You are on page 1of 114
VIOIIAYI DE relay ANADAS ererale) QVOIO i. ) INTRODUCAO A CRiTICA TEXTUAL . César Nardelli Cambraia ita Ron Martins Fontes Sao Paulo 2005 ony 02008, ira rine Ea "i oa ar ep cl. fete dren Cation Pb "Canara nine, rat ___ Sennen tine ie ‘im Sar wane sal ir Nat Cake. — to ose 2, le cs) biota ‘San 3620864 cite te Te sini dea ep patna prmgrse resend Toe ee aria Ft Ears i sna Cone Raa 30/3800 so Pano SP Brot ‘te ipaant ae Fo) 3105108 oni: inforasonetcan iptoonenaryomescan inDICE Prefécio. Lista de abreviaturas 1 2. Introdugio 1.1. Definigéo de critica textual 1.2. A mobilidade dos textos 1.3. Critica textual, ecdética e flologia 1.4. Contribuicdes, 1.5. Transdisciplinaridade Paleogratia Diplomitica. Codicotogia Bibliografia material Lingtifstica Breve histérico da critica textual 2.1, Da Antiguidade 3 Idade Média 2.2. Do Renascimento ao século XIX 2.3. Epoca moderna 2.4. A critica textual em Portugal e no Brasil. ¢ 3..A transmissio dos textos, 6 c 3.1, Conceitos bisicos 6 - 3.2. A produgio do livro manuscrito 65 o 3.3. A produgio do livzo impresso 2 antetio, que se . 3.4. Tipologia dos erros 8 defini, que 0 editor 4. Tipos de edigao. a7 srs Ae OF ASS rn 4 Tipos gers fe edigdo ” Menérae Plstumas de Bris Cubs, 1977: 152. 4.2. Tipos findamentais de edigio. - 90 Edigdes monotestemunhais....... 1 EdigGes politestemunhais. 104 5.Normas de edig&o 109 5.1. Principios norteadores. 109 A 5.2. Procedimentos bésicos an oa 5.3. Propostas de normas gerais. 126 Edigio diplomitica 128 c Edigao paleogrifica 129 5 Edigdo interpretativa. 131 o 6. Edigfo critica 133 c 6.1. Estabelecimento do texto critieo: 133 - Recensio. 133 5 Reconstituigio 48 ~ 6.2. Apresentagio do texto ctitico 161 - 7. Critica textual & informitica. - 175 ‘ 7.1. A transmissio dos textos na era digital 175 c 7.2. A edigio de textos na era digital... 181 c A informitica no estabelecimento do texto..... 181 > A informitica na apresentagio do texto 184 c 8. Critica textual & ensino 191 Cc 8.1. Livros didaticos 191 ic 8.2. A escolha de edigdes 194 Referencias bibliogréficas. 199 9 ) PREFACIO Nio deixa de ser surpreendente que a critica textual, ten do mais de dois milénios de existéncia,seja tio pouco difun- dida no Brasil. Raros sGo os cursos de Letras, Bibliotecono- mia, Hist6ria, ComunicagZo Social, dentre outros afins a ela, que 2 tém como disciplina na sua grade curricular. CCertamente um fato que muito contribui para sua pouca difusio no Brasil é 2 limitagZo bibliogrifica em lingua por- tuguesa: raras sio as obras da especialidade, e poucos os ma nusis introdutérios, que, por sua vez, se encontram jé hi tem- pos esgotados — eis, pois, o principal motivo para a claboragio da presente obra. Concebida para ser utilizada em cursos universitirios de graduagio (mas, naturalmente, de utilizago vidvel em cursos congéneres), esta introdugio tem como objetivo fundamental levar 20 conhecimento de leitores sem formacdo prévia em ctitica textual temas essenciais dessa 4rea,a fim de estimular a reflexio a busca por informagées mais ricas e diversifica~ das. Em firngio desse objetivo, procurou-se expor os temas de forma direta com uma linguagem simples, atual e objetiva. Embora se tenha tentado avanger na abordagem do assunto YIDD: ? yoo 2X # INFRODUCAO A ERITICA TEXTUAL com a inclusio de tépicos mais recentes (como, p.ex., critica genética e informitica), a presente obra no escapou da ine- vitével limitago bibliografica: por isso, deve ser entendida como uma sintese critica sobre 0 conjunto de informagées disponiveis ao autor durante sua elaboragio, Adaptages criag6es terminolégicas foram realizadas sempre que se fize~ ram necessirias para dar 4 matéria tratada uma organizagio mais coerente. © autor nao poderia encerrar este breve preficio sem externar seu agradecimento a duas pessoas em especial, que tormaram esta obra possivel: Heitor Megale, responsivel pela iniciagio do autor no mundo da critica textual; e Haquira Osakabe, autor do convite para a publica¢io desta obra.Ao colega José Américo de Miranda Barros, agradece o autor pelos inestimaveis comentirios § primeira versio desta obra. LISTA DE ABREVIATURAS sabre. ~ abreviada ale.~ aleobacense prox. ~ aproximadamente atual.— auaizado(®) aum. — aumentado(a) sag, ~engmentie Bibl. — Biblioteca c= cera de, eaneo of. confer 6d. ~ cbdice collab collaboration = eof dQ). — edigho/einor(e) lett ~ elewénica ‘sp. expanhol) £816). - fi fg). ~ linhals) LC ~ logar-ctitico melhor. melhorado(s) Nac. ~ Nacional NT ~ Now Titamento of ~ oficina ‘org().~ organizador(s) orig. ~ original - Pagina pret por exeinplo port. ~ portugués(es) publ. publicado(a) reed. ~reeditado reimpr ~ reimpresio rev. ~ revisto(t) CAPITULO 1 INTRODUGAO 1.1, DEFINIGAO DE CRITICA TEXTUAL Um dado fandamental para compreender 0 escopo da cri tica textual € 0 fato de que um texto sofie modificazbes ao longo do processo de sua transmissio. Para perceber de forma descontraida essa questo, basta Jevar-se em conta a tradicional brincadeira chamada telefone- sent-fie:20 pé do ouvido de quem esti ao seu lado, uma pes- soa passa oralmente uma mensagem, a gual é repassada para a pessoa seguinte do circulo em que se encontram, ¢ assim su- cessivamente — mas, como todos sabem, a0 retornar ao pri- meiro emissor, a mensagem munca chega como foi. Pode-se dizer que se passa, mutatis mutandi, a mesma coisa na transmis- sio de textos escritos.A cada copia que se faz de um texto, a ituigig deste muda — seja por ato involuntirio, seja por ato voluntério de quem 0 copia. E justamente por causa desse fato empirico incontestivel que a critica textual se constituiu: seu objetivo primordial € a restituigdo da forma genulna dos textos, 2 w inraopugao A cnintca TexTUAL 1.2. A MOBILIDADE DOS TEXTOS ‘As