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Boris Fausto Edusp HISTORIA DO BRASIL Histéria do Brasil cobre um periodo de mais de quinhentos anos, desde ‘as raizes da colonizacao portuguesa até nossos dias. O BRASIL COLONIAL 1500-1822 2.1. 05 INDIOS Quando os europeus chegaram a terra que viria a ser o Brasil, encontraram uma populagtio amerindia bastante homogénea em termos culturais e lingUisticos, distribuida ao longo da costa e na bacia dos Rios Parana-Paragu: Podemos distinguir dois grandes blocos que subdividem essa populacZo: os tupis-guaranis € 0s tapuias, Os tupis-guaranis estendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde pelo menos 0 Ceard até a Lagoa dos Patos, no extremo Sul. Os tupis, também denominados tupinambas, dominavam a faixa litordnea, do Norte até Cananéia, no sul do atual Estado de So Paulo; os guaranis localizavam-se na bacia Parané-Paraguai e no trecho do literal entre Canangia e 0 extremo sul do que viria a ser 0 Brasil. Apesar dessa localizagtio geogréfica diversa dos tupis € dos guaranis, falamos em conjunto tupi-guarani, dada a semelhanca de cultura e de lingua. Em alguns pontos do litoral, a presenca tupi-guarani era interrompida par outros grupas, como os goitacases na for do Rio Paraiba, pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do Espirito Santo, pelos tremembés na faixa entre o Ceara e 0 Maranhio. Essas populagées eram chamadas tapuias, uma palavra genérica usada pelos tupis-guaranis para designar indios que falavam outa lingua. Devemos lembrar que a classificagdo descrita resulta de estudos recentes dos antropélogas, baseando-se, como dissemos, em afinidades culturais © lingUisticas. Os portugueses identificaram de forma impressionista muitas "nagGes" indigenas, como os carijés, 05 tupiniquins, os tamoios etc, € dificil analisar 2 sociedade e os costumes indigenas, porque se lida com povos de cultura muito diferente da nossa e sobre a qual existiram e ainda existem fortes preconceitos. Isso se reflete, em maior ou menor grau, nos relatos escritos por cronistas, viajantes e padres, especialmente jesuitas. Existe nesses relatos uma diferenciac3o entre indios com qualidades pasitivas indios com qualidades negatives, de acordo com 0 maior ou menor grau de resisténcla oposto aos portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pela eficiéncia militar e pela rebelaia, foram sempre apresentados de forma desfavoravel. De acordo com os mesmos relatos, em geral, os indios viviam em casas, mas os aimorés vivian como animais na floresta. Os tupinambas comiam os inimigos por vinganca; os aimorés, porque apreciavam carne humana. Quando a Corea publicou a primeira lei em que se proba a escraviza¢io dos indios (1570), sé os almorés foram especificamente excluidos da proibic3o. Ha também uma falta de dados que ndo decorre nem da incompreenséo nem do preconceito, mas da dificuldade de sua obtengio. Nao se sabe, por exemplo, quantos indios existiam no territério abrangido pelo que é hoje o Brasil e 0 Paragual, quando os portugueses chegaram a0 Nove Mundo. Os cilculos oscilam entre numeros t3o variados como 2 milhdes para todo 0 territario e cerca de 5 milhdes $6 para a Amaz6nia brasileira. 0s grupos tupis praticavam a caca, a pesca, a coleta de frutas e a agricultura, mas seria lengano pensar que estivessem intuitivamente preocupados em preservar ou restabelecer 0 equilibrio ecoldgico das areas por eles ocupadas. Quando ocorria uma relativa exaustio de alimentos nessas éreas, migravam temporéria ou definitivamente para outras. De qualquer Pagina 20 forma, no hé diivida de que, pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rtudimentar de que dispunham, estavam lange de produrir os efeitos devastadores da polulco de rios com mercirio, ou da derrubada de florestas com motosserras, caracteristicas das atividades dos brancos nos dias de hole Four den, sepunds oral Sik ara praticar a agricultura, os tupis derrubavam érvores e faziam a queimada - técnica que Inia ser incorporada pelos colonizadores. Plantavam feij30, milho, abébora e principalmente ‘mandioca, cuja farinha se tornou também um alimento bésico da Colénia. A economia era boasicamente de subsisténcia e destinada a0 consumo proprio. Cada aldeia produzia para satisfazer a suas necessidades, havendo poucas trocas de géneros alimenticios com outras aldelas. Mas existiam contatos entre elas para.a troca de mulheres e de bens de luxo, como penas de tucano e pedras para se fazer botoque. Dos contatos resultavam aliancas em que grupos de aldelas se posicionavam uns contra 0s outros. A guerra e a captura de inimigos - mortos em ‘meio & celebragSo de um ritual canibalistico - eram elementos integrantes da sociedade tupi Dessas atividades, reservadas aos homens, dependiam a obten¢ao de prestigio e a renovacao das mulheres. A chegada dos portugueses representou para 0s indios uma verdadeira catdstrofe. Vindos de muito longe, com enormes embarcagies, 0s portugueses, e em especial os padres, foram Pagina 21 associados na imaginagSo dos tupis aos grandes xamas (pajés), que andavam pela tera, de aldeia em aldeia,curando, profetizando e falando-Ihes de uma terra de abindincia. Os ‘oancos eram 20 mesmo tempo respeitados, temidos e odiados, como homens dotados de poderes especiais. Por outro lado, como ndo existia uma na¢do indigena e sim grupos dlspersos, muitas veres em confit, fol possvel aos portugueses encontrar aliados entre os prépris indigenas, ra luta contra os grupos que resistiam a eles. Por exemplo, em seus primelros anos de cexisténci, sem o aunilio dos tupis de S40 Paulo, a Vila de So Paulo de Plratinings muito provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios. Tudo Isso nBo quer dizer que os Indios ‘no tenham resistdo fortemente aos colonizadores, sobretudo quando se tratou de escravizé- os. 0s indios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violéncia cultural, as {’pidemias e mortes. Do contato com o europeu resultou uma populacdo mestica, que mostra, até hoje, sua presenca slenciosa na formaco da sociedade brasileira ‘uma forma excepcional de resistencia dos indios consistiu no isolamento, alcangado através de continues deslocamentos para regides cada ver mais pobres. Em limites muito estretos, esse recurso permitiu a preservacio de uma heranca biolégica, sociale cultural. Mas, ‘no conjunto, a palavra "catistrofe” é mesmo a mais adequada para designar o destino da populagdo amerindla. MilhBes de indios viviam no Brasil na época da conquista eapenas corca, cde 250 mil existem nos dias de hoje. 2.2. 0S PERIODOS DO BRASIL COLONIAL Podemos dividr a historia do Brasil colonial em trés periodos muito desiguals em termos cxonoldgicos: 0 primeiro vai da chegada de Cabral 8 instalaglo do gaverno gera, em 1549; 0 segundo 6 um longo lapso de tempo entre ainstalagSo do governo geral as ultmas décadas do século XVill; 0 terceito vai dessa época & Independencia, em 1822. 