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~ OR lator Melee en Met ee Ofc agi Deus preparou 0 mundo para o eyangelho, Uma vez por ano, os artesaos de uma tribo da Indonésia constrdem um barco de madeira em miniatura e 0 levam 4 beira do rio. O chefe religiose da tribo amarra uma galinha num lado do barquinho e coloca uma lanterna acesa no outro lado. Logo em seguida, cada merubro da tribo passa perto do barquinho e coloca um objeto invisivel entre a galinha e a lanterna. Quando se pergunta as pessoas 0 que deixaram no barquinho, elas respondem: "Meu pecado". Depois, 0 chefe deixa 0 barquinho ser levado pela correnteza do rio, enquanto os espectadores gritam: Boks eve kucisry Aces Embora esta cerimOnia religiosa nao salve ninguém do seu pecado, Don Richardson a vé come exemplo de uma ponte para 0 conhecimento do evangelho. Neste livro, Richardson conta mais 25 histGrias fascinantes, que mostram a semente do evangetho deixada por Deus em cada cultura do mundo. Ele chama este tipo de revelacao geral de Deus "O Fator Melquisedeque", usando o nome do sacerdote a quem Abraao prestou homenagem no livro de Genesis. Este livro mudara as idéias de muitos cristaos sobre os povos pagaos e sobre a soberania de Deus. ISBN 85-275-0081-7 ut 9 M8852 7" Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo. Também pés a eternidade no coracdo do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde 0 princfpio até ao fim. (Ec 3.11, grifo acrescentado.) Dadbos internacionais de catalogacao na publicagao (cir) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Richardson, Don, 1935- O fator Melquisedeque = o testemanho de Deus nas culturas através do mundo / Don Richardson ; tradugo de Neyd Siqueira. ~ Sao Paulo : Vida Nova, 1995. ‘Titulo original: Eternity in their hearts. Bibliogratia. ISBN 85-275-O081-7 1, Jesus Cristo - Misceldnea 2, Religiéo {. Titulo. 95-3196, cpp-266 {indices para catalogo sistemitico 1, Misses : Cristianismo 266 Fator elquisedeque 0 testemunho de Deus nas culturas através do mundo Don Richardson Tradugao Neyd Siqueira WN NOVA © 1981 Regal Books Titulo do original: Eternity in their hearts Traduzido da edigio publicada pela Regal Books (Ventura, California, BUA) 1*. edigdo: 1986 Reimpressdes: 1989, 1991, 1995 28. edigho: 1998 Reimpressdes: 1999, 19997, 2001, 2002 Publicado no Brasil com a devida autorizagao ¢ com todos os direitos reservados por ‘Socepape Reticiosa Epigors Vina Nova, Caixa Postal 21486, Sio Paulo-SP 04602-970 Proibida a reprodugio por quaisquer meios (mecAnicos, eletrSnicos, xerogréficos, fotogréticos, gravacao, estocagem em banco de dados, etc.), a nao ser em citagdes breves, com indicagio de fonte. Impresso no Brasil / Printed in Brazil ISBN 85-275-0081-7 PREPARACAO DE TEXTO ROBINSON MALKOMES REVISAO DEPROVAS ‘Vera LUCIA DOs SANTOS BARBA Cara Ricarpo Martins Meo, CoordENAGKO EDITORIAL, Roainson MALKOMES CONTEUDO Myeldclo & edigao em portugués i os weaves oe semen 8 PAMTE UM: Um Mundo Preparado para o Evangelno O Fator Melquisedeque 1, Povos do Deus Remoto . . 9 2. Povas do Livro Perdido * 61 8. Povos com Costumes Estranhos .... 90 4, Eruditos com Teorias Esiranhas .... 108 PAMTE DOIS: O Evangelho Preparado para o Mundo O Fator Abrado 5. A Conexéo de Quatro MilAnos .. . 125 6. Um Messias para Todos os Povos . 136 7. A Mensagem Oculta de “Atos” ...- 159 Parguntas para EStudo oo. ec eee e teeter ees 173 179 Wibllografia see. eee eee eee ee + ccauneae mae O ead HERES PREFACIO A EDIGAO EM PORTUGUES Em O Fator Melquisedeque, Don Richardson da outro impor- tante passo missiolégico, além daquele dado em O Totem da Paz. Ali, © autor demonstrou que o evangelho penetra eficazmente quando o missionério descobre e utiliza um ponto de contato cultural. Agora, 0 auior vai mais além, Na obra em pauta, Richardson trata da revelagdo em dois nf- veis: O “Fator Abra&o” e o “Fator Melquisedeque”. O primeiro de- senvolve o conceito e as implicacdes missionarias da revelac&o es- pecial exarada nas Escrituras. As conclusées do capitulo sobre Atos s4o surpreendenies, O segundo fator, que da 0 titulo ao livro, fala da revelacao original que deixou um importante rastro na meméria dos povos denominados “primitivos”. Daf surgiu o titulo usado na edicéo original, Eternity in Their Hearts (Eternidade em Seus Coracées). Richardson argumenta que Deus deixou um testemunho profundo, que pode e deve ser aproveitado como ponto de contato pelo missio- nario. A tftulo de exemplo de sua tese, 0 autor trata com amplitude cientffica dois aspectos deste testemunho: por um lado, a lembranga de um Deus bom e soberano; por outro, a idéia persistente de um emiss4rio que traré um livro sagrado. A leitura de O Fator Melquisedeque une o Gtil ao agradavel. O estilo de Richardson prende o leitor. Suas idéias revestem-se do histérias que s40, ao mesmo tempo, interessantes e verfdicas. Ele vasculhou a literatura da religiéo comparada para demonstrar ampla- mente a existéncia e importancia do “Fator Melquisedeque”. A pro- fundeza das implicagées missiolégicas nao perturba a leitura. Reco- mendo 0 estudo deste livro e o debate de suas