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A RELAGCAO ENTRE CONTEUDO E METODOLOGIA NO ENSINO DE HISTORIA: APONTAMENTOS PARA REPENSAR A FORMACAO DE PROFESSORES, BACHAREIS OU PROFISSIONAIS DA HISTORIA® Marlene Cainelli™” "Quanto menos se é ensinado mais se _aprende, pois ser ensinado é receber informagées e aprender é procurd-las" (Cousinet) O ensino de histéria vem sendo, recentemente, alvo do interesse da comunidade académica, nado apenas, por parte dos docentes envolvidos com a disciplina de Metodologia e Pratica de Ensino em Histéria, mas também de outros docentes, nao ligados diretamente a questées do ensino. Tal interesse com a historia ensinada, vale ressaltar, foi forjado pelas medidas governamentais que atropelaram o cotidiano das universidades, impondo debates discusses. No entanto, pode-se argumentar que apesar de nao espontaneo, é um interesse legitimo. Uso o termo atropelaram, pois 0 distanciamento do universo académico do ensino fundamental e¢ o preconceito enraizado nos cursos superiores de licenciatura com relagdo as disciplinas pedagdgicas impedia que os colegas professores universitarios, discutissem questdes pedagdgicas como: os Parametros Curriculares Nacionais, ligados ao ensino fundamental, as mudangas nos estagios, os parametros do ensino médio, entre outras questdes, apenas quando "caiu" sobre os departamentos 0 documento das diretrizes curriculares (elaborado pelo Ministério da Educagao) para os cursos superiores € que nas reunides departamentais ganharam espago algumas discussées pedagdgicas. Neste momento mobilizaram-se Anpuh e¢ os departamentos de historia das universidades em defesa da autonomia dos cursos universitarios, promovendo reunides e debates com os docentes, * Texto apresentado na mesa-redonda “Relaco Contewdo ¢ Metodologia de Ensino de Historia”, da qual participaram a Profa. Dra. Rosa Godoy (UFPB) e a Profa. Dra. Ivone Cordeiro (UFC). ** Professora de Metodologia e Pratica de Ensino do Departamento de Historia - Universidade Estadual de Londrina - Doutoranda em Historia - Universidade Federal do Paran - Coordenadora do Laboratorio de Ensino de 1996 a 2000. Saeculum —Revista de Hist6ria - N°. 6/7 - Jan. /Dez./2000/2001 1 tendo como tema a definigdo de diretrizes curriculares para formagao de seus profissionais. Criaram-se ent&o comissées de discusstio em algumas universidades, discutindo-se quais seriam as diretrizes para os cursos de histéria , 0 que resultou no documento das Diretrizes Curriculares para os cursos de Histéria, aprovado pela Anpuh em 1998 c em 2001 aprovado pelo Conselho Nacional de Educagao. Fago este paréntese para iniciar a discussio da mesa. que tem por tema a relag%io contetido ¢ metodologia no ensino de historia, Relembro aqui outras falas minhas em outros congressos ¢ penso que vou me repetir novamente , que mais uma vez falo sobre a dicotomia existente nos cursos de Histdria, entre as disciplinas pedagégicas e a disciplinas especificas'*. Uma discussiio que parece sempre se repetir nos congressos e nas reformulagées curriculares. Comego entio a refletir sobre esse impasse Com certeza a abordagem da relagio entre contetido e metodologia de ensino de historia, remonta de varios tempos, varios espacos. Uma discussio nunca resolvida nos cursos de historia, balizados até hoje pela formagao hibrida do historiador e do professor de histéria, uma formacéo que mais que curricular, faz parte da cultura universitaria e do pensamento do professor universitario. Esta relagao conflituosa no se resolve nas mudangas curriculares, nas infinitas discussdes que abordam o problema, onde participam na maioria das vezes apenas os professores envolvidos com o ensino. A chave para a solugao deste conflito nao esté apenas no curriculo, mas também no docente universitério, naquele que encarregado da formagao deste profissional, o historiador e o professor de histéria, cria a dicotomia, faz a hicrarquia, abre o