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BU Nieat Dois historiadores inglases, Hobsbawm @ ares Mae lasers aie lI Mel ane T0T textos 6 coordenam os de alguns outros | historiadores, empenhados todas em lazer o Strip-lease do Rel e mostra-lo com tudo, au quase tudo, de fora, Pou- cas vezes o objeto de um livro fol mais perfeitamente descrito no titulo: trata-se fers ter-iCe- Tame Tu Tee Mace = Celt et = [ ms Me mete Moma eLearn melt) prova 6 comprova uma espécie de antiga Eailar=Ve=[e- Wal -IPTT-Tacel iTS E-Cel- Me elm Teo] aa) lat Worst MI Cellet Mele) etal e[o) | Ce PM Ee LC ee Sct Supplement, de Londres, e outro no The Nev Yorker, ambos os lados do oceano Ue leet Heme CMe sccltl felt Cele] | Corel MM INac Mme Le Taleo malice E-t le tM ob $0 usam grande erudigao @ pesquisa o, GTI eRe Iago Each CAC CUCM lt Mame Meet Mee LC Tu -T) MTs) gosto dos laitores, 4 que estao dizendo Wiis eT s Ute Camel e Ct Tne 4 espera de quem as pegasse e des- crevesse. Pelee er UL ele) cea 2 tradigoes om abel = 2-3-7010) ale er cel =i ~ a invencao ERIC HOBSBAWM TERENCE RANGER al @ ‘Dit tects 8 ehadopal ae Rubee cc lie cles esta hy bie | sag ind pave aee et ioe mah : re! Exc Hotmbusis @Bcuee: Basie) : ; iB de Jenetriny Page Tne Ea, une estos ria ra bing griegde quran tal teem ate arte ey eet sheet ap isifeys ade 9 eeaildieg avinGmivey orloe ang imi wad brig ab aigalqtimh Bia 3 Pe wen hes isbn NY pea Sl odes A, es =e ria heuoresiy te ss90shaO VENT ROG pavints? te sragt) beg ham Glu) pabindmed ma (ayn: ee: facdiah abil) CHierehhne stil Baness unbaeyaeath aieste2y in: INDICE Introducdo: A Invengio das Tradigées - Eric Hobsbawm ....., A Invengdo das Tradigdes: a Tradigao das Terras Altas ighlands) da Escécia - Hugh Trevor-Roper ......... Da Morte a uma Perspectiva: a Busca do Passado Gals no Periodo Romintico - Prys Morgan ...............- —Contexto, Execugio ¢ Significado do Ritual: a Monarquia Britnica ¢ u “Invengdo da Tradicaio”, ¢, 1820 a 1977 - David Cannadine .............5 ee A Representacio da Autoridade na India Vitoriana eee MORITAEG eG 2 os eres wae or dea eee burgiinie tes Pata A Invengdo da Tradigio na Africa Colonial Terence Ranger oo. cs cic este ee eeeeeres Puno aman A Producio em Massa de Tradicées: Europa, 1879 a 1914 - Eric Hobsbawm .......... a trate T aby gees th) eae a ean hI was soos |. Introducdo: A Invencdo das Tradicdes ERIC HOBSBAWM Nada parece mais antigo e ligado a um passado imemorial do que 4 pompa que cerca 4 realezu britinica em quaisquer ceriménias publi- (as de que ela participe. Todavia, segundo um dos capitulos deste li- W/O, este aparato, em sua formu atual, data dos séculos XIX ¢ XX. Muitas vezes, “tradigdes” que parecem ou séo consideradas antigas slo bastante recentes, quando nio sio inventadas. Quem conhece os "Colleges" das velhas universidades britdnicas podera ter uma id¢ia da Inutituigdo destas “tradigées” (a nivel local, embora algumas delas - (imo o Festival of Nine Lessons and Carols (Festa das Nove Leituras ¢ Ointicos), realizada anualmente, na capela do King's College em Cambridge, na véspera de Natal — possam tornar-se conhecidas do finde publico através de um meio moderno de comunicagio de mas- ii, © radio, Partindo desta constatagdo, o periddico Past & Present, @ipecializado em assuntos histéricos, organizou uma conferéncia em que se bascou, por sua vez a presente obra. O termo “tradigéo inventada™ é utilizado num sentido amplo, Mas nunca indefinido, Inclui tanto as “tradigdes” realmente inventa- das, construidas ¢ formalmente institucionalizadas, quanto as que sur- fam de maneira mais dificil de localizar num periodo limitado e de- rminado de tempo - ds vezes coisa de poucos anos apenas - ¢ se esta- beleceram com enorme rapidez. A transmissio radiofénica real reali- wida no Natal na Gra-Bretanha (instituida em 1932) é um exemplo do Primeiro caso; como exemplo do segundo, podemos citar o apareci- mento e evolugio das praticas associadas 4 final do campeonate britd- Nico de futebol. E obvio que nem todas essas tradigées perduram; nos- §0 objetivo primordial, porém, nao é estudar suas chances de sobrevi- véncia, mas sim o modo como elas surgiram e€ se estabeleceram. Por “tradigdo inventada” entende-se um conjunto de praticas, formalmente reguladas por regras tacita ou abertamente aceitas, tais Prdticas, de natureza ritual ou simbélica, visam inculcar certos valores @hormas de comportamento através da repetigio, o que implica, auto- Miaticamente; umu continuidade em relagdo ao passado. Alids, sem- c que possivel, tenta-se estabelecer continuidade com um passado istérico apropriado, Exemplo notavel é a escolha deliberada de um estilo gotico quando da reconstrugio da sede do Parlamento britanico no século XIX, assim como a decisio igualmente deliberada, apds a IT Guerra, de reconstruir 0 prédio da CAmara partindo exatamente do mesmo plano basico anterior. O passado historico no qual a nova tra- 10 digiio é inserida nao precisa ser remoto, perdido nas brumas do tempo. Alé as revolugdes ¢ os “movimentos progressistas”, que por definigio rompem com o passado, tém seu passado relevante, embora eles termi- nem abruptamente em uma data determinada, tal como 1789, Contu- do, na medida em que ha referéncia a um passado histérico, as tradi- gOes “inventadas' caracterizam-se por estabelecer