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Bee Ont ere perenne ere martes acs: Parinienvaere eC Me ean Ppeeenrennray hein ceo SMC Toa To a ARE renee cranritr eC Uc nas Peer erra nearer icc ok Gite Teentaal re eta ET De CT ne Aapiriet erm On staan Peritet rere no eee reiniauss Sper itr ea porate perc iar te omnis Pisienrieerenia ERUPT OL a eso ha Seaver ek CC Ronan irene arrange ayo ONL oR ras Pima timed ae ne ett ae Le ML Rar cer peers tat Pate eke Mca oss pene eer rom edt nas Pees SOmU LSC Peerent aie Nr Oe ena Peennrier Pret Penn SUE Se oi ies penne neaerrenict Scr seca Biv nee Henne rooney ese ee eae Soa Nc arene re Tr oman Serr etre maa Apocte erCa aera ec rere oct raas Rome tad PT Cr nt ec a i eT ee ry PAMTE auanu rc) perv scenic) A CONSTRUGAO DO IMAGINARIO 1 Philippe Matriew RAZAO E PRAZER 2 Jean-Pierre Changeux ‘AS TEORIAS DA ARTE 3 Jean-Luc Chalumeau FERNANDO PESSOA E AS ESTRATEGIAS DARAZAO POLITICA 4 José Fernando Tavares CAIXA DE RESSONANCIA. 5 Alexandre Castanheira CAMPOS DO IMAGINARIO 6 Gilbert Durand SEMIOTICA E FILOSOFIA DA LINGUAGEM 7 Umberto Eco ALITERATURA EUROPEIA & Jean-Louis Backés Cole yo2 FORTE OD Jean-Louis Backés A LITERATURA EUROPEIA PIAGET ‘hte: aLitrawe Bzcpieme Autor Jeans acs Colegio: "or ds Antes Lita sob. decode Antinio Oia Cz {© faons de Bin, 1096 Dinos reservados par ign portuguese: INSITTUTO PAGET Av Joo Palo ote S44, 2° 1900-726 istoa eet :887 1728 Ema plexi pt Tepe: Iie Ceo Fen ope Darnde Canaa| Fagg: Na Ane ifs, Inpretie Acament elo Fle, San o727h 9 Dept ei 13 67399 ‘Kenhurw parte Gna pleas Po we RpoGw tise oe asm por quatqtproo eles dn, meats ou feo Incas foes, esc ou vai, rast pee = APRESENTAGAO ql coe ca neon atersoa rune encanta com uma enciclopédia. 0 leitor nio vai encontrar nem os nomes de todos os ‘escritores europeus algo notérios, nem wma descrigo, mesmo breve que seja, de todas as suas obras. ‘No se trata de apresentar todas as literaturas da Europa, mas de ver em que consiste a literatura da Europa, no singular, se € que ela existe, Imedistamente se podem ver as restrigbes impostas por este ponto de vista: grandes autores so reativa- ‘mente ignorados fora do seu pais de origem, porque a lingua em que escrevem no ‘tem uma grande difuso ou porque a sua arte néo se ajusta bem & tradugfo. Para ilustrar 0 primelro caso, podemos lembrar que os escritores romenos mals conhe- ‘ios sdo aqueles que escreveram em francés, como Tristan Teara ou Eugene lonesco; 4 imensa maioria dos poetas liricos fornece exemplos do segundo caso. Por outro lado, movimentos literérios importantes podem interessar apenas uma literatura nacional ¢ ndo ter equivalente noutras: seria bastante indtil procurar parnasianos noutro sitio que em Franca, ou futuristas fora da Rdssia ou da Itélia, partindo do principio que, alids, a palavra efuturismo» designa, nestes dots paises, realidades bastante diferentes, ‘Se escolhi nao mencionar, em principio, seni escritores cula notoriedade ¢ ou fol europela, no procurel descrever movimentos literérios perceptiveis & mesma scala, Expresses como stomantismo europet»,«simbolismo europeu, fabricadas posteriormente por historiadores 2s vezes precipitados, levantam em geral mais ddvidas do que aquelas que resolvem e confundem mais do que uma perspectiva; apenas as usarei com certas precaugSes, que hei-de indicar e nfo farei delas 0 tincfpio de organizacao da exposic#o, Ascala da Europa, a sincronizacéo perfeita das historias literdrias nacionais s6 ppoderia ser conseguida por justamentos de pormenor tio numerosos que a imagem. final resultaria muito deformada. £ certo que se encontram simultaneidades; mas ‘h& também importantes desfasamentos. As nogGes muito gerais, como eromantismo europeu», insistem excessivamente nessas simultaneidades. ‘A exposigéo organiza-se com dificuldade se quisermos tet em consideracio 0s lees aoe Nae posse epulttma erenologia smples Nao pode desicbrar se, de forms alguma, em perfodos supostamente homogéneos, que correspondam 10s séculos do calendério, Tem, muitas vezes, que provocar escapadas em dlrecyo 10 futuro ou, outras vezes, retrocessos. Outro ponto: como se tratava de escolher, face as dimersdes da obra, preferi sscrever uma hist6ria da literatura e renunciar a histéria das ideias. As duas nog6es slo muitas vezes confundidas e mal Imagina-se que a literatura nao ¢ mais do que + apresentacéo formal de idelas antigas ou novas. Mas formular pressupée forma. 8 a histdria das formas nfo reflecte apenas a historia das ideias. Digamos que me preocupei com a histéria das formas. ‘Acexpressio tem de ser entendida num sentido amplo; nio se trata apenas de contat as sflabas de versos ou de salientaraliteragGes. A construcio de um texto tem a ver com a forma e implica mais problemas do que se juga. Existem modelos. abstractos de textos onde se encontra uma relativa autonomia face aos acontecimentos que relatam, A famosa expressio «unidade de acgio» designa um desses modelos; € preciso dar-lhe toda a sua importancia e deixar de a situar, a0 nivel das trés unidades, com esses fenémenos menos frequentes ¢ muito menos significativos,. que so a unidade de tempo e a unidade de espago. A expressio sobra aberta» parece designar um outro modelo narrativo, uma outra forma, ou antes um conjunto de formas, cuja andlise, em pormenor, ainda estd por fazer. ‘Acontece que urn escrtor procure agarrar uma forma, por exemplo, uma forma narrativa, através de um esquema preceptivo; Flaubert fala de um muro, de um muro liso, da sensaco que dé um muro liso; ele pretendia um romance que desse a mesma sensago. As formas literérias poem em marcha um imagindrio; so entendidas num espago orlentado por um sujeito que imagina que se desloca lf dentro, A nogéo de obra aberta, por exemplo, nfo é simplesmente abstracta; provoca os mesmos sentimentos de lberdade ou de angiistia que um deserto sem gente e sem limites. Porque descreve, porque narra, porque apresenta, a literatura ndo se reduz 2 elas, ously. jas sobre a ave a adotar na exstncae, sobre, na cexistncia social o sufelto que imagina distingue-se do sujeito da moralidade e do sujeito dos principios que nos governam. NoamDe que a namqio,cventualiente dramatizada,domina a itertura ‘europeia: € epopela, tragédia, é romance, é conto, Esta omnipresenga da narragdo 6 apenas caracteristica da literatura europeia, com exclusfo