modificagdes que os textos podem softer ao longo do processo de sua transmissio podem ser distribuidas em duas categorias: exégenas e endégenas ‘As modificagbes exdgenas derivam fimdamentalmente da cormupgao do material utilizado para registrar um texto: tanto da matéria subjetiva (papiro, pergaminho, papel, etc.) quan- to da matéria aparente (grafite, tinta, etc.) Isto significa que, mesmo que nenhuma c6pia fosse feita de um registro ori nal de punho do préprio autor, ainda assim a transmissio des- se registro poderia softer modificagées, pois furos no suporte podem criar lacunas que exigirio o trabalho do critico tex- tual para serem preenchidas. A corrupgio do material dé-se por varios motivos: umidade, sol, fogo, insetos, vandalismo (cazio pela qual, aliés, documentos originais demandam con- digdes especiais de conservacio, de que, via de regra, apenas grandes bibliotecas e arquivos dispdem), No dominio da lingua portuguesa, hé casos muito curio~ s0s relacionados a essa questio da corrupgio do material: po- ddem-se citar,em especial, os chamados Pergaminho Vindel e Per- gaminho Sharer. Em 1914, 0 livreiro espanhol Pedro Vindel deu noticia da descoberta de um pergaminho contendo nio apenas o texto de sete cantigas de amigo atribuidas 20 trovador medieval ‘Martin Codax mas também a partitura de seis delas (cf. Vin- del, 1914). Esse pergaminho, datével do séc. XIII, servia até entio de forro a um cédice do sée. XIV, contendo uma e6pia do De Offs de Cicero. © pergaminho, que se encontra des- de 1977 na Pierpont Morgan Library de Nova lorque, tornou possivel, pela primeira vez, conhecer a miisica de cantigas de amigo, pois até entio sé se conhecia a miisica de cantigas ga- lego-portuguesas de cardter religioso ~ mais especificamente inrRopugio «3 as famosas Cantigas de Santa Maria, compiladas na corte de Afonso X, 0 Sabio (1221-1284)*. Se, por um lado, os furos que existiam no pergaminho nio impediram de todo 0 conhecimento do texto das can- tigas pelo fato de elas também se encontrarem registradas no Cancioneiro da Biblioteca Nacional (ns. 1278 a 1284) e no Can cioneiro da Vaticana (ns. 884 a 890), por outro, o conhecimen- to da miisica nio escapou 4 necessidade de conjecturas, pois tum dos faros encontra-se justamente na parte final de duas pautas da terceira cantiga.A propésito do texto em si, veja-se, na figura 1, como 0 furo na matéria subjetiva eliminou par- te da quinta cantiga (na primeira coluna, zo centro) Historia semelhante acontecen décadas depois: em 1991, 0 estudioso americano Harvey Sharrer noticiou a descoberta de um pergeminho que possuia nfo somente o texto de sete cantigas de amor de autoria do rei D. Dinis (1261-1325) mas também a sua partitura (cf. Sharrer, 1991). Esse pergaminho, dativel de fins do séc. XIM ou princfpios do XIV, fazia parte da capa de um livro do Cartério Notarial de Lisboa copiado ‘em 1571. Novamente houve um grande achado, pois o per~ gaminho, que se encontra no Arquivo Nacional da Torre do ‘Tombo, em Lisboa, revelou pela primeira vez a miisica de can~ tigas de amor (as de Codax eram de amigo). ‘Também no caso das cantigas de D.Dinis, o conhecimen- to do texto dessas composigdes liricas que se tem atualmente € menos lacunoso do que seria se constassem apenas do refe- rido pergaminho (muito mais fragmentétio que o localizado por Vindel), pois elas encontram-se registradas no Cancioneiro ALA sniica das Contes de Sante Maria reeben jf duns ‘quanto 8 pats de Ribeira (1922) e de Marin Codsx fi [por Manuel Pedro Ferrers 4 a tivrnopucho A cRITICA TEXTUAL Figura 1 — Félio 2x do Pergaminho Vindel (Fonte: Foret, 1986; 74-3) intropugho + § da Biblioteca Nacional (ns. 524 a 529 ¢ 520a) ¢ no Cancio~ neiro da Vaticana (ns. 107 a 113). De maneira igual, porém, a restituigio das notagSes musicais demandou conjecturas. Como se vé, em ambos os casos os estragos no pergami- nho impediram a continuidade da transmissio das notagdes musicais em sua integridade. No que se refere aos textos, em- bora haja outros registros das referidas composicées, ainda as- sim pode-se considerar existir uma perda, pois, do ponto de vista de autoridade, os dois referidos pergaminhos, porque si0 1 registros mais antigos, tém mais valor no proceso de re~ constituiggo da forma genuina dos textos do que os dois can- cioneiros citados, que parecem datar do séc. XVI. Certamente um caso que pode ser considerado exemplar em termos de perda por corrup¢io do material é o da versio medieval portuguesa do Mer Em 1979, 0 pesguisador catalio Amadeu-J. Soberanas trou- xe a conhecimento a descoberta de um fragmento do Merlin em portugués medieval (cf. Soberanas, 1979). Como nio se sabe de nenhum outro registro em lingua portuguesa desse texto, sua reconstituigao integral é simplesmente impossivel ¢ a propria reconstituigio apenas do texto portugués do fiag- mento & certamente bastante limitada. Veja-se abaixo, atra~ vés de um dos trechos transcritos por Soberanas (1979: 191), como 0 texto apresenta lacunas ora passiveis de conjectura (entre colchetes), ora praticamente irrecuperdveis (trés pon- tos entre colchetes): Qvido eles chegaré a abadya e os fitades uiré os caualeifros chagados, fford contra eles {..] ¢ flez[e}r8 [..) a hla camara e (1 fezerdlhys todo afquel seraigo] que poderd. Manbi: eee 6 « nrRoDuGAO A cRiTICA TeXTUAL ‘Nos trés exemplos acima citados, uma c6pia com corrup- cao material chegou até o presente, entretanto certamente riuitas outras cépias corrompidas de textos, as quais desapa- receram no curso do tempo, terio circulado no passado e ser~ vido de modelo para outras cépias, o que terd interferido na transmissio integral de muitos textos. ‘Ja as modificagGes endégenas sio aquelas que derivam do ato de reprodugao do texto em si, ou seja, do processo