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Homilia de D.

Anacleto Oliveira na entrada solene na Diocese de Viana do


Castelo

1. A primeira vez que visitei esta Diocese de Viana do Castelo, depois da minha nomeação
para seu Bispo, foi há pouco mais de um mês: uma visita de apenas dois dias, mas na qual
colhi impressões e experimentei sensações que desejo transmitir-vos.

Fui acompanhado pelo meu antecessor neste ministério, o Senhor Dom José Pedreira, a
pessoa que certamente mais bem conhece esta Diocese. Nela nasceu, serviu-a longo tempo
como presbítero e, durante quase 13 anos, como Bispo.

Agradeço-lhe muito, Senhor Dom José, a disponibilidade com que me guiou nesse primeiro
contacto com as gentes e as terras de Viana.

Tive oportunidade, em Darque, de conhecer o Centro Pastoral Paulo VI, o novo auditório e a
Casa do Clero, onde contactei com alguns sacerdotes e familiares que aí vivem.

Visitámos, depois, na cidade de Viana, a Cúria Diocesana, a igreja do Convento de São


Domingos, rezando junto do sepulcro do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires, passámos pelo
Colégio do Minho, detivemo-nos, um pouco mais longamente, no Seminário e na Catedral onde
nos encontramos.

Reunimo-nos com os membros da Comissão Organizadora desta minha apresentação solene à


comunidade de Viana do Castelo e ainda com o Colégio de Consultores, aos quais agradeço
todo o empenhamento.

Tive ainda oportunidade de visitar as sedes de todos os restantes Arciprestados: Caminha, Vila
Nova de Cerveira, Valença, Monção, Ponte de Lima, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez,
Melgaço e Paredes de Coura.

Apesar de ter sido uma visita informal, não anunciada, encontrámo-nos, ainda que de
passagem, com vários sacerdotes e cristãos leigos, muitos dos quais, para agradável surpresa
minha, me reconheceram e saudaram com particular afabilidade.

Perante tudo o que fui recebendo e presenciando, confesso que dei comigo a ver as coisas
com olhos e sentimentos de uma criança, que se deixa encantar pelo que vê e espera – aquela
maneira de ver e sentir de que só como adultos nos damos verdadeiramente conta. Vou tentar
esclarecer melhor.
 
2. Existem, ainda hoje, dois dos edifícios que muito marcaram a minha vida na infância e
princípio da adolescência, mas nos quais, desde então, não voltei a entrar. Refiro-me à Escola
Primária da minha terra natal, as Cortes, e ao edifício do Seminário Menor da Cova da Iria, em
frente da Casa de Retiros de Nossa Senhora do Carmo. Hoje, no meu imaginário, são dois
edifícios enormes, com salas muitíssimo maiores do que, vistas de fora, na realidade podem
ter. Como explicar esta discrepância?

É natural que, com o rodar dos anos, se mantenha a percepção desse tempo, sobretudo
tratando-se de duas instituições que muito contribuíram para a minha formação. Sem tudo o
que lá aprendi, não seria hoje quem sou. Esses símbolos continuam grandes para mim, pelo
que de grandioso me proporcionaram. São grandes pelo lugar insubstituível que ocupam na
minha existência.

Mas penso que há uma outra razão, que não é alheia a todo este processo: o modo como
vemos as coisas depende muito do nosso estado de espírito e da situação em que nos
encontramos, quando as vivenciamos. Para uma criança, tudo é grande, ainda que só mais
tarde, em adulto, ganhe plena consciência dessa grandiosidade.

Mas também pode suceder o inverso: quanto mais grandiosas forem as coisas, os
acontecimentos e as pessoas com que nos deparamos, seja a que nível for, mais pequenos
poderemos sentir-nos. Mesmo sendo adultos. Mesmo então continuamos sujeitos a tantas
limitações, fragilidades, dependências. Sem sermos infantis, transpomos connosco a criança
que fomos.
 
3. Foi um pouco de tudo isto que senti, quando, no mês passado, ia percorrendo esta Diocese:
meu Deus, como tudo isto é enorme para mim!

Enorme, acima de tudo, pelo peso da responsabilidade que aqui me espera como vosso Bispo.
Segundo o Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos (n. 1), “o Bispo, ao ter-se em conta
a si mesmo e às suas funções, deve ter presente, como centro que define a sua identidade e a
sua missão, o mistério de Cristo e as características que o Senhor Jesus quis para a sua Igreja,
«povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (LG)”.

E o mesmo Directório esclarece o que essa identidade, na prática, significa: “Vigário do


«grande Pastor das ovelhas» (Heb 13, 20), o Bispo deve manifestar com a sua vida e com o
seu ministério episcopal a paternidade de Deus, a bondade, a solicitude, a misericórdia, a
doçura e a autoridade de Cristo, o qual veio para dar a vida e para fazer de todos os homens
uma só família, reconciliada no amor do Pai, e a perene vitalidade do Espírito Santo que anima
a Igreja e a apoia na sua debilidade humana” (Ibidem).