das outras? Nio faz ‘muito sentido levantar a questo, Podemos procurar definirmo-nos, de outra forma, sem afastar o estrangeiro, E nfo resolvemos, em trés frases, as quest&es levantadas pela auséncia de uma literatura dramética na tradigio drabe ou pela desapaticéo 4pida da mitologia chinesa tradicional. ‘Muito mais urgente, embora igualmente incémoda, ¢ a simples observacio de que toda a historia, incluindo uma hist6ria da literatura europela, parte do género arrativo, Mesmo numa exposi¢o abstracta, trabalham figuras imagindrias, ‘Nao quis propor um muro liso, um espaco igual e em repouso, que pode ser percorrido num movimento regular. Existem, segundo creio, variag6es de intensidade na hist6ria da literatura europela, existem vazios e pontos de forte energia, choques encontros, desaparecimentos e novos aparecimentos, Podemos seguir diversos caminhos, que se bifurcam, que se perdem na arela, que reaparecem. Voltam fantasmas; desagregam-se espiritos bons. Gostartamos de ter uma estabilidade, uma lista de bons autores registados para sempre, um panteio de valores seguros, a relacio completa daqueles que sabemos {que deveriamos ter lido, Podia ser essa a definicSo do escritorcléssico: nfo aquele que é preciso ler, imediatamente, com medo que amanhi a televisio j4 no fale dele; mas aquele que, desde sempre, devertamos ter ldo, que, pelo menos, devemos dar a entender que lemos, 7 Ora esta lista ¢ uma miragem, na medida em que se altera sempre que nos deslocamos, A literatura europeia é a tinica que est4 constantemente a transformar ‘0 seu panteio? Mais uma questio insolivel. Uma coisa parece segura: nfo serve de nada dizer de um autor antigo que ele ¢ «|4 moderno». Ao prego de quantas mentiras, proferidas com a mio sobre o coracdo, é que podemos pretender que Ronsard ou ‘Cervantes jé trataram precisamente daquilo que pretensamente nos interessa, que cles acarinharam ideias proximas das nossas? O lleitor de hoje néo pode sair de si mesmo? Numa literatura em que o teatro floresce hé vinte e cinco séculos, no se pode submeter 2quela experiencia do ccomediante, que repete as palavras de um outro, a0 ponto de conseguit, por alguns ‘momentos, ficar impregnado delas? Nao consegue explorar o estranho ¢ o insoito, numa literatura que comega, hé trinta séculos ou quase, com a histérla de um hhomem que percorreu os mazes, de acordo com um itinerdrio bizarro e de quem se diz ede muitos homens viu as cdades e conheceu os pensamentoss? ‘cid 8 évipénov Bev Goren Kai voow éyve. Howao, Odsela, Canto ¥.3 ‘Uma vez que é possfvel aprerider uma lingua estrangeira, uma vez. que assim Podemos, como dizia um velho romano, conseguir wm coracéo novo, podemos aventurar-nos em rotas longinquas. Néo precisaremos entio de um cicerone que ‘nos mostre com autoridade aquilo que é preciso ter visto. ‘Um principe dizia uma vez a um dos seus amigos, universitério: There are more things in heaven and earth, Horatio, ‘Than are dreamt of in your philasophy. Hé mais coisas no céu e na terra, Horatlo, do que aquelas que sio sonhadas na vossa filosofia. ‘ShaKesezane, Hamlet, acto I, cena 5, v. 16-167, A iist6ria da literatura europela ¢ a hist6rla de uma curiosidade insaciével, ee Shakespeare ae (788-1824), Monfed, Afrase de &citada em epfgrafe no drama de Byron (1 na novela de ace (851070) Chars Xho cpio XM do Lire Villers do Lisle-Adar (1 . ee ror emer inno dasgunspare do ara de Miko (178855), Daiady Lee Aleux), com a tradugio em polaco: {texto em polaco) Oo Em Klein Zaches gonnant Zinnober (O pequeno Zacarias chamado Cinabre) ET, Hoffmann (1776-1882), lemos que «um principe melancélico vestido de negron, dizia sobre um palco:es gibt mehr Dinge im Himme! und auf Erden,als unsere Welshert sich trdumes ‘docks fizeram troga de mim», diz o heréi do conto Thenatopla do poeta da Nicardgua Rubén Dario (1867-1916), «@ eu perdoo-ros, porque nfo fazes dels de las cosas que ‘no comprende nuestra flosoftaen el cielo yen l tierra,como dice nuestro maravilloso Wiliam», fevidente que os textos citados aqui e além, néo constituem uma antologia; alguns ilustres, nao. Rte tances, Coniera como epoténia anf trata com cera discricao, Nao fiz, por exemplo, resenhas sobre Ronsard, Moliére ou Musset, Os textos estrangeios foram apresentacios no original sempre que se tratava ce textos poéticos. Sempre que o nome do tradutor néo ¢ mencionado significa que tentei exercer a funcéo. CapfruLo I EXISTE UMA LITERATURA EUROPEIA? ual poderd ser 0 sentido da expressfo literatura europeias? ‘Uma maneira simples de responder consiste em afirmar: existem livros que, escritos na Buropa, numa das linguas da Europa, foram traduzidos e difundidos por todo o continente, Cada nagéo tem os seus cléssicos, Passa-se 0 mesmo em relacdo 2 este conjunto de nag6es que ¢ a Europa. Poderfamos fazer, ou pelo menos comecar a fazer, a lista desses livros de que qualquer europeu, por pouco culto que sefa, conhece a existéncia, que os leu ou que sabe que os deverla ter lido. No pantedo da literatura europeia teriam lugar, sem objecco, a Odisseia, A Divina Comédia, Hamlet, Dom Quixote, Fausto, Os Miserdves, Crime e Castigo e ainda outros, em grande némero, Onde devemos parar? A questo no faz. grande sentido. Vai levantar susceptibilidades vis: cada canto, cada aldeia tem interesse em que os seus escrtores no sejam esquecidos. Muito mais importante e mais realista é a questdo de saber como se constrult este pantedo, qual é a sua hist6ria, £ considerado como um facto. Quem quer que comece a ler descobre a sua existéncia, nos catélogos dos editores, na capa de certos livros, precisamente daqueles que fazem parte de uma coleccdo de cléssicos. Em seguida o leitor aprende. Descobre que Shakespeare ¢ uma das glérias da Europa; descobre que, cerca do ano de 1700, ninguém, fora da Inglaterra, sabia que ele tinha existido. O exemplo é, sem duivida, particularmente chocante. Encon- ‘ram-se muitos outros, As suas glérias tiveram as suas vicissitudes. Eumaideia destas vicissitudes que o presente livro gostaria de apresentar. Sempre cexistiu um pantedo europeu; como ¢ que ele evoluit?’ Durante muito tempo cingiu- -sea alguns autores latinos. Depots enriqueceu-se, Mas ndo se limitou a amliar-se ‘por acumulacdo regular, a medida que se iam produzindo obras-primas. Fol subme- tido a revisdes violentas: cada época fabricou, por assim dizer, um passado novo, & sua manera. Podemos resuimir a histOria dessas interpretagdes. Pocemos, com uma condigdo: ¢ necessério compreender que este trabalho no sem nada. ver com os processos a que se consagram, de vez em quando, os jornalistas + que ttm pot objectivo 2 reabilitagdo de determinado escritor au o envio de outro yaaos calxotes do lixo da historia, Néo é necessério, para gostarmos de um esctitor, Je nos convencermos que ele é universalmente apreciado. Toda a Europa achow jue as tragédias e os poemas de Voltaire eram admiraveis. £ um facto. Mas no UM FRAGMENTO DO PANTEAO, ‘Esta pequena lista fo felta ao acaso,folheando livros de bolso, rma rubrica:ena mesma ‘A cada titulo em francés correspondem, pelo menos, dots titulos em linguas cestrangeiras.Sereis eapazes de dar 0 seua seu dono? (Nico vale fazer estatisticas: las no teriam qualquer sentido. « es efeidodes eecvas The Confessions es Huts de Hurevert ‘Aufuschnurgenenes gers Cortes de. Nod! La ij del copin ‘Azucena en el vale ‘Aots house Kaweranceaa 10%a Las fore del ml ExDukletem Tipecrynaeuie waa: Beaucoup de brit pour rien El enfermo de aprensidn ase SBekernmise Un ere del noi tempo I promesd Shes! ‘Cie and Punishment Sogno una notte di mezza Recs Cun chasseur Casa di Bombala state a Guerre etl Pair The Betrothed Les Confessions Schuld urd Sétne Die Blumen des Bien Trepon vamero spewewn Die Surmbahe Les affntés electives Peers aoa The Coptin's dougie gordo rab Le Confestnd 1 gi ela vate a voce nel tempeta For el cami de Swonn in Hel unserer Zot Bota w ap ‘Gime tempestose ress ef nero Withering Heights rive et Chitin Suefo de une noche de Sauer oxoTMKR Delta i casiga San oon ‘Macho rude y pocos neces Du cit de chez Sworn Guentas de Novidd Un hires de notre temps Les Rneés Un here de nuesto tiempo ‘Malo strépo per nue Lal du Copeane Elhuerte de os cerezos ——_Relatos de un cazodor 1 rt del male Lely dons fa vale Rot und Schwert 1a Cersaie ‘Main de poupée Machi chs Nig eof eke | melat immaginaro es Feurs du Mal ‘Seat end Block se Rouge ete Not Cosa de mtecas ‘Memorie dun cociotore Le Songe une mut et te Molode imagine ‘A Misurimersights ream Buwensif ca The Ghery Orchard The Rowers of Ed Die Watirerwandschoften ‘A Qrstnas Caro! Guerra y Paz ‘Wielnechtserzlungen Bate Dostolewke §—— Maraon! Rousseau Talsot Baudellre Goethe Moline Stakespeare ——Turguéniev somos obrigads, pelo facto de reconhecermos isto, anos apaixonarmos pelas obras em questio, Nao somos obrigados a sentir indignacio pelo facto de, sensivelmente na mesma época, Dante ter muitas vezes sido considerado barbaro. Escrever a histéria da literatura ¢ um trabalho completamente diferente de atribuir prémios literérios. Convém ter presente este princfpio, no inicio de uma historia da literatura europeia. O objectivo nao é o de consagrar valores, mas ver como eles evolufram. Porrazies de método, devemos também renunciar a pretender saber como vio evoluir. 5 LITERATURA EUROPEIA E LITERATURAS EUROPEIAS Utilizada no plural, a expresséo sliteraturas europelase designa evidentemente as diversas literaturas que Se desenvolveram nas diferentes linguas da Europa. posstvel escrever a historia de cada uma dessas literaturas, ‘No singular, a expresso «literatura europela» designa 0 conjunto dessas Literaturas e parte ao mesmo tempo do principio de que este conjunto tem uma ‘unidade, que a sua historia contem uma certa coerencia. Levanta-se a questio: como articular as histérias de cadz uma das Uteraturas para construir a historia da literatura europeia? Ou, em termos diferentes: basta To a ee we ea e ? ANALOGIAS ‘Todas as literaturas europeias seguiram mais ou menos @ mesma evolucdo, de ue nos apetcebemos hoje 20 utilizarmos a mesma terminologia. Parece natural, sobretudo, a utilizacio em toda a parte dos mesmos perfodos. Em geral, distingue-se primeiro um perfodo medieval, depois uma passagem ao classicismo arcaizante, um perfodo romAntico, uma hegemonia do realismo e finalmente um perfodo que, falta de melhor designagao, chamamos «moderno», a espera do «p6s-modemo», do qual, aliés, nfo sabemos quase nada. # evidente que este esquema muito geral deve ser adaptado em fungdo das situagSes particulares. Ajustase, por exemplo, a literatura francesa. Mas certas Iinguas, certas nagdes, mantidas durante muito tempo num estado de sujeiclo desfavordvel ao set desenvolvimento, sé bastante tarde deram origem aquilo que chamamos uma literatura: falta ento o perfodo medieval e temos dificuldade em encontrar uma era classica. Em muitos casos, € indtil ctlar subdivisOes. Distingulr, por exemplo, uma Renascenga ¢ uma era cléssica propriamente dita, como, hé muito tempo, se faz © para a literatura francesa, tem a Vantagem de fazer coincidir os perfodos da histOria teréria com 0s séculos da cronologia aritmttica; se juntarmos um perfodo dito das Luzes», o classicismo prolonga-se por trés séculos e cada século tem a sua onalidade propria. O esquema aplica-se ainda, bastante bem, literatura inglesa; nas jé temos dificuldade em o utilizar para analisar outrasliteraturas, DIFERENGAS ‘Aum determinado nfvel de generalizaglo, temos facilmente a impressio que 0 nesmno esquema de evoluco néo foi seguido ao mesmo ritmo pelas diferentes Iteraturas. Passagens importantes no acontecem em toda a parte na mesma altura, ‘Aquilo que chamamos «Renascenca», isto, o movimento intelectual que supoe ama relagdo nova com a cultura antiga, e 0 nascimento de uma literatura firectamente inspirada em modelos greco-latinos, produz-se em Itélla, a partir do século xv e mesmo talvez a partir do século xv. Mas em Franca, em Espanha, em inglaterra, na Pol6nia, s6 acontece em meados ou no fim do século xv. Inversamente, a revolugio romantica, partindo do principio que ¢ possfvel defini-la exactamente, parece ter acontecido muito mals cedo nos pafses de lingua germinica (Alemaniha, Inglaterra, Dinamarca, etc.) do que nos paises latinos. Se dermos & expresso «romantismo aleméoe um sentido rigoroso, o movimento assim designado € anterior, em mais de vinte anos, a0 movimento que, em Franca, chamamos «tomantismoy, Se Ihe dermos um sentido muito mais alargado, se lhe dlermos infcio com a publicagao de Werther, adiferenca é, pelo menos, de cinquenta anos. Estes dols exemplos fazem surgir outta dificuldade: nfo ¢ certo que uma expressdo tenba 0 mesmo sentido quando ¢ utilizada a