de reali- zagio de sua cépia em um novo suporte material. As exége~ nas diferem das endégenas porque a origem destas é interna 20 ato de cépia (depende de seu responsivel), enquanto a da- quelas é externa, na medida em que no depende do seu rea~ lizador, pois, mesmo que este executasse a copia com 100% de precisi, o resultado ainda assim estaria comprometido, por defeito no proprio modelo. As modificagdes endégenas po- dem ainda ser subdivididas em duas outras categorias: antorais ¢ ndo-autorais, As modificagées automis so realizadas pelo priprio autor in- telectual da obra, Durante 0 processo de preparagio da edigao impressa de uma obra, é comum o autor receber as provas ti~ pogrificas (impressio da primeira coimposigio tipogrifica fei- ta a partir de um original manuscrito ou datilografaclo): nesse ‘momento, s6i acontecer no apenas de o autor retificar aqui- Jo que 0 tipégrafo tinha alterado por desatengio mas também de ele proprio, o autor, fazer novas intervengées na forma do texto anteriormente enviado 3 editora, Em um passado mais remoto era possivel ainda que um autor divulgasse sua obra através de cSpias manuscritas em um primeito momento, mas, posteriormente, tendo realizado modificagdes na sua obra, di- vulgaria novas cépias, jd com alterages de sua autoria, "Um exemplo de modificagio autoral é 0 que aconteceu com a obra Os Seriées, de Buclides da Cunha (1866-1909). Se~ gundo esclarece Walnice Galvio (cf. Cunha, 2003: 520-9), mnrnopugio «7 essa obra foi publicada pela primeira vez em 1902 pela edito- 1a Laemmert, tendo sido reeditada em 1903 e 1905 pela mes- ‘ma casa editorial, Foi, porém, apenas apés publicada a 4? ed., em 1911, jf sob a responsabilidade da editora Francisco Alves, que se descobriu um exemplar da 3* ed. com emendas de prd- prio punho do autor (cf. figura a seguir) alteracdes estas que foram integradas a0 texto apenas a partir da 5? ed., saida em 1914. Atualmente o exemplar com emendas aut6grafis est, no entanto, desaparecido, mas ainda existe um exemplar com a reprodugio dessas emendas realizada por Fernando Nery (depositado na Academia Brasileira de Letras). Apds ter com- parado as trés primeiras edigdes ¢ exemplar com reprodu- fo apégrafa das emendas euclidianas, Galvio apurou a exis- téncia de nada menos que em torno de 6.000 variantes (sem se inclufrem nessa cifra as corregdes grificas e ortogrificas) Ter consciéncia de que os autores modificam suas obras, de uma edigio para outra é especialmente importante, pois a diversidade formal dos textos tem origem nio apenas em lapsos de cépia mas também na mudanga de vontade do au- tor (que dé origem as chamadas variantes de autor:a dificulda- de, entretanto, esta justamente em se estabelecer com certeza quando se trata de um caso € quando de outro, especialmen- te em relagio a textos muito antigos. Modificagdes no-autoraissio as que ocorrem sem a auto- rizagio nem 0 conhecimento do autor, ou seja, sio fruto da atividade de tereiros. Essas modificagSes podem sex subdividi~ das em voluntérias e inveluntérias. Sao modificagdes voluintdrias aquelas que ocorrem por ato Aeliberado de quem reproduz o texto. razao principal para esse tipo de modificagio costuma ser a discordincia ideoldgica, que se manifesta, via de regra, através de censura (politica, re- ligiosa, etc.). 8 « IvtRopUGAO A CRITICA TEXTUAL Figure 2~Pigin 140 da 3 od, Or Soe com strpos supra de Buches de Cun ont Co 1460) « en a 4 cAoga anltando © winndante rater: Asters bod es sera a parc ‘bod compan ‘Nip tela il earetria-as erm ara meio ger’ ‘engin All| elo, francs, 0 anhropione do elrages axa M1 anfalinedoaticam « 6 qb € mia, © proiis tsadt Clonal da raza sapetor, wx épocn do desisbrimenin © de santo do Baal frag nem, cow D. Jodo 1, Tustgio de completo devquitibrle woval, ‘om tarTores de Rasde-Medje tiabam eraic me genaslary. Para exemplificar censura, pode-se mencionar a primeira edigio que Augusto Magne fez do texto medieval portugués da Demanda do Santo Graal em 1944, Certamente por achar que certas passagens do texto poderiam chocar o piblico, 0 ITRODUGKO #8 editor suprimiu-as do corpo do texto, transferindo-as para uma segdo final intitulada aditamento. Tendo sido criticado por ssa atitude, Magne preparou uma segunda edicio, publicada em 1955-1970, em que no somente recolocou no devido In gar todas as passagens anteriormente deslocadas mas também incluiu reproducio fac-similar do manuscrito para tornar evi- dente sua fidelidade a ele. Veja-se, a seguir, a reprodugio de um excerto censurado na 1 ed.¢ de sua forma integral na 2* (0 excerto, do cap. LIT, § 357, narra 0 encontro do jovem rei Artur com uma donzela): € dés i, foi-se contra a donzela e salvou-a;e ela se ergueu con- tra le € salvou-0 muito apésto; e el-rei se assentou e ela ou- trossis € comegarom a falar de-suii, e achou-a el-rei tam si- suda € de tam booa palavra, que marivilha era, € foi em tam. agado, que a quis levar consigo; ¢ entom aque-vos uu cava~ leiro j4 quanto de idade, que sain da foresta assi desarmado como rei Artur (Magne, 1944, vol. II: 33, itilicos de Magne). 