distanciamento entre o bacharel ¢ o licenciado entre a pesquisa e o ensino. Sei que a provocagao é grande, mas no entanto, é necessdria para o vislumbramento desta questo que parece insoliivel: a dicotomia contetdo/metodologia ¢ conseqiientemente a dicotomia professor/pesquisador. Acredito que a pergunta inicial dessa mesa deveria ser: Qual curso € este em que impera esta relagdo conflituosa? Como nds " Sobre esta tematica ver: CAINELLI, Marlene Rosa. “O lugar da Pritica de Ensino na formagao do professor de Historia”. In SHIMIDT, Maria Auxiliadora ¢ CAINELLI, Marlene Rosa (orgs) III Encontro Perspectivas do Ensino de Historia, Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, pp.143-149; CAINELLI, MARLENE ROSA. “Diretrizes Curriculares”, e “Formacao dos Profissionais da Histéria”, In Histérla: Fronteiras. USP/ANPUH, 1999, pp. 225-235. Os dois artigos sio também originarios de mesas redondas. 72, Saeculium —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan./Dez. 2000/2001 professores universitérios pensamos esta relago? Qual aptid’o temos nds para discutirmos estas questdes? Qual o conhecimento que temos sobre a profissio de ensinar a ser professor? Entendemos que ser professor é uma profiss4o que se aprende? Ou acreditamos que basta Ter contetido? Ou basta Ter talento? Ou é apenas preciso Ter vocagao? Sempre vista e sentida como atividade menor dentro da universidade a formagao de professores, vive em eterno conflito de significagao , entre as faculdades de educacao ¢ os cursos de formagao especificas, um conflito que vem gerando ha anos inseguranga nos alunos de graduagao e que por muitas vezes impede uma formagao satisfatoria, seja ela qual for: Bacharel ou professor. Afinal, a pergunta que sempre fica é aquela muitas vezes repetida - o que forma o bom professor, contetido especifico ou conteiido pedagdgico? Varias pesquisas foram feitas e esto sendo realizadas sobre 0 assunto. A quantidade de trabalhos sobre o tema, assusta qualquer pesquisador, desde a Europa, América do Norte, América do Sul, ai incluindo o Brasil, a formag&o profissional inicial do professor vem sendo discutida. De varios angulos e tendéncias, desde o curriculo, até a profissionalizagdo da fungao de ensinar, os artigos e estudos se multiplicam. Aqui antes de generalizar a discussao ,pois ¢ ampla e nao se adequaria a esta mesa, pretendo centralizar esta fala nos estudos sobre a formagao do profissional, professor , ¢ na impossibilidade que vejo a partir das diretrizes curriculares de hist6ria, de formar um profissional livre da dicotomia professor/pesquisador, pois apesar de reformulada e atual, as diretrizes continuam pensando o profissional que atua na area , de forma estanque e compartimentada, apesar de sugerir ao contrario. A discussfio fomentada pelos que afirmam que a dicotomia na formagao do profissional da historia Tem como responsavel a separagéo entre as faculdades de educagiio e as de histéria, nao encontram respaldo na experiéncia da Universidade Estadual de Londrina, onde as metodologias de ensino ¢ o estagio supervisionado estio no departamento de histéria. Ent&éo desloco-me para o que acredito ser o verdadeiro /ocus do conflito, a formagio e qualificagao dos profissionais que atuam nas universidades, a estrutura dos departamentos, a valorizacio da pesquisa e da pds-graduagao em detrimento do ensino. . Saeculum —Revista de Historia - N’. 