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CLARICE LISPECTOR: ODISSEIA AS AVESSAS Teresinka V. Zimbio da Silva Profesora Doutora da Universidade Federal deeiede Fore teresnna zimbriowufedube Introdugao Uina Aprendicagem ou o Livro dos Prazeres de Clarice Lispector foi publicado em 1969. um dos livros da autora que menos recebeu a atengao da critica literdria ¢ a que recebeu, nao Ihe foi muito favorivel. Este trabalho se propée a dialogar com 0 seguinte comentirio de Vilma Aréas: Embora Uma Aprendizagem invert os termos (a sereia & que & seduzida pelo professor de filosoia), existe aqui um primeiro descompasco ¢ desequiliorio de compoxigio, pois os names dos protagonistas evocam mediatamente figuras herdicas e proezas extraordinérias impregnadas de significado supostamente pro: fund, que se chocam entretanto com assituag&es ligeras ¢ banais do romance. (2005, p32). Propomos que a desproporgio entre o “sublime” da referéncia mitol6gica e 0 “prosaico” da situa ‘40 romanesca é intencional, ainda que tudo seja feitoa sério, sem o tom de parddia ou ironia que ex plicitariam a intengao, Clarice Lispector estaria atualizando entio situagoes miticas para um contexto moderno ou pés-moderno, a fim de escrever uma “odisséia As avessas” degrees exmaten FOUALintd 109 easter oneas 184 ] Teresina V. Zimbra da: Uma Aprendizagem A leitura de Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, a partir da mitologia e literatura gregas, € su .gerida pelos préprios nomes dos personagens: Lori (Loreley), una referencia implicita, e Ulisses, uma referéncia explicita a0 canto XII da Odisséia de Homero. F entdo que & narrado 0 episédio em que 0 herdi Ulisses resiste ao canto sedutor das sereias, ninfas aquiticas que atraem os homens para dentro do mar, levando-os 4 morte por afogamento, Para escapar 4 sedugio das sereias, Ulisses comanda seus companheiros a taparem os ouvidos com cera, enquanto ele, desejoso de ouvir 0 canto sedutor das ninfas, é amarrado ao resistente mastro do navio. F assim que 0 her6i supera mais um obstéculo na sua odisséia de retomno ao lar. Comentando o epis6dio, o professor Junito Brandao, sublinha: Meio mulheres € meio passaros ou com a cabega e tronco de mulher e peixe da cinture para baixo, das sereias simbolizam a sedugio mortal (..), traduzem as emboscadas, provenientes dos desejos das psindes. Como se originam de elementos indeterminados do ar (péssaros) ou do mar (peixes),configuram criagdes do inconsciente, dos sonhos slucinantes e aterradores em: que se projetam as pulses obscuras ¢primitivas do ser human. Foi necessri, porisso mesmo, que Ulises se agarrasse dura realidade do masteo. que € centro do navio e 0 eixo do espirito, para escapar das ilusbes da paixao. (2005, 11, p. 310-311). A sereia & metade mulher ¢ metade animal por isso & capaz de despertar no homem o que hé de mais primitivo, instintivo ¢ inconsciente. Ao resistir ao sew encanto, ouvindo o seu canto, amar rado a0 resistente mastro, Ulisses demonstra a forca maxima de autodominio do homem sobre a sua parte animal. No romance de Clarice Lispector, além de “Ulisses’, 0 nome “Loreley’, é também, indi- retamente, uma referéncia a0 episodio homérico, pois “Loreley” & 0 nome de uma sereia, tal como 0 proprio Ulisses explica a Lori: E ume pena que seu apelido seja Lori, porque seu nome Loreley € mais bonito. Sabe quem era Loreley?(.) Loreley €0 nome de um personagem do folclore alemio, cantado num belissimo poema por Heine. lenda diz que Loreley seduzia os pescadores com seus cinticos¢ eles terminavam mortendo no fundo do max. (LISPECTOR, 1982, p. 106) Na interpretacao de Junito Brandao, desenvolvida em Mitologia Grega (referéncia que estamos utilizando neste trabalho), as sereias s20 formas personalizadas das forgas afrodisiacas e resistira elas equivale a resistir & Afrodite, a deusa do amor, entendo-se entio 0 amor como mera satisfagao dos instintos. Afrodite é conhecida por sua promiscuidade, teve diversos amantes divinos ¢ humanos. degrees erates FOAL 10 canter ones (Clarice Lispoctor: Odissdiads avessas [ 185 Ea deusa prostituta, da sexualidade primitiva, do desejo ainda nao humanizado. Como divindade {que inspira a cegueira da razdo € a loucura da paixio, simboliza o amor como forga inconsciente que pode destruir a humanidade do homem, Sobre a deusa Afrodite, ¢ pertinente ainda o seguinte comentiirio de Junito Brandao: Afrodite é0 simbolo das forgas irrefredveis da fecundidade, nao propriamente em seus frutos, mas em fun- «do do desejo ardente que essas mesmas forcas irresistiveisateiam nas entranhas de todas as crituras is ai © motivo por que a deusaé freqtientemente representada entre animais ferozes, que a esceltam (..). Eisai 0 amor tnica e exclusivamente sob forma fisica,traduzida no desejo € no prazer dos sentidos, Ainda nao é 0 amor elevado a um nivel especificamente humano. (2004, I, p. 223-224), A transformagao do amor-instinto em amor humano estaria representada no mito de Eros e Psi qué, que narra 0 confronto entre a deusa do amor Afrodite ¢ a amante humana do seu filho Eros ~ a princesa Psiqué: ‘Acima do preceito do amor material de Afrodite, enquanto deusa da atragio miitua entre es opostos, ncipio do amor de Psiqué, que a essa atragao associa conhecimento, crescimento da consci desenvolvimento psiquico. Do ponto de vista de Grande Mae do amor, a uniio do feminino como mascu- lino, como fato natural, ni ¢ essencialmente diverso no homem e nos animais: a amante de Eros, porém transcendeu esse estigio, transformando-o numa psicologia do encontro. Pela vez primeira, © amor in: dividual de Psiqué cebela-se contra © preceito coletivo da embriaguer sensual, encarnado em Afrodite. (BRANDAO, 2005. I. p 233). Para transformara unido do masculino com o feminino numa verdadeira psicologia do encontro, Psi {qué nao luta somente contra a Grande Mae do amor Afrodite, mas também contra o seu proprio amante Eros, a quem resgate da influéncia da “sogra” - que o mantém num plano de relacionamento divino, inconsciente e coletivo - e traz para um plano de relacionamento humano, consciente eindividval ‘Sua luta agora, por isso mesmo, seri em duas frentes: contra a Grande Mae Malvada, a sogra-bruxa,e contra Eros, a quem teri que conquistar e desenvolver, transformando-o num amante humano, O filho-amante de Asrodite, a quem ela beija com os Kdbios entreabertos, numa telacao incestuos, lho que ela teme perder para jiga, tera que ser resgatado por Psiqué, de uma esfera transpessoal da Grande Mae para ser trazido i esfera pessoal da humana e amantissima-nova-Afrodite. (BRANDAO, 2008, Ip. 235) degurares evvaten FUUALintd 18 canter ones 186 ] Teresinha V.Zimbrao da: Psiqué, anova e humana Afrodite, vence sua luta e conquista Eros para o desenvolvimento psiqui- co. Os dois passam a se amar nao mais no plano do inconsciente paraiso sensual dos instintos, tal como € narrado no inicio do mito, € sim do encontro consciente com o outro: © oculto ¢ egoistico paraiso sensual do flho de Afrodite foi iluminado por Bsiqué, que rompes a “partici ago mistice” com seu parceiroe langou os dois no destino da separagio, ue &a consciéncia. amor (.) io é possivel nas tevas, como mero processo inconsciente. Um encentro auténtico com o outro eavalve a consciéncia, apesar da separagio edo sofrimento. (BRANDAO, 2005, Il, . 233), Oamor como expressio da totalidade, é impossivel nas trevas da inconsciéneia paredisiaca, onde dois se confuundem com um, $6 se torna possfvel quando os amantes conquistam a luz da consciéncia softida de simesmos como individuos tinicos, separados um do outro. O mito de Eros e Psiqué nos narra, portanto, uma estéria de humanizagio através do desenvolvimento da consciéncia: de como eros, oamorssé instinto, 6 compo, transformou-se até ser humanizado, através da unio consciente com a psique, alma humana. Pois 0 Ulisses homérico, ao resistir a sedugao das forgas afrodisiacas das sereias. e persistir no seu objetivo de retornar ao lar, onde o espera a esposa Penélope, escolhe para si mesmo 0 caminho do amor humano ¢ consciente, Em sua odisséia, 0 episddio das sereias constitu! um simbolo grandiose de