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——— << | Astin conn cm anette nies cla na alae ton PA. "E. LHVIA eee BARRET senso, Como relvinicar o controle politica de um terra brasileiro da extensdo de 9.191 km? (semelnant a rea de Santa Catarina etrés vers a supricle da Bélgca, para uma tio que 0 bali, de uns 5,00 nds, no maximo, e que vie até hoje no mats bal esténio de ignorancta & Ss ‘nimitvismo? Estes prories ino ignoram as reivindicagGes que so fellas em seu nome, por ngnizagiesintemacionas mascaratas com intengies lntficas ecloia, amienalsmo, ! \ ON | MI anroplogia) e que fazem uma pressdocrescente no sentido de entregar asoberania dessa ‘area ans seus habitants. General-de-Divisao Carlos de Meira Mattos => = = Ba = S = = = = = 4 OLTHHYE VNNIIN WIVIT OLUIETY SOTHWS 39(81=082) Necham, 39(81=082) B273f BI73E Autor: Barreto, Carlos Alberto Lima Men CMe een N ‘Titulo: A farsa ianomén | rege wii nm POC AAT i BIBLIQTECA Rrra) ra ’ RCITO ea) i . BIBLIOTHECA DO EXERCITO Casa do Bardo de Loreto — 1881 - Fundada pelo Decreto 8.336, de 17 de dezembro de 1881, por FRANKLIN AMERICO DE MENEZES DORIA, Bario de Loreto, Ministro da Guerra ¢ reozganizada pelo : General-de-Divisio VALENTIM BENICIO Da SILVA, \ ‘em 26 de junho de 1937, onl Pfr Eton Per | ere ‘Coon deere Bad Mat’ Amer pee Fb "nando See ‘pag Ei 25 Ana se ‘ ( 1 i Bias doco t ‘ Carlos Alberto Lima Menna FARSA IANOMAMI Biblioteca do Exército Edit Rio de Janeiro 1995 BIBLIOTECA DOEXERCITOEDITORA Publicagao 619 Colegio General Benicio ‘Volume 309 Copyright © BIBLIEX ee as Capa: Carlos Chagas Y Revisio: O Renaldo di Stasio José Livio Dantas Lf Barreto, Carlos Alberto Lima Menna, 1929-1995 1B273 A Farsa lanomémi / Carlos Alberto Lima Mena Barreto. ~ Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995. 218p. :il. - Biblioteca do Exército ; 619. Colegio General Benicio ; v. 309) Inclui bibliografia ISBN 85-7011-203-3, 1. Indios da América do Sul - Brasil 2. Indios Tanomami —Relagtes com o governo. CDD 980.5 Tmpresso no Brasil Printed in Brazil A querida Neusa, mulher e musa, minha gratidao pela solidariedacde, pelo sacri- {ficio, pela coragem, pelo carinho, pelo estimulo, pela ‘fibra admirdvel e a extrema dedicagao. Nio fosse sua adesdo incon- dicional a meus ideais, eu ndo teria ido aonde fui.. Homenagem ; Ao General RODRIGO OCTAVIO JORDAO RAMOS, inesquecivel chefe e amigo, a reveréncia de quem, como ele, aprendeu a amar a AmazOnia. “Ardua é a missiio de desenvolver e de- fender a Amazénia. Muito mais dificil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistd-la e manté-la.” Rodrigo Octavio Sumario Apresentacado Introdugiio A Traigao Oficial O Povoamento Indigena A Ianomamizagao dos Indios O Testemunho da Ciéncia A Perpetuagao do Vazio O Desmembramento do Brasil A Vinganga da Gringa A Faldcia do Estatuto A Soberania Tribal A Negagdo da Fé O Separatismo Ingaricé A Validade do Direito O Culto @ Incultura Ineficiéncia da FUNAT A Defesa do Privilégio ‘AFARSA IANOMAMA A Contestagdo de Rondon A Vitoria da Intriga O Encantamento do Eldorado A Suspeigdo do Interesse O Exemplo da Dina O Declinio da Fama A Heranga Lusa Catequese e pretextos ecoldgicos A Exorbitancia da Lei e a Deturpacao do Idealismo O Garimpo e a Tecnocracia O Restabelecimento da Ordem e a Retomada do Progresso Epilogo Anexos Relatério da Cruzada Diretriz Brasil ‘A Deformagao da Histéria Influéncia Militar Amazénia eo Mundo Espetéculo na Selva A Internacionallizagéo da Amazénia 10 103 107 is 121 125 i29 135 141 149 157 165 175 18] 183 187 193 197 201 207 2u Apresentacao questo ianomami, como é apresentada pelos A interesses alienfgenas, clama contra a légicae o bom senso. Como reivindicar 0 controle polftico de um territ6rio brasileiro da extensio de 94.191 km?(semelhante A drea de Santa Catarina e trés vezes a superficie da Bélgica), para uma tribo que o habita, de 5.000 indios, no méximo, © que vive, até hoje, no mais baixo estgio de ignorancia © primitivismo? Estes prprios indios ignoram as reivindicagdes que sao feitas em su nome, por organizagdes internacionais mascaradas com intengGes cientificas (ecologia, ambientalismo, antropologia) ¢ que fazem uma pressdo cres- cente no sentido de entregar a soberania dessa tea aos seus habitantes Parece absurda, estapafiirdia, a proposta dessas organizagGes internacionais. S6 se pode entendé-la, admi- tindo que ha um propésito velado atrés de tudo isto ~ a internacionalizagao da Amaz6nia, em nome da sonhada cri- acto de dreas do interesse da humanidade, cujo contole politico passaré para as maos dos pafses do Primeiro Mun- do. B uma volta ao velho sonho da Hiléia AmazOnica (1948). A FARSA IANOMAML Infelizmente naquela ocasido, como agora, tive- mos brasileiros entusiasmados pela tese entreguista — em 1948, o nosso representante na UNESCO, Professor Paulo Berredo Carneiro e, no Governo Collor, o Professor José Antonio Lutzemberger, Secretério do Meio Ambiente. A propria FUNAL esta contaminada pela tese internacionalista. O livro do Corone] Menna Barreto, ilustrado por desenhos, mapas ¢ transerigGes de textos, € um grito de pro- testo de quem viveu varios anos na Area, investido de fun- Ges de protegio da soberania nacional, e que assistiu, in Joco, a trama de pressies e fabricagao do noticiério visando iludir a opinio publica nacional e internacional sobre a rea- lidade. Mostra, baseado em acurada pesquisa, a hist6ria das tribos amazinicas que habitam a regio fronteiriga entre 0 Brasil, Venezuela e Guiana. Narra a sua participagio ativa na solugo dos conflitos criados pelos religiosos que diri- gem os colégios de catequese dos indios, os proprietérios de terras, 0s mineradores ¢ os garimpeiros. No bojo destes con- flitos revela a presenga, sempre, das pressdes intermacionais, O autor, ferido na sua sensibilidade de brasileiro patriota, responsavel pela protego de nossa soberania na- quela regio fronteiriga, escreveu um relato veemente, Faz 0 seu grito de protesto, como dissemos acima, contra a farsa que se