6/7 - Jan. (Dez./2000/2001 73 O argumento que defendo tem como base minha experiéncia no curso de Historia, da Universidade Estadual de Londrina onde somos sete(7) professores de metodologia do ensino de histéria, constituindo-se em uma da maiores areas do departamento. Apesar da maioria dos professores nfo terem formagio em educagdo, mas sim em historia, como mestrado e doutorado, a area € muitas vezes referida em reunides como o pessoal da educagio. Aqui nao ha ingenuidade e percebo que os professores nfo abrem mio da relagao entre poder e discurso, edificando a estratégia do monopélio privado do saber, admitindo como afirma Shaffel, baseada nas reflexdes de Michel Focault que os profissionais se fortalecem, na medida emi que o dominio de um conhecimento especifico Ihes confere a autoridade de formulagiio do discurso sobre esse conhecimento."” As diretrizes curriculares de historia sao espelho desse pensamento. O curso de Historia da Universidade de Londrina funciona em dois perfodos diurno licenciatura) noturno (licenciatura ¢ bacharelado). O curriculo de ambos ¢ idéntico. Apenas no noturno ha a possibilidade da opgao em nao se fazer a licenciatura e sim o bacharelado, como primeira opgdo, o que ocorreu apenas uma vez, com um tinico aluno, desde a existéncia do Bacharelado. Formar para que? Para o mercado ou para cidadania? Estas so as primeiras perguntas que surgem nas discussdes de reformulagao dos curriculos. Qual seria o repertério” de conhecimentos necessdrios a formagao do profissional de historia? E o repertorio de conhecimentos do professor de histéria? Haveria diferencas entre formar um bacharel e um professor? Seriam formacdes distintas? Seriam complementares? Em muitas discusses realizadas em meu departamento, visando a reformulagéio curricular, alguns professores disseram que nao formam profissionais e sim "Homens Livres", que este € 0 tinico compromisso que assumem. E uma questi instigante. porque remete ao nosso trabalho, como professorcs, nas universidades, qual o nosso papel? Qual o perfil de profissional, que Shaffel, 2000, p. 111 * Teno emprestado de Gauthier. Cf. GAUTHIER, C. et al. Por uma teorin da Pedagogia, Pesquisas contemporineas sobre o saber docente. Grupo Interuniversitario de Pesquisa sobre os saberes e a Escola . (versdo preliminar), 1996. 74 Saeculum —Revista de Hist6ria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 escolhemos para trabalhar em nossas universidades, e qual 0 perfil do profissional que pretendemos formar? E impossivel mediar uma discussio que envolva os contetdos das disciplinas dos cursos de histéria e as metodologias de ensino, sem a clara interpretagdo do que se coloca como espinha dorsal do curso. No meu entendimento , se nao tivermos claro 0 que é curriculo, qual o conceito que fundamenta as discussées sobre o tema, é impossivel iniciar-se qualquer modificagGo e tudo n&o passara de retorica. Em determinado momento no texto das diretrizes curriculares de histéria aparece mencionado que é condig&o fundamental para o desenvolvimento da proposta ali formulada a articulagao entre ensino, pesquisa e extensdo. Como pensar nesta articulagao dentro de uma estrutura universitaria que pensa os departamentos, como categorias isoladas dentro de um organograma engessado pela burocracia, com professores que nao admitem discutir seus programas de curso, clamando pelo direito a catedra? Reunindo-se apenas para discussées administrativas e nunca académicas? Discutindo as reformas curriculares apenas do ponto de vista da carga horéria de cada disciplina? Tanto na proposi¢éo de competéncias e habilidades ou na definigfio dos contetidos as diretrizes curriculares continuaram, por manter o isolamento das habilitagdes dos cursos de historia, uma formagao para pesquisa € outra instrumental, para a licenciatura. O que estou afirmando é que as diretrizes dos cursos de historia, optaram manter a dicotomia ensino/pesquisa/extensao claramente defendendo a idéia de que primeiro forma pesquisadores/historiadores e depois fornece a instrumentagdo que levaré a alguma _profisséo complementar, professor do ensino fundamental e médio, gerenciador de patriménio entre outras, que tenham como base de formacéo 0 conhecimento especifico da histdria. Importante para a discussio da relagao contetido, metodologia no ensino de histéria é desvendar os nds dessa impossibilidade de formagao integrada, nfo podemos ignorar que as relacdes estabelecidas entre as disciplinas depende