idéias. Richard J. Sturz PARTE | UM MUNDO PREPARADO PARA O EVANGELHO — O Fator Melquisedeque — POVOS DO DEUS REMOTO OS ATENIENSES Em alguma época, durante o sexto século antes de Cristo, numa reuniao do conselho na Colina de Marte, em Atenas... “Diga-nos, Nicias, que aviso o oraculo de Pftias Ihe deu? Por que esta praga caiu sobre nés? E por que os indmeros sacriffcios realizados de nada adiantaram?” O impassfvel Nfcias olhou de frente o presidente do conselho. “A sacerdotisa declara que nossa cidade se encontra sob uma terri- vel maldigaéo, Um certo deus a colocou sobre nés por causa do me- donho crime de traigao do rei Megacles contra os seguidores de Cy- lon -” “E verdade! Lembro-me agora”, disse sombriamente outro membro do conselho. “Megacles obteve a rendigaéo dos seguidores de Cylon com uma promessa de anistia, depois violou prontamente sua propria palavra e os matou! Mas qual 6 o deus que ainda nos condena por esse crime? J& oferecemos sacriffcios de expiacéo a todos os deuses!” “Nao & bem assim”, replicou Nfcias. “A sacerdotisa afirma que resta ainda um deus a ser apaziguado.” “Quem poderia ser?” perguntaram os ancidos, olhando incré- dulos para Nicias, “Nao posso contar-lhes”, respondeu ele. “O préprio ordculo pa- rece nao saber o seu nome. Ela disse apenas que...” Nicias fez uma pausa, observando as faces ansiosas de seus colegas. Enquanto isso, da cidade enlutada & volta deles ouvia-se 0 eco de milhares de canticos finebres. Nicias continuou: “..,precisamos enviar um navio imediatamente a Cnossos, na ilha de Creta, e trazer de I& para Atenas um homem chamado Epiménides. A sacerdotisa assegurou-me que ele sabera Deen 10 - O Fator Melquisedeque como apaziguar esse dous ofendido, livrando assim a nossa cidade. “Nao existe alguém suficientem esbravejou um anciao indignado. estrangeiro?” “Se conhece algum grande sdbio em Atenas pode chamé-lo”, disse Nicias. “Caso contrario, cumpramos simplesmente as ordens do or&culo,” Um vento frio — frio como se tocado pelos dedos gélidos do ter- for que varria Atenas, fez-se presente na camara de marmore branco do conselho na Colina de Marte. Um anciao apés outro aconchegou- se mais em seu manto de magistrado e refletiu sobre as palavras de Nicias. “V4 em nosso nome, meu amigo”, disse o presidente do con- selho, “Traga esse Epiménides, se atender a0 seu pedido. E se ele livrar nossa cidade, nés o recompensaremos,” Os demais membros do conselho concordaram. O calmo Nicias, de voz suave, levantou-se, inclinando-se diante da assembiéia e dei- xando a camara. Ao descer a Colina de Marte, ele se encaminhou pa- fa 0 porto de Pireu, que ficava a 13 km de distancia, na Bala de Fale- rom. Um navio achava-se ali ancorado. lente sdbio aqui em Atenas?” “Temos de apelar para um... um , Epiménides desceu agilmenie para a terra, em Pireu, seguido de Nfcias, Os dois homens encaminharam-se de imediato para Atenas, tecobrando aos poucos a forca das pernas depois da longa viagem Por mar, desde Creta. Ao entrarem na ja mundialmente famosa “cida- de dos filésofos”, os sinais da Praga eram vistos por toda a parte. Mas Epiménides observou outra coisa: | “Nunca vi tantos deuses!” exclamou o cretense para o seu guia, piscando surpreso. Falanges ladeavam os dois lados da estra- da que safa do Pireu. Outros deuses, centenas deles, adornavam uma escarpada rochosa chamada acrépole. Uma geragao mais tarde, os atenienses construiram ali o Partenon. “Quantos s4o os deuses de Atenas?” inquiriu Epiménides. “V&rias centenas pelo menos!” replicou Nfcias. “Varias centenas!” foi a exclamac4o espantada de Epiménides, “Aqui 6 mais fAcil encontrar deuses do que homens!” “Tem razao!” riu 0 conselheiro Nicias. “Néo sei quantos pro- vérbios j4 foram feitos sobre ‘Atenas, a cidade saturada de deuses’, Com a mesma facilidade que se tira uma pedra da pedreira, outro deus 6 trazido para a cidade!” ; Nicias parou repentinamente, refletindo sobre o gue acabara de dizer. “Todavia™, comecou pensativo, “o ordculo de Pitias deciara que os atenienses precisam apaziguar ainda um outro deus. E vocé, Povos do Deus Remoto - 11 Epiménides, deve promover a intercess&o necessaria, Ao que parece entao, apesar do que eu disse, nés, atenienses, ainda precisamos de mais um deus!”* a Jogando a cabega para tras e rindo, Nicias exclamou: ‘Real- mente, Epiménides, nao consigo adivinhar quem poderia ser esse outro deus. Os atenienses s&o os maiores colecionadores de deuses no mundo! J& saqueamos as teologias de muitos povos das vizinhan- gas, apoderando-nos de toda divindade que possamos transportar para a nossa cidade, por terra ou por mar!” | “Talvez seja esse o seu problema”, disse Epiménides com um ar misterioso. Nicias piscou os olhos para o amigo, sem compreender. Como que desejasse um esclarecimento desse Gltimo comentario, mas al- guma coisa na atitude de Epiménides o silenciou. Momentos depois chegaram a um portico com piso de marmore, junto a camara do cot a selho na Colina de Marte. Os anciéos de Atenas j4 haviam sido avi- sados e 0 conselho os esperava. “Epiménides, agradecemos sua...” comecou 0 presidente da assembléla. "“S4bios