com ele uma conti- nuidade bastante artificial. Em poucas palavras, elas sdo reagées a si- tuagdes novas que ou assumem a forma de referéncia a situagdes ante- riores, ou estabelecem seu proprio passado através da repetigdo quase que obrigutdria, E o contraste entre as constantes mudangas e¢ inove goes do mundo moderno e & tentative de estruturar de maneira imuté vel ¢ invariivel ao menos alguns aspectos da vida social que torna a ada tradigio” um assunto tdo interessante para os estudiosos contemporanea. : A “tradi¢do” neste sentido deve ser nitidamente diferenciada do “costume”, vigente nas sociedades ditas “tradicionais”, O objetivoe a caracteristica das “tradigdes"’, inclusive das inventadas, é a invariabili- dade. O passado real ou forjado a que elas se referem impde praticas fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetigao, O “costu- me’, nas sociedades tradicionais, tem a dupla fungdo de motor ¢ vo- lante, Nao impede as inovagdes ¢ pode mudar até certo ponto, embera evidentemente seja tolhido pela exigéncia de que deve parecer com- pativel ou idéntico ao precedente, Sua fungdo ¢ dar a qualquer mudan- ga desejada (ou resisténcia 4 inova¢io) a sangdo do precedente, conti- nuidade histérica ¢ direitos naturais conforme o expresso na histdria. Os estudiosos dos movimentos camponeses sabem que quando numa aldeia se reivindicam terras ou direitos comuns “com base em costu- mes de tempos imemoriais” o que expressa nado é um fato historico, mas 0 equilibrio de forgaé na luta constante da aldeia contra os senho- res de terra ou contra outras aldeias. Os estudiosos do movimento operdrio inglés sabem que o “costume da classe"’ ou da profissio pode ‘representar nao uma tradigéo antiga, mas qualquer direito, mesmo re- cente, adquirido pelos operdrios na pratica, que eles agora procuram umpliar ow defender através da sangdo da perenidade. O “costume” nado pode se dar ao luxo de ser invaridvel, porque a vida ndo é assim hem mesmo nas sociedades tradicionais. O direito comum ou consuc- tudinirio ainda exibe esta combinagdo de flexibilidade implicita ¢ comprometimento formal com o passado. Negse aspecto, alias, a dife- renga entre “tradigdo” e “costume” fica bem clara, “Costume’’ ¢ o que fazem os juizes; “tradigio” (no caso, tradigio inventada) é a peruca, a toga © outros acessorios ¢ rituais formais que cercam a substancia, que é i agio do magistrado. A decadéncia do ‘costume’ inevitavelmente modifica a “tradigdo” 4 qual ele geralmente esta associado, E necessdrio estabelecer uma segunda diferenga, menos importan- je, entre a “tradigdo” no sentido a que nos referimos e a convengao ou folina, que ndo possui nenhuma fungio simbdlica nem ritual impor- tunte, embora possa adquiri-las eventualmente. £ natural que qual- quer pratica social que tenha de ser muito repetida tenda, por conve- niéncia e para maior eficiéncia, a gerar um certo numero de conven- gbes ¢ rotinas, formalizadas de direito ou de fato, com o fim de facili- jar a transmissdo do costume, Isto é valido tanto para prdticas sem, precedente (como o trabalho de um piloto de avido) como para as pra- liens j4 bastante conhecidas. As sociedades que se desenvolveram a partir da Revolugao Industrial foram naturalmente obrigadas a inven- (ur, instituir ou desenvolver novas redes de convengdes ¢ rotinas com \ima freqiéncia maior do que antes. Na medida em que essas. rotinas funcionam melhor quando transformadas em habito, em procedimen- tos automaticos ou até mesmo em reflexos, elas necessitam ser imuta- veils, o que pode afetar a outra exigéncia necessdria da pratica, a capa- eldude de lidar com situagdes imprevistas ou originais. Esta é uma fa- tho bastante conhecida da automatizacio ou da burocratizagdo, espe- clulmente a niveis subalternos, onde o procedimento fixo geralmente é vonsiderado como o mais eficiente. Tais redes de convengio ¢ rotina nfo sdo “tradicdes inventadas”’, is suas fungées e, portanto, suas justificativas so técnicas, no ideo- logicas (em termos marxistas, dizem respeito A infra-estrutura, ndo a Auperestrutura). As redes sio criadas para facilitar operagbes praticas imediatamente definiveis ¢ podem ser prontamente modificadas ou abandonadas de acordo com as transformagdes das necessidades pri- ticus, permitindo sempre que existam a inércia, que qualquer costume. adquire com o tempo, ¢ a resisténcia ds inovagdes por parte das pes- sous que adotaram esse costume. O mesmo acontece com as “regras”” reconhecidas dos jogos ou de outros padrées de interagdo social, ou ¢om qualquer outra norma de origem pragmatica. Pode-se perecber de imediuto a diferenga entre elas ¢ a “tradigdo”. O uso de bonés prote- lores quando se monta a cavalo tem um sentido pratico, assim como o uso de capacetes protetores quando se anda de moto ou de capacetes de ago quando se é um soldado, Maso uso de um certo tipo de boné em conjunto com um casaco vermelho de caga tem um sentido com- pletamente diferente. Sendo, seria tao facil modificar o costume “tra- dicional” dos cagadores de raposa como mudar o formato dos capace- tes do Exército ~ instituicdo relativamente conservadora ~ caso 0 novo formato garantisse maior protegio, Alias, as “tradigdes” ocupam um jugar diametralmente oposto ds convengdes ou rotinas pragmaticas. A “tradi¢io” mostra sua [raqueza