armou em toro da questo ianomami. General-de-Divisio CARLOS DE MEIRA MATTOS 2 Introdugao ste livro trata do problema indfgena em Roraima, Tem. a visio de quem Id exerceu os cargos de Comandante [da Fronteira e Secretério de Seguranca em diferentes épocas ¢, em conseqiiéncia, péde testemunhar o abuso de terem transformado 0 indio em instrumento da subversiio marxista, a leste, e em disfarce da infiltragdo imperialista, a este, E um depoimento e uma demincia. E, também, uma critica da mentalidade predominante em certas cama- das da sociedade brasileira. Escrito por um rude soldado, nao tem pretensdes académicas ou de qualquer outro tipo, a no ser ade alertar a Nagao para a ameaga que se desenha ao norte. Ao longo de vinte e seis capstulos, tenta funda- mentar os motivos de suas preocupagdes, valendo-se de mapas, quadros, esquemas ¢ opinides ou testemunhos trans- critos da imprensa como auxilio A narrativa. Porque 0 obje~ tivo de uma dentincia é mobilizar os cidadaos pela revolta que desperta, E deve, por conseguinte, conter dados comprobatérios essenciais ¢ bastantes para esse fim. Nada mais, Sem complicagées. De forma clara e concisa. Dei- A FARSA IANOMAM! xando 2 inteligéncia de cada um as conclusdes ébvias ¢ ine- vitéveis. Sem fatigar ninguém com 0 supérfluo, o banal ow o intl. A fim de possibilitar melhor avaliagio da credibilidade da obra, esto descritas, em alguns capftulos, as circunstincias que levaram 0 autor, de famflia gaticha, a ligar-se a Roraima. Convém, entretanto, esclarecer mais al- guns pontos. Para ambos os cargos, os convites Ihe foram fei- tos apés terem sido rejeitados por companheiros mais ilus- tres; 0 que, decerto, bem pode indicar a temeridade dos de- safios neles contidos e, por isso mesmo, Ihes ter acrescen- tado honra maior. Em 1969, comandava o 1®Batalhao de Infanta- ria Aeroterrestre, pertencente ao antigo Niicleo da Divisio Acrolerrestre, no Rio de Janeiro, Era uma unidade de pra- as engajadas, para emprego imediato como reserva estraté- gica do Exército, em reforgo a outras tropas ou em lugares desprovidos de forgas federais. Em vista dos reflexos em Roraima da rebeliao havida nesse época na regio do Pirara, entio chamada de Distrito do Rupununi, chegou a ser cogi- tada sua ida para 14, ja que a 9 Companhia de Fronteira, de Boa Vista, com seu pequeno efetivo, era incapaz de vigiar sozinha os 964 km da fronteira com a Guiana ¢ os outros sessenta do trecho com a Venezuela mais ameagado. Descartada essa solugdo pelas repercussbes pos- siveis no continente, foi antecipada a criagdo do Comando de Fronteira de Roraima/2* Batalhao Especial de Fronteira, planejada para aquela guami¢Zo num prazo de dois a tré anos. Na pritica, a medida improvisada era de execugio 14 irmopugio dificil, pela inexisténcia de previsio orcamentéria para do- taco de material e aumento do efetivo. Diante disso, foi Jembrado o nome do autor, pela esperanga de que pudesse Jevat consigo o ntimero de voluntarios que resolvesse 0 pro- blema do efetivo. E, realmente, a expectativa se confirmou, com a ida de 62 péra-quedistas do seu batalhao. Quatorze anos depois, em 1985, 0 assassfnio do jornalista Joao Alencar dividiu os politicos da Alianga De- mocritica em Roraima, com acusagdes reciprocas de res- ponsabilidade intelectual pelo crime. E, embora concordas- sem em ficar o Governo do Territ6rio para 0 PFL ¢ a Prefei- tura de Boa Vista para o PMDB, temiam a entrega da Secre- taria de Seguranca para a facgo contréria, O nome do autor surgiu, entéo, como um tertius, para por fim & dissensio, dada a sua condigao suprapartidaria e considerados os servi- 0s que havia prestado ao Territério. Cumpria, nos dois casos, 0 destino que os para- quedistas imploram aos céus a cada dia, na oragao que con- sagraram:* “Dai-me, Senhor meu Deus, o que vos resta, Aquilo que ninguém vos pede. Nao vos pego 0 repouso nem a tranquilidade, Nem da alma nem do corpo. Nao vos pego a riqueza, nem o éxito, nem a satide, ‘Tantos vos pedem isso, meu Deus, Que jé ndo vos deve sobrar para dar. Dai-me, Senhor, o que vos resta 15 AA FARSA LANOMAML Dai-me aquilo que todos recusam, Quero a inseguranga e a inquietagao. Quero a luta ¢ a tormenta. Dai-me isso, meu Deus, definitivamente. Dai-me a certeza de que essa sera A minha parte para sempre. Porque nem sempre terei A coragem de vo-lo pedir. Dai-me, Senhor, 0 que vos resta. Dai-me aquilo que os outros nao querem. ‘Mas dai-me, também, Acoragem , a forga e af.” ‘Manuscrite encontrado com um para-quedista francés, morto em combate, que passou a ser a Oragao Universal do Para-quedista Militar, 16 1 Universidade de Brasilia BIBLIOTECA 1 A Traicdo Oficial jomandante da Fronteira de Roraima nos idos de 1969, ( 1970¢ 1971, vicom surpresa as sucessivas dentincias de um pretenso genocidio dos ianomamis, que renomados jornais do Brasil e do exterior publicaram a partir de 1973. No periodo em que If estive, empenhado em reconhecimentos, experiéncias ¢ estudos necessérios a0 planejamento operacional, nfo ouvi jamais qualquer men¢&o uma tribo com esse nome. Nao entendia, também, como poderia ter surgido tanta gente assim em um lugar pouco antes despovoado, ou quase isso. Nas trés vezes em que sobrevoei as montanhas cobertas de floresta que queriam dar aos ianomamis, s6 en- contrei indios nos famosos postos dos “missionérios” norte- americanos. E, pelo que entio pude saber, mal chegavam a quinhentos. No Rio Mucajai, havia dois subgrupos de xiriands; na margem direita do Uraricoera, outros dois de ‘AFARSA IAKOMAN uaicds; no Auari, perto da Venezuela, uma maloca de maiongongues e, um pouco abaixo, outra de macus. No Parima ¢ em Surucucus, nfo havia malocas, mas apenas 0 contato intermitente dos “missiondrios” com grupos erran- tes de xiriands e uaicds vindos ocasionalmente da Venezuela! As estimativas demogréficas da imprensa, no en- tanto, variavam de umas poucas dezenas a cerca de dez mil indios, conforme pretendiam anunciar a catdstrofe ou demons- tar a necessidade da criagiio