ancidéos de Atenas, nao h4 necessidade de agradeci- mentos.” Epiménides interrompeu. “Amanha, ao nascer do sol, tra- gam um rebanho de ovelhas, um grupo de pedreiros e uma grande quantidade de pedras e argamassa até a ladeira coberta de relva, ao pé desta rocha sagrada. As ovelhas devem ser todas sadias e de co- res diferentes — algumas brancas, outras pretas. Vocés nao devem deixd-las comer depois do descanso noturno. E preciso que sejam ovelhas famintas! Vou agora descansar da viagem. Acordem-me ao amanhecer.” Os membros do consetho trocaram olhares curiosos, enquanto Epiménides cruzava 0 pértico em diregéo a um quarto sossegado, enrolando-se em seu manto como num cobertor e sentando-se para meditar. O presidente voltou-se para um dos membros jovens do conse- tho. “Veja que tudo seja feito como ele ordenou”, disso ole. “As ovelhas estao aqui”, falou 0 membro jovem, humildemente. Epiménides, despenteado e ainda meio dormindo, saiu de seu des- canso e seguiu o mensageiro até a ladeira que ficava na base da Co- lina de Marte. Dois rebanhos — um de ovelhas pretas e brancas @ outro de conselheiros, pastores e pedreiros — achavam-se & espera, debaixo do sol que nascia. Centenas de cidadaos, desfigurados por outra noite de vigflia cuidando dos doentes atingidos pela praga @ chorando pelos mortos, galgaram os pequenos outeiros e ficaram ob- 12 - O Fator Melquisedeque Servando ansiosos. “SAbios ancidos”, comecou Epiménides, “vocés JA se esforca- ram muito ofertando sacriffcios aos seus numerosos deuses; entre- tanto, tudo se mositrou indtil. Vou agora oferecer sacrificios baseado em trés suposicdes bem diferentes das suas, Minha primeira suposi- g&o...” Todos os olhos estavam fixos no cretense de elevada estatura; todos os ouvidos atentos para captar suas préximas palavras, 6 que existe ainda outro deus interessado na questao desta Praga — um deus cujo nome nao conhecemos e que nao esta, por- tanto, sendo representado por qualquer fdolo em sua cidade. Segun- do, vou supor também que este deus é bastante poderoso — e sufi- cientemente bondoso para fazer alguma coisa a respeito da praga, se apenas pedirmos a sua ajuda.” “Invocar um deus cujo nome 6 desconhecido?” exclamou um dos anciaos. “Isso 6 possfvel?” “A terceira suposicao 6 a minha resposta & sua pergunta”, re- plicou Epiménides. “Essa hipdtese € muito simples. Qualquer deus Suficientemente grande e bondoso Para fazer algo a respeito da pra- ga 6 também poderoso e misericordioso para nos favorecer em nossa ignorancia — se reconhecermos a mesma e 0 invocarmos!” Murmirios de aprovagéo misturaram-se com 0 balido das ove- lhas famintas. Os ancidos de Atenas jamais tinham ouvido essa linha de raciocfnio antes. Mas, por que, perguntavam eles, as ovelhas de- viam ser de cores diferentes? “Agora!” gritou Epiménides, “preparem-se para soltar as ove- thas na ladeira sagrada! Uma vez soltas, deixem que cada animal paste onde quiser, mas fagam com que seja seguido por um homem que o observe cuidadosamente.” A seguir, levantando os olhos para o céu, Epiménides orou com voz profunda e cheia de confianga: “O, tu, deus desconhecido! Contempla a praga que aflige esta cidade! E se de fato tens compaixao Para perdoar-nos e ajudar-nos, observa este rebanho de ovelhas! Revela tua disposigao para responder, eu pego, fazendo com que Gualquer ovelha que te agrade deite na relva em vez de pastar. Escolha as brancas Se elas te agradarem; as pre- tas se te causarem prazer. As que escolheres serao sactificadas a ti — reconhecendo nossa lamentAvel ignorancia do teu nome!” Epiménides sentou-se na grama, inclinou a cabega e foz sinal aos pastores que guardavam o rebanho. Estes vagarosamente se afastaram. Com rapidez e voracidade, as ovelhas se espalharam pela colina, comegando a pastar, Epiménides ficou ali sentado como uma estatua, com os olhos baixos. E intitil”, murmurou baixinho um conselheiro. “Mal amanheceu Povos do Deus Remoto - 13 @ raras vezes vi um rebanho téo faminto. Nenhum animal vai deitar- #6 antes de encher o est6mago e quem acreditara entéo que foi um ua isso a si anties deve ter escolhido esta hora do dia deliberadamen- te!” respondeu Nicias. ‘“‘S6 assim poderemos saber que a ovelha que se deitar o faré em obediéncia a vontade desse deus desconhecido, a répria inclinagao!” , ° re al Niclas teminara do falar quando um pastor gritou: “Olhem! Todos os olhos se voltaram para ver um carneiro dobrar os joelhos e 3 relva. aa outro!” bradou um conselheiro surpreso, fora de si por causa do espanto, Em poucos minutos algumas das ovelhas se achavam acomodadas sobre a relva suculenta demais para que quar quer herbfvoro faminto pudesse resistir — em circunstancias normals) “Se apenas uma deitasse, terfamos dito que estava doente! exclamou 0 presidente do conselho. “Mas isto! Isto s6 pode ser uma ie ae os olhos cheios de reveréncia, ele se voltou, dizendo a Epiménides: “O que faremos agora?” . ; “Separem as ovelhas que estéo descansando”, replicou o cre- tense, levantando a cabeca pela primeira vez desde que invocara o deus desconhecido, “‘e marquem o lugar onde cada uma se acha. Fa- cam depois com que os pedreiros levantem altares — um altar em ca- da ponto once as ovelhas descansaram!” ; Pedreiros entusiastas comegaram a fazer argamassa e no final da tarde ela j& havia endurecido o suficiente. Todos os altares se achavam preparados para uso. . “Qual 0 nome do deus que gravaremos sobre esses altares? perguntou um dos conselheiros do grupo mais jovem, excessiva- mente ansioso. Todos se voltaram para ouvir a resposta do cretense. “Nome?” repetiu Epiménides, como se refletindo. “A divindade, cuja ajuda buscamos, agradou-se em responder a nossa admisséo de ignorancia. Se agora pretendermos mostrar conhecimento, gra- vando um nome quando na verdade nao temos a menor idéia a res- peito dele, temo que vamos apenas ofendé-la!””