0 que justifica essa periodizagi0 no sio os fatos apontados em si mesmos, mas sim aquilo que expressam. 0 primeiro periado se caracteriza pelo reconhecimento e posse da nova terra ¢ um escasso comércio. Com a criagS0 do governo geral inicia-se a montagem da colonizagio que id se consolidar a0 longo de mais de dois séculos, com marchas e contramarchas. As dltimas décadas do século XVIll sio uma referéncia para indicar um conjunto de transtormagdes na ‘ordem mundial e nas colénias, que dio origem a crise do sistema colonial e aos movimentos pela independéncia. Pagina 22 2.3, TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORACAO_ 0 descobrimento do Brasil no provocou, nem de longe, 0 entusiasmo despertado pela chegada de Vasco da Gama a india. 0 Brasil aparece como uma terra cujas possibiidades de exploragio e contornos geograficos eram desconhecidos. Por varios anos, pensou-se que no passava de uma grande ilha. As trades exéticas - Indios, papagaios, araras - prevaleceram, 3 onto de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe © nome de terra dos ‘papagaios. O Rei Dom Manuel preferiu chamé-la de Vera Cruz e logo de Santa Cruz. O nome "Brasil" comecou a aparecer em 1503, Ele tem sido associado & principal riqueza da terra em ios tempos, 0 pau-brasil Seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, € 2 madeira, de grande resisténcia, era utlizada na construco de mévels e de navies. E curioso lembrar que as “ilhas Brasil" ou coisa parecida so uma referéncia fantasiosa na Europa ‘medieval. Em uma carta geogréfica de 1367, aparecem trés ilhas com esse nome, espalhadas +0 grupo dos Agores, na latitude da Bretanha (Franga) e na costa da Irlanda, AS primeiras tentativas de explorac3o do litoral brasileiro se basearam no sistema de foltorias, adotado na costa africana. O Brasil fol arrendado por trés anos a um consércio de comerciantes de Lisboa, liderado pelo cristdo-nove Ferndo de Loronha ou Noronha, que recebeu 0 monopélio comercial, obrigando-se em troca, 20 que parece, a enviar sels navios a ‘ada ano para explorar trezentas léguas (cerca de 2 mil quilimetros) da costa e a construir uma feitoria, O consércio realizou algumas viagens mas, aparentemente, quando em 1505 0 arrendamento terminou, a Coroa portuguesa tomou a explora¢So da nova terra em suas mSos.. 'Nesses anos iniiais, entre 1500 e 1535, a principal atividade econémica foi a extracao do pau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os indios. As drvores nao cresciam juntas, em grandes dreas, mas encontravam-se dispersas. A medida que a madeira fol-se esgotando no literal, 0s europeus passaram a recorrer aos indios para obté-Ia. O trabalho coletivo, especialmente a derrubada de Srvores, era uma tarefa comum na sociedade ‘upinamba, Assim, o corte do pau-brasil podia integrar-se com relativa facilidade 20s padres tradicionals da vida indigena. Os indios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha de rmandioca, trocadas por pesas de tecido, facas, canivetes e quinguilharias, objetas de pouco valor para os portugueses. (0 Brasil fol, inicialmente, muito associado 8 india, sea como ponto de descanso na rota jé conhecida para esse pais, seja como possivel passagem de um novo caminho, buscado srincipalmente pelos espanhdis. Ao descobrir a América em 1492 chegando as Antilhas, Colombo pensara ter alcancado o Mar da China. A posse da nova terra foi contestada por Portugal, dai resultando uma série de negociagbes que desembocaram no Tratado de Tordesithas (1494), nome de uma cidade espanhola onde se deu sua assinatura. O mundo fo! Clvidido em dois hemisférios, separados por uma linha que imaginariamente passava a 370 léguas a oeste das llhas de Cabo Verde. As terras descobertas a ceste da linha pertenceriam & Espanha; as que se situassem a leste caberiam a Portugal. A divisto se prestava a controveérsias, pols nunca fot possivel estabelecer com exatido or onde passava a linha de Tordesilhas. S6 em fine do século XVII as holandeses conseguiram esenvolver uma técnica precisa de medico de longitudes. Por exemplo, a fox do Amazonas +0 norte ou.a do Rio da Prata no sul, vistas como possivels rotas no rumo das indias pela via do Ocidente, estariam em terrtério portugués ou espanhol? Vérias expedicoes dos dois paises se sucederam a0 longo da costa brasileira na diregio sul até que um portugués a servigo da Espanha, Fernio de Magalhies, atravessou o estreito que hoje tem seu nome e, navegando pelo Oceano Pacifico, chegou as Filipinas (1521). Esse feito espetacular de navoga¢aio foi 20 mesmo tempo uma decepcSo para os espanhéis. O caminho das indias pelo Ocidente fora ‘encontrado, mas era demasiado longo ¢ dificll para ser economicamente vantajoso. Os olhos espanhdis se fixaram nas riquezas em ouro e prata que lam sendo encontradas nas terras americanas sob seu dominio. Mas a maior ameaca 3 posse do Brasil por Portugal no velo dos espanhéis e sim dos franceses. A Franga néo reconhecia os tratados de partiha do mundo, sustentando o principio de que era possuidor de uma drea quem efetivamente a ocupasse. Os franceses entraram no comércio do pau-brasile praticaram a pirataria, a0 longo de uma costa demasiado extensa para que pudesse ser guarecida pelas patrulhas portuguesas. Em momentos diversos,iriam mais tarde estabelecer-se no Rio de Janeiro (155-1560) e no MaranhSo (1612-1615). 2.4, INICIO DE COLONIZAGAO - AS CAPITANIAS HEREDITARIAS Considerages politicas levaram a Coroa Portuguesa 2 convic¢do de que era necessério colonizar a nova terra. A expedigo de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) representou um ‘momento de transi¢So entre o velho € 0 novo period. Tinha por objetivo patrulhar a costa, estabelecer uma coldnia através da concesséo ndo-hereditria de terras aos povoadores que tratia (So Vicente, 1532) e explorar a terra, tendo em vista a necessidade de sua efetiva oeupagio. Hé indicios de que Martim Afonso ainda se encontrava no Brasil quando Dom JoSo Ill, decidiu-se pela criacdo das capitanias hereditérias. O Brasil foi dividido em quinze quinhies, or uma série de linhas paralelas a0 equador que iam do litoral a0 meridiano de Tordesilhas, Sendo os quinhdes entregues aos chamados capitées-donatérios. Eles consttuiam um grupo dversficado, no qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum suas ligagées com a Coroa. Estavam entre os donatérios o experiente navegador Martim Afonso; Duarte Coelho, militar de destaque no Oriente, sem grandes recursos, cuja histria no Brasil seria ressatada pelo éxito em Pernambuco; Jorge Figueiredo Correa, escrivio da Fazenda Real e grande negociante, associado a Mem de Sé e a Lucas Giraldes, da familia dos Gira, negociantes ¢ banqueiros de origem florentina; e Pero do Campo Tourinho, que vendeu suas propriedades em Portugal e seguiu para o Brasil com selscentos colonos. Posteriormente, Tourinho velo a ser denunciado & inquiscSo, apds confltos com os colonos, e embarcou de volta a Portugal