Vigário de Cristo, com uma missão divina, trinitária! – Mas quem sou eu para assumir tal
responsabilidade?

Uma missão repartida pelas três funções de ensinar, santificar e governar, que, por sua vez, se
realizam numa imensidão de actividades que envolvem um sem número de pessoas, como
agentes e destinatários – presbíteros, religiosos e leigos, cristãos e até não cristãos, com
problemas e necessidades de toda a ordem! E todos à espera de uma palavra ou um gesto,
uma orientação ou uma decisão da parte do Bispo.

Mais: nesse primeiro contacto fiquei com a impressão de que são grandes as expectativas que
me esperam; o que é normal e até gratificante. Mas estarei eu à altura de merecer a confiança
que depositam em mim?

É certo que nem tudo é novidade para mim. Dou graças a Deus pelos cinco anos que me
concedeu no Patriarcado de Lisboa e pela experiência que fui adquirindo com o Senhor
Cardeal Dom José Policarpo, os restantes bispos auxiliares, tantos padres, diáconos, cristãos
consagrados e leigos. Mas, tenho consciência de que irei encontrar aqui uma realidade
diferente, quer a nível social, cultural e económico quer mesmo a nível religioso. Para não falar
da responsabilidade de ser o primeiro animador da Fé.

Razões, portanto, entre muitas outras que não vêm a propósito, para me sentir pequeno, como
uma criança que tudo espera… mas confiante.
 
4. Sim, por estranho que pareça, é assim – pequeno como uma criança – que me reconheço.
Mais: estou plenamente convencido de que só assim devo sentir-me. Por isso não mais entrei
nos lugares da minha infância de que falei há pouco. Preciso de continuar a vê-los, como
tantas outras coisas, com olhos de criança, para não perder de vista a importância de, mesmo
em adulto, conservar a sensibilidade e a abertura de uma criança.

Não para fugir às responsabilidades que me esperam. Uma criança só evita aqueles em quem
não confia. A quem lhe oferece motivos de confiança, ela entrega-se, muito mais do que um
adulto. Entrega-se, porque, nas suas carências e necessidade de viver e crescer, precisa de
quem lhe dê o que não tem. As crianças são, por natureza, dependentes.

E é nesse sentido que Jesus faz delas modelos de fé. Aos discípulos, desejosos de saber
“quem é o maior no reino dos Céus”, e depois de colocar uma criança no meio deles, diz Ele:
“Em verdade vos digo: se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis
no reino dos Céus. Quem for humilde como esta criança, esse será o maior no reino dos Céus”
(Mt 18, 1-4).
Isto é, Deus só entra e reina na vida daqueles que d’Ele se tornam totalmente dependentes, a
Ele se abandonam pela fé, como uma criança ao pai e à mãe que lhe são queridos. No dizer do
Santo Padre, na sua recente peregrinação a Fátima, “a fé em Deus (…) pede o abandono,
cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo” (Homilia em Fátima,
13.05.2010)

Um dos maiores exemplos desta entrega de fé é o de Santa Maria, padroeira desta Diocese e
que, nesta solenidade da sua Assunção, veneramos como a Maior. Maior por ser tão pequena.
Ao ver-se eleita para a missão sobre-humana de ser Mãe do Filho do Altíssimo, foi então que
ela mais se apercebeu da sua pequenez. Sentiu-o mais do que nunca, quando se viu
extremamente agraciada por Deus. E foi, levada por essa graça, que se entregou: “Eis a
escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1, 38). A graça do Senhor, que
a fez sentir-se tão humilde, como uma escrava, foi essa mesma graça que a levou a dar-se ao
Senhor, para a plena realização da sua palavra.

E foi assim que o Filho de Deus ganhou corpo no seu corpo virginal: pela graça da fé – a graça
que sempre precede, acompanha e alimenta toda a entrega de fé – como uma criança que, se
ama o pai e a mãe, deve-o afinal ao amor que deles recebe.

E quão feliz Maria se sentiu assim, totalmente possuída pelo Senhor. Ouvimo-lo há pouco, de
sua prima Santa Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.” A
bênção do Filho apodera-se da Mãe. E esta é feliz, porque “acreditou no cumprimento de tudo
quanto lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 42.45).

E como reagiu Maria às palavras de Isabel? – “A minha alma glorifica o Senhor e o meu
espírito se alegra em Deus meu salvador”. Repare-se como toda ela, neste louvor, se confia ao
Senhor: com o corpo que fala, a alma que vibra e o espírito de que vive. Tudo isto, porque Ele,
o Deus Salvador, “pôs os olhos na humildade da sua serva” (Lc 1, 46-48).
 