. | “N&o podemos correr esse risco”, concordou o presidente do conselho. “Mas com certeza deve haver um meio apropriado de — de cada altar antes de usd-lo.” ee razAo, sAbio conselheiro”, declarou Epiménides com um sorriso raro. “Existe um meio. Inscrevam simplesmente as palavras agnosto theo — a um deus desconhecido — no lado de cada altar. Na- da mais ¢ necess4rio.” Os atenienses gravaram as palavras recomendadas pelo con- 14 - O Fator Melquisedeque selheiro cretense. A seguir, sacrificaram cada ovelha “dedicada” so- bre © altar marcando o ponto em que a mesma havia deitado. A noite caiu. Na madrugada do dia seguinte os dedos mortais da praga sobre a cidade j4 se haviam afrouxado. No decorrer de uma semana os doentes Sararam. Atenas encheu-se de louvor ao “Deus desconheci- do” de Epiménides e também a este, por ter prestado socorro tao su- preendente de um modo verdadeiramente engenhoso. Cidadaos agra- decidos colocaram festées de flores ao redor do grupo despretensio- so de altares na encosta da Colina de Marte. Mais tarde, eles escul- piram uma estétua de Epiménides sentado e a colocaram diante de um de seus templos.? Com o correr do tempo, porém, 0 povo de Atenas comecgou a esquecer-se da misericérdia que o “deus desconhecido” de Epiméni- des Ines concedera. Seus altares na colina foram negligenciados e eles voltaram a adorar centenas de deuses que se mostraram inca- pazes de remover a maldic¢ao da cidade. Vandalos demoliram parte dos altares e removeram pedras de outros. O mato @ 0 musgo come- Garam a crescer sobre as rufnas até que... Certo dia, dois anciaos que se lembravam da importancia dos altares pararam diante deles a caminho do conselho. Apoiados em seus bordées eles contemplaram Pensativos as relfquias ocultas por trepadeiras. Um dos anciaos retirou um pouco do musgo e leu a anti- ee encoberta por ele: “ ‘Agnosto theo’. Demas — vocé se - “Como poderia esquecer?” respondeu Demas. “Eu era o mem- bro jovem do consetho que ficou acordado a noite inteira para certifi- car-me de que o rebanho, as pedras, a argamassa e os pedreiros estariam prontos ao nascer do sol!” "E eu", replicou o outro ancido, “era aquele outro membro jo- vem @ ansioso que sugeriu que fosse gravado em cada altar o nome de algum deus! Que tolice”. Ele fez uma pausa, mergulhado em seus pensamentos, acres- centando a seguir: “Demas, vocé talvez me considere sacifleyo mas nao posso deixar de sentir que se o “Deus desconhecido” de Epimé- nides se revelasse abertamente a nOs, logo deixarfamos de lado to- dos os outros!” O ancido barbudo balangou o bordao com certo des- prezo na direcdo dos fdolos surdos e mudos que, em fileira apés filei- i cobriam a crista da acr6pole, em ntimero maior do que nunca an- ies. a “Se Ele jamais vier a revelar-se”, disse Demas pensativamente, _cOMO NOSSO pova saberd que nao 6 um estranho, mas um Deus que j4 participou dos problemas de nossa cidade?” “Acho que sé existe um meio replicou o primeiro anciao. Povos do Deus Remoto - 15 'Pevemos preservar pelo menos um desses altares como evidéncia pura a posteridade, E a histéria de Epiménides deve, de alguma for- (ma, ser mantida viva entre as nossas tradicdes.” “Uma grande idéia a sua!” entusiasmou-se Demas. “Olhe! Este ainda esté em boas condicdes. Vamos empregar pedreiros para po- \-lo © amanha lembraremos todo o conselho dessa antiga vit6ria so- bre a praga, Faremos passar uma mocdo para incluir a manutengéo tle pelo menos este altar entre as despesas perpétuas de nossa ci- dade!” Os dois ancidos apertaram-se as mos para fechar o acordo e, We bracos dados, seguiram caminho abaixo, batendo alegremente os bord6es contra as pedras da Colina de Marte. O relato acima baseou-se principaimente em uma tradicao re- gistrada como histéria por Didgenes Laércio, um autor grego do sé- gulo Ill A.D,, numa obra cléssica denominada The Lives of Eminent Philosophers (“As Vidas de Filésofos Eminentes”) (vol. 1, p. 110). Os elementos basicos na narrativa de Didgenes séo: Epiménides, um herdi cretense, atendeu a um pedido de Atenas, feito por Nicias, a fim de aconselhar a cidade sobre como remover uma praga. Ao chegar a Atenas, Epim@nides conseguiu um rebanho de ovelhas pretas e bran- oas e soltou-as na Colina de Marte, dando instrugées para que al- guns homens seguissem as ovelhas e marcassem 0 lugar onde qual- quer delas se deitasse. O propésito aparente de