Antes de 1532, Ferndo de Noronha recebeu do rea primeira capitania do Brasil - lIha de Sao Jodo, que hoje tem seu nome. Nenhum representante da grande nobreza se incluia na lista dos donatirios, pois 0s negécios na india, em Portugal e nas has atlanticas eram por essa época bem mais atrativos. (0s donatirios receberam uma doagSo da Coroa, pela qual se tormavam possuidores mas no proprietarios da terra. Isso significava, entre autras coisas, que no podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rel o direito de modificéla ou mesmo extingui-la. A posse dava 10s donatérios extensos poderes tanto na esfera econémica (arrecadacio de tributos) como na esfera administrativa. A instalaco de engenhos de acdcar e de moinhos de dgua eo uso de ddepésitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributas devidos & Coraa pela explorago de pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também 0s :apitdes-donatarios. Do ponto de vista administrativo, eles tinham o monopélio da justiga, Pagina 24 autorizacio para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e formar nilicias sob seu comando. A atribuigd0 de doar sesmarias & importante, pols deu origem a formacio de vastos atifindios. A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensio de terra virgem cuia ropriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigacdo - raramente cumprida - de cultivé-ta 10 prazo de cinco anos e de pagar 0 tributo devido 8 Coroa, Houve em toda a Colénia imensas, sesmarias, de limites mal-definides, como a de Bris Cubas, que abrangia parte dos atuais ‘nunicipios de Santos, Cubatio e Sao Bernardo, (0 direitos reservados pela Coroa, 20 insttuir as capitanias hereditaria, nBo se limitaram, | uma espécie de vigilancia quanto 8 manutencdo de sua forma. O rei manteve o monopélio. 4das drogas e especiarias, assim como a percepco de uma parte dos tributos. Assegurou ainda direito de aplicar a justica, quando se tratasse de morte ou retalhamento de partes do corpo de pessoas de condigdo nobre. Nomeou, além disso, uma série de funcionarios para garantir {que as rendas da Corea fossem recolhidas. As capitanias hereditérias s80 uma instituigo a que frequentemente se referem 05 ‘istoriadores, sobretudo portugueses, defensores da tese da natureza feudal da colonizacéo. ssa tese e a pripria discussdo perderam hoje a importancia que ja tiveram, cedendo lugar & ‘endéncia historiografica mais recente, que no considera indispensével rotular com etiquetas “igidas formagées sociais complexas que no reproduzem o modelo europeu. Sem avancar reste assunto, lembremos que ao instituir as capitanias a Coroa langou mio de algumas ‘érmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval européia. € 0 caso, por exemplo, do Aireito concedido aos donatérios de obter pagamento para licenciar a instalago de engenhos de acicar; esse direito é andlogo as "banalidades" pagas pelos lavradores aos senhores ‘eudais. Mas, em esséncia, mesmo na sua forma original, as capitanias representaram uma ‘entativa transitéria¢ ainda tateante de colonizacdo, com o objetivo de integrar a Colénia & ‘sconomia mercantil européia, Sabemos que, com excegao das Capitanias de So Vicente e Pemambuco, as outras ‘racassaram em maior ou menor grau, por falta de recursos, desentendimentos internos, nexperiéncia, ataques de Indios. N3o por acaso, as mals présperas combinaram a atividade acucareira e um relacionamento menos agressivo com as tribos indigenas. ‘As capitanias foram sendo retomadas pela Coroa, ao longo dos anos, através de compra e subsistiram como unidade administrativa, mas mudaram de caréter, por passarem a pertencer 430 Estado. Entre 1752 e 1754, 0 Marqués de Pombal completou praticamente o processo de 2assagem das capitanias do dominio privado para o publica, 25,0 GOVERNO GERAL {A decisto tomada por Dom Joo Ill de estabelecer o governo geral do Brasil ocorreu em am momento em que alguns fatos significativos aconteciam com rela¢ao & Coroa portuguesa, 1a esfera internacional. Surgiam os primeiros sinais de crise nos negécios da india, sugeridos 120 uso da expressio "“umos da india" - ou seja, fumaca da india, pondo em divida a solidez do ‘comércio com o Oriente. Portugal sofrerd varias derrotas militares no Marrocos, mas 0 sonho de um império africano ainda no estava extinto. No mesmo ano em que Tome de Sousa foi Pagina 25 tenviado ao Brasil como primeiro governador geral (1548), fechou-se o entreposto comercial pportugueés de Flandres, por ser defictério. Por ditimo, em contraste com as terras do Brasil, os espanhdis tinham crescente éxito na exploracdo de metais preciosos, em sua colénia americana, e, em 1545, haviam descoberto a grande mina de prata de Potosi. ‘Se todos esses fatores podem ter pesado na decisSo da Coroa, devemes lembrar que, Jnternamente, 0 fracasso das capitanias tornou mais claros os problemas da_precéri ‘administrago da América lusitana, Assim, a institulgo do governo geral representou, de fato, lum passo importante na organizaco administrativa da Colénia. ‘Segundo as cr6nicas da época, Tome de Sousa era um fidalgo sisudo, com experiéncia na Africa e na india. Chegou 3 Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive quatrocentos degredados, trazendo consigo longas instrugSes por escrito conhecidas como Regimento de Tome de Sousa. As instrugbes revelam o propésito de garantir a posse territorial da nova terra, colonizé-la e organizar as rendas da Coroa, Foram criados alguns cargos para 0 cumprimento dessas finalidades, sendo os mais importantes 0 de ouvidor, a quem cabia administrar a Justica, © de capitio-mor, responsével pela vigilincia da costa, e o de provedor-mor, cencarregado do controle e crescimento da arrecadagao. Nao devemos imaginar porém que, no século XVI, 0 Brasil proporcionasse riquezas considerdveis aos cofres reais. Pelo contrario, segundo calculos do historiador Vitorino ‘Magalhaes Godinho, em 1558 a arrecadagio proveniente do Brasil representava apenas algo fem toro de 2,5% das rendas da Coroa, enquanto ao comércio com a india correspondiam 26%, \Vinham com 0 governador-geral os primeiros jesultas - Manuel da Nébrega e seus cinco companhelros -, com 0 objetivo de catequizar os indios e disciplinar o ralo clero de mé fama existente na Col6nia. Posteriormente (1532) criou-se 0 bispado de Sao Salvador, sujeito 20 arcebispado de Lisboa, caminhando-se assim para a organiza¢do do Estado ¢ da lgreja, estreitamente aproximados. 