propésito de literaturas diferentes. PROBLEMAS DE TERMINOLOGIA: AS PALAVRAS TEM UMA HISTORIA Os termos que so utilizados para designar perfodos de hist6ria literéria, ‘aparecem na maior parte dos sitios sem alteragoes importantes em todas as linguas da Europa. £ principalmente o caso de todos aqueles que incluem o sufixo «ismo» ou ainda o sufixo «ica», mostrando desta forma que sio de formacéo culta, apartir de uma base greco-latina, [Nao se deve pensar que o emprego destss termos é sempre contemportneo do fenémeno a que se aplicam. Foram os historiadores que construfram, posterlormente, © romantismo ingles e consideraram como romanticos poetas que, evidentemente, ‘comheciam a expresséo mas que nunca tinham pensado em a reivindicar para se definirem a si proprios: Byron, Keats, Shelley, nunca provavelmente souberam que seriam etiquetados de «roménticos», Esta observagdo ¢ ainda mais pertinente em relaglo a expressdes como «cidssico» ‘on ebarroco». Ndo,encontrarfamos muitos grandes escritores que, imediatamente, ‘quisessem passar por «cléssicos». Quanto a0 uso do termo «barroco», ele € posterior, ‘em varios séculos, aos fenémenos que € suposto descrever. E preferivel, em geral, evitar confundir as opiniges que os artistas podem ter deles proprios eda sua actividade, com as construldas, mais tarde, pelos historiadores, Procuramos fazer a distingo em certos casos particularmente vistvels; temos dificuldade em imaginar um trovador a dizer a dizer dele préprio que vive na «ldade ‘Médian; a expresso ¢ manifestamente demasiado moderna. Balzac, porém, ter4 pensado que era um etealista»? PROBLEMAS DE TERMINOLOGIA: AS PALAVRAS TEM VARIOS SENTIDOS ‘Uma vez que os termos empregados em histéria literéria, na maior parte das vezes, so criagdo dos historiadores, poderia esperar-se que tivessem um sentido claro e univoco. Néo é assim. Podemos comparat o romantismo alemio com o romantismo frances? Tanto mum caso como noutro houve escritotes que conheciam o termo e reconheclam nele um valor laudatério. Além disso, 0 romantismo francés ndo ignorou determinados teéricos do romantismo alemio, nomeadamente os irmaos ‘Schlegel. £ portanto geralmente admitido que, quando se trata de literatura alemé, a palavra «romantismo» comporta uma dimenséo filosofica, metafisica, além de mistica, que permanece bastante estranha ao romantismo frances ou que, pelo menos, no tem nele importancia. Em contrapartida parece aceltavel comparar ao romantismo aleméo 0 simbolismo francés, justamente porque encontramos 14 essa dimensio, que € nele essencial. Poderfamos ser tentados, neste caso, a evocar novamente uma diferenga: a literatura francesa teria acedido mais tarde do que a literatura alema a uma certa concepco da poesia; teria ficado mais tempo agarrada a uma visio retérica das coisas. Valha o que valer esta hipétese, é necessério confronté-la imediata- ‘mente com outra: mals ou menos contempordneo do simbolismo frances, 0 naturalismo alemfo aparece, por si, como 0 continuador do realismo e do naturalismo franceses, Neste ponto, é 4 literatura francesa que estaria mais avangada; as diferencas seriam produzidas nos dois sentidos. Estas reflexdes nao levam longe, ou, o que vem a dar no mesmo, do lugar ‘a discuss6es ociosas, discuss6es intermindveis, que ndo avancam um passo. Sugerem que néo temos razdo, quando pensamos poder tomat por um sistema de conceitos rigorosos um conjunto terminolégico confuso, nascido dos acasos da historia. Seria perigoso imaginarmos que existe uma essEncia no romantismo, Devemos, pelo contrério, comecar por estudar a evolucio muito complexa da palavra e percebermos os seus diferentes empregos em fungio das circunstancias, ‘em vez de procurar fazer coincidir fendmenos diversos, sob o pretexto de que receberam 0 mesmo nome, Bare ite @G& RREGSRRRR REE INSUFICIENCIA DA HISTORIA PARALELA Porque a expressio «literatura europeia» pode ser utilizada no singular, porque temos facilmente o sentimento que a Europa constitu uma unidade cultural, seremos tentados a acreditar que a histéria da literatura contempordnea poderia escrever-se de acordo com um esquema linear, como uma evolucio através de Aiferentes periods, e que o historiador pode basear-se nas analogias terminolbgicas existentes entre as diferentes histérias das diferentes literaturas para encontrar 0 ‘esquema linear que Ihe serviu de pressuposto. Acabamos de ver que as dificuldades abundam e que ¢ grande 0 rsco de ver aparecerem falsas questdes. Mas ¢ preciso ir mais longe: a vontade de fazer uma ‘contrar entre s literaturas nacionais, no leva apenas a anclise inexactas ou imprecisas; conduc 4 mentira deliberada. Na realidade, leva a mascarar a realdade de conflitos que podem ter sido extremamente violentos. As guerras que noutros tempos ‘Passado; mas ¢ também necessério fazer uma andlise que permita a sua compreensio, PRIMEIRO EXEMPLO DE CONFLITO: O BARROCO Suficientemente alargada actualmente, na histéria das literaturas europelas, a ‘ogo de barroco ¢ bastante recente; e ainda acontece que se conteste o seu interesse ou a sua legitimidade. No que respeita a literatura francesa, esta nogéo permitiu explorar com mais precisto a literatura da primeira metade do século xv1, propondo para andlise uma Derspectiva nova: em vez de considerar que esta época preparava o clasicismo que omina 2 segunda metade do século, em vez de fazer dele siraplesmente um «pré- -classicismo», tentava-se descrever a sua propria coertncia e de defintr a particu. laridade do seu sistema dominante de valores. Parecia que certas tendéncias da Poesia francesa de endo tinham o seu equivalente em Inglaterra, em Itélia, em Espana. O interesse eheurfsticos da nogio parece indiscutfvel (texto 1), E ébvlo que a transformacéo desta nogio em esséacia intemporal conduz a absurdos e que néo serve de nada pronunciar a palavra ebatroco» de cada vez que se neontra num texto a descrgfo de um acto de Agua ov uma alustoafagiidade do E multo mas interessante saber que o termo «barroco» fol introduzido cerca de 1920 no estudo da literatura por historiadores alemaes e que os historiadores franceses resistiram durante muito tempo ao seu emprego. O objecto da querela, se ‘é que ela existe, nfo ¢ indiferente; interessa tanto & hist6ria europela como a historia interna de cada uma das nagBes em causa a ponto de partida seria o seguinte: no nos podemos aperceber da poesia So bee ee pee a lane aea ae classicismo, E certo que o poeta Martin Opitz reproduziu os esforgos de Ronsard, ‘mas mais de cinguenta anos depois, eas circunstAncias eram demasiado diferentes para que a analogia possa ser determinante. Quanto ao termo «classicism», designa, na tradicio hist6rica alems, dois fenémenos muito diferentes e muito diferentes do classicismo francts: 0 primeiro € a tentativa, visivel na primeira metade do século xvi, de dar a0 teatro aleméo, ainda na infancia, um repert6rio inspirado no teatro frances e conforme aos seus hébitos; o segundo esté ligado ao interesse dado € Antiguidade por certos grandes poetas do fim do século xv, como Goethe, Schiller ow HOlderlin, tendo em conta que a nogdo de Antiguidade evoluiu muito depois da Renascenca. A poesia do século xm alemdo, incluindo a poesia dramatica, ndo se assemelha nem a um nem a outro destes fendmenos, H4 necessidade, para design4- -la, de recorrer a uma expressdo nova. Foi a certos historiadores da arquitectura que se foi buscar o termo ebarroco», ‘A utilizacdo deste termo, pelos historiadores alemies, esté muito ligada a um. problema interno: é preciso tomar conscitncia de toda uma tradico poética que TEXTO 1 PARA QUE SERVEM AS ETIQUETAS? O EXEMPLO DO «BARROCO» ‘Uma nova categorla,na medlda em que se ‘rata de uma viso nove, dé-nos um olhar novo, az aparecer obras que, antes, nem se viam, {que passavam enire as malhas da rede, ‘desconhecidas ou desprezadas; temo poder de Ihes conferir existEncia. Evidentemente, sdevemos ter conscitnca de que se tata de uma aretha, construida por n6s,leitores do sécalo 204 no pelos artistas ou lettres do séeulo va. vitaremos identifica grelha€ os artistas, 0 ‘sguema Interpretativo € as obras submetidas ai Fol ese o papel util desempenhado pela ‘nogio de Barroco, hi um quarto de século em ‘range hd um pouco mals no estrangelro. Esta rnogio provocou ou favorecen a descoberta ea revaloizagio de toda uma literatura do século 3, Ressuscitou mortos e desatou mimlas. Tncitou a0 mesmo tempo a uma nova letra de obras entigaments conhecidas. Um mundo ‘ragado pels Aguas e safdo delas, com o qual ‘0s homens do século xx sentiram, com razio ‘ou sem ela, toda a espécie de afnidades. [Nesta fungfo experimental, nesta quali ade deinstrumento exten de exploracioe de sondagem, 2 idela de Barco provou, cei, a sua fecundidade na histontaIteréla europea ‘frances; apesar das confusbese dos desper- ‘icos, 0 balango parece se postivo, O es- sential, emboa metodologia émanter& nocio (seu caricer de hipstese de trabalho: uma ‘erramenta para questionar a realdade. ‘io importa nada, of eo cabo temos smodificado uma terminologae atbutdo novos ‘normes aos escritores eas épocas. Nioseavanca ‘muito no conbecimento do fact literniose nos limitarmos ao jogo das etiquetas, a clocar © selobarroco em tl obra outa autor.Nio eros de nos perguntarse tal obra 6ou no ébaroca, ‘temos de observar como ela rage aos critrios novamente definidos e se esses critérios a ‘omam mais coerente emis verdadela, Ju Rousse Gckeemann, Conversations ane ‘oath 2 Ab de 1025). ‘Novalis (1772-1801) cxiticouseverameate S conelusbo que Goethe tina dao 20 seuromance Le ‘um Gandidedrigito conta 3 poeta. ‘poss € Aslegulmn emcs has came clic bo (queésnsiénd ‘roto 30 8 ‘dees QT) do teatro trigico. A formula «Racine ¢ Shakespeare» pode servir como emblemética. As obras de Shakespeare, durante ‘muito tempo ignoradas no continente, consideradas durante ‘muito tempo, sobretudo em Franca, como «irregulares» € pportanto condendveis, conheceram um enorme SucessO na ‘Alemanka, na Rissla e noutros lugares, antes de se imporem ‘na propria Franca, Foram consideradas como modelos a iitar, ‘no porque permitiam impor novas regras mas porque, pelo ‘contrério, davam o exemplo da liberdade. ‘Trata‘se apenas de um exemplo, de um ponto particular- ‘mente quente, Os dados sio muito mais importantes. Basta apresentar aqui dois. (poeta russo Alexandre Puchikine que, na sua correspon- ‘dencia,utilizava normalmente o francts, lingua que ele domi- nava perfeitamente, designa-a algures pela lingua da Europa» (Lettre @ Tehaadaiey, de 6 de Julho de 1831. Carta redigida em francés). A Rassia nfo € 0 tinico pafs onde a ingua francesa é, por excelencia, a lingua de cultura, a lingua da classe privile- ‘gada, por vezes em detrimento da Kingua nacional. O romantis- ‘mo é uma reacgio conta este estado de facto. Puchkine nunca, utilizou, nasua obraliterdria, outra Lingua além do russo. Marca cortesmente as suas distincias em relagio ao franc®s falado, de referencia, por muitos dos seus compatriotas. Mais dificil de compreender € muito mais importante para co estudo da literatura propriamente dita, é questdo da unidade dda bra de are, Este dogma fundamental do dlassicismo francts, especialmente quando se trata da tragédia, ¢ posto em causa, de diferentes maneiras, com maiot ou menor audécia, em diferentes lteraturas europelas. Basta lembrar o papel que desempenha no pensamento do romantismo aleméo a ideia de uma estética do fragmento. © essencial, para 0 nosso objectivo, € no subestimar a violEncia doconflito que opts as tradic®es nacionais, na Europa do fim do século xvm € infcio do século xx. Contudo nio devemos esquecer que este conflito, conflito entre escritores, ‘conflito que alguns historiadores preferem disfarcar, revela ‘também as tens6es intemas no selo das tradig6es literdrias nacionais, £ evidentemente 0 caso da Franca. Mas podemos também perguntar por que tazo Goethe, pelo menos em privado, criticou tio duramente os romanticos do seu pals, sem saber que Novalis o tinha também maltratado um pouco, ‘em textos que nfo publicou*. ‘Annogio de eliteratura nacionaly néo é talvez mais proble- :itica do que a de ¢ que esta palavra, no seu novo sentido, esté imediatamente relacionada com a ideia de nagio. Les offitts dlectives; Die Weahlvermandschafen; Las afnidedes clectvs; Le afin eletive (Goethe) Beaucoup de bruit pou ren; Much ‘Ado cbout nothing: Mucho rue y pocas ‘nueces; Molto strpito per nua (Ghakespeare) Lo Cerise; Buaunennih cas ;The ‘Gherry Orchard E! huerto de los cerezos; 1 giardina dei clegi (Tehekov) Les Confessions; Bekenntniss;The Confessions; Le Confession! (Rousseau) Contes de Nost A Chrsemas Cora; Weinachserzthianger;Cuertos de Novidod (Dickens) time et