de um pais ianomami indepen- dente do Brasil. Jomnalistas do Rio e de Sio Paulo, inteiramen- teignorantes das disputas ancestrais pela posse da érea, abraga- vam a causa indianista em artigos candentes e fantasiosos, cheios de encanto pelos ianomamis ¢ de aversio pelos brasileiros que, todo dia, desfraldavam o pavilho verde-amarelo naquela terra Jonginqua, cujo nome eles aqui nem sabiam com certeza se era Roraima, Rondénia ou Rio Branco. Celebridades do Primeiro Mundo, indignadas com as noticias que chegavam do Brasil, protestavam na te~ evisdo contra a passividade do nosso governo e pregavam, por causa disso, a intervengao das grandes poténcias, para salvar 0s fndios. Mas, ninguém podia esperar que as investidas dessa imprensa, sempre dvida dos lucros do es cfndalo, pudessem afetar a Politica de Desenvolvimento Integragio da AmazOnia adotada na época, E, muito menos, que ficassem sem resposta as acusagdes de omissio ou coni- véncia do governo, diante do que diziam ser o iminente ex- terminio de um povo, para justificar a recomendagio de colocé-lo sob a égide da ONU. 1 Ver Anexe A. 8 -ATRAIGAO OFICIAL No entanto, para surpresa de todos, nenhuma res- posta foi dada, difundindo-se, em conseqiiéncia, pelo silén- cio, a impressio de mea culpa, que estimulou o prossegui- mento ea viruléncia crescente da campanha difamat6tia. E, dez anos mais tarde, em Boa Vista, na despedida da minha vida militar com antigos camaradas e civis amigos, vim a saber da edic&o da célebre portaria reservada interministerial que, vedando 0 acesso de brasileiros a oeste do meridiano de 62° W, consumava a capitulagiio do governo diante da conspiragdo dos imperialistas de fora com os traidores de dentro do Brasil? Pior ainda foi ver que 0 documento oficial repe- tia, nas razSes invocadas para fundamentar medida assim extrema, 0 cedigo arrazoado de suspeitissimas institui- gdes religiosas e cientificas européias € norte-america- nas, culminando com o reconhecimento da necessidade de transformagio da imensa rea despovoada em parque ianomami.* Tudo, tudo, menos a troca de pafs por parque, era cépia fiel de publicagdes provenientes da Holanda e da Aus- tria, com a assinatura da fotgrafa Claudia Andujar, que, de repente, se intitulara antropéloga e porta-voz da CCPY:* Para saber que os ianomamis nao existiam, teria 2 Ver Anexo B. = 5 Citavam a necessidade de preservara cultura dos indi: o intoresse de protagelos do contagio por Gormes patogénices antes inexistentes entre bles, como otipe, variola, earampo, siflis © gonorrsia (0s missionétios es. trangeiros nao eram consideradee como possivois transmissores dessas ddoengas,jé que sua presenga ficava autorizada; 6 a conveniéncia de prove: nr abusos dos civlizads) 4 Comiseao para a Criagao do Parque lanomémi 19 ‘A FARSA IANOMAMI bastado consultar as memGrias de Rondon, ou, simplesmen- te, procurar 0 vocdbulo no Aurélio, Mas nada disso impor- tava a0s pressurosos tecnocratas, na dnsia de brindarem a fotSgrafa estrangeira com o meridiano que cla pedia. A ur- géncia de atendé-la nao Ihes permitia conferir muitos por- menores. De resto, pouco se Ihes dava saber o lugar exato onde estavam os ianomamis naqueles confins perdidos a 2.500 km de Brasilia, que mal podiam localizar no mapa de 1/1.000.000. Pois, afinal, a interdigdo era em Roraimae no em So Paulo. Mais facil era escolher de uma vez um meridiano ao gosto dela e, por via das diividas, baixar a medida em portaria reservada, de difusdo restrita a altos funcionarios. O resultado foi esse novo Tordesilhas,’ tracado outra vez no escuro, pelos Ministérios do Interior, da Justiga e das Minas © Energia. E sabendo-se 0 quanto custava aos sibios navegantes de Sagres’ encontrar a célebre linha diviséria dos achados de espanhdis e lusitanos, como esperar que rudes garimpeiros pudessem saber, em plena selva, por onde pas- sava a raia imagindria dos 62° W de Greenwich que Ihes barrava os passos no rumo do ouro? Além de tudo, a arbitraria interdi¢ao afrontava 0 rineipe 5 Tratado do Tordesilhas, lavrado em 7 de junho de 1494, polos re tantes dos Reis Catdicos, Fernando 0 Isabel de Espanha, @ do Perfelto, D, Jodo Il de Portugal que estabeleceu "uma réla ou linha de plo ‘a pdlo", ragada no Mar Oceano (Atlantico), a $70 léguas das lIhas de Cabo Verde, “em dirogao parte do posnte’, para repartir entre portugueses © ‘espanhéis os achados a leste e.a vests, respectivamente 6 Escola de Matematica, Cosmografia @ Néiica de Sagres, fundada pelo Infante D. Henrique, © Navegador, terceicofilho de D. Jodo |, a qual contr- buiu decisivamento para o éxito dos descobrimentos maritimos portugue: 08 nos Séculos XV € XVI 20 Universidade de Brasilia BIBLIOTECA ATRAIGAD OFICIAL direito natural de ire vir em seu proprio pais dos cidadiios brasileiros. Em regime republicano, medida de tamanha gra- vidade devia condicionar-se &consulta plebiscitéria ou & apro- vacaio dos representantes do povo no Congresso Nacional ¢ nas Assembléias das unidades federativas interessadas. E, mesmo assim, seria muito discutivel o direito de partilhar- se 0 indivisfvel que é 0 patrimGnio da Nagdo, pois admiti-lo seria estimular 0 separatismo e render-se a traigao. ‘A Patria 6 eterna e pertence a todos. Nao pode ficar 4 mercé de uma s6 geragdo de brasileiros. O mal que hoje Ihe fazem, sob a capa de protegao aos indios, sera causa amanha de justa repulsa ¢ incontrolivel revolta. Porque, acima de quaisquer portarias, decretos e leis, est 0 dever sagrado de defender-Ihe a honra ea integridade com 0 sacri- ficio até da propria vida, Entregar metade de Roraima a indios que nao tém patria € trair 0 Brasil. 24 2 O Povoamento Indigena m 1923, Theodor Koch-Griinberg publicow extensa obra, intitulada Del Roraima al Orinoco, com minuciosas observagdes sobre os indios que encontrou no perfodo de 1911 a 1913 nesse territ6rio, cuja divisio pelos diferentes grupos dominantes resultou de longas sangrentas lutas.” O contingente mais antigo na regifio era, a seu ver, constituido pelos uaicas e xiriands, os quais habitavam, nessa época, “os mesmos lugares no Alto Uraricoera e na Serra Parima, onde se haviam estabelecido ao chegat”.