5. Por isso, desde então, todas as gerações lhe chamam “bem-aventurada”. Chamamos-lhe
assim, na medida em que fazemos, também nós e no grau que nos é acessível, a sua
experiência de fé. Também por meio de nós, o Senhor quer fazer “maravilhas”, fruto da “sua
misericórdia”: a misericórdia que, ao mesmo tempo, nos faz sentir pequenos e nos capacita
para sermos agentes de tudo aquilo que só Ele tem poder para realizar (Lc 1, 49.50).

Vejamos o que, sobre isso, as leituras bíblicas desta celebração ainda nos sugerem.

Segundo a do livro do Apocalipse (12, 1-6), é o Senhor, na sua infinita misericórdia, que faz de
nós o Seu Povo, aquela “mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de
doze estrelas na cabeça”: a mulher que Deus ama e que, à imagem de Maria e por meio dela,
dá à luz o Messias; a mulher que, depois da glorificação de Cristo, tem de retirar-se para o
deserto das carências e do sofrimento, mas onde recebe de Deus a energia necessária para
enfrentar o poder do mal e não ceder à tentação de alinhar com os seus adoradores.

Ainda hoje a Igreja sofre perseguições; e é sua missão assegurar que os seus membros se não
deixem conquistar por tantos ídolos destruidores.

Em Fátima, o Papa chamava a nossa atenção, como Bispos, para isso: para o que se passa
em vários âmbitos da nossa sociedade, onde, segundo as suas palavras, há “crentes
envergonhados que dão as mãos ao secularismo, construtor de barreiras à inspiração cristã.” E
exortava-nos a que, “mesmo aqueles que lá defendem com coragem um pensamento católico
vigoroso e fiel ao Magistério continuem a receber o vosso estímulo e palavra esclarecedora
para, como leigos, viverem a liberdade cristã” (Discurso aos Bispos, 13.05.2010).

E, em Lisboa, afirmava que “para fazer de cada mulher e homem cristão uma presença
irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na
política” – “para isso é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e
ressurreição de Cristo, coração do Cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca
poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão,
qualquer dúvida e cálculo humano” (Homilia em Lisboa, 12.05.2010).
Trata-se da mesma mensagem da ressurreição de Cristo que, há pouco, São Paulo
proclamava como “primícias” da nossa ressurreição (1 Cor 15, 20.23). Também a essa
mensagem podemos associar outras palavras do Santo Padre, neste caso relativas à
esperança que nos anima: “Só Cristo pode satisfazer plenamente os anseios profundos de
cada coração humano e responder às suas questões mais inquietantes acerca do sofrimento,
da injustiça e do mal, sobre a morte e a vida do Além” (Ibidem).
Só Cristo! – O mesmo Cristo que passou pela terrível humilhação da cruz e pelo qual o Deus
Todo-poderoso “manifestou o poder de seu braço e dispersou os soberbos; derrubou os
poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; aos famintos encheu de bens e aos ricos
despediu de mãos vazias” (Lc 1, 51-53).

Palavras que Maria coloca nos nossos lábios, como programa de vida: da minha como Bispo e
da de cada um de vós, particularmente os da diocese que me é confiada, com colaboradores
que o Senhor me concede e aos quais me confio… como uma criança.
 
6. Convido-vos, caríssimos Diocesanos, a fazermos todos o mesmo: a conservarmo-nos
dependentes uns dos outros, unindo os carismas que o Espírito do Senhor suscita em cada um
de nós, em ordem à construção das comunidades a que pertencemos e que precisam de todos.
Só assim, poderemos, para já, realizar plenamente o Projecto Pastoral Diocesano, escolhido
para o triénio que termina no próximo ano: o de encarnarmos nas nossas vidas e levarmos
outros a encarnar, conforme o título dado a esse Projecto, “A Palavra de Deus feita amor entre
nós.”

Que esse amor ganhe expressões concretas, dentro e fora das nossas comunidades cristãs,
nomeadamente em relação a tantos carenciados e bens materiais e espirituais, entre os quais
destaco, pela sua actualidade, os que têm estado a braços com os incêndios que têm assolado
terras da nossa Diocese e fora dela.

Mas lembremo-nos de que esse amor só é possível ou, pelo menos, é muito mais possível, se
todos nos entregarmos inteiramente nas mãos de Deus, deixando-nos encantar e conquistar
pela sua misericórdia de Pai, para que Ele, em nós, continue a fazer maravilhas. Confiemo-nos
a Ele, com estas palavras do Salmo 130/131 que Ele próprio coloca nos meus lábios:

“Senhor, não se eleva soberbo o meu coração,


nem se levantam altivos os meus olhos.
Não ambiciono grandezas nem coisas superiores a mim.
Antes fico sossegado e tranquilo como criança ao colo da mãe.
Espera, Israel, no Senhor, agora e para sempre.”
Espera, Igreja de Viana, no Senhor
agora e para sempre!
Ámen.

Viana do Castelo, 15 de Agosto de 2010

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