fortalecimento de consciéncia, da sua vitéria sobre os instintos. A semelhanga de epopéia de Homero, no romance Uma Aprendicagem ou o Livro dos Prazeres de Clarice Lispector, 0 personagem Ulisses também resiste aos encantos de uma “sereia” Léri é uma mulher atraente, de familia rica, vive s6 e jé teve cinco amantes. A “promiscuidade” desta presentante humana da deusa Afrodite é assim comentada por Ulisses: igna re. Escute L6ri, voce sabe mutiobem como conhedi voce e quero de propésito relerbri-o: voce estava esperando tum tie eu, depois de elhar muito para vos, pois isicamente voce me agradava,simplesmente sborei voce «com um comego de converse qualquer sobre a dificuldade de encontrar taxi aquela hora, ofeeci the levi-Ia no meu carr para onde quisess, no fim de cinco minutos de odagem convidei voct para um uisque e wocé sem nenhuima relutincia aceite, Com os seus amantes voc foi abordada na naa? (LISPECTOR, 1982, p. 52-53) Ulisses luta contra a seducao afrodisiaca desta “sereia’: Mas a semelhanca do Ulisses homérico, ele «quer ouvir o seu sedutor ‘cant’, por iso mantém encontos com ela. Os encontros so castos, pos ele = um fildsofo -, também se amarra ao “mastro” resistente da consciéncia. Mas a diferenga do Ulisses homérico, ele quer ndo somente resistir & sedugio das forgas inconscientes do amor-instinto, como daguraes erates FAL 100. canter ones (Clarice Lispoctor: Odisséiads avessas [ 187 também quer seduzir a “sereia” para o amor humano e consciente. E para enfrentar esta odisséia do amor, sua principal arma € paciencia: Lr: uma das coisas gue aprendi & que se deve viver apesar de. (..) Foi apesar de que parei na rua ¢ fiquei olhande para voc’ enquanto voct esperava um tii. E desde logo desejando voc’, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas € 0 corpo que eu quero, Mas quero inter, com a alma também. Por isso, nio fz mal que vocé néo vena, esperarei quanto tempo for preciso. (LISPECTOR, 1982, p. 25). Ulisses quer esta “sereia” inteira, integrada em corpo e alma, e ¢ capaz.de esperar que Léri huma nize sua parte “animal’, que desenvolva sua consciéncia, que tenha uma alma,além de um corpo, para amar, Seguro, no “mastro” da consciéncia, ele esperaré, pacientemente, até que Léri eprenda, tal como le, a resistir as forgas afrodisfacase inconscientes do desejo nao humanizado e percorra a dificil odis séia da uniao de Eros e Psiqué Uma Aprendizagem ow o Livro dos Prazeres admite ser lido, portanto, como uma “odisséia as aves- sas” (SILVA, 1998, p. 76): um Ulisses que espera, uma “esposa” que realiza a viagem. De si mesmo, Ulisses diz que esté em plena aprendizagem, mas muito além de L6ri, por isso € capaz. de a desejat € ‘esperar, com paciéncia, até que ela fique pronta de corpo e alma para uma unio com ele, De inicio, a “scrcia” rebela-se contra tal imposigdo de castidade: Em sibita revolts ela nto quis aprender o que ele pacientemente parecia querer ensinar e ela mesma aprender = reveltava-se sobretudo porque aquela nie era para ela época de“meditagia” que de stbite parecia ridicula estava vibrando em puro desejo como the acontecia antes e depois da menstruagdo. (..) 0 que & que ele queria dela, além de tranquilamente desejt-lat(..) apesar de nao tolerar © mudo desejo dele, sabia que na verdade era ela quem o provocava para tentar quebrar @ paciéncia com que ele esperavai; coma mesada que © pai mandava comprava vestidos caros sempre justos. (LISPECTOR, 1982, p. 14-15). Na verdade, a0 tentar sedutzir 6 homem para 0 amor-instinto,a “Sereia” Léri vai aos poucos, nessa “odisséia is avessas’, se permitindo “ouvir o canta’ de Ulisses seduzindo-a para 0 amor humano: ~~ (.) Lori, Lori, ouga: pode-se aprender tudo inclusive a amar!” (LISPECTOR, 1982, p. 53). No momento em the explica 0 sentido de seducao, implicito no nome “Loreley”, Ulisses sublinha o quanto ¢ ee, ¢ nao ela, Lori, quem ests, de favo, seduzindo: “Nao, nao me olhe com esses olhos cul- pads. Em primeiro lugar, quem seduz vocé sou eu. Sei, sei que vocé se enfeita para mim, mas isso ja & porque eu seduzo vocs® (LISPECTOR, 