* Pos- teriormente, julga Griinberg terem os aruaques estendido suas 7 Theodor Koch-Grinberg. Von Foraima Zum Orinoco, Reisen in Nord Brasilien und Venezuela in den Jahren 1911-1918. Mitelungen der Geogr. Ges in Munchen (De! Roralma al Orinoco, Viajes por el Norte de Brasil y Venezuela en los afios 1911-1913. Comunicaciones de la Sociedad Go ‘gréfica de Munich), Tomo Il, p.28. 8 Ibidem, p, 28. ‘A FARSA IANOMAME aldeias ao norte daqueles, desde 0 Orenoco até 0 Caroni, como indicam os nomes de rios ali existentes com termina- des desse idioma (-ari, -uni, -eni, -oni = rio, 4gua): Au-ari, Merev-ari (Caura), Emec-uni, Car-oni? “Em tempos mais recentes”, diz ele, “tribos caribes, fugindo dos espanhdis, emigraram das Antilhas para o sul”..” Eram, em sua opini, indios canibais, rudes © ex- tremamente cruéis."' Subindo 0 Orenoco, maiongongues (iecuands-caribes) e iauaraniis submeteram ou aniquilaram 08 aruaques ¢ s6 foram contidos As margens do Uraricoera e nas vertentes da Serra Parima pela feroz resistencia dos aguer- tidos uiacds e xiriands,"? Informa, ainda, o ilustre antropdlogo que pro- cesso semelhante ocorreu a leste."* Primeiro, os uapixanas do grupo aruaque ocuparam a grande savana e as serranias do Rio Branco, dando nome aos rios ¢ outros acidentes geogrificos, como Jauari, Amajari, Mucajaf, Catrimani, Demenie Suapi. Mais tarde, chegaram do norte os caribes das tribos macuxi, taulipangue, ingaricé, arecund, sapard, uaiumard, purucot6 e ~ mais afeitos 3 luta ~ subjugaram os uapixanas na cruenta disputa pela dominagao da 4rea.¢ Mas, ainda assim, preferiram parar na linha Uraricoera— Tacutu, deixando em paz os uapixanas estabelecidos mais ao sul. Na mesma altura, para oeste, nas Altas Bacias do Caroni e do Paragué, ficaram também sob o dominio deles 8 Ibidem,p. 28 10 fbidem, p. 29 11 Ibidem, . 28 12 Ibidem, p29 13 fbidem, p. 29. 14 lbidem: p. 29. 24 ‘© POVOAMENTO INDIGEKA os remanescentes de antigas tribos de Iinguas isoladas, outrora numerosas e, ent, quase exterminadas em lutas contra adversdrios mais fortes. Quanto ao povoamento propriamente dito, ex- presso em ntimero de habitantes em cada lugar, € curioso registrar que, ndo obstante a opiniao de Griinberg de ser mais, fécil viver na selva, pela abundancia de caga e a fertilidade do solo," os fndios de Roraima preferem a savana. Em 1913, viviam na selva de oitocentos a mil uaicds e xiriands, na Serra Parima e Alto Uraricoera,"* e de oitenta a duzentos maiongongues ¢ macus no Auari.” Os demais aldeamentos se situavam ora na savana, sobre as encostas timidas das ra- ras colinas, ora na serra desnuda, junto aos mananciais ¢ bosques, Para uma populagao estimada em seis mil fndi- 05," somente uns mil viviam na selya, numa proporgao que se mantém até hoje. De conformidade com Griinberg, a populagao in- digena dessa drea se distribuia, em 1913, como mostra 0 quadro apresentado no final deste capitulo (p.28) Mais dificil, entretanto, é saber quantos onde esto os indios agora. Porque ha quem queira aumenté los e quem prefira reduzi-los. Uns “plantam" malocas nas fazendas ¢ arredores das cidades, para reivindicar, com base nesse expediente, mais e mais reservas indfgenas. Outros resistem 0 quanto podem para nfo entregar todas as tertas © todos os bens aos aproveitadores que, depois de longa con- soe 45 Grinberg, ibidem, p. 19 ad fine 16 Estimativa com base no relatério do Anexo A 17 fbidem, p. 24 18 Ibidem, pp. 20, 21, 22, 28, 24, 25 © 251 2B ‘A FARSA IAKOMAME vivéncia com a civilizagao, se fingem de selvagens pelos privilégios do Estatuto. No recenseamento da FUNAI, “padres”, eco- logistas ¢ indianistas transportavam em caminhdes os ja recenseados para as malocas a serem visitadas, aprovei- tando-se da inexisténcia de documentos de identificagao, para elevarem os resultados muito acima da realidade, Por isso tudo, a Forga Aérea procurou fazer, extra-oficialmen- te, seu préprio censo, com procedimentos que obstassem mudangas extemporaneas de habitantes de uma para ou- tra maloca por indugZo de estranhos. Dessa forma, con- seguiu contar em toda a Reserva lanomAmi brasileira, nos estados do Amazonas e de Roraima, 3.500 indios, espa- Ihados por sessenta aldeias.”” Segundo 0 enti governador de Roraima, Ottomar de Souza Pinto, considerando os 2.800 que vivem na sua parte da Reserva Ianomami, existem cerca de 20 mil {Indios no estado.” A FUNAI, por seu lado, estima essa po- pulagio em 26.500 individuos, dos quais quatro mil ianomamis ¢ o restante das etnias macuxi, uapixana, maiongongue, taulipangue, ingaricé e uai-uai, sem referit- se as etnias xiriand, uaicd e macu.”! Tendo em conta os dados do governo do esta- do, verifica-se, portanto, que a populagdo indigena de Roraima teve, de 1913 para cd, um incremento anual vegetativo, da ordem de 1,5% — 0 mesmo observado, em média, no restante do pats. E um ritmo elevado de cresci- 18 0 Globo, Fo de Janeiro, Ed. 25.11.91. Cad, O Pals, 20 0 Globo. Rio de Janeiro. Ed. 22.12.91, Cad. O Pale, p. 4 21 Ronaldo Brasilionse: in Jomal do Basi, Rlo de Janoito, 1991 26 0 POVOAMENTO MIDICENA mento, o qual, por si s6, desmente quaisquer hipsteses de genocidio ou morticinio em massa decorrente de contégio por germes patogénicos antes inexistentes entre eles. Muito pior para os fndios de boa indole foi o tempo anterior & maior presenga brasileira na rea, em que xiriands e uiacds dizimaram os auaqués, calianés, maracands, piarods e purucotés, desmentindo a teoria de Jean Jacques Rousseau’? sobre a bondade natural do selvagem. 