, esticar qualquer um dos dois, ficando com estas duas possibilidades métricas: Fer-ro-frio-fo-go-e-ne-ve(|____|__| ___|_ __}, ou Fer-ro-fti-o-fo- goe-ne( |__| __|_ = _|_). Qualquer das duas opgées € teoricamente vélida, mas a segunda revela-se mais aceitivel, pelo ritmo mais sincopado, pela seqiiéncia regular de células ritmicas bindrias, ou pés troqueus (uma silaba'forte e outra fraca). Logo, a opgio mais aconselhvel € projetar adérese no iio, que passaria de monossflabo a dissflabo, enquanto 0 encontro /go e/ (entre palavras, note-se) fica ‘no que € como licenga poética, uma sinalefa, Sio basicamente esses mesmos prinefpios que adotamos nna anilise métrica do decassflabo heréico “Se frios como neve estais agora” (A. Guimaraens). Nove silabas, em leitura corrida que respeite a gramitica. $6 chega a dez se projetamos uma licenga de esticamento em um dos dois encontros vocilicos. Aqui nem soquer sofremos, pois uma releitura mais cadenciada revela que, se mantivermos o frios — lugar do primeiro acento forte ~ como ditongo (uma s6 silaba), 0 segundo acento forte vai dar em /ne/, restando étona a sexta sflaba (/ve/). Logo, nio chegariamos 20 decassflabo heréico, nem 20 sifico. Se, pelo contrrio, enxergamos em frios uma diéres, tum ditongo valendo como hiato, resolvemos todos os problemas. ARTIH(CIOS METRICOS E METAPLASMOS. ‘Aarte de esticar e encolher versos, no plano intraverbal, alcanga os metaplasmos. Hé 0 aso, entre palavras, da eclipse, que alguns estudiosos tomam como uma forma de elisio. Ocorre quando una palavra texminada com consoante nasal (ex.: com), em contato com outra palavra iniciada por vogal, ou sendo toda ela uma vogal mero desi © exemplo mais comum € o da contracio da preposigio qa com os artigos o, ae uu. Nestes dois -versos heptassflabos de Anchieta, sequentes, temas 0 uso contrafdo ¢ 0 uso normal: “Co’o sangue, que derramastes/ com a vida, que perdeste”. Sio também heptassilabos “no peito, cum arcabuz™ (Anchictay ¢ “Jaco'a cauda o tronco acoita” (S. Alvarenga). Algumas vezes esse tipo de contracio esti implicito €@, nio raro, corremos o isco de entender que o poeta errou Assim, quando lemos este alexandrino “Acaso vens conto teu olhar de eterna aurora” (A. Guimaraens), precisamos considerar 0 “com o” como um “c'o”, para que nfo cheguemos a treze silabas, Ast intsaverbais identificad: Japlasmos podem ser tomadas como figuras de morfologia. Recurso sonoro curioso, no vocabulo, é a desconsideracio de uma emissio em certos Je um verso. ceanteos consonaniais, cama o/b de objeto. De nada vale, nesses casos, a forma do vocabulo. Nio haveria diferenca fonolégica, assim, entre os heptassflabos “pois que sois tio digna esposa” ¢ aquela imagem tio dina” (Anchieta). Versos como “Deste lugar advogada” (Anchieta), “Admirando 9 rico adoro” (S. Alvarenga), e “Doce néetar no seu rosto” (idem) possuem sete sflabas. Caso fosse estendida a prontincia das palavras advogada ¢ admirando (trés sflabas), gerando quatro sflabas {adivogada, adimirando), terfamos tum acréscimo sonoro no interior de cada vocsbulo, Essa licenca de és cabulo, recebe 0 nome de epéntese. Nao é preciso, frise-se, que 0 poeta estique graficamente 0 vocibulo, Se o heptassflabo “Doce néctar no seu rosto” estivesse numa estrofe de vyersos octossflabos, tervamos de “ouvir”, de considerar, em “néctar”, trés sflabas nftidas, o que levaria 0 verso também para oito silabas. Devemos ter em mente, sempre, que © poeta wsusfrui as liberalidades, poiticas segundo seus interesses métricos. Num poema de Anchieta, construido em redondilhas W—TEORIA LITERARIA maiores, encontramos o verso “por vés serio levantados”, sem