Epiménides era dar a qualquer deus li- gado & quest@o da praga a oportunidade de revelar sua disposigao om ajudar, fazendo com que as ovelhas que o agradassem ficassem deitadas, como um sinal de que as aceitaria se fossem oferecidas em sacriffcio. Desde que nao haveria nada extraordinério no fato de ovelhas se deitarem fora de seu perfodos habituais de pastagem, Epiménides provavelmente conduziu sua experiéncia bem cedo de manh&, quando as ovelhas estavam famintas. Algumas das ovelhas deltaram e os atenienses as ofereceram em sacriffcio sobre os altares sem nome, construfdos especialmente com esse propésito. A praga foi assim removida da cidade. Qs leitores do Antigo Testamento lembraraéo de que um herdi chamado Gidefo, buscando conhecer a vontade de Deus, colocou “um pedago de 1a”, como sinal. Epiménides fez mais que Gidedo — ele colocou o rebanho inteiro! Segundo a passagem em Leis, de Platao, Epiménides também profetizou, ao mesmo tempo, que dez anos mais tarde um exército persa atacaria Atenas. Todavia, os inimigos persas “retrocederao com todas as suas esperangas frustradas e depois de sofrer mais 16 - O Fator Melquisedeque ferimen i é conselte aes Os infligidos por eles”. Esta profecia foi cumprida » G@ sua parte, ofereceu a Epi i 1 ro p is Piménides um t ee onpdiee seus servicos, mas ele recusou o papanisnise "Ao loa que desejo”, disse, “s estabelecer aqui e agora sim fees mes e 8 Os atenienses a POS a ratificagao do tratado com Cnossos eles providercena tado de amizade entre Atenas e Cnossos”, a volta de Epiménides em Seguranca para sua casa na ilha Plata ° wigg hone ae iesma Passagem, elogia Epiménides chamando- dois tame Spirado” © Ihe d& crédito como um dos pers: OS que ajudaram a humai idade a redescobrir ae inven, ¢6es perdidas durante “O Grande Di ° algae oan ctu nesta referéncia concernente a causa da mal- The Art of Rhetoric owe Bde oeyiodapé de um editor sobre a obra toles, encontrada na “ ito da Ret6rica"),livro 3, 17.10 do Aristé- Fieese © publicate Loeb Classical Library”, traduzida por J. H Publicada em Cambridge, estado de Massachusetts Aex- “Leis” de Platao. Didégenes Laércio naéo menciona que as palavras agnosto theo ci estavam escritas nos altares de Epiménides. Ele declara apenas que tares sem qual- ae dllerentes partes da Atica podem ser vistos al me gravado, servindo de memoriai a e oriais para esta expiacdo”. Desenption of Greora ee da antigiidade — Pausdnian on cas obra e (“Descrigéo da Grécia” ‘ a ] cla”) (vol. 1, 1, ilos- te aud ae ppolonias of Tyana (“Apolénio de Tana) oe oré ‘Sa um deus desconhecido”, it i meee nesse sentido estivesse gravada eles Suaeniae gue Unig atanes pode tal inscrigdo achar-se em pelo menos um altar em canoer mado Por Lucas, um historiador do primeiro século. Ao mene a oneoas de ue 0 famoso apéstolo cristao, Lucas X ic J 0 esclarecido i i t tetbifaits Epiménides, ja referido: a9 medio lnresaianante ee Nquanto Paulo os esperava e q Atenas” ¢ “ seu esplrito de revoltava, e: a‘ dnitloraitarhe nants fAtivney 1 ¢m face da idolatria dominanto na cidade” Ss whine ane ee gabava de centenas de deuses nos dias de Epi- foe ion vel que nos de Paulo houvesse centenas de ol » Por sua prépria natureza, POSSui UM “fator inflacio. ee, : em — strag¢do — que u, i 5 ito de divindades inferiores & nevessério pa iisenahorn her o Povos do Deus Remoto - 17 espaco deixado pelo Deus verdadeiro! Quando Paulo viu Atenas rebaixando o privilégio sagrado da adorac&o por parte do homem, dirigindo-a para simples figuras de madeira e pedra, 0 horror tomou conta dele! E entrou imediatamente om ac4o. Primeiro: “Por isso dissertava na sinagoga entre os judeus © os gentios piedosos” (At 17.17). N&o que os judeus e gregos piedosos estivessem praticando idolatria! De modo algum. Eles, porém, eram os tinicos que poderiam se opor a idolatria predominante na cidade. Paulo talvez os achasse tao habituados a cenas de idolatria que néo podiam mais preparar uma ofensiva de impacto contra a mesma. De qualquer modo, o apéstolo langou seu proprio ataque. Ele discutia também, diz Lucas, “na praca todos os dias, entre os que se encon- travam ali” (At 17.17). Quem se encontrava ali? E como reagiram? Lucas explica: “Al- guns dos filésofos epicureus e estdicos contendiam com ele, haven- do quem perguntasse: Que quer dizer esse tagarela?” At§ mesmo um apéstolo pode encontrar dificuldades na comuni- cacao transcultural! “E outros: Parece pregador de estranhos deuses” (At 17.18). Por que este Gltimo comentario? Os filésofos, sem divida, ouvi- fam Paulo falar de Theos — Deus. Theos era um termo familiar para oles. Todavia, nao 0 empregavam geralmente como nome pessoal, mas em relac&o a qualquer divindade — da mesma forma que “ho- mem” em portugués significa qualquer indivfduo, nao sendo conside- rado nome préprio para quem quer que seja. Entretanto, os filésofos devem ter sabido que Xenofonie, Platao © Arist6teles — trés grandes filbsofos — usaram Theos como nome pessoal para um Deus Supremo em seus escritos. (Veja, por exem- plo, Enciclopédia Britanica, 15? ed., vol. 13, p. 951 @ vol. 14, p. 538.) Dois séculos depois de