8s i, fofiJ-se contra a donzela e salvou-a; ¢ ela se erguen suda ¢ de tam booa palavre, que marivilha [era], ¢ foi tam pa~ gado, que jouve com ela per fora. E ela, que era menina ainda nom sabia de tal cousa, comesou a braadar mentre ele jazia com ela, mais ‘nom the houve prol, ca toda via fez el-rei o que quis, ¢ fez entom em la uit iho. E depois que how feito seu prazer ea sigo aque-vos ui cavaleiro jé [quanto] de idade, foresta assi desarmado como rei Arent (Magne, 1970: 89, itf- lico nosso). Trata-se obviamente de uma cena forte, poi estupro, Entretanto, no & possivel fazer uma andlise adequada do texto portugués da Demanda do Santo Graal levando-se em conta a edi¢io com censuras: s6 se pode ter uma visio global a I oy 10 4 mermopuco A cniricA PERTUAL © aprofizndada do texto medieval portugués considerando to- das as suas partes. Constituem modificagées involuntérias aquelas que ocor- rem por lapso de quent reproduc o fexto. Esse tipo de modificacio, conhecido tradicionalmente como erro de cfpia, foi j4 obje~ to de diversos estudos, que procuraram descrever ¢ classifi- car cada categoria: tal empenho decorre da consciéncia de que a identificagio da origem de um erro explica a nature~ za da distorgio ¢ evidencia como deve ser sanada na restitni~ ¢fo da forma genuina dos textos. Como no capitulo 3 esse tema serd abordado detalhadamente, apresenta-se aqui apenas um exemplo: 0 salto-bordiio, Quando hi no modelo utilizado para a cOpia duas palavras iguais em pontos diferentes de uma ‘mesma pagina de um manuscrito ou impresso, nfo raramente costuma-se saltar 0 texto que hé entre essas duas palavras, Isto di-se porque 0 copista nfo percebe que, 20 retornar os olhos para o modelo, apés ter registrado na sua cOpia a primeira ocorréncia da palavra em questio, seus olhos se fixam em uma palavra igual, mas em um ponto situado adiante no mo delo. Vasconcelos (1949: 97), comparando dois incundbulos coevos da Histbria de Vespasiano — um com 0 texto castelhano (evilha: Pedro Bran, 1499) ¢ outro com o texto portugués (Lisboa: Valentim Fernandes, 1496) ~, verificou varios casos de salto-bordo. Confira-se abaixo a reprodugio de um ex- certo do capitulo VII em ambas as linguas: cr. Gays el senescal se acordo 7 dixo a Jacob: Yo quero fablar con Pilates; Jacob te disco: «Yo jre con 0s»; ¢ amos a dos var 1 fablarop le delante del remplo de Salamon (Foulché-Del- bose 1909: 14, itdlico de Vasconcelos) Eo mestre-salla acordou-se e disse a Jacob: Eu quero fallar com Pilaty...E fllaron lhe diante do templo de Salamom (Perei- ta, 1905: 47). 4 meraoDuGio # It Percebe-se que, no texto portugués, houve a supressio da seqiiéncia preservada no texto castelhano (cf. trecho em it essa omissio deu-se justamente porque 2 seqiiéncia es- tava entre as duas ocorréncias do nome Pilatos. Em se tratando da lirica medieval, no entanto, as modifi- cages nos textos podem ter uma origem mais complexa do que simplesmente um lapso. Como assinala Cunha (1985b:36), as modificagées eram motivadas ainda por dois fatores: 4) a indiferenga dos escritores medievais pela propriedade e pela originalidade da obra, que estimavam ver alterada ou a (Js ) a wansmis mcteriza oral, com a“falsa reiterabilidade” que a ca- ‘A atuago desses fatores, a que Zumthor (1981) chamou de movencia, tern naturalmente implicagdes para o proceso de estabelecimento de textos dessa época, pois, como j alertou Cunha (1985b: 36), é preciso levar em conta no apenas a exist&ncia de variantes (imputiveis aos copistas) mas também de variagao, sto é, modificagdes decorrentes das diversas per~ formances de uma poesia difundida por umm século e meio sob a forma cantada, Segundo Azevedo Filho (1998: 268), também em textos da lirica camoniana é possivel perceber casos de “interferéncia da meméria em caso possivel de trans missio o: Modificagées naio-autorais em um texto podem, por ve- zes, irapor-se de tal maneira que acabami obtendo uma sorte mais afortunada do que a da forma genuina. Um caso mnito interessante & 0 do texto da Carta de Achamento do Brasil, re~ digida por Pero Vaz de Caminha e datada de 1500: Mattos «¢ Silva (1999: 134) chama a atengao para o fato de como um dado trecho da referida Carta, que tem circulado atualmen- 12 + wermopUGAO A cRiTiCA TexrUAL te de uma forma quase cristalizada, simplesmente no existe no original, pelo menos dessa forma, Nao haveré um falante culo de portugués que nio conhesa a expressio “em se plantando, tudo da” (ou ainda “aqui tudo, em se plantando, di”), tradicionalmente considerada parte da Carta de Cami- nha, No texto genuino (f6l, 13y, s. 19 a 21), porém, 0 que hf 6“em tal maneira he graciosa que querendoa aproueitar darsea neela tudo per bem das agoas que tem” (Caminha, 2001: 79). Segundo a referida pesquisadora, é bem provivel que essa forma derive de alguma leitura atualizada do texto original. De qualquer maneira, no deixa de ser impressio~ nanté como esse bordio parafféstico acabou por se enraizar profiandamente na cultura lus6fona, Os exemplos apresentados acima poderiam induzir o lei- tor a achar que as modificagdes ocorrem fandamentalmente em relagio a textos de épocas muito pretéritas, mas nao é ver dade:2 mobilidade do texto manifésta-se em qualquer época Exemplos bastante curiosos da mobilidade do texto no mun- do moderno sio apresentados por Garcia (2002:92-3) no que diz respeito 4 musica popular brasileira: lagraram-se jé diver- 80s casos em que intérpretes modificaram 0 texto genuino. ‘Um caso muito interessante é 0 relativo A cangdo Ultimo De- sejo, de Noel Rosa: na estrofe “E as pessoas que eu detesto/ Diga sempre que eu no presto/ Que o meu lar é o bote- quim’ (cf. Chediak, 1991, vol. 2:124 e 128), muitos cantores alteram a titima frase para “Que o meu lar é um botequim”, subvertendo o sentido do texto. Se, no texto or tor considera que o seu lar é fora de casa, & 0 botequii texto modificado a idéia suscitada parece ser a de que o seu lar é a sua propria casa, mas ela assemelha-se a um botequim. Enfim, de diversas ordens sio as raztes pelas quais 0s tex- tos se modificam; e certamente varias razSes entrecruzam-se eTRoDugho = 13 xo processo de transmissio de cada texto, Justamente por isso, quanto mais ciente o critico textual estiver dessas possibilida- des, tanto mais proparado estard para desvendar os mistérios da historia da transmissio de cada texto. 