Chétiment;Tpecrynaene se wnasanes Scud und Stihne Crime ond Punishment; Delto I castigo (Dostoievsd) Du cc de chez Swann: Swann way, Por el camino de Swann (Proust) Les Fanct; | Promessi Sposi: Die Verobten;The Bethroded (Manzonl) File du coptane; Kawseraucxan ovxa;The Captalns daughter; Le hijo del ‘opitin (Puchikine) ‘Les Feurs du Mol: Die Blamendes ‘sen; The Flowers of Evi Las floes del ‘al Fir de male (Baudelaire) SOLUCAO DOS ENIGMAS PROPOSTOS NA PAGINA 16 La Guerre et fa Pai Bora mp: Wer and Peace; Guerra y Paz (Tlstoi) es Houts di Hurlevent Die Sturmhshe; Withering Heights; La voce ello tempesta; Cime tempestase (Emily Bronté) Un héros de notre temps; Pepon hmamero spenenu: Ein Held unserer Zeit: ‘Un heroe de nuestro tempo; Un eroe del nostra tempo (Lermontov) Le ys dan fa valée; Azucena en el vale I gio nella valle (Balzac) ‘Maason ce poupée; EtDukkejem A dos house; Casa de mutiecas; Casa di bambola (bsen) Le malata imaginar; El enfermo de eprensién; I malat immaginario (Molidre) ‘Le Rouge et le Nol Rot und Schworz; Searlet and Hack; Roo y negro; I rosso eH ero (Stendhal) Récis Zon chaseur Baswckw oxriAKa: ‘Aufecichnungeneines Jagers; Relofos de un . Além disso, ‘um significado novo aparece, na malor parte das vezes, em situagoes de conflito; acontece utilizar se uma palavra para evitar outta 0 seu novo sentido é mais fécil de ser captaco como expressio de uma recusa do que como a definigdo de um objecto determinado: é claramente o caso da palavra «nacao». f imprudente acredi- tar que todas as palavras de uma lingua se comportem como termos constitutivos de um vocabulétio técnico, AMBIGUIDADES DA NOGAO DE NACKO. £ na época romantica, em sentido lato, que surge ¢ se impée, em todas as linguas da Europa, um sintagma que apresenta a palavra «literatura» como complemento da palavra «historia», juntando-lhe um adjectivo que designa uma lingua, uma nacdo ou as duas coisas: historia da literatura alemd, hist6ria da literatura austrfaca, hist6ria da literatura polaca. ‘Osséculo xn vai ser dominado pela ideia de que todo o Estado deve a uma nagdo e no aos bens pessoais de um soberano. & dificil dizer que 0 sé culo xx tenha esquecido esta idela: ¢ sempre em termos de nago que pensamos a historia, tal como a vivemos bem como a literatura, De certa maneira, e apesar dos desmentidos, néo safmos do romantismo, (O NOVO SENTIDO DA PALAVRA «LITERATURA» = 1766-1791,Fray Rafsel &Fray Pedro dos JahrI 781 (Compéndio ce histéria da Rodriguez Mohedano,Histora teria de literatura alema desde of tempos mais Espafa (Hlstriafterria de Espenho) ‘antigos até ao ano de 1781). 1772-1782, Giorolamo Traboschi, “ 1813-1847, Léonard Simonde de Storia dela Interatura aden (Histéria da Sismondi, De fa littérature du midi de Iteraturaitaone). ‘Europe (Da Iteratura do Sul do Europe). = 1790-1798, Erdwin, Julius Koch, 1642-1847, Claude Fauriel, Histoire Compendium des deutschen Ljteratur- _ftéraire de la France (HistétiaIterria da Geschichte von den ditesten Zeten bis uf Franga) Mas 0 que é, exactamente, uma nagio? A utilizagao da expressdo presenta um certo mimero de dificuldades. Cor ‘melhor as coisas se nos lembrarmos como a expressio foi utilizada em Franca na época da Revolucéo: a palavra snagdo» serve para dizer que 0s franceses nio S40 apenas os stibditos do rel, mas que formam ‘ambém uma comunidade que tem uma unidade, apesar das diferencas regionais. ‘Noutros paises, € contra uma ocupagio estrangeira que se forma a ideia da nagéo, De uma maneira geral, reagimos a partir de uma situacdo insuportavel: tem- -sea impressdo que as instituigdes politicas nfo correspondem as realiades naturais: nfo existe um Estado para a nacéo polaca; hd Estado a mais na naglo italiana. ‘Mas como se define uma nacio? Utilizamos diferentes caractersticas, cuja exactido nio ¢ perfeita, e que podem cescasseat em certos casos. O critério mais evidente parece sero da lingua; mas existem rages multilinguisticas, ou nagdes diferentes que falam a mesma lingua; e, além disso, nem sempre € fécil estabelecer a fronteira entre aquilo que ¢ uma lingua e 0 que éa variante de uma lingua. A religiio ¢ outro critério; mas determinadas nagBes aceitam o pluralismo religioso. £ melhor nem dizer nada sobre a nogao de raca; esta ‘noggo fol fabricada, por extenso incontrolada, a partir de uma imagem simples, a de ‘uma grande familia descendente de um antepassado comum; é destitufda de qualquer © PASSADO NACIONAL Iranhoe Bopuc Foay os (Boris Godunov) Romance de Waker Scott (1771- “Tragkda romintia (1825) de Puchkéne -1832), que narra simultaneamente as (1799-1837). O herds um personagem his- desgracas do rel Ricardo Coracio de téricoifol czar em Moscovo de 1598 2 1605. Lego (1157-1199).28 aventuras de Robin Esobreotexta de Puchkine que se baseou, dos Bosque @ a formasio da unidade em grande parte, a Spera (1869-1872) de Inglesa:0s anglo-saxSes,instalados nailha __Modeste Mussorgski (1838-1881). bd zete séculos,esquecem os seus velhos 1 Promessi Sposi (Os novos) rancores em rela¢fo aos normandos,que Romance (1825-1827) de Ales- ‘conquistaram o pals em 1066. sandro Manzoni (1785-1873) que evoca 8 Ielia do século xv. ‘rigor desde que se coloca, sob 0 ponto de vista da biologia, a questo da pertenca racial de um determinado individuo. ‘Chegamos a um paradoxo, cujas consequéncias consegui- ram ser draméticas. A vontade de fundar Estados, a partir de nagOes - a cada nagdo o seu Estado ~ significa que instituigbes artificiais, como o Estado, deveriam reflectir realidades, supos- tamente naturais, como a nacio. Ora estas realidades s6 so definidas, elas propras, através de institulgdes:sio academlas ¢ um sistema escolar que definem a norma da lingua e dis- ‘inguem os dialectos das Linguas de cultura; ¢ um cédigo ad hhoc que define a nacionalidade dos individuos; na Europa, a {filiagdo religiosa supée o pertencer a uma Igreja e a uma 86. A LITERATURA COMO EXPRESSAO DE UMA NACAQ. literatura é uma daquelasinstituigBes que puderam servir para definir uma nagéo. A existtncla de uma literatura, em determinada lingua, em determinado lugar, parece provar, ‘indirectamente, a existéncia de uma nacdo, Uma nagdo que deseja ser reconhecida, que desea sair da sombra, que procura dotar- -se de uma literatura. Em numerosos paises, na época romantica, assistiuse a um duplo movimento: a elites instrufdas tentaram provat, nio s6 