Plaiao e Aristételes, tradutores da Se- tuaginta, a primeira versdo grega do Velho Testamento, enfrentaram um grande problema: Um equivalente adequado para o nome hebraico *usado para Deus, Elohim, poderia ser encontrado na Ifngua grega? Eles rejeitaram Zeus. Embora Zeus fosse chamado “rei dos deuses”, fs teologias pag&s decidiram tornar Zeus filho de dois outros deuses, Cronos e Rea. Um filho de outros seres n&o pode igualar-se a Elo- him, que 6 incriado. Os tradutores finalmente reconheceram 0 uso fortuito de Theos feito pelos trés grandes fil6sofos acima como um nome préprio grego para 0 Todo-poderoso. Theos neste uso especial, achava-se ainda livre da contaminag&o do erro! Eles o adotaram, as- sim como Paulo adotou Theos para as suas pregacées e escritos no Novo Testamento! 18 - O Fator Melquisedeque E Buen semua ieee que no fosse Theos , mas o nome Jesus. 5 livesse levado os fild: 5 neune ig Sofos a pensa 2 va “pregando deuses estranhos”. Eles talvez fieasson i nae a pantados com a idéia de aiguém quer: ween ‘tenas, a capital mundial dos deuses! Em resumo Como Paulo reagiu & su: gesl&o de estar di tranhos e supériluos numa cidade j4 saturada oo manatee vas i i Tedue ee feed brilhante que o deixou lemporariamente cego * Fara OS quais eu te envio, pa : e sone ee das trevas para a luz” (At 26 146) pas Sonos aio ceonahee ee ys Jesus era impecavel. Quando as Pessoas dev: S trevas para a luz, é necessario que seus olhos ee se 6 preciso para abrir o: 's olhos de alguém? ae abridor de olhos! sue contrat um abaidor de ae naseido judeu, renascido cristao en- fi bara a verdade sob é nan re o Deu: ‘ade de Atenas infesteda de fdolos? Ele dificiimente poderis cx: Perar que um sistema com pletamente dedica i a reconhecer que o ™monotefsmo 6 superior. 60 20 politefemo viosse Paulo, no entanto, havia “passado e observado” descobriu algo “no sistema” que nado fazia parte “do” fo) 8 Para apresentar formaimente prio para uma discussaéo légica, Paulo aceitou Paulo poderia ter inici er iniciado seu di: sane oe! e 'scurso na Colina de see, aoe pematte nome aos bois. Ele poderia ter dito: aon aie uae suas filosofias Superiores vocés continuam des- fia, caso nao a pratiquem também! Arrepandam-oo Povos do Deus Remoto - 19 0 perecam!” E cada uma dessas palavras poderia ser perfeitamente vordadeira! Além disso, ele estaria também tentando converté-los das tre- vie para a luz”, como Jesus ordenara. Mas isso seria uma gritante Wversdo da seqiéncia das coisas! Esta 6 a razAo de Jesus ter in- Olufdo a ordem “abra os olhos deles” como um pré-requisito para fa- yor as pessoas se voltarem das “trevas para a luz”. Paulo “manteve os bois & frente do carro”, com as seguintes palavras: “Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente feligiosos (restricao notavel, considerando como Paulo odiava a ido- laitia); porque passando e observando os objetos de vosso culto (al- guns com os antecedentes de Paulo teriam preferido chamé-los de ‘f- olos sujos’), encontrei também um altar no qual esta inscrito: AO NEUS DESCONHECIDO” O apéstolo fez a seguir uma declaragéo que aguardara sois sé- Qulos para ser pronunciada: ‘“Pois esse que adorais sem conhecer, é procisamente aquele que eu vos anuncio” (At 17.22-23). O Deus pro- olamado por Paulo era realmente um deus esiranho como suposto pelos filésofos? De maneira alguma! Segundo o raciocinio de Paulo, Juyé, 0 Deus judeu-crist&o, fora representado pelo altar de Epiméni- dos. Tratava-se, portanto, de um Deus que ja interferira na historia de Atenas, tendo certamente o direito de ver o seu nome proclamado Paulo compreendia realmente o pano-de-fundo histérico desse altar e 0 conceito de um deus desconhecido? Ha evidéncia quanto 4 isso! Polis Epiménides, além de sua habilidade para langar luz so- bre problemas obscuros das relagdes entre o homem e Deus, era também um poeta! E Paulo citou a poesia de Epiménides! Quando deixou um mis- wlondrio de nome Tito para fortalecer as igrejas na ilha de Creta, Paulo escreveu mais tarde, instrugées para guiar Tito em seus tratos ©om os cretenses: “Foi mesmo dentre eles, um seu profeta que dis- 40; Cretenses, sempre mentirosos, feras terrfveis, ventres preguigo- #08. Tal testemunho 6 exato. Portanto, repreende-os severamente para que sejam sadios na 16" (Tt 1.12-13). As palavras citadas por Paulo séo de um poema atribufdo a (piménides (Enciclopédia Britanica, Micropaedia, 15% ed., vol. 3, p. 024). Note também que Paulo chamou Epiménides de “profeta”. O lormo grego propheetees , 0 mesmo usado geralmente pelo apos- tolo para os profetas tanto do Antigo como do Novo Testamento. Paulo ndo teria honrado Epiménides com o titulo de profeta se nado eonhecesse o cardter e as obras do mesmo! Um homem citado por Paulo como censurando outros por cerias caracterfsticas perversas 20 - O Fator Melquisedeque nao seria, por implicagdo, julgado por ele como provdvel culpado desses mesmos defeitos! Além disso, em seu discurso, no Areépago, Paulo declara que Deus “de um s6 fez toda raga humana... para buscarem a Deus se, porventura, tateando 0 possam achar, bem que nao esta longe de ca- da