1.3. CRITICA TEXTUAL, ECDOTICA E FILOLOGIA Quando se fala em atica textual, nio raramente despon- tam dois outros termos: erdética¢ flologia. No hé atualmente consenso* sobre 0 campo de conhecimento que cada um des- ses trés termos designaria: ora sio tratados como sindnimos, ofa como denominagio de campos de conhecimento distin tos ainda que intimamente relacionados No que se refere a expressio artica textual, costurna-se empregi-la em lingua portuguesa como designadora do cam- po do conhecimento que trata basicamente da restituigdo da forma genuina dos textos, i. é, de sua fexagio ou estabelecimento (cf, Houaiss, 1967, vol. I:204; Azevedo Filho, 1987: 15; Spi- na, 1994: 82). Jéo termo ecdbtica” tem sido utilizado para nomear o cam- Po de conhecimento que engloba o estabeleaimento de textos € a sua apresentasao, i. é, sua edigaot (cf. Azevedo Filho, 1987: 2. Et problems texminclgica, de que nfo piece spenas gus portage, fo es is quai 0+ ede emedicls.A Bedties 63 sit, ocglene iad ; or Spin (19771958) is oa lis ein o rnc den Noe aaprsenapio de um te osegund desig sus Compete ipogrifica/eletrénica e impressio. = = pee n eeooce: dor dQ Q JANISAS + ; 14 merropugho A cntrica TeXTUAL 15; Spina, 1994: 82): nessa acepgGo, o termo abarca no ape- nas 0 processo de restituigo da forma genuina de um tex- to mas também os procedimentos técnicos para apresentar © texto ao piblico, Se, para os dois termos acima discutidos, hi um certo li- mite nas oscilagées de sua definicio, pois, ainda que even- tualmente sejam empregados como sinénimos (cf, p. eX., Houaiss, 1967, vol. I: 204), referem-se sempre ao proceso de edigio de textos;o mesmo nio se verifica, porém, em relago a0 termo filologia, para o qual circulam definigées muito dis- tintas. No Dicionério Houaiss (2001: verbete filologia) repis- tram-se quatzo significados para essa palevra: A. estudo das sociedades e civilizacSes antigas através de do- ‘cumentos € textos iegados por elas, privilegiando a lingua escrita e literdria como fonte de estudos estudo rigoroso dos documentos escritos antigos ¢ de sua transmissio, para estabelecer, interpretar ¢ editar esses textos 3.0 estudo cientifico do desenvolvimento de uma lingua ou de familias de Linguas, em especial a pesquisa de sua his- téria morfolégica e fonolégica baseada em documentos escritos ¢ na critica dos textos redigidos nessas linguas (p. ex, filologia latina, filologia germénica etc.); gramética hist6rica -estudo cientifico de textos (no obrigatoriamente antigos) ¢ estabelecimento de sua autenticidade através da compa- ragdo de manuscritos € edigdes, utilizando-se de técnicas auniliares (paleografia, estatistica para datacio, historia lite- ratia, econémica etc), esp. para a edigdo de textos Como se pode ver, os conceitos acima ora apresentam grande afinidade com a definigio de orftica textual adotada nesta obra (cf. significados 2 e 4), ora identificam-se ao estado IterRODUGAO « 15 de historia da lingua (cf. significado 3). Numa concepgio ‘mais abrangente, relacionar-se-ia ainda ao estudo de civiliza~ ‘ses, a partir de textos (cf. significado 1) A polissemia do termo filologia nao é, porém, fendmeno modemo, pois, 20 gue parece, na Grécia antiga, periodo em gue teria sido cunhado, jé apresentava sentidos diversos. Do ponto de vista etimol6gico, 2 palavra filolgia origina se, em Shima instincia, do vocébulo grego gikohoyle, com- posto de um radical vinculado ao verbo gitet (“amar”) ¢ de um radical relacionado do substantivo 46 ys (“‘palavra sim sendo, a idéia bésica originalmente expressa pelo termo em questio seria “amor 4 palavra”, Esse valor semintico bisico nao escaparia de softer deslo- camentos, pois verifica-se 0 emprego do referido termo com outros significados ja em autores gregos dos sécs. IV-III a.C. Bailly (1950: 2076) lista os seguintes: 1."'desejo de falar, pala vrério” em Licénio, Ath. 548a; 2."gosto pela dialética” em Plato, Thaw. 146a; 3."gosto pela literatura ou pela erudi- cdo” em Aristételes, Probl. 18, Plutarco M. 645¢— por exten- si, “disserta¢do sobre um assunto literdrio ou de erudigao” em Isdcrates, Antid. O deslocamento por tris do sentido cons- tatado em Aristételes parece ser : trajeto como “palavra” > “sentenca’” > ““discurso’ mento” > “erudi¢ao”. A idéia de filologia como “erudigio” parece ser a que esti na base do uso que Eratéstenes de Ci- rene (¢. 276-196 a.C.), um dos responsiveis pela Biblioteca da Alexandria no Egito, fez 20 se auto-intitular filélogo. Segun- do o historiador romano Suetdnio (c, 69-140 d. tar de Liicio Ateio Pretextato no texto De Grammatiis et Rhetoribus, Bratéstenes teria sido o primeiro a adotar a refe- rida denominagio no mundo helénico, enquanto Ateio 0 te- ria feito no mundo romano: INTRODUGAO A CRITICA THXTUAL Philologi adpellationem adsumpsisse videtur, quia sic ut Eratos- thenes, qui primus hoc cognomen sibi vindicavit, multipli va- Hlagque doctrina censebator® (Tranquillus, 1960 [1991}:610.4-5), Jano mundo moderno, o termo fi micamente, um significado mais restr © fato de o alemio Friedrich August Wolf ter-se matricula~ do na Universidade de Géttingen, em 1777, com 0 titulo Studiosus Philologiae. Segundo Herrero (1988: 17), Wolf teria definido filologia como o “estado do que é necessario para conhecer a correta interpretagao de um texto literario”. ogi ainda no séc. XVIII, parecia continuar polissémico, pois em Bluteau (1712 (2000), +.VI: 482) apresentam-se duas definicdes, uma mais ampla e outra mais restrita (nas trés linhas finais a seguix): PHILOLOGIA. He palavra Grega composta de Philos, Amigo, & Logos, discurso; & Philologia val o mesmo que Estudo das le tras humanas, comegando da Grammatica, (que antigamente ‘era a parte principal da Philologia,) & proseguindo com a elo- quencia Oratoria, & Poetica, com as noticias da Historia an- tiga, & moderna, com a