que j4 existia uma literatura nacional como esenvolver uma literatura capaz de rivalizar com a dos outros paises. Por um lado, portanto, explora-se tudo aquilo que pode fomecer informagies sobre uma cultura antiga: documentos escritos, poemas e narragGes; mas também folclore, contos € cangGes que se julga terem atravessaco os séculos sem alteragbes, de maior. Por outro lado procura-se criar formas literdrias que convenham 20 ptiblico nacional e tem-se 0 cuidado de escother assuntos retirados da histéria nacional au da vida actual da naco.. ‘tiago. Os dois movimentos encontram-se, sob formas diversas, em toda a Europa, Tomemos como exemplo do rimeiro, a obra dos irmos Grimm, Jacob e Wilhelm, cujos (Contos, (Kinder und Hausmirchen, ou se, literalmente: «Contos de crianca e da casa» ~ este simples titulo destaca a idela de ‘origem, de comego, de fundagio) mundlalmente conhecidos, sto apenas uma pequena parte, embora essencial: mostrar que, ‘nas familia de hoe, se contam histéras velhas de vétios séculos, serve para demonstrar que existe uma Alemanha etema,* Para que vale a demonstragéo? Podemos contestar 0 seu valor, pensar que vem do sonho, Contudo, a historla dos homens ¢ também a dos seus sonhos e das suas tlusdes. Mito ou focione? Domntschen € 0 per- sonagem de conta de fads a quem os fran- cess chamam Branca ‘deNeve! Osu nome Sigal Merelmente: fosinha de espiahos. Edda, sasraclo mi. tologicacomptada no steulo xin, 0 deus Wotan mergulhaa soa falhs Brynhild num, Iho mito? Wilhelm Grimm pensava que sim. "Dornrichen € 8 ela ‘Mormeciés © oho * Bana eve.) teas ter ter ORS "389, Poe ats seexgresio ines. tor ene outs So, dea ech dees intl Basti Béla (1881-1945). ‘rau eto sndslca popular da Hing, da Roménia, ‘Na Europa romiAntice, marcada ainda pela ideia cléssica da imitagho, aconteee que a invenglo seJ2, antes de tudo, compreendida como @ procura de novos modelos: servimo- -mos de Shakespeare para nos libertarmos de modelos franceses. Encontramos muitas vezes esses modelos na tradicao nacional: a balada romantica, poema narrativo, de estilo suposto «po- ‘pular> (que se deve distinguir da balada, forma flxa em uso na poesia francesa do fim da Kdade Média: a balada medieval, como a célebre Ballade des pendus de Villon, define-se por um ‘esquema formal, a balada romantica define-se por um certo tom, se € que um aspecto tio vago ¢ compativel com a vontade de defini), seria irma do conto. Sto numerosos os poetas que a cultivaram, em linguas diferentes. Pensamos no Erikdnig (0 do tam) de Geto, no Hos of the act mn (Discurso do velho marinheiro) de se limita a ir buscar um estilo tradigdo; muitas vezes descobre nela os seus temas, E é muitas vezes pelo tema que se ‘caracterizam o romance ou o drama histérico, particularmente frequentes ao longo de todo o século x0K: 0 passado nacional renasce em Ivanhoe, em Boris Godunov, em Os Noivos. ‘© movimento continua por muito tempo. No infcio do século xx, numa Irlanca que luta pela sua independéncia, poctas ce dramaturgos, como Yeats ou Synge, procuram ligarse a uma ‘radigdo popular, sempre viva entre as pessoas simples. Entre 05, ‘ciganos da Andaluzia, Federico Garcia Lorca descobre motivos formas que recobrem 0 seu Romancero gitano, & uma época fem que os musicos, como por exemplo, o hringaro Béla Bart6k, esto particularmente atentos as tradigOes populares. Se o romantismo se define pela atenglo 8 tradigdo nacional, seria cerrado dizer que ele acaba @ melo do século Xx (texto 1). ILUSOES DA TRADICAO onto temos is vez: dieuldade em dar um sentido aparentemente claras como «obra prada na tradicio populam, «tessurreicio do passado nacional», ‘As metéforas so demasiado belas. £ preciso tomé-las por aquilo ‘que sio, em grande parte: 0 produto de uma ilusio. Quis ‘mastrar-se que uma nacfo tem o direito de ser reconhecida como tal. A tese fol estabelecida antes que as pesquisas ¢ as, criagdes estabelecessem fundamento. Vale a pena reflectir sobre um fenémeno mfnimo, mas pitoresco, que fez.correr muita tinta: a proliferaco, na época TEXTO 1 ‘OS ULTIMOS ROMANTICOS? ‘We were the last romantics chose for theme Nos fornos os timos dos Romanticos, Traditional sanctity and loeness ‘onosso tema Whatever written in what poets name ola tradi¢fo a sua beleza santa, The book ofthe people whatever mast can bles Tudo aquilo que etd no que os poetat “The mind of manor devate a rye; CChamam olivro do povo e melhor pode But alls change, that high hose rides Alargaro espitto, exltaro verso. ‘Though mounted in that saddle Homer rode ‘Mas tudo mudou! Esse corcel, ‘Where the swan drifts upon a darkning flood. J nada o monta, embora teria ainda W.B vias, Asuaselacomona noite em que partis Homero (Coot Park and Bale 98, Collected poems, Para onde desliza o cisne, sobre as dguas ‘ondes, Maclin 1950, p. 26. roméntica, daquilo a que, precipitadamente, se chamaram. (0s «falsos» ¢ que so, muitas vezes, reconstrugées temerérias, semelhantes a esses templos antigos que um arqueélogo audacioso reconstr6 a partir de uma tinica coluna. O sistema de valores em jogo nestes empreendimentos tem um enorme {nteresse, porque o podemos encontrar noutro sitio: sugere que 0 estudioso deve poder adivinhar-aquilo que falta aos textos primitivos cujos fragmentos Ihe chegaram &s mios. Para além dos séculos, volta a estar em contacto com os, antepassados. Foi o que aconteceu entre Ossian e Macpherson: Ossian € um poeta irlandes do século i da nossa era. A tra- igo popular escocesa conservou, sob a forma de cangées, lendas a que ele esté ligado e lendas que ele pode ter contado ‘no seu tempo, Macpherson comega por publicar, em tradugo, Anglesa bastante livre, cangOes épicas, ainda vivas na Escdcla, ‘Com base nestes textos, langourse a construir grandes epo- elas, que deveriam rivalizar com os poemas homéricos. ApOs, ‘grandes entusiasmos, a Europa culta acabou por releitar 0 Ossian de Macpherson, do qual, por muito tempo, foi dificl ‘encontrar 0 texto*. Podemos evidentemente trogar, mas isso no serve para nada, O que ¢ importante, antes de tudo, é a ideia, que aqui deixamos claramente ilustrada, que 0 passado pode ser, em parte, reconstrufdo, imaginado, até inventado e que néo detxa por isso de desempenhar um papel essencial. Os exemplos Toménticos dio a entender que a literatura nfo € a expresso de uma nacéo, no sentido em que manifestaria uma