um de nés” (At 17.26-27). Essas palavras podem constituir uma referéncia indireta a Epiménides como exemplo de um pagéo que “buscou e achou” um Deus que, embora tendo um nome desconheci- do, ndo se encontrava realmente distante! E possivel que os membros da Sociedade do Areépago (Colina de Marte) também conhecessem a histéria de Epiménides através das obras de Platao, Aristé6teles e outros. Eles devem ter ouvido ad- mirados quando Paulo comecou seu discurso naquela base trans- cultural perceptiva. Mas, esse apéstolo crist&o, ireinado pelo erudito judeu Gamaliel, poderia prender suficientemente a atencao de ho- mens habituados & légica de Platao e Aristételes a ponto de fazé-los compreender 0 evangelho? Depois de seus surpreendentes comentarios iniciais, 0 sucesso de Paulo em seu discurso dependeria principalmente de uma coisa. Esta pode ser chamada de “I6gica continua”. Enquanto cada decla- rac&o sucessiva feita por ele acompanhasse uma seqiléncia ldgica, Os filésofos Ihe dariam atencéo. Se deixasse um espaco em seu ra- ciocinio eles o interromperiam imediatamente! Essa era uma regra da educacéo filoséfica recebida — uma disciplina que impunham a si mesmos e que seria exigida prontamente de qualquer estranho que afirmasse possuir proposic6es dignas de sua atencdo. A apresentag&o do evangelho por Paulo passaria pelo teste desse escrutinio severo? Durante varios minutos ele se saiu muito bem. Comegando com © testemunho do altar de Epiménides, Paulo passou para a evidéncia da criagaéo, e desta para a inconsisténcia da idolatria. A essa altura ele havia chegado a uma posi¢ao em que podia até mesmo identificar a idolatria ateniense como “ignorancia” sem perder sua audiéncia. Prosseguiu dizendo: “Deus (Theos)... agora, porém notifica aos ho- mens que todos em toda parte se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que ha de julgar 0 mundo com justiga por meio de um va- rao que destinou” (At 17.30-31), Em outras palavras, tendo descoberto e usado um “abridor de olhos” a fim de respeitar a seqiiéncia certa na comunicacdo, Paulo se dirigia para 0 segundo ponto em obediéncia ao segundo manda- mento de Jesus — ele buscava fazer com que os atenienses se vol- tassem “das trevas para a luz”! Disse ent&o, “(Ele) 0 acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos”. Povos do Deus Remoto - 21 Neste ponto — pela primeira vez ~ Paulo deixou um espago na légica de seu discurso no Areépago. Ele mencionou a ressurreigaéo do homem que Deus autorizou a julgar o mundo, sem explicar primei- ro como e porque ele teve de morrer. Os fil6sofos reagiram imediatamente, para seu préprio empo- brecimento espiritual. “Quando ouviram falar de ressurreigéo de mortos, uns escarneceram, e outros disseram: A respeito disso te ouviremos noutra ocasiao. A essa altura, Paulo se retirou do meio deles” (At 17.32-33). Paulo j& havia exposto sua inconsisténcia em tolerar, ou até fa- vorecer, a idolatria. Isso por si s6 ja constitufa algo bastante grave entre um grupo de homens que se orgulhava de sua consisténcia ra- cional! Como pesquisadores da verdade, deveriam ter continuado a ouvir Paulo quanto as instrugées de pelo menos seus comentérios iniciais, em lugar de condené-lo por uma falha técnica subseqiente. Nem todos, porém, descreram de Paulo por ter mencionado a ressurrei¢ao: “Houve, porém, alguns homens que se agregaram a ele e creram; entre eles estava Dionfsio, 0 areopagita (At 17.34). A tradi- ¢ao do século |I diz que Dionisio mais tarde tornou-se o primeiro bis- po de Atenas! Seu nome foi tirado do deus grego Dionfsio, cuja teolo- gia continha um conceito de ressurreigao da morte! Haveria ligacéo entre esse conceito e a resposta pessoal de Dionisio a alguém que defendia t40 ousadamente o ensino da ressurreigao? Mais tarde, 0 apéstolo Jodo, continuando a abordagem de Paulo 4 mente filoséfica dos gregos, apropriou-se de um termo filos6fico fa- vorito dos est6icos - 0 Verbo (Logos) — como tftulo para Jesus Cris to, Herdclito, filésofo grego, usou pela primeira vez o termo Logos por volta de 600 a.C., a fim de designar a razdo ou plano divino que coordena um universo em mudanga. Logos significa simplesmente “palavra”. Os judeus, por sua vez, enfatizaram o termo memra (“pa- lavra” em aramaico) para o Senhor. Jo&o considerou o “logos” grego e@ o “memra” judeu como descrevendo essencialmente a mesma ver- dade teolégica valida. Ele representou Jesus Cristo como o cumpri- mento de ambos, quando escreveu: “No princfpio era o Verbo (Lo- gos), e 0 Verbo (Logos) estava com Deus (Theos), @ o Verbo (Logos) era Deus (Theos)... E o Verbo (Logos) se fez carne, e habitou entre nés” (Jo 1.1,14). Com esta justaposigaéo vital de ambos os termos gregos — Theos e Logos — em relag4o a Elohim e Jesus Cristo, o Cristianismo se apresentou como cumprindo e@ nao destruindo algo valido na filo- sofia grega! De fato, tais termos e conceitos eram claramente considerados pelos emiss4rios para os gregos, como ordenados por Deus, a fim de 22 - O Fator Melquisedeque preparar a mente grega para o evangelho! Eles descobriram que es- ses termos filoséficos gregos fortuitos