22 Jean Jacques Rousseau: A Nova Helofsa, Casa Marc Michel Fey. Ams~ terda, 1762. a ‘A FARSA ANOMAML TRIBO ‘TRRRITORIO POPULAGKO wi) pMAcuXT eos ioe Tasers Toa 3.00, ado Mateo Rupe Rio ear Glan (Cotnge eRe Sar [TAULIPANGU™ | Pana prin do Teak 000300 Rorane: is Ms TNGARICO™ ‘Alto Cota, jan a Tat s00n00 Rorsins “AREGUNA ‘Nome do Rerains: Rice [toca 1.00071 500 Parga ¢ Cr, TECUANA® Niseierde Cana, Rio Tota soon. No (oaiagenge) ‘Aue Rie Venta. Alar 120 0150 TAUARANA Margan sues do Ato To 3050 Cau [SAPARA® ‘Sear Tepequén Rio Fo 300 ‘| Amie UAIUMARAT Thad Manet ‘Aros ple PURUCOTO® les Urata Tem ‘UAPIKANA ‘Do Alto Rapunans até 6 Teta: 100071200 «| Rio Brame, Rio Caan. }GUINAD ‘Rios Cara, Alto Avati © Tora: 20730 S| ‘Ao Orne XIRIANA® ‘Sera Paina, Roe neon raver © Oreice, De aa carw, UAICK i Tedetemimda ADAQTE ‘Ala Pats Tour 1820 ALANA ‘oP Tivo panna MARACANT® Tha Maracas ‘Aaigaadorycle | THAROA io Vera Sortie [MACU* Rios Caurae Avant | sé estar Em Roraima, 2B 3 A Ianomamizagao dos Indios questo ianomami surgiu no Brasil por volta de Ak ‘Manoel da Gama Lobo D'Almada, Alexandre odrigues Ferreira, os irmaos Richard e Robert ‘Schomburgk, Philipp von Martius, Alexander von Humboldt, Joao Barbosa Rodrigues, Henri Coudreau, Jahn Chaffanjon, Francisco Xavier de Araijo, Walter Brett, Theodor Koch- Griinberg, Hamilton Rice, Jacques Ourique, Candido Rondon € milhares de exploradores andnimos que cruzaram, antes disso, os vales do Uraricoera e do Orenoco, jamais identificaram quaisquer indios com esse nome. Quem primeiro se referiu a eles foi Cléudia Andujar, em noticirio de surpreendente destaque para 0 ‘AFARSA ANOMAMI assunto. E a tnica hipétese razodvel para explicar tanto empenho na propagagao da novidade era, entdo, 0 possivel intuito de criticara lentidao da FUNAT em admitir a existén- cia de um novo grupo indfgena tao perto de Boa Vista. Por- que nao se fazia idéia do enorme poder externo que estava por trés do ins6lito antincio e, assim, inaugurava solenemente sua interferéncia na drea. 86 dez anos depois se veio a saber que a autora do comunicado, registrada como fotdgrafa no respectivo pas- saporte no estava abalizada para emiti-lo. Porquanto 0 reconhecimento de grupos indfgenas requer credenciada capacitacao em Antropologia.* Se ela teve de fazé-lo, mesmo sem poder, foi porque nenhum antropGlogo quis prestar-se a isso e, por con- seguinte, era de suspeitar-se da idoneidade cientifica ou, qui- ‘4, da autenticidade da informagio veiculada com tamanha ressondncia Pouco adiantava, no entanto, uma desconfianga surgida varios anos apés a farsa, pois era tarde para tentar- desmenti-la. O mundo todo 6 falava dos ianomamis da 28 Informe extra-ofcial vazado da Policia Fedoral 24 Aurélio B. do Holanda. Dicionario da Lingua Portuguesa, Ed, Nova Fron- tira, Rio do Janeiro, 1986, ANTROPOLOGIA ~ Ciéncia que ratine varias lseiplinas cujas finalidades comuns sao descrever 0 homem e anallea-lo com base nas caractaristcas bioldgicas (Antropolagia Fisiea) do grupo om ‘que se distibui, dando énfase, através das épocae, ae diferongas © varia 0s entre esses grupos. ANTROPOLOGIA CULTURAL ~ Ramo da Antro- Pologia que trata das caractorsticas culturais do homem (costumes, cren- 'ga8, comportamento, organizagao social) ¢ que relaciona, portanto, com Varias outras ciéncias,tais como Etnologia, Arqueclogia, Linguistica, Soci- ologia, Economia, Histéria @ Goografia Humana. ANTROPOLOGIA FISICA = Ramo da Antropologia que se ocupa da origem 9 da evolugaa biolégica ‘do homem, assim como das diversidades racials @ seus varios subgrupos. 30 A uanomaMzagio nos fxoios Amaz6nia ¢ nao havia etnélogo brasileiro que se encorajas se a contestar a real existéncia deles como nago ou tribo indigena distinta. Tudo indicava, portanto, que 0 fato estava consumado e que nada mais se podia fazer senfio lamentar a imprudéncia e a ingenuidade dos nossos govemantes de nao hayé-lo denunciado a tempo — se € que puderam pressentir- Ihe a falsidade. Tinha-se de convir, atOnitos, perplexos e silen- ciosos, que a mentira repetida muitas ¢ muitas vezes trans- formara-se, afinal, em verdade aos olhos do mundo, indife- rentes aos argumentos da Cigncia... Coincidentemente, por ssa €poca, os servigos de informagao interceptaram a dire- triz.do Christian Church World Councilconstante do Anexo B. Era um documento incisivo, que nfo deixava dividas sobre 0 propésito da entidade em preparar a dominagio fu- tura da AmazGnia com medidas impeditivas de ocupago e exploragao da drea por brasiieiros. Uma dessas consistia na inclusao de diferen- tes tribos em reservas de grande extensao territorial, que as englobassem e servissem de base fisica para a posteri- or criagao de paises indfgenas independentes, sob a tutela das Nagées Unidas, os quais, devidamente estruturados em condigdes minimas de existéncia, seriam oportuna mente transferidos “para a jurisdigao das grandes civili- zagbes curopéias, cujas areas naturais estivessem reduzi- das a um limite erftico...” A revelagao de semelhante diretriz mexeu com 0s brios de quem chegou a conhecer-Ihe 0 contetido carrega- do de ameagas ¢ injtirias. E dificil entender a insignificante divulgagao que teve. Nao fosse isso, ninguém mais poderia 3t AFARSA IANOMAM! negar, a esta altura, a intengao hostil e 0 propésito coloniza- dor dos paises representados no nefando conselho. ‘Malgrado sua difusdo restrita, o documento des- coberto era um fato novo, uma base sdlida, uma razio mo- ral, um imperativo cfvico para justificar a investigagao do caso, independentemente dos nossos omissos antropélogos e etndlogos. Porque, se os indios s6 serviam de pretexto para encobrir a invasio sub-repticia ea conquista traigoeira, a obrigagdo de defender a Pétria sobrepunha-se ao interesse antropol6gico. O soldado devia substituir 0 cientista, Era hora do Exército, nio da FUNAL Contudo, a FUNAI foi teimosamente mantida. Fraqueza perante os estrangeiros, preconceito contra os mi- litares, submissio aos politicos ou tudo isso ~ nao se sabe O caso & que, em vez de defender o Brasil como deviam, preferiram certas facgdes polfticas aplaudir servilmente a pan- tomima ianomami encenada pelo Primeiro Mundo, como pre ladio da tragédia que esté para sobrevir. Diante do pouco caso, da indiferenga ¢ do des- crédito, s6 resta, entdo, buscar-se na esquecida Antropolo- gia a