0 inicio dos governos gerals representou também a fxagio de um 1pélo administrativo na organiza¢do da Colénia. Obedecendo as instrucdes recebidas, Tome de ‘Sousa empreendeu o longo trabalho de construgao de Sio Salvador, capital do Brasil até 1763. ‘A instituigso de um govern geral_representou um esforgo de centralizagSo ltrativa, maz izze nfo signifiea que © gavernador geral detivesce todas oz paderes, nem que em seus primeiras tempos pudesse exercer uma atividade muito abrangente. A liga¢o entre as capitanias era bastante precéria, limitanda o raio de ago dos governadores. A correspondéncia dos jesuftas dé claras indicagbes desse isolamento. Em 1552, escrevendo da Bahia aos irmos de Coimbra, o Padre Francisco Pires queixa-se de s6 poder tratar de assuntos locais, porque "as vezes passa um ano e no sabemos uns dos outros, por causa dos tempos € dos poucos navios que andam pela costa e as vezes se véem mais cedo navios de Portugal que das capitanias”. Um ano depois, metido no sertao de Sao Vicente, Nébrega diz praticamente a ‘mesma coisa: "Mais facil é vir de Lisboa recado a esta capitania que da Bahia’ adi 2.6. A COLONIZACAO SE CONSOLIDA ‘Ap6s as trés primeiras décadas, marcadas pelo esforco de garantir a posse da nova terra, 2 colonizago comegou a tomar forma. Como aconteceu em toda a América Latina, o Brasil Pagina 26 viria a ser uma colonia cujo sentido basico seria 0 de fornecer ao comércio europeu géneras alimenticios ou minérios de grande importéncia, A potica da Metrépole portuguesa consists no incentivo & empresa comercial, com base em uns poucos produtos exportévels em grand2 eseala e assentada na grande propriedade. Essa diretri deveria atender aos Interesses do acumulagSo de riqueza na Metrdpole lusa, em mos dos grandes comerciantes, da Coroa © seus afilhados. Como Portugal ndo tinha 0 controle dos circuitos comerciais na Europe, controlados, a0 longo dos anos, principalmente por espanhdis, holandeses e ingleses, 2 ‘mencionada diretriz acabou por atender também ao conjunto da economia européi. ‘A opcio pela grande propriedade ligou-se ao pressupasto da conveniénela da produc fem larga escala.Além disso, pequenos proprietéros aut6nomos tenderiam a produzir para a sua subsisténcia, vendendo no mercado apenas um reduzido excedente, o que contariaria os objetivos da Coroa e dos grandes comerciantes. 2.7. 0 TRABALHO COMPULSORIO ‘Ao lado da empresa comercial e do regime de grande propriedade, acrescentemos urn terceiro elemento: o trabalho compulsério. Também nesse aspecto, a regra serd comum 2 toda a América Latina, ainda que com variagBes. Diferentes formas de trabalho compulsério predominaram na América espanhola, enquanto uma dalas - a escravidie - foi dominante no Brasil, Por que se apelou para uma relagdo de trabalho odiosa a nossos olhos, que parecia semimorta, exatamente na época chamada pomposamente de aurora dos tempos modernos? Uma resposta sintética consiste em dizer que nem havia grande oferta de trabalhadores en condigBes de emigrar como semi-dependentes ou assalariades, nem o trabalho assalariade era conveniente pata os fin da colonizagSo, Dada a disponibilidade de terras, pois uma coisa era2 concessdo de sesmarias, outra sua efetiva ocupacio, no seria ficil manter trabalhadores, assalariados nas grandes propriedades. Eles poderiam tentar a vida de outra forma, criando problemas para ofluxo de mao-de-obra para a empresa mercanti Dando um salto de varlos séculos na tempo, lembremas que, nas primelras décadas do séeulo XX, a disponiblidade de terras no Estado de So Paulo representou uma alternativa para que imigrantes europeus ¢ asiéticos se transformassem de colonos em pequencs proprietérios. (Mas se a introduco do trabalho escravo se explica resumidamente dessa forma, por que se optou preferencialmente pelo negro e no pelo indio? Em primeira lugar, lembremos que hove uma passagem da escravidio do indlo para a do negro, que variou no tempo ¢ n> espago. Essa passagem foi menos demarada no niicleo central e mais rentavel da empresa ‘mercanti, ou seja, na economia agucareira, em condigSes de absorver o prego da compra do escravo negro, bem mais elevado do que o do indio. Custou a ser feta nas regioes periféricas, como € 0 caso de Sdo Paulo, que s6 no inicio do século XVIl, com a descoberta das minas d= cura, passoua receber escravos negras em nimero regular e considersvel. Pagina 27 2.8, AESCRAVIDAO - INDIOS € NEGROS [As rates da opsdo pelo escravo africano foram muitas. £ melhor nao falar em causas, mas em um conjunto de fatores. A escravizagio do indio chocou-se com uma série de inconvenientes, tendo em vista os fins da colonizagio. Os Incompativel com trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsério, coma pretendido pelos europeus. Ndo eram vadies ou preguigasos. Apenas fazlam o necessério para garantir ‘sua subsistencia, o que ndo era dificil em uma época de peixes abundantes, frutas e animals. Muito de sua energia e imaginagao era empregada nos rituais, nas celebrapdes e nas guerras, 'As nogbes de trabalho continuo ou do que hoje chamariamos de produtividade eram totalmente estranhas a eles, jos tinham uma cultura Podemos distinguir duas tentativas bdsicas de sujeigio dos indios por parte dos Portugueses. Uma delas, realizada pelos colonos segundo um frio célculo econdmico, consistiu ra escravieacSo pura e simples. A outra fol tentada pelas ordens religosas, principalmente pelos jesultas, por motives que tinham muito a ver com suas concepedes missionérias. Ela consistiu no esforgo em transformar os reunindo-os em pequenos povoades ou aldeias. Ser "bom cristo" significava também adquirir 10 habitos de trabalho dos europeus, com 0 que se craria um grupo de cultivadores indigenas flexivel as necessidades da Coldnia. ios, através do ensino, em "bons cristdos", ‘As duas politicas nao se equivaliam. AS ordens religiosas tveram o mérito de tentar roteger os indios da escravidio imposta pelos colonos, nascendo dat indmeros atrtos entre colonas e padres. Mas estes no tinham também qualquer respeito pela cultura indigena. Ao contrério, para eles chegava a ser duvidoso que 0s indios fossem pessoas. Padre Manuel da Nébrega, por exemplo, dzia que “indlos s8o cles em se comerem e matarem, e s80 porcos nos vicios e na maneira de se tratarem’ (0s indios resistiram as virias formas de sujei¢do, pela guerra, pela fuga, pela recusa a0 trabalho compulsério. Em termos comparativos, as populagées indigenas tinham melhores condigdes de resistir do que os escravos africanos. Enquanto estes se viam diante de um territrio desconhecido onde eram implantados & forga, os indios se encontravam em sua as. ‘Outro fator importante que colocou em segundo plano a escravizagio dos indios foi a catéstrofe demogrética. Esse é um eufemismo erudito para dizer que as epidemias produzidas pelo contato com os brancos liquidaram milhares de indios, Eles foram vitimas de doengas como sarampo, variola, gripe, para as quals no tinham defesa biolégica. Ouas ondas ‘epidémicas se destacaram por sua violéncla entre 1562 e 1563, matando mais de 60 mil indios, ‘a0 que parece, sem contar as vitimas do sertio. A morte da populagao indigena, que em parte se dedicava a plantar géneros alimenticos, resultou em uma terrivel fome no Nordeste € em perda de bragos. Nao por acaso, a partir da década de 1570 incentivou-se a importagio de africanos, e 2 Coroa comegou a tomar medidas através de vérias leis, para tentar impedir 