caréncia de licenga, ¢ o verso “Por vs sou alevantada”, com um necessirio acréscimo de silaba (em alevantada). Neste caso, tendo ocorrido sdigiamp initio do vocthulo, configara-se uma figura morfoligica chamada de pusiese. Caso 0 aumento -seoseauafiaida palaurs_coma no “mrtine” do decassflabo herdica *E depois que do mértire Vicente”, estamos diante de uma paragoge. Casos hi, como vimos, em que 0 poeta carece no de aumentar silaba(s), mas de diminui-la(). Castro Alves cortou a silaba inicial de “estamos” no verso “ Stamos em pleno mar... doudo no espago”, para ajusti-lo & medida dos outros, decassilabos. Esse corte no inicio do vocabulo tem um nome: afre. ‘JiAnchieta e Camoes, precisando de verso de sete sflabas-resolueram cortar sflaba uo interior da palavra, como vemos, respectivamente, em “O saroso e doce gosto” e ‘A tudo se of'receria”, Caso de sincope. A necessidade métrica pode levar ainda, por fini, 4 supressio de sflahana final da yori. O heprassfabo “grande servo do Senhor” nio exigiu' de Anchieta nenhum malabarismo, 20 contratio do verso “por este gricavaleiro”, também de sete sflabas. Essa supressio na-fimn da voréulo chama-se qniane Rrrmo ‘As sflabas de um verso sio, antes de tudo, fragdes sonoras. Decorre que © verso, por ser uma sequéncia de silabas atonas ¢ ténicas, é também (A excegio do verso monossilébico agudo), uma sequencia de facies sanoras ascilanda entre alta c baixa prolacio, Essa sequéncia alicerca o ritmo do ‘verso, de modo que ele se mostra, em principio, no jogo sildbico, no encadeamento de fragbes sonoras tomas (a) € ténicas (t). No decassilabo “Que tudo mais rasgaram parte a parte” (Gregsrio de Matos) temos a seguinte sequéncia sonora: v¥a/avavvt(__| | | |). Neste outro, do mesmo autor, “Estupendas usuras nos mereados”, temos aa/valala/a/alt(__ | ___L). Olhando com mais vagar os dois esquemas, notamos que alguns conjuntos silabicos se repetem, a/t (__|_), no primeiro; e a/a/t (_____|_), no segundo; de modo que, reparando bem, repetimos conjuntos sonoros especificos em sequéncia, Primeiro verso: at-at-at-at-at; segundo: aat- aat-aaat. Os dois casos demonstram que um verso pode ser dividido em fragdes menores (silabas) ¢ em fragdes maiores (grupos de silabas). Assim, o verso “Que tudo mais rasgaram parte a parte” possui dez silabas e cinco segmentos sonoros de duas sflabas (ou fragdes bindrias do tipo __| ). “Estupendas usuras nos mercados” possui dez sflabas e duas fragdes de trés sflabas (terné tipo____[_), seguidas de uma fragio de quatro (quaternitia, do tipo____| ). Ja nio basta, portanto, encarar o ritmo de um verso apenas como uma sequéncia siléhica composta (regularmente fu nfo) de emissGes fracas e fortes. Ele € também-cunis, uma scquéncia de fragbes silabicas, ou de élulas, de pé métricos. Podemos dizer, sintetizando, que al ce que algumas edlulas méiricas formam um verso (notadamente se for acima de quatro sflabas, porque versos menores acabam se ajustando a um pé apenas), Ou, de outra maneira, que um verso ¢ feito de células (macrofragGes) € que uma célula € feita de silabas (microfragées). Essas_solugdes radicam no universo da poética clissica. Entendendo os mecanismos de fancionamento dos fatos nesse universo, criamos condigdes de melhor compreendé-io nos dominios da poesia de expressio portuguesa. ias, do CO AO UNIVERSO DA POETICA PORTUGUESA No universo da poética clissica, 0 exame do ritmo comeca pela adogio do acento quausitat bageado na duracio da cmissio (onga/breve)_¢ no na sua iniensidade (farsedfeaen), como sucede na Tuomas Bonnet / Loci Osawa Zou (oncantendonrs) — TL

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