evidéncia de ser 0 gentilico ianomémi nada mais que astucioso ¢ torpe artificio imaginado para reunir tribos, gru- pos e subgrupos diferentes no mesmo conjunto etnogréfico ¢, assim, de forma sutil e bem ao gosto da mfdia, mudar 0 mapa da Amaz6nia pelos mais “nobres” motivos e sem mai- ores traumas. Porque, mantida a identidade primitiva das tribos, nao teria sido possivel conseguirem senio uma reser- va para cada uma, sobrando grandes intervalos, de mais de 100.km, para a “intromissio” dos brasileiros. Ao passo que, unificadas com 0 mesmo nome, parecia haver uma razio 32 r A avonMAMUZAGAO Os inotos para respaldar seu ambicioso projeto de separar do Brasil, de uma vez, toda aquela riquissima fatia, para cedé-la aos ficticios "ianomamis" e, depois, transferi-la para a ONU, ou sabe-se lé para quem. E preciso ficar claro antes de tudo que os indios supostamente encontrados por Cléudia Andujar siio os mes mos de quando estive 14, em 1969, 1970 ¢ 1971. Pode ser que, seduzidos com promessas, tenham concordado em re- negar 0 proprio nome, deixando de ser os valentes que sem- pre foram, para se prestarem agora a esse triste papel. Ou, quem sabe, podem ter sido convencidos a vestir 0 apelido de “ianomamis" por cima dos antigos nomes, numa forma de fantasia menos nociva aos valores € tradigGes indfgenas. Entretanto, nao é de se duvidar que, para ctimulo do despre- zo pelos antropélogos nacionais, nada tenha sido feito para disfarcar a mentira e que, com excegio dos mais sabidos, cles continuem a ser os xiriands, os uaicés, os macus ¢ os maiongongues de sempre, ficando essa hist6ria de "ianomamis" s6 para brasileiros e venezuelanos. ‘Mas, os indios tidos como "janomamis" siio os mes- mos que iestavam de 1969 a 1971. Tenho certeza porque voltei Aregidio em 1985, 1986, 1987 e 1988, como Secretério de Seg ranga, € vi as malocas nos mesmos lugares e 0s fndios com as mesmas caras de antes. E, muito embora essa afirmacio possa parecer temerétia, pela dificuldade de distinguit-se um indio do outro na mesma tribo, € fécil de ver que, se nesses vinte anos no se registrou nenhuma ampliagao das malocas, nem hé now cia da ocorréncia de epidemias ou guetras entre eles, os atuais, habitantes s40 0s mesmos visitados por mim, quando Coman- dante da Fronteira ou, entZo, sao descendentes deles. — 33 ‘Aransa anoMAN E muito simples, entretanto, verificar se tenho ou no razio: basta ir lé-e ver que lingua falam em cada Tugar, Pois 0 idioma, melhor que a cor da pele ou qual- quer outra coisa, pode definir a linhagem e contar a histé- ria dos grupos humanos. Os maiongongues, como a mai- oria dos indios de Roraima, esto classificados no grupo caribe. Os xiriands, uaicés e macus fazem parte do grupo de linguas isoladas, no qual se enquadram os que nao per- tencem a nenhum dos grandes troncos lingitisticos brasi- leiros: tupi, j8, aruaque ou caribe. E os indios da Venezuela edo Amazonas que, incluidos na reserva recém-criada, passaram a ser “ianomamis”, so dos grupos caribe & aruaque, respectivamente. ‘Nao ha, pois, como querer enquadré-los em uma ‘inica nagao, apagando-Ihes as diferengas e variagdes cultu- rais, quando a Antropalogia tem como objetivo, ao contri rio, salienté-las. E, justamente com esse fim, ha mais de duzentos anos, os mais ilustres cientistas tém percorrido nos- sos serties, registrando-as, com rigor ¢ método, em volu- ‘mosos compéndios. Nao parece légico desmenti-los, agora, pela voz de Cléudia Andujar... Nem légico, nem digno de fé, porque qualquer ‘um, mesmo sem ser antropdlogo, pode ver as diferengas que pretendem em vio ocultar. Nao s6 nos idiomas e dialetos, como no nivel cultural, no temperamento, nas erengas, nos rituais, na aparéncia, no porte fisico, nos adornos, na pintura do rosto e do corpo, no feitio das malocas em que vivem, nas canoas, nas dangas, nos instrumentos sonoros, nos tipos de rede, nos processos de cultivo, no modo de cagar e de pescar e em mil outras peculiaridades. 34 ‘A lawowatazagho 00s fuotos Os uaicds, por exemplo, t¢m conseguido, ao con- trério dos demais, manter-se praticamente imunes a influén- cias estranhas, seja pelo terror que sua ferocidade infunde, seja pela precaugio instintiva de se retrafrem para evitar a prdpria degeneragao e ocaso no convivio com culturas mais avangadas.”* Os xiriands, no entanto, nfo puderam evité-las em suas tribos do Alto Uraricad, do Motomoté e do Matacuni, mais sujeitas 4 forga do gregarismo humano nas condigdes singulares que viveram, Os primeiros mantém estreito rela- cionamento com seus vassalos auaqués e um rudimentar co- méreio com vizinhos do grupo caribe. Os do Motomoté es- {io ligados & pequena tribo macu do Auari, por fortes lagos culturais.** Os do Matacuni, por sua vez, vinculam-se cultu- ral e comercialmente aos iecuands do Alto Auari Sob o influxo fecundo da convivéncia e da mis- cigenagao com tribos caribes mais adiantadas e de methor compleigio fisica, os terriveis xirianés do Matacuni e do Uraricad que exterminaram, nao faz muito, os maracanis, 08 purucotés ¢ os auaqués, tornaram-se mansos e sedenta- rigs, belos e vigorosos. J4 os seus irmaos do Motomot6, em sua Timitada parceria com os macus, no puderam usu- fruir mais que certa habilidade artesanal e uma relativa mo- deragio da brutalidade primitiva. Os das nascentes do Orenoco ¢ do Médio Mucajai, no entanto, conservam 0 nomadismo e os habitos selvagens do estado natural. Sao incapazes de construir malocas com troncos, de fazer ca- noas, ou de plantar rogas.”” 25 Jacques Ourique, © Vale do Ro Branco, Manaus, 1908, p. 24 26 Grunberg, Ibidem, p. 242 27 Ibidem, p. 250. 