0 morticinio e a ‘escravizacio desenfreada dos indios, As lels continham ressalvas e eram burladas com faclidade. Eseravizavam-se indios em decorréncia de “guerras justas", Isto é, guerras consideradas defensivas, ou como puni¢do pela prética de antropofagia. Escravizava-se também pelo resgaste, isto é, a compra de indigenas prisioneiros de outras tribos, que Pagina 28 estavam para ser devorados em ritual antropofagico. $6 em 1758 2 Coroa determinou a liberta¢do definitiva dos indigenas. Mas, no essencial, a escravidao indigena fora abandonada ‘muito antes pelas dficuldades apontadas e pela existéncia de uma solucdo alternativa. Como vimos, a0 percorrer a costa africana no século XV, os portugueses haviam comecado 0 tréfico de africanos, facilitado pelo contato com sociedades que, em sua maioria, {4 conheciam © valor mercantil do escravo. Nas ultimas décadas do século XVI, no 6 0 comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade. 0s colonizadores tinham conhecimento das habilidades dos negros, sobretudo por sua rentével utilzagdo na atividade acucareira das iihas do AAtlantico. Multos escravos provinham de culturas em que trabalhos com ferro e a criago de gado eram usuais. Sua capacidade produtiva era assim bem superior & do indigena. © historiador americano Stuart Schwartz calcula que, durante a primeira metade do século XVI, ‘nos anos de apogeu da economia do agticar, o custo de aquisigo de um escravo negro era ‘amortizado entre treze e dezessels meses de trabalho e, mesmo depols de uma forte alta nos pregos de compra de cativos apds 1700, um escravo se pagava em trinta meses. (0s africanos foram trazidos do chamado "continente negro” para o Brasil em um fluxo de intensidade varidvel. Os célculos sobre 0 niimero de pessoas transportadas como escravos variam muito, Estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiras 4 milhdes de cescravos, na sua grande maloria jovens do sexo masculino, ‘A regido de proveniéncia dependeu da organizacao do trafico, das condigdes locals na Africa e, em menor grau, das preferéncias dos senhores brasileiros. No século XVI, a Guiné (Bissau e Cacheu) ¢ a Costa da Mina, ou seja, quatro portos ao longo do litoral do Daomé, forneceram 0 maior nimero de escravos. Do século XVII em diante, as regiées mats ao sul da costa africana - Congo Angola - tornaram-se 0s centros exportadores mais importantes, a partir dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Os angolanas foram trazidos em maior ‘imero no século XVII, correspondendo, ao que parece, a 70% da massa de escravos trazidos para o Brasil naquele século. Costuma-se dividir 05 povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os sudaneses, predominantes na Africa ocidental, Sudao egipcio e na costa norte do Golfo da Guiné, e os bantos, da Africa equatorial e tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola © Mocambique. Essa grande divisdo nao nos deve levar a esquecer que os negros escravizados ro Brasil provinham de muitas tribes ou renos, com suas culturas prépras. Por exemplo: os iorubas, jejes, tapas, hausés, entre os sudaneses; © 0s angolas, bengals, monjols, mogambiques, entre os bantos. (0s grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o fo de Janeiro, cada qual com sua organizag3o prépriae fortemente cancortentes. Os trafantes baianos utlizaram-se de uma valiosa moeda de troca no literal africano, 0 fumo produrido no Recéncavo. Estiveram sempre mais igados & Costa da Mina, & Guiné e 20 Golfo de Benin, neste titimo caso apés meados de 1770, quando o trifico da recebeu sobretudo escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das minas de declinou. 0 fio de Janeiro Pagina 29 ‘curo, 0 avanco da economia agucareira e o grande crescimento urbano da capital, a partir do. Infcto do século X0X. Seria erréneo pensar que, enquanto os indios se opuseram & escravidio, os negros a ‘aceitaram passivamente, Fugas individuais ou em massa, agressdes contra senhores, resistncia cotidiana fizeram parte das relagBes entre senhores e escravos, desde os primeiros ‘tempos. Os quilombes, ou seja, estabelecimentos de negros que escapavam a escravidio pela fuga e recompunham no Brasil formas de organizacio social semelhantes as africanas, ‘existiram as centenas no Brasil colonial. Palmares - uma rede de povoados situada em uma regio que hoje corresponde em parte a0 Estado de Alagoas, com varios milhares de habitantes - foi um desses quilombos e certamente o mais importante. Formado no inicio do século XVII, resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem anos, vindo a sucumbir, em 1695, &s tropas sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho. ‘Admitidas as varias formas de resisténcia, no podemas deixar de reconhecer que, pelo menos até as ultimas décadas do século XIX, os escravos atricanos ou afro-brasileiros no ‘tveram condigdes de desorganizar o trabalho compulsorio. Bem ou mal, viram-se obrigados a se adaptar a ele. Dentre os virios fatores que limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva, lembremos que, a0 contrério dos Indios, os negros eram desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, langados em levas sucessivas em territério estranho. or outro lado, nem a igreja nem a Coroa se opuseram a escravizacio do negro. Ordens religiosas como a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietarios de cativos. Varios argumentos foram utilizados para justificar 2 escravidio africana. Dizia-se que se ‘ratava de uma insituigdo jé existente na Africa e assim apenas transportavam-se cativos para ‘¢ mundo cristo, onde seriam civlizados e salvos pelo conhecimento da verdadeira relighio. ‘Além disso, 0 negro era considerado um ser racialmente inferior. No decorrer do século XIX, ‘worias pretensamente cientifcas reforcaram o preconceito: o tamanho e a forma do crénio dos negros, o peso de seu cérebro etc. "demonstravam* que se estava diante de uma raca de taixa inteligéncia e emocionalmente instavel, destinada biologicamente a sujeicSo. 