1982, p. 106). deagurees erates FAL 187 casa onan 188 ] Teresinha V.Zimbrao da: E aos poucos, a “sereia’ se permite ser seduzida por Ulisses para o amor humano. Desde que se conheceram, Ulisses (professor universitirio de flosofia e, portanto, acostumado a usar a consciéncia pera dominar os instintos), ofereceu-se para “ensina:” Lori (professora priméria) o prazer de viver através da humanizagio dos desejos. Na verdade, este “ensinar” veio a se manifestar em termos de aconselhar e esperar. Assim, a partir de virias experiéncias, tais como: rezar e pedir o maximo de si ‘mesma, sentir o prazer de estar no mundo num banho solitirio de mar, comer uma magi e entrar em estado de graca ~ Lori veio avangando na aprendizagem e no seu desenvolvimento psiquico. A me- dida que a sua consciéncia se fortalecia, as forgas afrodisiacas que a seguravam, como “sereia’, ao mar do inconsciente, iam enfraquecendo. Até que, 20 ira uma festa noturna, Léri descobre que a mascara de Afrodite, que sempre usara no seu relacionamento com os homens, néo mais Ihe serve: ‘Vesti um vestido, mais ou menos novo, pronta que queria estar para encontrar algum homem, mas 2 cora- gem nao vinha (.) pintou demais os olhos e demais a boca até que seu rosto branco de po parecia uma mis: «ara: ela estava pond sabre si mesme alguém outro. (..) Toda pronta com uma méscara de pintura ne rosto = ah “persons? (.)Ievantou:see oi. (..) Quanto tempo suportow de cabesa falsamente erguida? A mscara a incomodeva (... Viu dois homens que tinham sido seus amantes,falaram-se palavras vis. E viu com dor que nio 03 desejava mais. (.) Até que sentiu que néo suportava mais manter a cabesa de pe (..). Achow finalmente um taxi (..). 0 modo como o chofer othou-a fé-ta adivinhar: ela estava to pintada que ele pro- vavelmente tomard-a como uma prostituta “Persona (.) depois de anos de relativo sucesso com a miscara (2) de repente a mascara de guerrada vide crestava-se toda como lama seca, e os pedagosirreguleres.caiam 1no chio com um ruido oco, F eis rosio agora mi, mau, sensivel (LISPECTOR, 1982, p. 91-93) A mascara de Afrodite se quebra, pots nto Ihe serve mais. A “serela” esta se humanizando, adqui- rindo uma consciéncia, saindo do mar do inconsciente. © amor s6 instinto, s6 corpo que cultivara antes com os seus amantes jé nao Ihe sedu, a persona da “prostituta’ passou a incomodar. Aos pou- cos, Léri aprende a viver 0 seu cotidiano, nio mais sé com seu corpo, mas também com a sua alma, Aleanga humanizar os seus desejos e dizer para si mesma: la esperar comendo com delicadeza e recato e avider controlada cada minima migalha de tudo (..). For aquele mundo passou a vagar (..), apesar do desejo, nao queria apressar nada (..) Entdo, de stibito se acal: ‘mara, Nunca até entio, ivera a sensagao de calms absoluta, (LISPECTOR, 1982, p. 130-132). Léri alcanga humanizar inclusive o seu desejo por Ulisses: “Essa vontade de cla ser de Ulisses e de Ulisses ser dela para uma unificagao inteira era um dos sentimentos mais urgentes que tivera na vida. Ela se controlava, ndo telefonava, feliz em poder sentir” (LISPECTOR, 1982, p. 133) degrees erates FOUALints 109 caster ones (Clarice Lispoctor: Odisséia ds avessas [ 189 O desejo, de itresistivel, passa a ser resistivel. Na sua odisséia do amor, Léri alcanga os passos do Ulisses homérico e do seu prdprio Ulisses, todos amacrades ao “mastro” da conscigncia, resistindo as forgas aftodisiacas do desejo ainida no humanizado,a fim de transformar o amor-instinto ¢ inconsciente, ‘em amor humano e consciente. Essa transformagio parece exigir a separacdo dos amantes, antes da , 20 final da odisséia do amor. E o que sugerem as estérias de Ulisses e Penélope, de Eros « Psiqué e também de Ulisses e Léri, Ao longo da aprendizagem, Léri Ulisses se encontram com freqiiéncia. Contudo, a partir de determinado momento, acontece a vivencia de uma separagio: Ee nao the telefonava, la nao o via: ocorreu- Ine entao que ee tivesse desaparecido para que ela aprendesse sozinha, (LISPECTOR, 1982, p. 123) E agora era ela quem sentia a vontede de ficar sem Ulisses, durante algum tempo, para poder aprender s0- sinha a ser. (LISPECTOR, 1982, . 