35 [AFARSA RNOMAM ‘Tao grande contraste entre o avanco de uns e 0 mais rude atraso dos outros resultou em incompatibilidade & mitua prevengdo. Porque falar o mesmo dialeto nao os apro- xima nem os concilia. Da mesma forma que nao serviu para abrandar a inimizade que separava as tribos do povo tupi. Aorigem ¢ o idioma comum nao impediram que as antigas coldnias espanholas no continente formassem tan- tos pafses diferentes e com tamanhas rivalidades. O fato de serem todos americanos ¢ falarem espanhol nao autoriza nin- guém a classifie4-los na mesma nacionalidade. Enquadrados também na Reserva Ianomami, os iecuandis-caribe, apelidados de maiongongues pelos macuxis ede maquiritares pelos venezuelanos, ocupam o Alto Auari, as serras que dividem as éguas do Ventuari das do Padamo e as fontes do Caura. Ainda pertencentes & gigantesca reserva apare- ccem os remanescentes das tribos guinat e iauarand, dos gru- pos aruaque ¢ caribe, respectivamente; aqueles junto a ver- tente sul do Monte Machiati, e estes & margem direita do Alto Ventuari. Os aruaques sio indios de afamada beleza e rara intelig€ncia, cujos micleos de maior importancia se situam na parte da reserva retirada do estado do Amazonas. Com tamanha profusio de linguas, ragas e cul- turas, € indevido e absurdo classificar-se todos de “ianomamis". Fechar os olhos a essa evidente farsa para favorecer interesses escusos de outros paises, em detrimen- to do Brasil, mais do que escAndalo € traigao. 4 O Testemunho da Ciéncia populagdo indigena do territério correspondente A atual Reserva Tanomami tem sido exaustivamente studada pelos mais sdbios cientistas nesses iltimos 250 anos. Desse persistente e meticuloso trabalho resultou copiosa literatura especializada, nos campos da Antropologia eBtnologia. Sabe-se assim que, ali, as tribos mais ferozes primitivas s2o as dos xiriands e uaicds, localizadas nas Altas Bacias do Uraricoera e do Orenoco, entre os meridianos de 63° € 66° W* ‘Alexander von Humboldt conta, nas memérias de suas viagens ao Novo Continente,® que, em 1761, Fran- cisco Fernandez Bobadilla, membro da Comissao Hispano- 28 Grinberg. idem. TM. p. 26 29 Alexander von Humboldt, “Reise in die Aequinotial Gegender d Continents", In Deutscher Bearbeitung von Hermann Hauff. Stutgat TW. pnt ‘A FaRSA laMoMAta Portuguesa de Limites e chefe de uma expedigao destinada a localizar as nascentes do Orenoco, foi surpreendido, du- zentos quilémetros antes de atingi-las, pelo feroz ataque de indios guaribas” e guaicds, os quais teve de dizimar em san- grento revide. Conta também que, diante do relato desse episédio, susteve a propria marcha rio acima para evitar novo morticinio. Porquanto os indios, segundo soube, obstina- ‘vam-se em impedir, a qualquer prego, a passagem dos bran- cos para leste da grande catarata ali existente.” Em 1853, quase cem anos depois, Richard Spruce encontrou no Alto Cassiquiare um guariba com cer ca de cingiienta anos que, havia trinta, caira prisioneiro dos semicivilizados indios barés, quando estes, em busca de cas- tanhas-do-pard junto 4 margem do Rio Manaviche—um aflu- ente direito do Orenoca—deram com a aldeia dele.” O pri- sioneiro, cujo nome autéctone era Kudé-Kubui, falava pou- co ocastelhano, porém Spruce, valendo-se de um intérprete, pode informar-se de algumas peculiaridades da sua tribo, como, por exemplo, a regido onde viviam, as margens do Orenoco, desde a grande catarata até as nascentes, a pritica da monogamiae o costume de incinerarem os mortos e guar- dar-Ihes as cinzas em cestos esféricos que conduziam as cos- tas ao mudarem de domicflio.** 450 Granberg. ibidem,T.Illp. 248. “O nome ‘uaribo'/uaharibo', uabaribo', 4 um apslido venezuelano dos indios xiriands das nascentes do Orenoco. ‘Torn origom provavel na lingua geral (tup}, na qual ‘uativa’, ou ‘guatiba’ dosigna o macace uivador (Mycetes)’. ‘31 Humboldt, idem, T.1V. p. 119, 82 Richard Spruce. Note of a botanist on the Amazon and Andes, 1894- 1864. Ed. by Allred F. Wallace, T-|, Londres, 1908. pp, 396 a 398, 38 idem, p. 398. (0 TESTEMUMKO DA CIENCIA Quem primeiro avangou além da “Catarata dos Guaribas’™ foi Jahn Chaffanjon em 1886. Até pouco tempo atrds tinha sido também 0 tinico, Na exploragiio do Orenoco, aservigo do governo francés, conseguiu chegar a uns oiten- ta quildmetros das nascentes, mais ou menos 64° W.G.* Ao Jongo do penoso caminho observou, diversas vezes, peque- nos grupos de guaribas que, ao pressentirem a aproximagdo de sua colina, fugiam assustados. Em uma dessas vezes, seguindo-os, foi ter a uma clareira na mata préxima, onde havia um acampamento recém-abandonado, “Eram sete ou ito chocas pequenas, dispostas em cfrculo que, de tao pre- arias, mais pareciam refiigios de animais.” Em outra oca- sio, surpreendeu um grupo de sete pessoas durante uma refeigao, que consistia de caules de palmeira, castanhas-do- para e bolas de cupim esmagado.* “Andavam completa- mente nus. Sua pele era mais clara que a dos outros indios. Tinham pouco mais de metro e meio, pernas € bragos finos, barrigas salientes, pés enormes, cabelos rugos ¢ imundos, expressao brutal, aspecto simiesco ¢ nao pareciam to temf- veis assim...""" ‘Nao obstante essa impressio, admite Chaffanjon ter sabido que, em 1879, eles haviam atacado uma aldeia dos curiobans do Rio Siapa, matando todos os habitantes 86 para obter algumas ferramentas, E, no ano seguinte, tinham feito 0 mesmo com os maquiritares do Rio Ocamo.* ‘34 "Raudal de los Guaharibo" para os venezuelanos, £35 Jahn Chaflanjon, Contribucianes a fa Hidrografia del Orinoco y Rio Ne~ ‘gro, Caracas, 1909. p. 13, 6 tbidem, pp. 302-308. 37 Ibidem, pp. 313-314. ‘38 Chattanjon.Ibidem, p. 247. ‘A FARSA IANOMAML Em janeiro de 1920, a expedigao de Alexander Hamilton Rice foi hostilizada pelos guaribas junto a cata- rata do mesmo nome, no Alto Orenoco. Segundo seu rela- trio & Sociedade Geogrifica de Londres,” mal haviam acampado, um pouco acima desse lugar, surgiu, pela mar- gem esquerda, um numeroso grupo de selvagens. Eram homens grandes, musculosos, bem nutridos, de rostos lar- gos e redondos, com densas cabeleiras negras. De repente, puseram-se a gritar ameagadoramente, Em vao, tentaram os expedicionérios abrandé-los com a oferta de espelhos, facdes ¢ anz6is. Quatro deles meteram-se rio adentro con- tra. acampamento com flechas apontadas ¢ arcos retesa- dos. E, s6 a custa de sucessivas salvas por cima das cabe- as para assustar, foi possfvel conté-los, enquanto a expe- digo navegava para longe.