1 Domingos Jorge eho © Seu Lugactenerte Anténio eran, de Beet Cato (153-877, que asa em ‘SioPauloe ecorou mutes earose ees. Pagina 30 Lembremos também o tratamento dado ao negro na legislagdo. O contraste com os indigenas 6 nesse aspecto evidente. Estes contavam com leis protetoras contra a escravido, embora, como vimos, fossem pouco aplicadas ¢ contivessem muitas ressalvas. O negro ascravizado no tinha direitos, mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e no uma pessoa, Vejamos alguns aspectos da questo demogréfica. Embora os nimeros apurados variem, hd dados sobre a alta taxa de mortalidade dos escravos negros do Brasil, especialmente das triangas e dos recém-chegados, quando comparada, por exemplo, a da populacéo escrava nos Estados Unidos. Observadores de principios do século XIX calculavam que a populacdo escrava declinava a uma taxa entre § ¢ 8% a0 ano. Dados recentes revelam que a expectativa de vida de um escravo do sexo masculino, a0 nascer, em 1872, era de 18,3 anos, enquanto a da populagio como um todo era de 27,4 anos. Por sua vez, um cativo homem nascido nos Estados Unidos em torno de 1850 tinha uma expectativa de vida de 35,5 anos. Apesar desses nimeros gritantes, no se pode dizer que os escravos negros tenham sido atingidos por uma catéstrofe demogréfica téo grande como a que dizimou os indios. ‘Aparentemente, negros provenientes do Congo, do norte de Angola e do Daomé - atual Be ~ eram menos suscetivels ao contégio de doencas como @ varfola. De qualquer forma, mesmo tom a destruigSo fisica prematura dos negros, os senhores de escravos tiveram sempre a possibilidade de renovar 0 suprimento pela importa¢do. A escravidao brasileira se tornou mesmo totalmente dependente dessa fonte. Com raras excecdes, no houve tentativas de se ampliar 0 crescimento da populacao escrava jd instalada no Brasil. A fertilidade das mulheres escravas era bai investimento de risco, tendo-se em conta as altas taxas de mortalidade, decorrentes das préprias condigdes de existéncia. ‘Além disso, criar uma crianga por doze ou catorze anos era considerado um 2.12. ESTADO EIGREIA As duas instituigBes bésicas que, por sua natureza, estavam destinadas a organizar a colonizagdo do Brasil foram o Estado e a Igreja Catdlca. Embora se trate de insttugées, distintas, naqueles tempos uma estava ligada 2 outra. No existia na época, como existe hoje, © conceit de cidadania, de pessoa com direitos e deveres com rela¢30 20 Estado, independentemente da rel ligido do Estado era a catdlica e 0s siditos, isto é, os membros da sociedade, deviam ser catdlcos. {Em principio, uve uma divsio de trabalho entre as duas instiuicdes. Ao Estado coube 0 papel fundamental de garantir 2 soberania portuguesa sobre 2 Colénia, doté-a de uma administra, desenvotver uma poltca de povoamento, resoher problemas bésicos, como 0 ‘ta mBo-de-obra,estabelecer o tipo de relacionamento que deveria exstr entre Metrépole © CColnia Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do Estado por parte dos colonizadores que se instalariam no Brasi, seia pela forga, seja pela aceitardo dessa autoridade, ou por ambas a coisas. Nese sentido, © papel da Igreja se tornava relevante. Como tinha em suas méos a ‘educaco das pessoas, 0 "controle das almas* na vida diaria, era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediéncia e, em especial, a de obediéncia ao poder do Estado. Mas 0 papel da lgreja nao se limitava a isso, Ela estava presente na vide e na morte das pessoas, nos episédios decisives do nascimento, casamento e morte. O ingresso na co-munidade, o enquadramento nos padres de uma vida decente, a partida sem pecado deste "vale de lagrimas" dependiam de atos monopolizados pela Igreja: 0 batismo, 2 crisma, 0 casamento religioso, a confissdo e 2 extremauncio na hora da morte, ¢ enterro em um cemitério designado pela significativa ex~pressio "campo-santo", 'Na histéria do mundo ocidental, as relagdes entre Estado e lgreja variaram muito de paisa pais e no foram uniformes no dmbito de cada pais, 30 longo do tempo. No caso portugues, ‘ocorreu uma subordinacSo da lgreja ao Estado através de um mecanismo conhecido como adroado real. O padroado consistiu em uma ampla concessio da lgreja de Roma ao Estado portugues, em troca da garantia de que @ Coroa promoveria e assegurara os direitos e a organizacio da lgreja em todas as terras descobertas. 0 rei de Portugal ficava com o direito de recolher 0 tributo devido pelos siditos da Igreja conhecido como dizimo, cortespondente a um décimo dos ganhos obtidos em qualquer atividade. Cabia também & Coroa criar dioceses e nomear os bispos. ‘Muitos dos encargos da Coroa resultavam, pelo menos em tese, em maior subordinagao dda Igreja, como ¢ 0 caso da incumbéncia de remunerar o clero e construire zelar pela conservago dos edifcios destinados ao culto. Para supervisionar todas essas tarefas, 0 governo portugues criou uma espécie de departamento religioso do Esado: a Mesa da Consciéncia e Ordens. O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado pelo fato de que a Companhia de Jesus até a época do Marqués de Pombal (1750-1777) teve forte influércia na Corte. Na Col6nia, © controle sofreu outras restrigées, De um lado, era muito dificil enquadrar as atividades do clero secular - aquele que existe fora das ordens religiosas -, disperso pelo territério; de outro, as ordens religiosas conseguiram alcangar maior grau de autonomia. A maior autonomia das ordens dos franciscanos, mercedirios, beneditinos, carmelitas & principalmente jesultas resultou de varias circunstancias. Elas obedeciam a regras préprias de cada instituigdo e tinham uma politica definida com relagZo a questées vitas da colonizagzo, como a indigena. Além disso, na medida em que se tornaram proprietirias de grandes Pagina 35 extensdes de terra e empreendimentos agricolas, as ordens religiosas no dependiam da Corea para sua sobrevivéncia, Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da propria Igreja, quando havia ‘oportunidade, por um caminho individual. Exemplo célebre & o de alguns padres participantes da Inconfidéncia Mineira, que se dedicavam a grandes lavouras, a trabalhos de minerago, 20 trafico de escravos e diamantes. A presenca de padres pode ser constatada praticamente em todos os mo-vimentos de rebelido, a partir de 1789, prolongando-se aps a independéncia do Brasil até meados do século XIX. ‘As razBes dessa presenca esto pouco estudadas. 0 historiador José Murilo de Carvalho, analisando a época imperial, contrastou o procedimento conservador dos magistrados com o ‘comportamento rebelde dos padres. Sugeriu que 2 rebeldia destes tinha origem em sua extragdo social, nas dificuldades de ascensio na carreira, na atuagio mais préxima & populacdo. De qualquer forma, seria engano estender a todo o clero essa caracteristica de rebel visivel mas excepcional. Na atividade do dia-a-dia, silenciosamente e as vezes com pompa, @Igreja tratou de cumprie sua missdo de converter indios e negros, ¢ de ineulear na populagSo a obediéncia aos seus preceitos, assim como aos preceitos do Estado. Pagina 38 2.152. _ UIVRESEESCRAVOS (0 critério discriminatorio se referia essencialmente a pessoas. Mais profundo do que ele ‘era o corte que separava pessoas e néo-pessoas, ou seja, gente lvre e escravas, considerados: juridicamente coisa. A condigio de livre ou de escravo estava muito ligada & etnia e & cor, pois ‘escravos eram, em primeiro lugar, negros, depos, indios e mestigas. Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestios, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos, curibocas ou cabotlos, nascidos da unio entre brance e indio; of cafunos,resultantes do unige entre negro e ind Convém distinguir porém entre escravidao indigena e negra. Do inicio da colonizagdo até {2 extingio formal da escravidio indigena, houve indios cativos e os chamados forros ou ‘administrados. Estes eram indios que, ap6s a captura, tinham sido colocados sob a tutela dos colonizadores. Sua situag30 no era muito diversa dos cativos. Entretanto, se em geral 2 situagio do indio era muito penosa, ndo equivalia do negro. A protecdo das ordens religiosas nas aldeamentos indigenas impds limites & exploragio pura e simples. A prépria Coroa procurou estabelecer uma politica menos discriminatéria. Um alvaré de 1755, por exemplo, ‘chegou mesmo a estimular os casamentos mistos de indios e brancos, considerando tais unides sem “infémia alguma". 0 mesmo alvar ia uma preferéncia em "empregos © honras" para os descendentes dessas unides e proibia que eles fossem chamados de “caboclos" ou outros nomes semelhantes que pudessem ser "injuriasos". Tratamento muito diferente recebiam as uniées de indio com negro. Por exemplo, 0 vice-rei do Brasil mandou dar baaixa do posta de capito-mor a um india, porque "se mostrara de tio baixos sentimentas que ‘cas0u com uma preta, manchando seu sangue com esta alianga € tornando-se assim indigno de exercer o referido posto" A significativa presenca de africanos e afro-brasileiros na sociedade brasileira pode ser constatada pelos indicadores de populagio no fim do periodo colonial. Negros e mulatos representavam cerca de 75% da populacio de Minas Gerais, 68% de Pernambuco, 79% da Bahia e€ 64% do Rio de Janeiro. Apenas So Paulo tinha uma populaglo majoritar banca (56%). Cativos trabalhavam nos campos, nos engenhos, nas minas, na casa-grande. mente Realizavam nas cidades tarefas penosas, no transporte de cargas, de pessoas, de dejetos malcheirosos ou na industria da construgSo. Foram também artesdos, quitandeiros, vendedores de rua, meninos de recado etc. As relagbes escravistas nfo se resumiram a um vinculo direto entre senhor e escravo, sem ‘envalver outras pessoas. Houve cativos alugados para a prestacio de servicos a terceiros e, nos centros urbanos, existiram os “escravos de ganho" - uma figura comum no Rio de Janeiro dos primeiras decénios do século XIX. Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu "ganho", prestando servicos ou vendendo mercadorias cobravam deles, em troca, uma ‘quantia fica paga por dia ou por semana. Escravos de ganho foram utilizadas em pequena ‘em larga escala, de um Unico cativo até trinta ou quarenta. Se a maioria deles exercia sua atividade nas ruas, caindo inclusive na prostituiglo e na mendicdncia, com 0 assentimento de seus senhores, existiram também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em loa, ‘ou operatios. 2.15.3, ESCRAVOS E ESCRAVOS. Mas entre os escravos evista distingSes. Algumas se referiam 20 trabalho exercido, pois havia diferencas entre servir na casagrande ou trabalhar no campo, ser eseravo na grande propriedade ou "escravo de ganho" nas cidades. Outras distingdes referiam-se & nacionalidade, ao tempo de permanéncia no pais ou 4 cor da pele. "Boral" era o cativo recém- chegado da Arica, ignorante da lingua e dos costumes; "ladino", o que ja estavarelativamente “adaptado", falando e entendendo portugués; “crioulo” era o nascido no Brasil. Uma coisa era © preto retinto, em um extremo, eo mulat caro, em outro. Em geral,mulats ecrioulos eram Pagina 40 preferidos para as tarefas domésticas, artesanais ¢ de superviséo, cabendo aos escuros, sobretudo aos africanos, os trabalhos mais pesados. 2.15.4 LIVRES € LIBERTOS ‘Além das distingbes no &mbito da massa escrava, devernos considerar que houve no Brasil colonial um grande nimero de afrcanos ou afro-brasleros livres ou libertos. Dados referentes ‘20 fim do periodo indica que cerca de 42% da populagio negra ou mulata eram consttuidas por essa categoria, Sua condigBo era ambigua. Considerados formalmente livres, voltavam na pratica a ser escravizados de forma arbitréri, No podiam pertencer 2o Senado da Cémara ou «8 prestigisas irmandades leigas, como a Ordem Terceira de Sdo Francisco. Mesmo a liberdade de um ex-escravo podia ser revogada, por atitudes de desrespeito para com seu antigo senhor. ‘A escravidéo foi uma instituig5o nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seu modo de agir e de pensar. 0 desejo de ser dono de escravos, o esforgo por obté-los ia da classe dominante 30 modesto arteséo branco das cidades. Houve senhores de engenho € proprietérios de minas com centenas de escravos, pequenos lavradores com dois ou tr ares domésticos, nas cidades, com apenas um escravo. O preconceito contra o negro ultrapassou 0 fim da escravidlo @ chegou modificado a nossos di. Até pelo menos a introdugdo em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, 0 trabalho manual foi socialmente desprezado como "coisa de negro". 2.22. ACRISE DO ANTIGO REGIME ‘As tiltimas décadas do século XVIII se caracterizaram por uma série de transformacdes no ‘mundo ocidenta, tanto no plano das idéias como no plano dos fats. O Antigo Regime, ou seja, 0 conjunto de monarquias absolutas imperantes na Europa desde o inicio do século XVI, a que estavam ligadas determinadas concepgtes e praticas, entrou em crise. 2.22.1 0 PENSAMENTO ILUSTRADO € 0 LIBERALISMO ‘As novas idéias vinham sendo gestadas desde 0 inicio do século ou mesmo antes © ficaram conhecidas pela expresséo "pensamento ilustrado”. Os pensadores iustrados, homens como Montesquieu, Voltaire, Diderot, Rousseau, apesar de divergirem muito entre si, tinham como ponto comum 0 principio da ravdo. Segundo eles, pela razdo atingem-se os conhecimentos iteis ao homem e através dela podemos chegar 8s leis naturals que regem 2 sociedade. A missio dos governantes consiste em procurar a realizaglo do bem-estar dos ‘povos, pelo respeito as leis naturais e aos direitos natura de que os homens so portadore. (O nio-cumprimento desses deveres bisicos dé aos governados 0 ‘As concepcSes ilustradas deram origem no campo sociopolitice ao pensamento liberal, ‘em seus diferentes matizes, Um fundo comum &s vérias correntes do liberalsmo se encontra na nogéo de que a histéria humana tende a0 progresso, ao aperfeigoamento do individuo e da sociedade, a partir de critérios propostos pela razio. A felicdade - uma idéia nova no século XVill- constitu o objetivo supremo de cada individuo, e a malor felicidade do maior nimero de pessoas ¢ o verdadeiro designio da sociedade. Esse ideal deve ser alcancado através da liberdade individual, criando-se condigdes para o amplo desenvolvimento das aptidées do Individuo e para sua partcipagdo na vida politica, No plano econémico, em sua verso extremada, o liberalsmo sustenta 0 ponto de vista de que o Estado nao deve interferirnainciativa individual, imitando-se a garantra seguranga a educaco dos cidados. A concorréncia e as aptiddes pessoais se encarregariam de harmonizar, como uma mao invsivel, a vida em sociedade. No plano politico, a doutrina liberal defende o direito de representacio dos individuos, sustentando que neles, e no no poder dos res, se encontra a soberania. Esta é entendida como o direito de organizar a nacdo a partir de uma lei bésica - a Consttuigdo. 