fundamentalmente da proposta curricular, dos objetivos que pretende o curso e seus professores. Acredito que as pesquisas que hoje esto sendo sendo desenvolvidas na area de formagao de professores precisam ser incorporadas nas discuss6es de professores universitarios de histéria Saeculuim —Revista de Historia - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 15 que formam professores nos cursos especificos, é impossivel ficar alheio a estas discussGes ou deixd-las a cargo das faculdades de educagdo, porque como afirma Vera Candau A competéncia bdsica de todo e qualquer professor 6 0 dominio do conterido especifico. Somente a partir deste ponto é posstvel consiruir a competéncia pedagogica Esta afirmagéo néo implica a existéncia de uma relagdo temporal de sucessdo, @ sim uma articulacdo epistemoldgica. E a partir do contetido especifico, em intima articulagdo com ele, que 0 tratamento pedagégico deve ser trabathado.?! © que proponho é uma articulagao entre 0 saber especifico € 0 pedagégico, tendo em vista a multidisciplinaridade da formagio de professor. O que precisa ser definido ¢ a natureza do conhecimento especifico, a natureza do conhecimento pedagdgico e as formas de articulagao, entre ambos. Nao estou aqui reduzindo uma atividade como ensinar, tio complexa, na dimensao tinica do saber especifico, ou pedagégico. estou sim, reconhecendo que a formagao inicial dos professores precisa ser revista ¢ que varios saberes se relacionam na arte de saber ensinar, o saber disciplinar, o saber curricular, os saberes das ciéncias da educag&o, o saber da tradigao pedagdgica, o saber experencial, o saber da ago pedagégica, enfim, os saberes formais que se exigem da profissio de professor sio muitos, e estdo nos momentos restritos as discussdes entre o saber dos contetidos especificos e o saber pedagdégico. (Gauthier(1998) Tardiff(1999) Guarnieri(1997) Entre os autores que defendem a complexidade da atividade do ser professor e por isto a necessidade do entendimento dos varios saberes como base para formacao inicial dos professores, acredito instigante a questio do saber experencial, Como formalizar em contetidos os saberes experenciais. visto que a formalizagao destes conhecimentos ¢ essencial para legitimé-los? Os autores que defendem a formalizacio do saber da experiéneia advogam que seria uma forma de aproximagao da formagao académica com a realidade escolar, estreitando os vinculos na relagdo teoria/pratica. Levar em consideragio o saber advindo da prdética o que Tardif chama de " Apud LELIS, Isabel Alice. “Do ensino de conteiidos aos saberes do professor: mudanga de idioma pedagdgico?” IN Educagao e Sociedade, ano XXII, n°74 Abril/2001 p51 16 Saeculum —Revista de Histéria — N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 "saberes pragmdticos, que seriam os saberes construidos em contato com as coisas em Si, isto, é, situagdes concretas do oficio de professor", transformaria as aulas, nos cursos universitarios de palestras, semindrios, discuss6es de textos, em espagos de troca de saberes entre professor e aluno, através da pesquisa, mudando o sentido conteiidista das aulas, para um sentido de aprender a fazer, seja pesquisa, seja ensinar. Juntando-se a essa defesa talvez esteja 0 viajante emblemdtico de Benjamin “fornando-se sdbio pela incorporagdo de vivéncias de muitas vidas e pela ciéncia de muitas experiéncias””? Para especificamente falar da relagio contetido/metodologia no ensino de histéria vou utilizar como exemplo as mudangas curriculares propostas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ja aprovadas e a proposta curricular da comissio de reformulagao curricular do curso de histéria da Universidade de Londrina. O curriculo versio 2001 da UFMG, tem a caracteristica fundamental de mudar para 0 mesmo. o curticulo permanece _inalterado em varios aspectos, na estrutura disciplinar, na relagao -entre as disciplinas pedagdégicas e de