quanda, como no caso dos judeus li- berais, as restrigdes nu dicta so justificadas de um ponto de vista pragmitico, por exemplo, alegando-se que os antigos hebreus nado co- miam carne de porco por motivos de higiene. Do mesmo modo, os ob- Jetos ¢ praticas s6 so liberados para uma plena utilizagdo simbdlica ¢ ritual quando se libertam do uso pratico, As esporas que fazem parte do uniforme de gala dos oficiais de cavalaria sio mais importantes para a “tradigdo” quando os cavalos nfo estio presentes; os guarda- chuvas dos oficiais da Guarda Real, quando eles estdo 4 paisana, per- dem a importancia se ndo forem trazidos bem enrolados (isto é, ind- as perucus brancas dos advogados dificilmente poderiam ter ad- quirido sua importancia atual antes que as Olitras pessoas deixassem de usar perucas. Consideramos que a invengdo de tradigdes € essencialmente um processo de formalizagio e ritualizagio, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposigdo da repetigdo. Os histo- riadores ainda nfo estudaram adequadamente o processo exato pelo qual tais complexos simbdlicos e rituais so criados. Ele é ainda em grande parte relutivamente desconhecido. Presume-se que se manifeste de maneira mais nitida quando uma “tradigdo” ¢ deliberadamente in- ventada e estruturada por um tinico iniciador, como € 0 caso do esco- tismo, criado por Baden Powell. Talvez seja mais facil determinar a origem do processo no caso de cerimoniais oficialmente instituidos e planejados, uma vez que provavelmente eles estardio bem documenta- dos, coma, por exemplo, a construgdo do simbolismo nazista e os comicios do partido em Nuremberg. E mais dificil descobrir essa ori- gem quando as tradigdes tenham sido em parte inventadas, em parte desenvolvidas em grupos fechados (onde ¢ menos provdvel que o pro- cesso tenha sido registrado em documentos) ou de maneira informal durante um certo periodo, como acontece com as tradigdes parlamen- tares © juridicas. A dificuldade encontra-se nao s6 nas fontes, como também nas técnicas, embora estejam 4 disposigdo dos estudiosos tan- to disciplinas esotéricas especializadas em rituais ¢ simbolismos, tais como a herdldica e o estudo das liturgias, quanto disciplinas histdricas warburguianas para o estudo das disciplinas citadas acima. Infeliz- mente, nenhuma dessas técnicas é comumente conhecida dos historia- dores da era industrial. i Provavelmente, nio hd lugar nem tempo investigados pelos histo- riadores onde nao haja ocorrido a “invengdo” de tradigdes neste senti- do. Contudo, espera-se que ela ocorra com mais freqiléncia: quando uma transformacdo rapida da sociedade debilita ou destréi os padrdes sociais para os quais as “yelhas’’ tradigdes foram feitas, produzindo hovos padrdes com os quais essas tradigdes sio incompativeis; quando as velhas tradigdes, juntamente com seus promotores e divulgadores institucionais, dio mostras de haver perdido grande parte da capaci- dade de adaptagdo e da flexibilidade; ou quando sio eliminadas de ou- tras formas. Em suma, inventam-se novas tradigdes quando ocorrem transformacgées suficientemente amplas e rdpidas tanto do lado da de- manda quanto da oferta, Durante os Gltimos 200 anos, tem havido transformagées especialmente importantes, sendo razodvel esperar que estas formalizagées imediatas de novas tradigdes se agrupem neste periodo. A propésito, isto implica, ao contrdrio da concepgilo veicula- da pelo liberalismo do século XIX ea teoria da “modernizagiio", que é mais recente, a idéia de que tais formalizagdes ndo se cingem as cha- muidas sociedudes “tradicionais”, mas que também ocorrem, sob as mais diversas formas, nas sociedades “modernas’’. De maneira geral, é jas que acontece, mas € preciso que se evite pensar que formas mais antigas de estrutura de comunidade ¢ autoridade ¢, conseqiientemente, ws (radigdes a clas ussociadas, cram rigidas ¢ se tornaram rapidamente obsoletus; e também que as “novas” tradigdes surgiram simplesmente, por causa da incapacidade de utilizar ou adaptar as tradigdes velhas. Houve adaptagdo quando foi necessdrio conservar velhos costu- jes em condigdes novas ou usar velhos modelos para novos fins. Insti- (ulgdes antigas, com fungdes estabelecidas, referéncias ao passado ¢ \inguagens e praticas rituais podem sentir necessidade de fazer tal adapiacio: a Igreja Catdlica, frente aos novos desafios politicos ¢ ideolégicos ¢ 4s mudangas substanciais na composigio do corpo de fiéis (luis como o aumento considerdvel do nimero de mulheres tanto entire os devotos leigos quanto nas ordens religiosas);' os exércitos Mercendrios frente ao alistamento compulsdrio; as. instituigées anti- is, Como os tribunais, que funcionam agora num outro contexto € as vores com fungdes modificadas em novos contextos. Também foi o dio das instituigdes que gozavam de uma continuidade nominal, mas ie no fundo estavam sofrendo profundas transformagGes, como as liniversidades. Assim, segundo Bahnson,’ a tradicional evasio estu- dantil em massa das universidades alemas (por motivos de conflito ou ile protesto} cessou subitamente apés 1848 devido 4s mudangas no ca- ‘iter wcadémico das universidades, ao aumento da idade da populagio @suduntil, ao aburguesamento dos estudantes, que diminuiu as ten- Aes entre cles ¢ a cidade assim como a turbuléncia estudantil, 4 nova \natituigho da franca mobilidade entre universidades, 4 conseqilente ‘udanca nas associagdes estudantis ea outros fatores,’ Em todos esses wos, « inovacdo ndo se torna menos nova por ser capaz de revestir-se fnwilmente de um cardter de antighidade. 