intelligencia, interpretagio, 8¢ Critica dos Authores, com a erudicio sagrada, & profana, & géralmen- te com a comprehensa6, &¢ applicagio de todas as cousas, que podem ornar 0 engenho, & discurso humano. Rigorosamente fallando, Philologia he a parte das sciencias, que tem por ob- Jjecto as palavras, & propricdades dellas. Um século depois 0 termo nfo deixaria de designar aquele conceito amplo, relacionado 3 interpretagio de tex- inrRopugso «17 to, Isto € 0 que se infere da definigio apresentada por Sil- va (1813 [1922], t. 2: 446): PHILOLOGIA, s.f.A arte, que trata da intelligencia, e interpre taco critica grammatical, ou thetorica dos Autores, das anti- guidades, historias, &c, E possivel constatar, porém, que em principios do séc. XX esse termo poderia ser utilizado enfocando-se especial- mente 0 estudo da lingua, ficando a interpretagio dos te tos como parte acess6ria — isto depreende-se de como L te deVasconcelos (1911 [1959: 9}) definia flologia portuguese: (..) © estudo da nossa lingua em toda a sua amplitude, no tempo e no espago, ¢ acessoriamente o da literatura, olhada sdbre tudo como documento formal da mesma lingua. Essa concepgio perduraria ainda pelo menos até meados daquele século, pois Silva Neto (1956a: 15) reiterou, décadas © de filologia portuguesa, bastante seme- Ihante Aquela, mas apresentada por Carolina Michaélis em suas prelesSes de 1911/1913 (cf Vasconcelos, s.d.; 156) [o ex- certo a seguir aparece de forma idéntica nessas duas obras]: ) 0 estado cientifico, hist6rico e comparado da lingua nacio- nal ema téda a sua amplitude, ndo s6 quanto & gramética (foné- tica, morfologia, sintaxe) ¢ quanto & etimologia, semasiologia, etc., mas também como Srgio da literatura e como manifesta- sao do espfrito nacional. Por volta dessa mesma época, porém, a definigao de fi- lologia como estudo do texto também. existia, pois Melo (1952: 54-5) defendia ser a filologia portuguesa: (..) © estado largo e profuindo dos textos de nossa lingua para atin~ gir em cheio a mensagem intelectual ou artistica néles contida, ny YQ) fy 18» mrRonuGio A cRiTICA TaxTUAL também circulava uma ia, pois Bueno (1946 Alguns anos antes, no enta definiggo bem mais ampla de [1959: 22}) assim a delimitava: O conhecimento da civilizagio de um povo, num dado mo- mento da sua histéria, através dos seus monumentos liters ios (...) Contemporaneamente, 0 termo filologia, como jé se viu mais acima pelo verbete do Dicionério Houaiss, continua a ser empregado de forma polissémica, mas ha uma tendén- cia a se associar esse termo ao estudo do texto, reservando- se o termo lingiiistica para identificar estudo cientifico da linguagem humana. Seguindo essa tendéncia, emprega-se aqui © termo filolagia para designar o estudo global de um texto, ou seja,a exploracdo exaustiva e conjunta dos mais variados as- pectos de um texto: lingiiistic, literitio, ctitico-textual, s6- cio-histérico, ete Para finalizar esta sego ser de grande proveito conhecer ‘um pouco mais quais seriam as tarefas do critico textual. Uma visio expandida dessas tarefas foi exposta de forma bastante instrutiva por Carvalho e Silva (1994: 59-60): + A definicio do conceito, do objeto, do método ¢ das f- nalidades da ciéncia e das diferentes épocas da sua evolucio. + O estudo e clasificagio dos textos e das edigdes, e, nos 250s de ditvida, a averiguagio da sua autenticidade e a fan- damentada identificagio de textos apécrifos ¢ de edges frau- dulentas (contrafacdes) + O exame da tradiglo textual e da fidelidade das transcri- 962s, cOpias e edigdes + A pesquisa da génese dos textos, sem deixar de lado qual- quer elemento (inclusive fréginentos textuais) que possa con- twibuir para as conclusdes sobre o labor autoral. ietnopugko «19 + A fixagdo de principios que devem orientar 0 trabalho da reproduio e da claboragao de todos os tipos de edigdes de textos. + A aplicagio de tais pring tes tipos de textos, eendo em vista os contextos hist turais em que es + O estabelecimento de normas gerais e de normas espe- cificas para a conversio dos textos orais em textos escrito. * A indicagio dos pressupostos filolégicos para a boa rea~ lizagio da traducio dos textos. * A organizagio dos planos de publicagio das obras avulsas ou das obras completas de determinado autor, apoiada em ri- goroso levantamento de dados hist6rico-culeurais e biobiblio~ grificos; e a formulagio de normas editoriais para cada caso em exame, + A preparagio de edigdes fidedignas ou de edigdes eriti- cas, enriquecidas, sempre que recomendével, de estudos pré- vvios, notas explicativas ou exegéticas destinadas a valorizar © labor autoral ¢ normas gerais a diferen- ico-cal- 1.4. CONTRIBUIGGES Com certeza a contribuigio mais evidente e importante da critica textual & a recuperasio do patriménio cultural escrito de uma dada cultura, Assim como se restauram pinturas, escul- tras, igrejas e diversos outros bens culturais da humanida- de,a fim de que mantenham a forma dada por seu autor in- telectual, igualmente restauram-se os livros em termos tan- to fisicos (recuperagio da folha, da encaderagio, da capa, etc.) quanto de seu contetido (recuperagio dos textos) Considerando que, apés se ter restituido a forma genui- na de um texto escrito, ele é, via de regra, publicado nova mente, contribui-se também, assim, para a transmissfo e pre- servagio desse patriménie: colabora-se para a transmissio dos 20 + uwrnopucho A circa rexruAL textos, porque, a0 se publicar um texto, este torna-se nova- mente acessivel 20 piblico leitor; contribui-se para a sua preservagdo, porque se assegura sua subsisténcia através de re~ gistro em novos e modernos suportes materiais, que aumen- tarlo sua longevidade. Nio é necessério muito esforgo para se perceber a vasta extensio do dominio do conhecimento