contetidos, no modelo kacharelado/licenciatura e principalmente continua privilegiando o bacharelado como /ocus da pesquisa, com carga hordria maior, maiores possibilidades de flexibilizag¢ao horizontal e opgdes de disciplinas metodolégicas ligadas a pesquisa. Apesar das inovacées historiograficas no campo da pesquisa historica terem “implodido ha muito tempo a idéia de uma temporalidade linear, homogénea e tinica - e a queda das utopias revoluciondrias, neste final de século, tenha feito estremecer a idéia do tempo inexoravelmente caminhando em direcdo ao progresso"™', a grade curricular do curso da UFMG tem como sua primeira disciplina historia Antiga e Introdugao aos Estudos Histéricos, no 1° periodo, para ambas as habilitagdes ¢ Histéria da Arte, sendo uma disciplina optativa ou do nucleo complementar - enfatizando aqui que as disciplinas do nticleo complementar compreendem disciplinas ® TARDIF, M., LESSARD, C ¢ LAHAYE, L. “Os professores face a0 saber. Esboco de uma problematica do saber docente”. IN Teoria e Educagao n°4 Porto Alegre: Pannénica , 1991 * BENJAMIN, Walter. Sobre 0 conceito de Historia, In Magia e Técnica, Arte e Politica: Obras escolhidas, Séo Paulo, Brasiliense, 1985, p.223. 4 SOUZA, Maria Cecilia Cortez. “Sob o siléncio da escola: a meméria”. Revista Brasileira de Histéria, Sao Paulo, ANPUH/ Editora Unijui, vol.17, n°33, 1997, p.283. Saeculum —Revista de Historia — N’. 6/7 - Jai. /Dez./2000/2001 17 indicadas por um professor orientador a ser escolhido no 4° periodo do curso, para os alunos do bacharelado. pois o aluno da licenciatura nao possui a figura do orientador e a definigao das disciplinas fica a cargo "do colegiado" do curso ou de professores do Departamento de Historia escolhidos pelo proprio aluno". Seguindo a reflexio evolutiva no segundo periodo Historia medieval, no tercciro periodo Moderna. 4° periodo Contemporinea e a classica divisio: bacharelado: Iniciagao a Pesquisa Histérica, Licenciatura: Pratica de Ensino de Histor Quais as implicagdes destas mudangas? Antes, no entanto, perguntaria: Quais mudangas? As mudangas aparentes no curriculo da UFMG, esto nas ementas da Pritica de Ensino de Historia, que perdeu na_perspectiva da UFMG, 0 status de metodologia , siio wés disciplinas de 60 horas - com a seguinte ementa: Andlise e exame de priticas tradicionais e alternativas e produgéio de material didético- pedagégico - a partir de recursos virtuais - sobre 0 ensino da historia das Américas Pré e pés independéncia para o nivel fundamental e médio-* As trés disciplinas tem a mesma vertente, mudando apenas os contetidos do material didatico a ser produzido (virtualmente) Pratica Il, Sociedades pré ¢ pos industrial. Pratica III as especificidades da histéria brasileira no contexto das Américas e do mundo modermo ¢ contemporaneo. Saliento aqui, que nao se trata por exemplo de reivindicar uma metodologia especifica para determinado tema ou contetido, 0 que ja seria na minha opinido, bastante discutivel . mas apenas produzir materiais didaticos - pedagégicos virtuais. Estes exemplos que destituem completamente a disciplina de Metodologia de Ensino de scus contetidos especificos, reforgam € reiteram as discussées sobre as diferengas entre as disciplinas de contetido e as disciplinas metodolégicas . Pensar a pratica apenas como instrumental € destitui-la de sentido, nao reconhecendo a dimensao do conhecimento do saber fazer . da reflexdo sobre a pratica E ignorar a relagdo entre teoria e pratica, num ir e vir entre pratica- teoria- pratica.’® * Grade Curricular, Curso de Historia - UFMG. * PERRENOUD, PHILIPPE, PAQUAY, LEOPOLD, ALTET, MARGUERITE E CHARLIER, VELYNE (orgs) Formando professores profissionais. Quais estratégias? Quais competéncins? Porto Alegre: Artmed, 2001, p.25. 