® Indios mansos do Cassiquiare informaram a Ha- milton Rice que os guaribas viviam exclusivamente na sel- vac nfo usavam balsas nem canoas. Nos meses de estiagem (novembro a abril) desciam de suas malocas pelo lado norte das Montanhas da Guiana,*' transpunham o rio sobre tron- cos derrubados a guisa de pontes e, divididos em grupos, saqueavam tudo que houvesse para o sul até as nascentes do Mavacae, para oeste, até o Ocamo que, mesmo nessa época, se mantinha bastante profundo para impedir-Ihes a passa- gem a vau. Moravam em chogas com teto pontiagudo e niio 39 Alexander Hamilton Rice. “The Rio Negro, the Cassiqulare Canal, and the Upper Orinoco”, sotembro 1919-abril 1920, The Geographical Journal, v. Lull n, §, nov 192, pp, 921-984 40 Ibidom, pp. 321 a 330. 41 Grunberg. bier, TI, p. 249. Trata-se de uma eadeia de colinas na rmargem ditsita do Ofenoca, a jusante da “Catarata dos Guanbas" 40 tinham ces nem cultivavam rogas. Viviam da eaga com arcos e flechas, da pesca e das frutas que recolhiam, Conhe- ‘OTESTEMUMHO DA CIENCIA ciam o segredo de preparar o curare ea arte de utilizé-lo na caga e na guerra.” Segundo Hamilton Rice, existem no Alto Orenoco tiés tipos de guaribas.* Os primeiros (com os quais a expedigaio chegou a ter contato) so altos, fortes, viris & habitam em torno das Montanhas da Guiana. Os outros, de estatura baixa, ocupam as nascentes do Orenoco, na Serra Parima, E haveria ainda alguns, de nariz.chato e feigdes mongoldides, apelidados de chingos pelos venezuelanos, cuja existéncia real é discutivel.* Quanto aos dois primeiros tipos podem ser tri- bos da mesma origem remota, diferenciadas por distintas influéncias nos respectivos processos evolutivos, ou ra- cas totalmente diversas mas com idioma comum. Supde ainda o geégrafo norte-americano que os altos ¢ robustos devam ter parentesco préximo com os aguerridos xiriands do Uraricad, enquanto os pequenos ¢ feios sejam os mes- mos do Motomots.* A respeito destes outros, as informagées mais antigas procedem de Robert Schomburgk, que percorreu a regio do Alto Uraricoera nos anos de 1838 e 1839. Refe- re-se ele, de inicio, aos kirischands, para indicar 0 grupo 42 Hamilton Pice. Ibidem, pp. 322, 341 a 342. 48 Ibidom, p. 394 44 Granborg. p. 249. 45 Ibidem, p. 240. 46 Robert Schomburgk, Robert Schomburgk Reisen in Guiana und am (Orinoco wahrend der Jahre 1885-1889 (Viagem de Robert Schomburgk pela {Guiana e pelo Orenoco durante o8 anos de 1895 4 1839). Leipzig, 1841 a |AFARSA IANOMAME conhecido mais tarde, na literatura especializada, por Krischand*" E, muito embora jamais tenha conseguido vé- Jos de perto, descreve-os — pelo que soube deles por outros indios — como nomades remanescentes do mais primitive estagio cultural, andando nus e vivendo da caga, da pesca © da coleta de frutas silvestres. Incapazes de fazer canoas, como seus hibeis vizinhos iecuands (maiongongues), valem- se de riisticas balsas de cascas de arvores para atravessar as correntezas, Mas, com maior periciana preparagio do curare, ‘so temidos pelos outros indios da regiao, aos quais saquei- am e, as vezes, exterminam. Como sede dos xiriands indica Schomburgk 0 Alto Uraricaé (um afluente esquerdo do Uraricoera) © a grande Serra Parima, que serve de divisor entre as Bacias do Uraricoera e do Orenoco. Em seu relatério, registra como o pavor que despertam nos outros fndios frustrou sua tentativa de encontrar as nascentes do Orenoco. Ao atingir uma aldeia iecuané jé proxima desse objetivo, ao cabo de extenuantes caminhadas através da selva desde 0 Mereuati, encontrou os habitantes em panico ¢ prestes a abandond- Ja, com a noticia de haverem os xirianés exterminado 0 povo iecuand de outra aldeia a menos de uma jornada dali. Os indios de sua comitiva, contagiados pelo panico, puse- ram-se em fuga, forgando-o a fazer 0 mesmo para nao ficat 6 em contingéncia tao erftica.* G7 Grinberg. Ibidem. Tl, p. 250, “Os iacuands e thuruanés do Mereuati e do Alto Ventuati chamam-nos de schirichands. Ise0 dave ter influido na Genominagao dada por Schomburgk. sincope do fonema inital resultou fm contundlos, mais tarde, com outros inios do Jauaper™. 48 Schomburgk, Ibidem, pp. 497, 438 e 444 42 (OTESTEMUNHO DA CIENCIA Grinberg admite a probabilidade de serem estes xiriands da Serra Parima os mesmos fndios que impediram Humboldt de atingir as nascentes do Orenoco.” E diz té-os en- contrado duas vezes. Umano Natal de 1913,quando um grupo da aldeia do Alto Uraricad veio visitélo na Catarata de Punumamé, a convite de seus valentes indios. Outra, um més depois, na desola- da maloca as margens do igarapé Motomot6, em frente serra Urutanin.”” Agueles eram homens heredileas, bem mais altos que ‘8 outros indios, com um t6rax descomunal ea musculatura forte- mente desenvolvida. Rosto largo, alhos um pouco obliquos ou ‘grandes e abertos, olhar &s vezes Feroz e inconstante, nariz, geral- mentecurvoecom.apontapendente, Alguns tinham a barba abun- dante e outros 0 cabelo ondulado, quase crespo. O tipo fisico, porém, nio era homogéneo, provavelmente, pelo costume de in- ccorporarem 3 ribo os prisioneiros e as mulheres dos inimigos ven- cidos.*' As mulheres dos xirians do Uraricad eram bem menores ‘que os homens e bastante graciosas. Elas, também, nao apresenta- ‘vam um tipo fisico uniforme, Tlvez pela mesma raz. Os xiriands do Motomot6 eram homens peque- nos, com a média de 1,52 m de estatura. Suas mulheres eram ainda mais baixas, parecendo até atrofiadas. Essa gen- te, feia por natureza, tomava-se também repugnante pela falta de asseio corporal. Uma espessa capa de imundicie quase Ihes escondia a cor da pele, A maioria estava desfigurada por uma asquerosa moléstia cutiinea que Ihes cobria quase todo o corpo com grandes manchas escuras.* A essa época, 49 Grinberg, Ibidem, p. 244 50 Ibidom, p. 242. 51 Ibidom, p. 251. 52 Ibidem, p. 252. 43

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