humano que se be- neficia do exercicio da critica textual: basta dizer simplesmen- te que tem impacto sobre toda atividade que se utiliza do texto escrito como fonte, Exemplificar cada uma dessas atividades, sa- lientando a importincia da utilizagio de textos fidedignos em cada caso, é uma tarefa praticamente infindavel, dada a vas- tidio dessas atividades. Nio se pode, porém, deixar de men- cionar duas delas: 0s estudos lingtifsticos e literdrios No dominio dos estudos lingiistias, os textos escritos, nao raramente, io utilizados como corpus, isto 6, fonte de dados para o conhecimento da lingua. Uma descricio lingiiistica sé tem validade se, de fato, os textos adotados como fonte de da- dos espelharem o emprego efetivo da lingua (ainda que ape- nas na sua modalidade escrita): textos com deturpacdes levam uum lingilista a considerar, como atestagio de uma palivra ou de uma estrutura ln algo que € simplesmente erro de cépia e que, portanto, nio reflete 0 uso real da lingua. Um caso digno de mengio em lingua portuguesa é 0 da palavra cofie: Machado (1995, vol. II:177) registra no verbete respectivo a ocorréncia dessa palavra jé no séc. XIV, mais es- pecificamente na Demanda do Santo Graal. Entretanto, sabe- se, desde a reseniha dessa edigio feita por Piel (1945), que se trata de um erro do editor: assim, embora tenha lido em sua primeira edi¢do “Pois assi 6, disse Galvam, eu irei buscar, preto ou longe unt cofre (..)” (cap. XLI, § 271; Magne, 1944, vol. I: 354, itilico nosso), jé na segunda edigo leu correta- mrRODUGAO # 2t mente “Pois assi , disse Galvam, en irei buscar, preto ou lon- ge wo soterre (...)” (Magne, 1970: 5, itélico nosso). Ou seja, © que havia sido lido como um cofre era, na verdade, u 0 50- terre (i, &,“onde o enterre”), pois o cavaleiro Galvio estava procurando lugar para enterrar o rei Bandemaguz, que aca- bara de morrer. J& no dominio dos estudos literdrios, os textos escritos sio ainda mais essen que sio a principal forma de expressio da literatura — principal, mas certamente nio a ‘inica, pois no se pode esquecer da literatura oral, em que, alifs, se fundamenta a produgio postica primitiva no apenas grega na Antiguidade mas também vernacular na Idade Média, Considerando, porém, teratura escrita, a contribuicio da critica textual estd em assegurar que 0 critico literdrio possa exercer sua fungio com base em um testemunho que efetivamente reproduz 2 forma do texto que o autor Ihe den, ou seja, sua forma genuina. Ainda que se argumente que é legitimo realizar uma ané- lise literdria voltada para a forma como o piblico-leitor per- cebe um dado texto independentemente de sua forma ser genuina ou néo, tal argumento néo invalida 0 fato de que é igualmente legitimo realizar outros tipos de anilise, como aquelas voltadas para o texto como ato de criagao literdcia so- cio-historicamente contextualizado, caso em que é fandaren- tal saber se o testemunho do texto em estudo é ou nio fiel & forma que o autor lhe deu. Como exemplo iustrativo para essa questio, pode-se citar a anilise literitia do poema “Aporo”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), realizada por Lima (1968: 188-9) ‘Apés apresentar uma transcri¢ao desse poema, da qual se re~ produz abaixo a primeira estrofe 22 « inrnopugie A calrica reeTUAL Um inseto cava cava sem alarme perfiamando a terra sem achar escape. comenta 0 czitico: “A escavagio do inseto perfiama a terra, ‘mas a escava sem perfurar, sem achar escape” (itilico de Lima). Considerando a estrofe tal qual acima reproduzida, nio hi absolutamente nada que se possa objetar em relagio a0 co~ mentirio do critico. © problema esté, porém, no fato de que essa estrofe apresenta um erro, pois a forma que Drummond (cf Andrade, 1945: 54) havia Ihe dado, como se verifica na primeira edi¢io da obra em que veio a lume (A Rosa do Pov), tinha como terceiro verso 0 trecho “perfurando a ter 1°. Como se vé, diante do texto genuiino, o comentirio do 0 deixa de ter validade: o choque de idéias assinalado, i. & “escava sem perfirrar”, simplesmente nao existe naquela cestrofe — ha, na verdade, um refor¢o, pois 0 inseto cava e, por consegiiéncia, perfura. Como nio consta em Lima (1968) a edigio utilizada como modelo para a transcriggo que reali- zou, nao é possivel verificar a origem da forma nao-genui- na. Independentemente da origem, é fato que a forma “per- famando” nio parece ser atribuivel 2 Drummond, o que significa que nio pode ser considerada em uma anilise de abordagem s6cio-histérica, em que se leva em conta a von- tade autoral. 1.5, TRANSDISCIPLINARIDADE Umna das caracteristicas mais instigantes da critica textual € sua transdisciplinaridade. Para o efetivo exercicio da fixagio de textos sempre necessirio um conjunto muito diversifi- cado de conhecimentos, que obriga o trinsito por diversas reas do conhecimento. neraoDugho « 2 HA algumas éreas em especial que tém impacto direto so- bre a atividade do critico textual: a paleografia, a diplom a codicologia, a bibliografia material e a lingifstica. 