18 Saeculum —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 As diferengas de tratamento institucional entre o aluno que opta pelo bacharelado, em detrimento do aluno que faz opgao pela licenciatura, no curriculo da UFMG, sao reforgadas nas informagées finais do curriculo. © aluno que optar pela licenciatura podera retornar & Universidade para fazer bacharelado na modalidade Continuidade de Estudos. Entretanto, essa volta ao curso estara condicionada a uma pré selecio onde o interessado dever4 apresentar seu curriculum vitae, um projeto de pesquisa e indicar o nome de um professor orientador do Departamento de Histéria para ser seu orientador, mediante carta de aceite do referido professor. Caberd ao colegiado a decisio de aceit4-lo ou nico. Uma vez aceito, devera cumprir a carga hordria de disciplinas obrigatérias do bacharelado, bem como a do niicleo de formacéo complementar. Além de completar os créditos de optativas, que no bacharelado é superior licenciatura" Ja no caso do aluno que faca a primeira op¢aio pelo bacharelado, terd que cursar as disciplinas obrigatérias na FAFICH e na FAE.” (grifos meus) As dificuldades que se imp6e a continuidade dos estudos pode Ter uma justificativa, que nfo aparece claramente no curriculo. Seria esta justificativa procedente, visto que ambos formaram-se no mesmo curso? No caso da Universidade Estadual de Londrina ha uma clara intengo de mudanga na proposta que estd sendo discutida pela comisséo de reformulagdo. O curso teria 3200 horas computados as 300 horas de est4gio que seriam realizadas fora do horario do curso. Seriam distribuidos ao longo do curso varias disciplinas ligadas ao ensino de historia, como Historiografia do Ensino de Histéria, Fontes para o ensino e a Pesquisa em Histéria e varias Metodologias ¢ Praticas de Ensino de Hist6ria. O curriculo perderia sua caracteristica linear, cronolégica do mundo antigo ao contemporaneo, ganhando contornos de discussées historiograficas sobre tematicas relacionadas Curriculo da UFMG. Saeculum —Revista de Histéria ~ N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 79 ao conhecimento histérico, Ainda seria incorporada como disciplina uma atividade que hoje é desenvolvida na disciplina de Metodologia ¢ Pratica de Ensino em Histéria, chamados de Projetos de Ensino. A proposta inclusive é criar-se varios espagos de ensino- aprendizagem, que chamaram na proposta de Laboratérios- seriam: Centro de Documentagao, Niicleo de Estudos do Meio ambiente, Niicleo de Ensino de Histéria, que seriam espagos institucionais de realizagao de atividades. No entanto, ¢ uma proposta que dificilmente ganhard adeptos, seja pela falta de discuss&o institucional sobre a formacao dos profissionais que esto sob nossa responsabilidade, seja pela dificuldade de abrir-se m&o das disciplinas que h4 anos sao de dominio de determinado professor. Outro problema que vejo na proposta a ser apresentada, é a confusdo gerada nas discussdes sobre © curriculo, Em primeiro Ingar porque nao ha uma proposta de formagao profissional , nao sabemos qual a identidade deste professor, entdo nao conseguimos definir quais disciplinas sao necessdrias a esta formag4o, que determinaria o perfil do profissional que queremos ao apresentar este curriculo. Esta falta de discussdes sobre o perfil do profissional que somos e 0 profissional que pretendemos formar, gera distorgdes curriculares, como por exemplo a proposigao de disciplinas como Inglés Instrumental I ¢ II, Produgao de Texto, Psicologia da Educacao e Histéria, sem que se estabeleca alguma especificidade para a incluso dessas disciplinas com o conhecimento histérico. O que predomina entfio é uma grande colcha de retalhos sem que se consiga definir um contetido significativo necessdrio para o profissional a ser formado. Salvo algumas excegdes praticamente todos os cursos de histéria padecem do mesmo problema que coloco como primordial nas discussdes de reformulagao dos curriculos. O tratamento da formag&o pedagégica como atividade menor. Envolvidos com o bacharelado, ou apenas com a pesquisa, a problematica da formagio dos