0 alcance da representacdo tracou uma linha diviséria entre liberalismo e democracia a0 longo do século XIK As correntes democraticas detendiam o sufrigio universal, ou seja, 0 direito de repre-sentagio conferido a todos os cidadios de um pals, Independentemente de condicso social, exo, cor ou relgiio, ou mesmo a democracia diteta, ito é,o diteto de partcipar da vida politica sem conferir mandato a alguém. Os liberais trataram em regra de restringir 2 representacdo, segundo critérios sobretudo econémicos: para eles, s6 05 proprietérios, com tum certo nivel de renda, poderiam votar ou ser votados, pois as demais pessoas faltava independéncia para o exerccio desses direitos. ‘Na Europa ocidental, 0 liberaismo deu base ideoléylca aos movimentos pela queda do Antigo Regime, caracterizado por privilégios corporativos e pela monarquia absoluta, Nas coldnias americana, ustfcou as tentaivas de reforma eo "direito dos povos &insurreigdo". Jmportante observar que na obra que se tornou a biblia do liberalismo econémico - Riqueza das Nagdes, esrita por Adam Smith em 1776 -hé uma critica ao sistema colonial, acusado de distorcer os fatores de produgo e o desenvohiimento do comércio como promotor da riquera A escravidio parece a Adam Smith uma instituigio anacrOnica, incapaz de competir com a mo-de-obra livre. Pagina 2.23. ACRISE DO SISTEMA COLONIAL Alguns fatos significativos balisaram as transformagdes do mundo ocidental, a partir de ‘meados do século XVI. Em 1776, as colénias inglesas da América do Norte proclamaram sua independéncia. A partir de 1789, a Revolucdo Francesa ps fim ao Antigo Regime na Franca, 0 ‘que repercutiu em toda a Europa, inclusive pela forga das armas. ‘Ao mesmo tempo, ocorria na Inglaterra uma revoluczo silenciosa, sem data precisa, tio ‘ou mais importante do que as mencionadas, que ficou conhecida como Revoluc8o Industrial. A uitilizagéo de novas fontes de energia, a invencdo de méquinas, principalmente para a indistria ‘téxti, 0 desenvolvimento agricola, o controle do comércio internacional s3o fatores que iriam ‘ransformar a Inglaterra na maior poténcia mundial da época. Na busca pela ampliacio dos ‘mercados, 0s ingleses impem a0 mundo 0 livre comércio e © abandono dos princfpios mercantilstas, 20 mesmo tempo que tratam de proteger seu préprio mercado ¢ o de suas ccolénias com tarfas protecionistas. Em suas relacées com a América espanhola e portuguesa, ‘abrem brechas cada ver maiores no sistema colonial, por meio de acordos comercais, ‘contrabando e alianga com os comerciantes locais. (0 mundo colonial é afetado também por outro fator importante: a tendéncia a imitar ou ‘a extinguir a escravidao, manifestada pelas malores poténcias da época, ou sea a Inglaterra e ‘a Franca. € comum ligarse essa tendéncia 20 interesse britanico em ampliar mercados ‘consumidores, a partir da vantagem obtida sobre os concorrentes com a RevolugSo Industrial. Entretanto, essa afirmago contém apenas uma parte da verdade. A ofensiva antiescravista decorre também dos novos movimentos nascidos nos paises mais avancados da Europa, sob 2 influéncia do pensamento ilustrado © mesmo religioso, como é 0 caso da Inglaterra, Acrescente-se a isso, no caso francés, a insurreigio de negros libertos e escravos nas Anti. Em fevereiro de 1794, a Franca revolucionaria deeretou o fim da escravidao em suas colénias; 4 Inglaterra fatia © mesmo em 1807. Lembremos, porém, quanto & Franga, que Napoledo revogou a medida em 1802. Essas_iniciativas contrastaram com as tomadas pelos colonos americanos apés a independéncia dos Estados Unidos em 1776. Apesar do caréter liberal e anticolonialista da revolugio, os interesses dos grandes proprietérios rurais predominou: a escravidio sé foi ‘extinta em alguns Estados do norte, onde os catives tinham pouca significagso ecanémica. Podemos sintetizar todo 0 processo acima descrito como uma etapa dc formac3o do ‘capitalism industrial que se relaciona com a ascensio da burguesia 20 poder. € preciso, porém, tomar cudado com uma asociago simplita entre esses dos elementos. 0 fim da aristocracia © a consoliagio da burguesia como cass dirigente fol um processo complexo, ‘vardvel de pas pais, tecido por aiangas de cassee pelo papel do Estado. Pagina 67 2.24, 05 MOVIMENTOS DE REBELDIA ‘Ao mesmo tempo que a Coroa lusa mantinha uma politica de reforma do absolutismo, surgiram na Colénia virias conspiragées contra Portugal e tentativas de independéncia, Elas tinham a ver com as novas Idélas e 0s fatos ocorridos na esfera internacional, mas refletiam ‘também a realidade local. Podemos mesmo dizer que foram movimentos de revolta regional e nie revolugdes nacionais. Esse foi o trago comum de episédios diversos como a Inconfidéncia ‘Mineira (1789), 3 Conjuragio dos Alfaiates (1798) ea RevolucSo de 1817 em Pernambuco. Discute-se muito sobre © momento em que grupos da sociedade colonial nascidos na Colénia, e mesmo alguns portugueses nela residentes, comecaram a pensar 0 Brasil como uma Unidade diversa de Portugal. Por outras palavras, em que momento teria surgidoa consciéncia, de ser brasileira? [Nao hé resposta rigida para uma pergunta dessa natureza. A consciéncia racional foi se definindo na medida em que setores da sociedade da Colénia passaram a ter interesses distintas da Metrépole, ou a identificar nela a fonte de seus problemas. Longe de onstituir um ‘grupo homogéneo, esses setores abranglam desde grandes proprietérios rurais, de um lado, até artesios ou soldados mal pagos, de outro, passando pelos bacharéis e letrades. ‘Também nio tinham em comum exatamente a mesma ideologia. As “idéias francesas" ou © iberalismo da revolugo americana eram suas fontes inspiradoras. Mas os setores dominantes tratavam de limité-as, sendo, por exemplo, muito prudentes no tocante 30 tema da aboligio da escravatura, que viia ferir seus interesses. Pelo contrério, para as camadas ddominadas a idéia de independéncia vinha acompanhada de propésitos iguaitarios de reforma social, ‘A Guerra dos Mascates em Pernambuco (1710), as rebelides que ocorreram na regao de 5 Gerais a partir da revolta de Filipe dos Santos em 1720 principalmente as conspiragBes, ® revolugdes ocorridas nos titimas decBnios do século XVI enos dois primeiros do século XIK so freqientemente apontadas como exemplos afirmativos da consciéncia nacional. Se é possivel dizer que eles indicam essa deco, devemos lembrar que até a independéncia, ¢ mesmo depois, a consciéncia nacional passa pela regional Os rebeldes do periodo se afirmam ‘tomo mineiros, baianos, pernambucanos e, em alguns casos, como pobres, tanto ou mais do ‘que como brasileiro, ‘Vamos examinar agora os dois movimentas de rebeldia mais expressivos nos fins do século XVI, dexando para logo aciante a Revolucdo Pernambucana de 1817, que ecodiujé no sontexto da presenca da familia rel no Brasil Pégina 70

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