1 Vela, por exemplo, G, Tihon, “Les religieuses en Belgique du X¥iMle au XXe si Approche Stutistique”, Belgisch Tijdschrift v. Niewste Geschiedenis / Revue Belge d'Hixe filter Contemporaine, vii (1976), pp. 1-54, 1 Kuriten Buhnson, Akadentsche Ausztige aus dewischen University und Mockschu- Jorien (Suuebrticken, 1973), J, Hopistraram-se dezessete desses @xodos no século XVIII, cingilenta no perioda de WH00 1K4N, mus apenas seis de 1848 a 1973 14 Mais interessante, do nosso ponto de vista, é a utilizagdo de ele- mentos antigos na elaboragdo de novas tradigdes inventadas para fins bastante originais, Sempre se pode encontrar, no passado de qualquer sociedade, um amplo repertério destes elementos; ¢ sempre ha uma linguagem elaborada, composta de praticas ¢ comunicagdes simbdli- cas, As vezes, as novas tradigdes podiam ser prontamente enxertadas nas velhas; outras vezes, podiam ser inventadas com empréstimos for- necidos pelos depdsitos bem supridos do ritual, simbolismo e princi- pios morais oficiais - religiao ¢ pompa principesca, folclore ¢ magona- ria (que, por sua vez, é uma tradigdo inventada mais antiga, de grande poder simbélico), Assim, o desenvolvimento do nacionalismo suico, concomitante 4 formagio do Estado federal moderno no século XIX, foi brilhantemente analisado por Rudolf Braun,’ estudioso que tem a vantagem de ser versado numa disciplina (“Volkskunde" — folclore) que Se presta a esse tipo de anilise, e especializado num pals onde sua modernizagiio nfo foi embargada pela associagdo com a violéncia na- zista. As praticas tradicionais existentes — cangdes folcléricas, campeo- natos de ginastica e de tiro ao alvo - foram modificadas, ritualizadas ¢ institucionalizadas para servir a novos propdsitos nacionais. As can- ges folcléricas tradicionais acrescentaram-se novas cangdes na mes- ma lingua, muitas vezes compostas por mestres-escola ¢ transferidas para um repertério coral de conteido patridtico-progressista (“‘Na- tion, Nation, wie voll klingt der Ton’), embora incorporando também da hinologia religiosa elementas poderosos sob o aspecto ritual (vale a pena estudar a formagiio destes repertorios de novas cangdes, especial- mente o& escolares). Segundo os estatutos, o objetivo do Festival Fede- ral da Cangaio — isso nao lembra os congressos anuais de bardos gale- ses? — ¢ “desenvolver ¢ aprimorar a cangio popular, despertar senti- mentos mais elevados por Deus, pela Liberdade e pela Nagao, promo- ver u unio ¢ a confraternizagio entre amantes da Arte e da Patria’. (4 palavra “aprimorar™ in a nota de progresso caracteristica do sécula XIX.) Desenyolveu-se um conjunto de rituais bastante eficaz em torno destas ocasides: pavilhdes para os festivais, mastros para as bandeiras, templos para oferendas, procissdes, Loque de sinetas, painéis, salvas de titos de canhdo, envio de delegagdes do Governo aos festivais, janta- res, brindes ¢ discursos. Houve adaptagdes de outros elementos anti- gos: Nesta nova arquitetura dos festivais so inconfundiveis os resquicios das formas barrocas de comemoragio, exibigio e pompa, BE como nas come- 4. Rudolf Braun, Sezialer wed kelturetler Wandel in einem ladlichen Induxtriegebiet in 19, und 20, Johefeedert, cap. 6 (Erlenbuch-Zurique, 1965). moragies barrocas o Estado ¢ a Igreja mesclavam-se num plano mais al- jo, surge lambém um amdlgama de elementos religiosos € patridticos nes- (as novas formas de atividade musical ¢ fisica.’ Nilo nos cube analisar aqui até que ponto as novas tradigées po- o jwncar mao de velhos elementos, até que ponto elas podem ser rgadas a inventar novos acessérios ou linguagens, ou a ampliar o ve- iho vocabuldrio simbélico, Naturalmente, muitas instituig6es politi- Has. MOVImMentos ideologicos € grupos ~ inclusive o nacionalisme - sem Aileceasores tornaram necessdria a invengdo de uma continuidade his- {éricu, por exemplo, através da criagdo de um passado antigo que ex- fiapole a continuidade histérica real seja pela lenda (Boadicéia, Ver- vlngetarix, Arminio, 0 Querusco) ou pela invengao (Ossian, manuscri- jon medievais tchecos), Também ¢ ébvio que simbolos e acessdrios in- (einumente novos foram criados como parte de movimentos ¢ Estados ‘ jonais, tais como o hino nacional (dos quais o britanico, feito em |, purece ser o mais antigo), a bandeira nacional (ainda bastante influenciada pela bandeira tricolor da Revolugéo Francesa, criada no perlodo de 1790 a 1794), aua personificagio da “Nagdo" por meio de simbolos ou imagens oficiais, como Marianne ou Germinia, ou nio- ficiais, como os esteredtipos de cartum John Bull, o magro Tio Sam anque, ou o “Michel” alemio, Tumbeém nao devemos esquecer a ruptura da continuidade que es- ti is vezes bem visivel, mesmo nos topei da antigfidade genuina. De woordo com Lloyd," os cAnticos populares de Natal pararam de ser produzidos na Inglaterra no século XVII, sendo substituidos por hi- , come os compastos por Watts e pelos irmfos Wesley, embora hate versdes populares desses hinos em religides preponderantemente fiituls, como o Metodismo Primitivo. Ainda assim, os cinticos natali- jos foram © primeiro tipo de cangao folelorica a ser restaurada pelos wolecionadores de classe média para instald-los ‘nas novas cercanias dis igrejas, corporagdes ¢ ligas femininas", e dai se propagarem num fovo ambiente popular urbano “através dos cantores de esquina ou dos grupos de meninos roufenhos que entoavam hinos de porta em porta, na ancestral esperanga de uma recompensa”, Neste sentide, hi- nos como “God rest ye merry, Gentleman” (O Senhor vos dé paz ¢ legrin) so novos, no antigos. Tal ruptura é visivel mesmo em movi- mentos que deliberadamente se denominam “tradicionalistas” e que ilrdem grupos considerados por unanimidade repositérios da conti- nuidude histarica ¢ da tradigdo, tais como os camponeses.’ Alias, 0 5. Rudolf Braun, ap. eft., pp. 336-7. & AL. Lloyd, Folk Sore tr England (Londres, ed. 1969), pp. 134-8 7 Fi preciso fazer uma distingio entre esse caso ¢ o di restauragia du tradigdo por motives que, no funde, revelavam o declinio dela, “A restauragio, por parte dos fazen préprio aparecimento de movimentos que defendem a restauragio das trudigdes, sejum cles “tradicionalistas” ou nao, jd indica essa ruptura, Tais movimentos, comuns entre os intelectuais desde a época romanti- cu. Nunca poderdo desenvolver, nem preservar um passado vivo (anio ser, lalvez, criando refugios nuturais humanos para aspectos isolados nit vidi areaica), esto destinados a se transformarem em “tradicdes inventadas”, Por outro lado, a forga e a adaptabilidade das tradigdes genuinus no deve ser confundida com a “invencdo de tradicdes", Nao € necessirio recuperar nem inventar tradigdes quando os velhos usos ainda se conservam, Ainda assim, pode ser que muitas vezes se inventem tradigdes nfo porque os velhos costumes nao estejam mais disponiveis nem sejam vidveis, mas porque eles deliberadamente nao so usados, nem adapta- dos, Assim, ao colocar-se conscientemente contra a tradigdo ¢ a favor das inovagdes radicais, a ideologia liberal da transformagdo social, no século passado, deixou de fornecer os vinculos sociais e hierdrquicos aceitos nas sociedades precedentes, gerando vacuos que puderam ser preenchidos com tradigées inventadas. O éxito alcangado pelos donos de fabricas Tories em Lancashire (ao contrario do que aconteceu com os Liberais), depois de terem utilizado esses velhos vinculos em seu proveito, mostra que eles ainda existiam e podiam ser ativados ~ mes- mo num ambiente sem precedentes do distrito industrial." Ndo se pode negar que os costumes pré-industriais nila siio adaptaveis a longo pra- zo 4 uma sociedade que tenha passado por um determinado grau de revolugdo. Mus esta inadaptabilidade nao pode ser confundida com os problemas resultantes da rejeigdo dos velhos costumes a curto prazo por parte daqueles que os encaram como obstaculos ao Progresso ou, © que ainda € pior, como inimigos ativos, Isto néo impediu que os inovadores inventassem suas préprias tradigdes - por exemplo, as praticas da magonaria, No entanto, em deiros (na -virada do sécule) dos untigos trajes regionals, dungas folcléricus ¢ rituwis se- melhuntes pura vcasibes festivas adv pode ser consideruda um indicia de aburguesamen- to, nem de tradicionalisme, Parecia ser superficiulmente uma dngia nostélgica de recupe- far 0 cultura de antanho, que estava desapurecendo tio depress, mas, no fundo, era uma demonstragio de identidade de classe através da qual os fazendeiros prosperos po- (ium estabelecer umu distingdo horizontal em relugdo wos hubitantes da cidade © uma diMingio vertical em relagio aos agregados, urtesdos ¢ operdrios.” Palle Over Christian- sen, “Peasant Adaptation to Burgeols Culture? Chiss Formation and Cultural Redefini- tion in the Dunish Countryside”, Ethnologia Scandinavica (1974), p. 128, Veja também © Lewis, “The Peusantry, Ruru! Chunge and Conservative Agrarianism: Lower Austria wothe Turn of the Century”, Part & Present, nt 81 (1978), pp, 119-43, 4 Patrick Joyee, "The Factory Politics of Lancashire in the Later Nineteenth Centu- 1") Mivturival doweal, XVI (1965), pp, 525-5, virtude da hostilidade geral contra 0 irracionalismo, as superstigoes & us priticas de costume reminiscentes das trevas do passado, ¢ possivel- Mente até provenientes deles, aqueles que acreditavam fervorasamente us verdades do Iluminismo, tais como liberais, socialistas ¢ comunis- \, ubominavam tanto as velhas tradigdes quanto as novas. Os socia- ists, Como veremos adiante, ganharam um 1* de Maio anual sem sa- Kerem bem como; os nacional-socialistas exploravam tais ocasides fom um zelo ¢ sofisticagdo litirgicos e¢ uma manipulagio consciente dos simbolos.’ Durante a era liberal na Inglaterra tais praticas foram quando muito toleradas, na medida em que nem a ideologia, nem a produgio econdmica estavam em jogo, considerando-se isso uma con- Oeaslo relutante ao irracionalismo das ordens inferiores. As atividades wocidveis ¢ rituais das sociedades de ajuda mitua eram encaradas ao Meamo tempo com hostilidade (“despesas desnecessdrias’’, tais como "qustos com festas de aniversdrio, desfiles, fanfarras e aderegos”, eram proibidas por lei) e com tolerdncia pelos liberais no que dizia respeito fos banquetes anuais, pelo fato de que “a importancia desta atragao, especialmente em relugio A populagdo rural, néo pode ser negada”.'" Pntretanto vigorava um rigoroso racionalismo individualista, nado s6 eomo base de cdlculos econémicos, mas também como ideal social. No Capitulo 7 estudaremas o que aconteceu no periodo em que as li- MMilugSes deste racionalismo foram se tornando cada vez mais eviden- les, Podemos concluir esta introdugio com algumas observagées ge- ris sobre as tradigdes inventadas desde a Revolugdo Industrial. Elas parecem classificar-se em trés categorias superpostas: a) faquelas que estabelecem ou simbolizam a coesio social ou as condi- bes de admissao de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituigdes, status ou réla- gbes de autoridade, e c) aquelas cujo propésito principal ¢ a socializa- glo, a inculcagdo de idéias, sistemas de valores ¢ padrdes de comporta- mento, Embora as tradigées dos tipos b) e c) tenham sido certamente inventadas (como as que simbolizam a submissdo a autoridade na in- dia britanica), pode-se partir do pressuposto de que o tipo a) é que pre- valeceu, sendo as outras fungdes tomadas como implicitas ou deriva- das de um sentido de identificagdéo com uma ‘comunidade” e¢/ou as instituigdes que a representam, expressam ou simbolizam, tais como a Helmut Hartwig, “Plaketien zum |. Mai |934-39", desthetik und Kommunikation, n? 26 (1976), pp. 56-9, 10. PHAM. Gosden, The Friendly Societies in England, 1815-1875 (Manchester, 1961), pp, 123. 1% Uma das dificuldades foi que estas entidades sociais maiores sim- plesmente nfo eram Gemeinschaften, nem sistemas de castas. Em vir- tude da mobilidade social, dos conflitos de classe eda ideologia domi- nante, tornou-se dificil aplicar universalmente as tradigdes que uniam comunidades ¢ desigualdades visiveis em hierarquias formais (coma é o caso do Exército), Isto nao afetou muito as tradigdes do tipo c), uma ver que a socializagao geral inculcava os mesmos valores em todos os cidadios, membros da nagao ¢ siditos da Coroa, e as socializagdes funcionalmente especificas dos diferentes grupos sociais (tais como a dos alunos de escolas particulares, em contraste com a dos outros) ge- ralmente ndo sofriam interferéncias mituas. Por outro lado, na medi- da em que as tradigées inventadas como que reintroduziam o status no mundo do contrato social, o superior e o inferior num mundo de iguais perante a lei, nado poderiam agir abertamente. Poderiam ser in- troduzidas clandestinamente por meio de uma aquiescéncia formal e simbolica a uma organizagdo social que era desigual de fato, como no caso da reconstituig¢do da cerimdnia de coroagdo britdnica'’ (veja, adiante, p. 290). Era mais comum que elas incentivassem o sentido co- letivo de superioridade das elites — especialmente quando estas precisa- vam ser recrutadas entre aqueles que nao possuiam este sentido por nascimento ou por atribuigdo - ao invés de inculcarem um sentido de obediéncia nos inferiores, Encorajavam-se alguns a se sentirem mais iguais do que outros, o que podia ser feito igualando-se as elites a gru- pos dominantes ou autoridades pré-burguesas, seja no modelo milita- rista/burocratico caracteristico da Alemanha (caso dos grémios estu- dantis rivais), seja em modelos nio militarizados, tipo “aristocracia moralizada”’, como o vigente nas escolas secundirias particulares bri- tinicas. Por outro lado, talvez, o espirito de equipe, a auto-confianga ¢ a lideranga das elites podiam ser desenvolvidos por meio de “tradi- gGes” mais esotéricas, que manifestassem a coesdo de um mandarina- do superior oficial (como ocorreu ma Franga ou nas comunidades brancas nas coldnias), Uma vez estabelecida a preponderancia das tradigdes inventadas “comunitdrias”, resta-nos investigar qual seria sua natureza, Com o auxilio da antropologia, poderemos elucidar as diferengas que porven- tura existam entre as praticas inventadas € os velhos costumes tradi- cionais. Aqui $4 poderemos observar que, embora os ritos de passa- gem sejam normalmente marcados nas tradigdes de grupos isolados (iniciagdo, promogao, afastamento ¢ morte), isso nem sempre aconte- Vi, LEG. Bodley, Te Cormertion af kdward the Filth: a Chapter af European and Sin. perial Hivtory (Londres, 1903), pp. 201. 204. #0 Gom aqueles criados para pseudocomunidades globalizantes (co- Wo as nagdes ¢ os paises), provavelmente porque estas comunidades utizavam seu carater eterno ¢ imutdvel — pelo menos, desde a fun- glo da comunidade, No entanto, os novos regimes politicos e mo’ Wenlos inovadores podiam encontrar equivalentes seus para os ritos (radicionais de passagem associados a religido (casamento civil e fune- vuln. Pode-se observar uma nitida diferenga entre as praticas antigas ¢ ws inventadas, As primeiras eram praticas sociais especificas ¢ alta- fiente coercivas, enquanto as dltimas tendiam a ser bastante gerais e Vigil quanto 4 natureza dos valores, direitos e obrigagdes que procu- favam inculcar nos membros de um determinado grupo: “patriotis- mo", “lealdade”, “dever’’, “as regras do jogo”, ‘'o espirito escolar”, e assim por diante, Porém, embora o contetdo do patriotismo britdnico i) Norte-americano fosse evidentemente mal definido, mesmo que ge- falmente especificado em comentarios associados a ocasides rituais, as fitdiieas que o simbolizavam eram praticamente compulsdrias - como, yf exemplo, o levantar-se para cantar o hino nacional na Gri- retunha, o hasteamento da bandeira nas escolas