esséncia escondida, da mesma forma como se diz que as palavras de um {ndividuo exprimem os seus sentimentos. A literatura faz.com que uma nagio exista, fornece-Ihe os sonhos de que ela neces- ‘ecuras, da Bulge. Esreven ar plano, para erga pit Uma oper: A Kabat hecey ra (0 Castelo do Barbas), a parts ‘deum bret de Bea Bales, ‘Macpherson, James (17361796). Publica em 1760 os Fragments of Ancient Tosry Coleen the ‘Highlands of Scand ‘and tarslated fom {he Gale o Ene as language rape ‘depoat antiga, reclides nas Tras ‘tas da sci ¢ ‘maduoidas do Gatton ‘au Bs). guns ‘estes textos foram ‘temadot em 165 fem The Wors of Ossian (as Obes de Ossian), finalmente em 1773, ean The Poems of Osan (Os Poemas de Osan). teaduzio partie do texto ingles ita, para dar forma ao seu passado, para transformar em belas narrativas aquilo a parecer uma sucessio de acasos. ve Biss om Macpherson, se € que existe fas, revea a fungo que é dada & iteratura, mesmo nas instituigdes mais sérias. O PANTEAO DOS HOMENS ILUSTRES Je Macpherson, ft frequente que uma hist6ria literaria, mae se for ‘gura num peso _Girigida a um grande pablico, se apresente, antes de tudo, como mame Goete uma galeria de retratos, O lugar concedido & histéria das Dielelen desjunsen ingtitulg6es literdrias, da edicio, do mecenato, do mercado do Water (en _lvro, da escola, das academlas, das tradugtes, etc. € extre- Wath; 177, ‘mamente reduzido em relagio 20 monopolizado por certos, autores considerados, no sem razo, como ¢s maiores. Osten (0 fenémeno deve ser relacionado com aquele de que falé- rite almene mos antes: a expresso «literatura», no seu sentido moderno, sum edlgio dos Poems surge no momento exacto em que a nogio de nagao atinge University Press, todo o seu valor reivindicativo. A hist6ria que se trata de escre- 1966) qué ni € ‘ver, e de ensinar aos jovens, é em parte mitica, na medida em poeirenta.© ptbico que d4 uma importincia particular a figuras exemplares, a gran- serte Osan! des modelos, cuja existéncia assinala uma origem. A histéria Intapheson, Iiterdria escreve-se como a histérla politica, mostrando os he- Fragments deposi ss, os herbis fundadores. O culto do grande home encontra- Cornn's9or fs, -$€ MesmO entre os estudiosos mais sérios, entre aqueles que Macpherson, Ossian, no aceitam, com ligeireza, uma informagao de qualquer tipo. ‘Mas de que homens falamos? Voltemos ainda a Alemanha, ‘para um exemplo que se encontra na fronteim da literatura: 0s Wiagnee poemnas de Richard Wagner teriam talvez sido esquecidos, se 0 Richard (1813-1883). ‘seu autor nio tivesse sido um dos compositores mais originais ere ee do seu seul, Amis salvou-os, Quls sho os her apresen- ‘3 ‘tados por Wagner? Personagens da antiga geeminica, Eko Depot como Wotan ou Siegfried igurasdaliteratua medieval, como Soe Ee guns Parsfal, ue €fcticio, ou como Wolfram von Eschenbach, que Gaseusteoas da €bastante real, uma vez que contou, num poema, a histéria de antiga mitologa Parsifal (Wolfram aparece na 6pera Tannhduser). eee clade uma estan continue ene 0s esrtores ¢ Complema tetaloga 0S seus personagens, que faz com que todos parecam pertencer GGUS ore” Somerto mando: do pasa gorioso Ganagio, odo mit. ‘tab eon) ‘Repara-se que, jé enquanto vivo, o proprio Wagner tinha ‘Ouuos arumentos _entrado neste mato, ‘Beorten dos poet ‘Aépoca romantica ¢ aquela que consagra a gloria de alguns selade Med fundadores: Dante, pela Ilia, Cervantes, pela Espana, Shakes- a literatura francesa nio tenha sido dominada, como as outras, por um grande nome; 0 fenémeno exige uma interpretagio que corte o risco de provocar mais do que uma questio. O que nio impede que a literatura francesa também tenha 0 seu pantelo, Bf evidente que, uma vez que falamos de literatura, que o culto dos grandes hhomens pressupde um culto dos grandes textos. A nacio 6 construfda e posta & prova através da existéncia de referéncias comuns: versos célebres, obras excep- lonais, personagens favoritos, histérias privilegiads. AS LITERATURAS COMO RESERVATORIO DE MITOS E curioso notar que a expressio «mito», que a nossa época tanto consome, aparece, nas Iinguas europeias, no fim do século xvii ou no inicio do 1x, isto é, ainda bem dentro daquele perfodo que comodamente chamamos «toméinticon, Araiz da palavra «mito» é grega: encontra-se em determinadas variantes cultas que o latim tinha adoptado, como «mitélogo» ou «mitologias; contudo a palavra, em si, tinha-se perdido, tendo esses significados sido absorvidos pelo latim fibula. Fabula Passou assim mesmo para todas as Iinguas da Europa, para as derivadas do latim e ara aquelas que dle nfo derivam mas que, em pre, se deserve no seu ‘A aparigao da expresso «mito» poderia querer dizer que a palavra «fabula» é reconhecida por insuficente. Seria posstvel deixar entender que a expresso «fabula> sugere que toda a narrativa tradicional, quer pertenca & mitologia ou ao folclore, ¢ susceptivel de uma interpretaglo aleg6rica: podemos ver nisso apenas um exemplo, entre outros, a aplicagZo de uma verdade abstracta. A fabula do corvo e da raposa demonstra que «todo olisonjeiro vive Acusta de quem — Pmlinae Ome © escuta», A fabula de Circe e dos companheiros de Ulisses magica, Circe habits ‘mostra que o homem se aproxima da besta e se abandona a uma tiha no fim do. suas paixdes* (textos 2 € 3), eee Por oposicao a fabula, o mito resiste ao seu desapareci- csemanimuls. NaGals ‘mento em alegorias; persiste, apesar das interpretagdes, por sla Ulsses resiste 20s ‘cima das interpretagdes. Torna-se inesgotével. Podemos observar ‘Su tsantumentos ¢ ‘que é, na mesma época romantica, que a expressio valegorias ho para o Pals dos ‘omega a opor-se, deforma bastante confusa, expresso sim- Mots. Deni Ant bolo». Esta palavra, ela também de origem grega, esteve durante Re ons fiero muito tempo presente no latim, portanto nas linguas cultas tapioca os om. dda Europa; é mais tarde que se enriquece comum sentido novo, panes de Uses, ‘Talvez fosse necessério ter comecado por definir 0 mito e Sansormades em por. ‘© stmbolo ~tarefa desesperante, se pretendermos por toda a jlesnene de emplo ‘gente de acordo. Talvez seja suficiente ter indicado que acultura métima:se ohomem uropeta se alimenta ha séculos da dificuldade, além da Sisco tian 3s Ampossibilidade destas definigées. ‘gue wm aia,

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