eram tao validos quanto as metdforas messidnicas do Antigo Testamento, tais como “© Cordeiro de Deus” e “O Leao da Tribo de Juda”. Eles usaram os dois conjun- tos de terminologia com igual liberdade, a tim de colocar a Pessoa de Jesus Cristo no contexto da cultura judia © grega, respoctivamente. Os Cananeus Na verdade, os apéstolas do Novo Testamento, como Paulo e Joo, nao foram os primeiros a fazer uso da estratégia acima a fim de identificar Deus claramente para os pagdos. Um personagem néo menos importante como Abra&ao empregou 0 mesmo método dois mil anos antes! Eis a historia... Javé — “Deus” em nossa lingua — fez a um homem, iniciaimente chamado Abrao, algumas promessas estupendas, ha cerca de 4.000 anos atrds. Javé ordenou a Abrao que deixasse sua terra, seus pa- rentes e a casa de seu pai, partindo para um pafs estranho, distante @ provavelmente selvagem (Gn 12.1). Javé prometeu o seguinte, se Abrao (cujo nome foi mais tarde mudado para Abraao) obedecesse as suas ordens: “De ti farei uma grande nac&o, e te abengoarei, e te en- grandecerei 0 nome. Sé tu uma béngao: abencoarei os que te aben- Goarem, e amaldicoarei os que te amaldicoarem” (Gn 12.2-3). Até este ponto, o arranjo especial de Javé com Abrao nao pare- ce muito diferente dos inimeros pactos similares com deuses tribais através Ge toda a hist6ria, feitos com seu circulo exclusivo de devo- tos em varias partes do planeta Terra, Seria Javé, como alguns criti- cos insinuaram, apenas um outro insignificante deus tribal agucando os sentimentos egofsticos de um seguidor com promessas grandio- sas destinadas a fazé-lo voltar repetidamente com nova adoracao e homenagem? Essa insinuagao seria diffcil de contestar se nao fosse pela ul- tima linha deste acordo Javé-Abrao, onde o primeiro diz: “Em ti serao benditas todas as familias da terra” (Gn 12.3, grifo acrescentado). Essa declaragdo faz brilhar uma caracteristica especial das promessas de Javé! Ele nfo abengoava Abr&o com a finalidade do torné-lo egocéntrico, arrogante, indiferente. Javé o abencoou para fa- zer dele uma beng&o, e nao apenas para seus préprios parentes! Esta bengao tém como alvo nada menos do que todas as familias da terra! Nada poderia ser menos egofsta ou menos restrito! Os tedlogos chamam de alianga abramica a este conjunto de promessas, mas trata-se de muito mais do que uma simples alianga Povos do Deus Remoto - 23 entre Deus e um indivfduo especifico. Ela marcou 0 inicio de um novo e surpreendente desenvolvimento que os tedlogos chamam de reve- lagao especial! Em outras palavras, na ocasiéo em que Javé tivesse cumprido todas as suas promessas a Abr&o, a humanidade teria con- digées de compreender a sabedoria, 0 amor e o poder de Javé de maneira anteriormente inconcebivel, nado apenas aos homens; mas, segundo tudo indica, também aos anjos (veja 1 Pe 1.12). Antes de enviar Abrao ao seu novo destino como “uma bencgao a todas as familias da terra’, Javé primeiro o guiou até uma regiao desconhecida, habitada por diversas tribos que abrangiam diferentes clas e familias. Eram as tribos dos cananeus, queneus, quenezeus, cadmoneus, heteus, ferezeus, refains, amorreus, girgaseus e jebu- seus (Gn 15.19). Além desses 10, aproximadamente 30 outros po- vos, espalhados do Egito até a Caldéia, sAo mencionados por nome s6 nos primeiros 36 capftulos de Génesis. Mais subdivisdes étnicas da humanidade sao reconhecidas especificamente nesses 36 capftu- los do que em qualquer outra segdo de comprimento compardvel em qualquer outro ponto da Biblia! Ao mover-se vagarosamenie entre tantos grupos étnicos, seria bastante provavel que Abr&o viesse a desenvolver o tipo de pers- pectiva de todas as familias da terra (povos) certamente exigido de alguém destinado a ser uma “bénc&o para todas as familias da ter- ra"! Ao que parece, tudo estava prosseguindo da maneira como Abr4o esperava. Mas Javé tinha uma surpresa guardada para ele... Quando 0 Senhor disse: “Em ti serao benditas todas as famflias da terra”, Abrao certamente pensou que ele e a nag&o que descende- ria dele tornar-se-iam a Unica fonte de iluminag4o espiritua! para toda a humanidade. Mas no era bem isso que Javé tinha em mente! De fato, quando Abrdo finalmente aproximou-se de Canaa (co- mo era chamada aquela terra estrangeira), ele logo ficou sabendo que duas de suas cidades - Sodoma e Gomorra ~ j& se achavam mergulhadas em profunda decadéncia. Outras, especialmente as ci- dades dos amorreus, comegavam a seguir 0 exemplo de Sodoma e Gomorra (veja Gn 15.16), Javé, 0 Todo-poderoso, nao parecia ter outro defensor além de Abrao em toda aquela regido do mundo, 0 que deve ter feito Abrao sentir-se realmente muito necessario! Quando, porém, Abrao e sua caravana se entranharam em Ca- nad, uma agraddvel surpresa os esperava. Eles passaram perto de uma cidade chamada Salém, que significa “paz” na \Ingua dos cana- neus, O nome cananeu dessa cidade, incidentalmente, iria mais tarde fazer surgir a significativa saudagéo hebraica Shalom e seu equiva- lente arabe, Salaam. Salém contribuiria mais tarde com suas cinco

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