norte-americanas. rece que o elemento crucial foi a invengio de sinais de associagado a Wie agremiagdo que continham toda uma carga simbolica e emocio- fil, Wo invés da criagdo de estatutos ¢ do estabelecimento de objetivos (ld Associagio. A importancia destes sinais residia justamente em sua finiversalidade indefinida: A Bandeira Nacional, o Hino Nacional ¢ as Armas Nacionais siio os trés simbolos através dos quais um pais independente proclama sua identida- de ¢ soberania, Por isso, eles fazem jus a um respeito ¢ a uma lealdade imediata, Em si ja revelam todo o passado, pensamento ¢ toda a cultura de uma nagio.” Neste sentido, conforme escreveu um obseryador em 1880, “os solda- dose policiais agora usam emblemas por nds”; embora ele nao previs- $0 Mua restauracdo como complemento de cidadaos individuais na era dos movimentos de massa, que estava prestes a comegar.”’ Podemos também observar que, obviamente, apesar de todas as (nvVengdes, as novas tradigdes nfo preencheram mais do que uma pe- (juena parte do espaco cedido pela decadéncia secular das velhas tradi- (2. Comentirio oficial do governo indiana, citado in R. Firth, Sparbols, Public amd Private (Londres, 1973), po 34. 1) Prederick Marshall, Curfonitier of Ceremomaly, Titles, Decorations and Forms af fiiverational Vanities (Londres, 1880), p. 20, 20 Ges ¢ antigos costumes; alids, isso jd poderia ser esperado em socieda- des nas quais o passado torna-se cada vez menos importante como modelo ou precedente para a maioria das formas de comportamento humano. Mesmo as tradigdes inventadas dos séculas XIX e XX ocu- Ppavam Ou ocupam um espago muito menor nas vidas particulares da maioria das pessoas e nas vidas auténomas de Pequenos grupos sub- culturais do que as velhas tradigdes ocupam na vida das sociedades agrarias, por exemplo," “Aquilo que se deve fazer” determina os dias, as estacdes, os ciclos bioldgicos dos homens e mulheres do século XX muito menos do que determinava as fases correspondentes para seus ancesirais, ¢ muito menos do que os impulsos externos da economia, tecnologia, do aparelho burocratico estatal, das decisdes politicas ¢ de outras forgas que ndo dependem da tradigfo a que nos referimos, nem a desenvolvem. Contudo, tal generalizacdo nao se aplica ao campo do que pode- fia ser denominado a vida publica dos cidadaos (incluindo até certo ponto formas publicas de socializagao, tais como as escolas, em oposi- Gao 4s formas particulares, como os meios de comunicagdo), Nao ha nenhum sinal real de enfraquecimento nas praticas neotradicionais associadas ou com corporagées de servigo publico (Forgas Armadas, a justiga,. talvez até o funcionalismo publico) ou com a cidadania. Alias, a maioria das ocasides em que as pessoas tomam consciéncia da cidadania como tal permanecem associadas a simbolos ¢ praticas semi-rituais (por exemplo, as eleigdes), que em sua maior parte siio his- toricamente originais ¢ livremente inventadas: bandeiras, imagens, ce- riménias e musicas. Na medida em que as tradigdes inventadas da era que sucedeu ds revolugdes Francesa e industrial preencheram uma la- cuna permanente — pelo menos, até hoje - parece que isso ocorreu nes- te campo, Ora, pode-se afinal perguntar, sera que os historiadores devem dedicar-se a estudar estes fendmenos? A pergunta ¢, de certo modo, desnecessiria, jd que cada vez mais estudiosos claramente se ocupam deles, como se pode comprovar pelo contetido deste volume e pelas re- feréncias nele incluidas. E melhor refazer a quest&o: o que os historia- dores ganham com o estudo da invengdo das tradicdes? Antes de mais nada, pode-se dizer que as tradigdes inventadas sido sintomas importantes ¢, portanto, indicadores de problemas que de outra forma poderiam ndo ser detectados nem localizados no tempo. Elas silo indicios. Pode-se elucidar melhor como o antigo nacionalis- 14. Sem falur aa transtormugio de ritusis duradouros ¢ sinwis de uniformidade © coe- do em modismos efémeros — no vestudrio, nu linguagem, nus praticas sociais ete, como ueonteve nas cullurus jovens dos pulses industrializados, 21 mo liberal alem4o assumiu sua nova forma imperialista-expansionista observando-se a répida substituig&o das antigas cores preta, branca e dourada pelas novas cores preta, branca ¢ vermetha (principalmente qu década de 1890) no movimento da ginastica alema, do que estudan- do-se as declaracdes oficiais de autoridades ou porta-vozes, Pela histd- fin das finais do campeonato britanico de futebol podem-se obter da- dos sobre o desenvolvimento de uma cultura urbana operaria que nao e conseguiram através de fontes mais convencionais. Por sinal, o estu- do das tradigdes inventadas néo pode ser separado do contexto mais amplo da histéria da sociedade, ¢ s6 avancard além da simples desco- heria destas praticas se estiver integrado a um estudo mais amplo. Em segundo lugar, o estudo dessas tradigdes esclarece bastante as felagdes humanas com o passado e, por conseguinte, o proprio assun- toe oficio do historiador. Isso porque toda tradigdo inventada, na me- ida do possivel, utiliza a historia como legitimadora das agdes e como eimento da coesdo grupal. Muitas vezes, ela se torna o proprio simbo- lo de conflito, como no caso das jutas por causa dos monumentos em honra a Walther von der Vogelweide ¢ a Dante, no sul do Tirol, em 