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SOBRE TIPOS DE LEITORES E FORMAS DE LEITURAS Fora e além do livro, hi uma multiplicidade de modalidades de Ieitores. Hi o leitor da imagem, desenho, pintura, gravura, fotografia. Ha o leitor do jomnal, revistas, HA o leitor de prificos, mapas, sistemas de notagées. Ha o leitor da cidade, leitor da miriade de signos, simbolos e sinais em que se converteu a cidade modema, a floresta de signos de {que ja falava Baudelaire. Ha o leitor espectador, do cinema, televisdo video. A essa multiplicidade, mais recentemente veio se somar 0 leitor das imagens evanescentes da computagao gréfica, o leitor da escritura que, do papel, saltou para a superficie das telas eletrdnicas, enfim, 0 leitor das arquiteturas liquidas da hipermidia, navegando no ciberespago. im ver de discorrer sobre cada uma dessas modalidades, escolhi uma outra rota classificatéria e histérica a0 mesmo tempo. Pereebi que por trés dessa multiplicidade, hi tués tipos ou modelos de leitores. Trata-se de uma tipologia que nfo se baseia na diferenciagdo dos processos de leitura em fungo das distingdes entre classes de signos ou espécies de suporte desses signos, mas toma por base os tipos de habilidades sensoriais, perceptivas € cognitivas que esto envolvidas nos processos € no ato de ler, de modo a configurar modelos de leitor, como se segue: 1. O primeira € 0 leitor contemplativo, meditativo da era pré-industrial, 0 leitor da era do livro e da imagem expositiva. Esse tipo de leitor nasce no Renascimento e perdura hegemonicamente até meados do século XTX. 2. © segundo € 0 leitor do mundo em movimento, dinémica, mundo hibrido, de misturas signicas, um leitor filho da revolugio industrial ¢ do aparecimento dos grandes centros urbanos, o homem na multidio. Esse leitor, que nasce com a explosao do jomal e com o universo reprodutivo da fotografia ¢ cinema, atravessa no sé a era industrial, mas mantém suas caracteristicas bésicas quando se dé o advento da revolugdo cletrOnica, era do apogeu da televisto. 3.0 terceiro tipo de leitor é aquele que comega a emergir nos novos espacos incorpéreos da virtualidade. Vejamos cada um desses tipos em mais detalhes. Antes disso, no entanto, vale dizer que, embora haja uma sequencialidade hist6rica no aparecimento de cada um desses tipos de leitores, isso no significa que um exclui 0 ‘outro, que o aparecimento de um tipo de leitor leva ao desaparecimento do tipo anterior. Ao contriio, no parece haver nada mais cumulativo do que as conquistas da cultura humana. O que existe, assim, é uma convivéneia e reciprocidade entre os trés tipos de leitores acima, embora cada tipo continue, de fato, endo irredutivel ao outro, exigindo inclusive habilidades perceptivas, sensbrio motoras e cognitivas distntas. 1. O leitor contemplativo, meditative Esse primeiro tipo de leitor tem diante de si objetos ¢ signos duriveis, iméveis, localizaveis, manusedveis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras. E o mundo do papel ¢ da tela, O livro na estants, a imagem exposta, & altura das mios ¢ do olhar. Esse leitor niio sofre, ndo ¢ acossado pelas urgéncias do tempo. Um leitor que contempla ¢ ‘medita, Entre os sentidos, a visio reina soberana, complementada pelo sentido interior da imaginagao. Uma vez que esto localizados no espago ¢ duram no tempo, esses signos podem ser continua ¢ repetidamente itados. Um mesmo livro pode ser consultado quantas vezes se queira, um mesmo quadro pode ser visto tanto quanto possivel. Sendo objetos iméveis, é 0 leitor que os procura, escolhe-os e delibera sobre 0 tempo que o descjo lhe faz dispensar a cles. Embora a Icitura da esorita de um livro seja, de fato, sequencial, a solidez do objeto livro permite idas ¢ vindas, retomos, re- significagées. Um livro, um quadro exigem do leitor a lentidéo de uma dedicagdo em que © tempo nfo conta, 2 Oleitor fragmentado, movente Este Ieitor nasce com 0 advento do jornal e das multiddes nos centros urbanos habitados de signos. E 0 leitor