professores acaba relegada ao professor de pratica de ensino ou as Faculdades de Educagio como ocorre nas Universidades Federais, Unicamp, Unesp. USP e outras. Nosso maior problema reside na falta absoluta de discussdes sobre qual formagdo pensamos para nossos alunos o que reside na minha opiniéo na fragil dimensaio da identidade da profissio de docente universitario, 80 Saeculum —Revista de Historia - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 As possibilidades de avangos nestas discussdes s6_ serio possiveis, precisamos reconhecer quando discutitmos nossa identidade profissional, dificilmente conseguiremos levar adiante alguma mudanga significativa na problematica que envolve a formacao dos profissionais de histéria. Enquanto prevalecer a idéia de que a universidade de pesquisa admitiu formar professores como uma "espécie de tarifa que ela paga para poder fazer ciéncia em paz"* Refaco a pergunta que muitas vezes fazemos para os alunos que formamos. Qual o perfil de profissionais que contratamos em nossos departamentos? Quem somos nés professores universitarios? Qual o curso de histéria que queremos ser professores? Quais contetidos queremos_ensinar? Queremos ensinar? Somos professores/pesquisadores ou pesquisadores/ professores? Estamos dispostos a dividir o poder do saber/conhecimento com nossos alunos? Qual é nosso espago dentro da Universidade? Qual o nosso compromisso institucional? Enfim, qual nossa identidade profissional? Como estabelecer esse processo de construg4o identitaria, afinal esse processo de construgdo se efetiva a partir da relacdo que o professor estabelece com a sua profissio @ o seu grupo de pares e, ao mesmo tempo, representa a concepgdo simbélica, pessoal e interpessoal, produto desta relagao” Inverter 0 processo de questionamento do perfil do profissional que queremos formar para o perfil de profissionais que queremos ser ou gue somos, talvez resolva o problema de identidade na formago dos nossos alunos, que hoje saem dos cursos, sem saber ao certo para que foram formados, se professor ou pesquisador. Na minha opiniZo apenas a descoberta do sentido da profissio que exercemos, poderd resolver o problema da falta de identidade e rumo dos cursos de histéria, que nao formam no momento, nem pesquisadores, nem professores. Quem sabe 0 que? REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de Historia, In Magia e Técnica, Arte e Politica: Obras escolhidas, S20 Paulo, Brasiliense, 1985. * MENEZES, L. C. de, “Formar professores: tarefa da universidade”. In CATANI, D. B. et. Al (orgs) Universidade Escola e formagao de professores. Sao Paulo: Brasiliense, 1986, p.120. ® Goncalves, apud, Sahaffel, p. 109/110. Saeculum —Revista de Histdria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 $1 CAINELLI, Marlene Rosa, “O lugar da Pratica de Ensino na Formagio do Professor de Historia’. In SHIMIDT, Maria Auxiliadora ¢ CAINELLI, Marlene Rosa (orgs) If Encontro Perspectivas do Ensino de Histéria, Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, pp.143-149, Diretrizes Curriculares, curriculos ¢ formagao dos profissionais HISTORIA : FRONTEIRAS. Sao Paulo: Humanitas FLCH/USP: ANPUH, 1999, pp. 225-234. CANDAU, VERA MARIA, (org) Reinventar a Escola, Petropolis: Vozes, 2000. CHERVEL, A. Histéria das disciplinas escolares: reflexdes sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educagio, n°2, Porto Alegre: Pannénica, 1990. FORQUIN , Jean Claude. © Curriculo entre o relativismo e 0 universalismo. Educagaio ¢ Sociedade, ano XXI, n°73, dezembro/2000, pp. 47-70. GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da Pedagogia. Pesquisas contemporaneas sobre 0 saber docente. Grupo Interuniversitério de Pesquisa sobre os saberes ¢ a Escola . (versdo preliminer), 1996. GOMEZ, A. P. O pensamento pratico do professor. A formagao do professor como profissional reflexive. In NOVOA, A (Org). 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