1889 © 1896." Até mesmo os movimentos revolucionarios baseavam suas inovagdes em referencias ao “passado de um povo” (sax6es con- ina normandos, “nos ancétres les Gaulois"’ contra os frances, Esparta- ¢o), a tradigdes de revolugdo (“O povo alemao também tem suas tra- Wigdes revoluciondrias”, afirma Engels no inicio de seu livro A guerra dos camponeses alemdes)" ¢ a seus proprios herdis e mirtires. No livro de James Connolly, Labour in Irish History (O operariado na historia da Irlanda), hd excelentes exemplos desta conjugagdo de temas. O ele- mento de invengdo é particularmente nitido neste caso, ja que a histd- rla que se tornou parte do cabedal de conhecimento ou ideologia da nagio, Estado ou movimento ndo corresponde ao que foi realmente sonservado na memoria popular, mas aquilo que foi selecionado, es- rit, descrito, popularizado ¢ institucionalizado por quem estava en- arregado de fazé-lo, Os historiadores que trabalham com informa- bes orais observaram freqlentemente que a Greve Geral de 1926 teve fis mem orias das pessoas idosas um efeito mais modesto e menos im- pressionante do que o esperado pelos entrevistadores."’ Analisou-se a {8 John W, Cole e Bric Wolf, The Midden Frontier: Ecology and Ethnictty it an Alpine Valley (Nova lorque ¢ Londres, 1974), p. 55. 1h. Sobre a populuridade dos livros que tratum deste ¢ de outros milituntes histéricos fu hibliotecus eperdrias alemis, veja H.J. Steinberg, Sezialicnus und dewsche Sozialde- inokeaic. Zur ideulogie der parted vor dem ersten Weltkeieg (Hanover, (967), pp, 131-3 7. Baxistem rizdes bastante légicas para que os participantes das buses geralmente nfo vow Os Leonlecimentos histéricos por cles vividas como: os da classe dominante ¢ 0s 22 formagio de uma imagem semelhante da Revolugio Francesa durante a Terceira Republica," Todavia, todos os historiadores, sejam quais forem seus objetivos, estdo envolvidos neste processo, uma vez que eles contribuem, conscientemente ou nao, para a criagdo, demoligdo ¢ reestruturagdo de imagens do passado que pertencem nio 6 ao mun- do da investigagio especializada, mas também A esfera publica onde o homem atua como ser politico. Eles devem estar atentos a esta dimen- sdo de suas atividades. A propdsito, deve-se destacar um interesse especifico que as “‘tra- digdes inventadas” podem ter, de um modo ou de outro, para Os estu- diosos da histéria moderna ¢ contempordnea, Elas sio altamente apli- caveis no caso de uma inovagao histérica comparativamente recente, a “nagao”, © seus fendmenos associados: o nacionalismo, o Estado na- cional, os simbolos nacionais, as interpretagdes histéricas, e dat por diante. Todos estes elementos baseiam-se em exercicios de engenharia social muitas vezes deliberados ¢ sempre inovadores, pela menos por- que « originalidade historica implica inovagdo, O nacionalismo € as nagoes israclita ¢ pulestina devem ser novas, seja qual for a continui- dade historica dos judeus ou dos mugulmanos do Oriente Médio, uma vez que naquela regifio hd um século atrds nfo se cogitava nem no con- ceito de Estado territorial do tipo padronizadoatual, que sé veio a tor- nar-se uma probabilidade séria upds.a 1 Guerra. As linguagens-padrio nucionais, que devem ser uprendidas nas escolas e utilizadas na escrita, quanto mais na fala, por uma elite de dimensdes itrisérias, sao, em grande parte, construgdes relativamente recentes. Conforme observou um historiador francés especializado no idioma flamengo, o flamengo ensinado hoje na Bélgica ndo é a lingua com que as mdes ¢ avés de Flandres se dirigiam as ¢riangas: em suma, é uma “lingua materna” apenas metaforicumente, ndo no sentido literal. Nio nos devemos dei- xar enganar por um paradoxo curioso, embora compreensivel: as na- des modernas, com toda a sua paraferndlia, geralmente afirmam ser o oposto do nove, ou seja estar enraizadas na mais remota antigtidade, © 0 oposto do construido, ou seja, ser comunidades humanas, “natu- rais’’ o bastante para nfo necessitarem de definigdes que ndo a defesi dos proprios interesses, Sejam quais forem as continuidades histéricas ou nao envolvidas no conceito moderne da “Franga” e dos “france- Ses’’ - que ninguém procuraria negar — estes mesmos conceitos devem historiadores os véem, Pode-se chamuar este fendmena de “sindtome de Fabricio” (alu- io uo protigonista de livea 4 Cartwca de Parma, de Stendhal) Is Por esemplo. Alice Gérard, ta Révafution Francaives Mythen et fnterpreiwsions, PHU FO7E (Paris, 970). \ieluiy um componente construido ou “inventado”, E é exatamente on grande parte dos constituintes subjetivos da “nagdo” moderna Wiste de (ais construgdes, estando ussociada a simbolos adequados ©. em geral, bastante recentes ou a um discurso eluborado a proposito (iil como o du “histéria macional”), que o fendmeno nacional nao foue der udequadamente investigado sem dar-se a atenglo devida & livengio das tradigdes". Finalmente, o estudo du invengdo das tradigdes € interdisciplinar. 1 um campo comum a historiadores, antropdlogos sociais e varios ou- iron estudiosos das ciéncias humanas, ¢ que nao pode ser adequada- jerite investigado sem tal coluboragdo. A presente obra retine, funda- Mentulmente, contribuigées de historiadores. Espera-se que outros ve- fhum também a considera-la til,

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