132) Nama relagio de amor, impSem-se identificagdes que precisam ser desfeitas para que um possa ver 0 ‘outroem suas diferengas. Nas trevas da inconsciéncia, onde dois se confundem com um, oencontro autén- tico é impossivel. Este s6 se torna possivel quando as trevas sao iluminades pela luz da consciencia sofrida desi mesmo como um individuo jinico diante de um outro também tnico.F 6 que tao bem narraomitode Eros ¢ Psique, através de softida aprendizagem. No romance de Clarice, a separagio dos amantes também é uum sofrimento necessério & aprendizagem, tal como sugere esta conversa ao telefone entre Lorie Ulisse = Prefiro far sinda algum tempo sozinha, mesmo que se to dificil ~ 8 um sscrifcio para mim também. Mas faga como quiser, se € disso que voeé precisa Ela entao falou com uma iranguilidade que ndo conhecia em si mesma: ~ £ Ulises, é disso que eu ainda preciso. (LISPECTOR, 1982, p. 134-133) Léri precisa ficar s6 para fortalecer sua identidade antes de unir-se com Ulisses, caso contririo corre o risco de diluir-se nessa unio. Ela precisa sofrera separasio para aprender sobre as diferencas que 0s distinguem um do outro e os tornam tinicos. E quando os dois voltam a se encontrar, depois de um longo periodo separades, Ulisses Ihe diz: “Vocé esta pronta, Lori. Agora eu quero 0 que voce & e Voce quer 0 que eu sou. E toda esta troca serd feita na cama, L6ri, na minha casa (..). Voce pode vir quando quiser’, (LISPECTOR, 1982, p. 152). Lor esta pronta para unir-se com Ulisses, pois se tornou inteira, tem agora corpo ¢ alma para oferecer: Ihe, Percorreu a dificil odisséia da unio de Eros ¢ Psiqué, desenvolveu sue consciéncia ¢ tomou-se um ser humano: “Vocé tinha me dito que, quando perguntassem meu nome eu nao dissesse Léri, mas “Eu Pois, dagures erates FAL 100 caster ones 190 ] Teresinha V.Zimbrao da: s6 agora eu me chamo “Eu E digo: Eu esti apaixonada pelo teu eu! (LISPECIOR, 1982, p. 165). Lori agora & um “Eu” consciente que ama Ulisses. Ela, enfim, aprendew a se ver como um indi- viduo iinico ¢, portanto, néo mais corre o risco de diluigio ao se unir com um outro. O simbolismo desta unio perfeita comparece nas seguintes imagens do sonho de Léri Fla sonhou vendo que a fruta do mundo era dela (..) uma fruta enorme, escarlate e pesada.(..) ela encostava a boca na fratae conseguia mordé-la, eixando.a no entantointeira.(..) Poisassim era com Ulisses:elesse haviam ppssuido além do que parecia ser possivel e permitido, e no entanto ele e ela estavam inteires. A frutaestava in- teira, sim, embora dentro da boca sentisse como coisa viva a comida da terra. Era terra santa porque era a tinica fem que um ser humano podia wo amar dizet: cu sou tua etu és meu, e:nés é wna. (LISPECTOR, 1982, p.167).. Ao fim da odisséia, Léri e Ulisses chegam inteiros a terra. A imagem de comer a fruta da terra santa relaciona-se 20 simbolismo da comunhio: o casamento perfeito. Mas éa frase final que melhor tradurza odisséia do amor de Léri e Ulisses: “eu sou tua e tu és meu, ¢ nésé um’ Odisséia as avessas Esperamos ter demonstrado, recorrendo a interpretagio do professor Junito Brandao da mitologia ¢ literature gregas, que em Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Clarice Lispector esta, de fato, atuslizando situagbes miticas para um contexto moderno ou pés-modemo. Sendo assim, o tom de desproporsio entre o “sublime” da referencia mitolégica e 0 “prosaico” da situagio romanesca, nota- do no romance pela critica Vilma Aréas, admite ser interpretado como intencional: Clarice Lispector escreve entao, em diversos sentidos, uma “odisséia as avessas’ Referencias Bibliograficas AREAS, Vilma. Clarice Lispector com a Ponta dos Dedos. Sto Paulo: Companhia das Letras, 2005, BRANDAO, Junito, Mitologia Grega, Petr6polis: Vozes, 2004-2005, vols. [-IL-IIL, HOMERO. Odisséia, Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Edicuro, s/d, LISPECTOR, SILVA, Geysa. 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