apressado de linguagens efémeras, hibridas, misturadas. Mistura {que esti no cerne do jomal, primeiro grande rival do livro. A impresstio mectinica aliada 20 telégrafo e a fotografia gerou esse ser hibrido, testemunha do cotidiano, fadado a durar o tempo exato daquilo que noticia. Nasce com o jomal um tipo novo de leitor, © Ieitor fugnz, novidadeiro, de meméria curta, mas gil. Um leitor que precisa esquecer, pelo excesso de estimulos, € na falta do tempo de reté-los. Um leitor de fragmentos, leitor de tras de jornal e fatias de realidade. Com a sofisticagao dos meios de reprodugo, tanto na escrita quanto na imagem, com & reprodugto fotogréfica, a cidade comoya a se povoar de signos, numa profusto de sinais © mensagens. As palavras, as imagens crescem, agigantam-se e tomam conta do ambiente urbano. Sinais para serem vistos e decodificadas na velocidade. Como orientar-se, como sobreviver na grande cidade sem as selas, 0s diagramas, os sinais, a avaliaglo imediata da velocidade do burburinho urbano. O leitor do livro, leitor sem urgéncias, € substituido pelo Icitor movente. Leitor de formas, volumes, massas, intcragdes de forgas, movimentos, Ieitor de diregSes,tragos, cores, leitor de luzes que se acendem e se apagam. Hé uma isomorfia entre 0 modo como esse leitor se move na grande cidade, o ‘movimento do trem ¢ do carro e o movimento das cAmeras de cinema, Velocidade que cia novas formas de sensibilidade c de pensamento, uma outra mancira de interagir com 9 mundo. Esbarrando a todo instante em signos, signos que vém ao seu encontro, fora e dentro de casa, esse leitor aprende a transitar entre linguagens, passando das coisas aos signos, da imagem a0 verbo, do som para a imagem com famifiaridade imperceptivel. Isso se acentua com o advento da televisio: imagens, rufdos, sons, falas, movimentos e ritmos na tela se confundem ¢ se mesclam com situagdcs vividas. Onde termina o real € onde comegam os signos se nubla ¢ mistura como se misturam os proprios signos. : 3. O leitor virtwat O aspecto sem divida mais espetacular da era digital esté no poder dos digitos para ‘ratar toda e qualquer informago, som, imagem, texto, programas informéticas, com a mesma linguagem universal, uma espécie de esperanto das méquinas. Gragas & Aigitalizagao e compressio dos dados, todo e qualquer tipo de signo pode ser recebido, estocado, tratado e difundido, via computador. Aliada a telecomunicasio, a informitica Permite que esses dados cruzem oceanos, continentes, hemisférios, conectando numa mesma rede gigantesca de transmissAo e acesso, potencialmente qualquer ser humano no globo. Tendo na multimidia sua linguagem, e na hipermidia sua estrutura, esses Signos de todos os signos, esto disponiveis ao mais leve dos toques, num click de um mouse. Nasce ai um outro tipo de leitor, revolucionariamente distinto dos anteriores. Nao mais um leitor que tropega, esbarra em signos fisicos, matcriais, como era 0 caso do leitor movente, mas um Ieitor que navega numa tela, programando leituras, num universo de signos evanescentes, mas eternamente disponiveis, contanto que no se Perea a rota que leva a cles. Nao mais um Ieitor que segue as seqUéncias de um texto, Virando péginas, manuscando volumes, percorrendo com seus passos a biblioteca, mas um Icitor em estado de prontidio, conectando-se entre nds © nexos, num roteiro ‘multilinear, multi-sequencial e labirintico que ele proprio ajudou a construr ao interagir ‘com os nds entre palavras, imagens documentago , misicas, video etc. Trata-se de um {eitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de infinitos textos num grande caleidosc6pico tridimensional onde cada novo nd ¢ nexo pode conter uma ‘outra grande rede numa outra dimenséo, Enfim, trata-se ai de um universo inteiramente novo que parece realizar 0 sonho ou alucinagdo borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se tornar real a cada chick do mouse. A leitura fora do tivo. —_Diisponivel em:

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