1.5.1, Paleografia A paleografia pode ser definida, de uma forma bastante bi- sica, como 0 estudo das escritas antigas. Modernamente, apre- senta finalidade tanto teérica quanto pragmética.A finalida- de tebrica manifesta-se na preocupagio em se entender como historicamente os sistemas de es jfia finalidade pragmatica evidencia-se na capacitagio de lei- tores modernos para avaliarem a autenticidade de um do- cumento, com base na sua escrita, e de interpretarem ade- quadamente as escritas do passado. Sua constitui¢do como campo de conhecimento sistema- tizado costuma ser situada no século XVII. Em viagem pela Europa, 0 jesuita Daniel van Papenbroeck (1628-1714) teria constatado a existéncia de muitos documentos falsos, o que 6 teria levado a escrever a obra Propylaeum Antiquarium circa Veri ac Falsi Diserimen in Vetustis Membranis (Antuéepia, 1675), onde apresenta critérios para discernir documentos falsos de verdadeiros: como subsidio 2 esse julgamento, Papenbroeck apresenta uma classificacio das diferentes escritas. Tentando responder is criticas deste aos documentos da Abadia de Saint- Denis, o monge beneditino Jean Mabillon (1632-1707) redi- i ica Libri IV (Paris, 1681),em que termo que nomeia esse campo de estudo sé apareceria com a obra Palacagraphia Graeca Sive de Ortu et Processu Litterarum Graecarum (Paris, 1708), escrita pelo também beneditino Ber- nard de Montfiucon (1655-1741), "A relevincia da paleografia para o critico textual é bas- (x evidente: para se fixar a forma genuina de um texto, 24 INTRODUCAO A ERITICA TEXTUAL € necessirio ser capaz de decodificar a escrita em que seus testemunhos estio lavrados. & muito comum, aliés, existirem edigdes de texto que apresentam falhas decorrentes de equi- voco na leitura do modelo por parte do editor. Dada a importincia das informagées de natureza paleo~ grifica para a compreensio da leivura das fontes realizada pelo ctitico textual, pode-se incluir em edigdes de texto mais eru- ditas uma breve seco dedicada a comentarios dessa natureza. Nessa se¢o costuma-se abordar aspectos como os seguintes: 4) classificagdo da escrita, localizagio e datagi b) descriggo sucinta de caracteristicas da escrita, a saber: 2 morfologia das letras (sua forma), 0 seu tragado ou ductus (or~ dem de sucessio e sentido dos tragos de uma letra), o éngulo (telagio entre os tragos verticais das letras e 2 pauta horizontal a escrita), o médulo (dimensio das letras em termos de pau- ta) € 0 peso (relagio entre tragos finos e grossos das letr: ) descrigo sucinta do sistema de sinais abreviativos em- pregado na referida escrita; 4d) descrigo dos outros elementos nao-alfabéticos exis- tentes e de seu valor geral: nitmeros, diacriticos, sinais de pon- tuacio, separagio vocabular intralinear ¢ translinear, paragra~ facto, etc; €) descrigdo de pontos de dificuldade na leitura e as so~ lugdes adotadas. Embora haja hoje em dia disponivel no mercado biblio- gratia introdutéria em paleografia relativamente variada (p. ex., Batelli, 1999; Stiennon, 1999; Cencetti, 1997; Bischoff, 1997;'Terrero, 1999), obras em lingua portuguesa ou voltadas para a escrita latina no mundo lus6fono sfo muito raras: den- tte os textos mais gerais, podem-se citar Cruz (1987), Santos (1994, 2000) e Berwanger & Leal (1995). Sua leitura, porém, deve ser complementada com a pritica efetiva de contato com textos lavrados nas mais diferentes escritas, 0 que pode ser N neraopucko « 25 feito utilizando-se as reprodugdes fac-similares presentes nos Albuns de paleografiat voltados para documentos portague~ ses e/ou brasileitos, tais como Burnam (1912-1925); Costa (1997);Valente (1983); Nunes (1984); Dias, Marques & Ro- drignes (1987); ¢ Acioli (1994) ~ infelizmente quase todos esgotados, mas encontriveis em bibliotecas académicas. jomatica Pode-se definir basicamente a diplomdtica como 0 estudo de documentos (em especial, os juridicos). Deve-se entender aqui por documento, em um sentido estrito, toda noticia escita de algum acontecimento. ‘As origens da diplomitica esto fortemente entrelagadas com as da paleografia,j& que os tratados mais antigos visavam 2 orientar a avaliagdo da autenticidade de documentos legais, tanto ateavés de sua escrita quando de sua forma ¢ de seu con- como campo de conhecimento smatizado remonta, assim, 3 j mencionada disputa entre Papenbroeck ¢ Mabillon (podendo ser arribuida a este, em sua jf teferida obra de 1681, cunhagem do nome deste campo). Os comhecimentos diplomaticos so especialmente rele- ‘vantes para o critico textual que edita documentos.A decifia- io e a reprodugio de um documento podem ser realizadas ‘com mais seguranga e propriedade quando se tem conscién— cia de como exam produzidos os documentos, em que clas ses se distribufam e como se estruturavam internamente, so- bretudo porque apresentavam constantes formais em termos tanto estruturais quanto lingiifsticos, para abrevacurae 5)se para portugues Nunes (1981) e Fle~ ODE d y y r > yey y orion, oes 5 : t 26 « mTRopucho A entice T=xTUAL ‘Tratados introdutérios modernos de diplomitica aplica~ dos especificamente a documentos portugueses parecer ine~ xistir, mas podem-se obter informagées relevantes em Mar- ques (1963-1971, vol. 1: 823-8), Berwanger & Leal (1995) ¢ Cruz (1987); uma visio hist6rica recente dessa disciplina em Portugal aparece em Coelho (1991). Dada essa escassez no dominio luséfono, pode-se recorrer 4 leitura de obras basea~ das especialmente no dominio hispanico, o que permite ain- da que se tenha uma visio ibero-rominica do tema: atual~ mente encontram-se disponiveis manuais espanhéis como 0 de Tamayo (1996) e Terrero (1999). 1.5.3. Codicologia consiste basicamente no estudo da thonica do livro manuscrito (i. 6, do cédice). Esse termo, que tem sua pa~ ternidade reivindicada por Dain (1975: 76), é empregado atualmente, porém, em um sentido mais estrito do que aque- le postulado por quem o cunhou, Dain (1975: 77) conside- rava como misses e dominio da codicologia a historia do ma- nuscrito,a hist6ria das colegdes de manuscritos, investigages sobre a localizacéo atual dos manuscritos, problemas de cata~ logagio, repertérios de catélogos, 0 comércio dos manuscritos, sua utilizagio, etc.,sendo do escopo da paleagrafia 0 estudo da escrita e da matéria escript6ria, da confec¢io do livzo e de sua ilustragio, ¢ 0 exame de sua “arquitetara”; mas obras mais re~ centes tendem 2 redistribuir as tarefas dos dois campos do co- nhecimento mencionados: Lemaire (1989: 3) postula dever @ g ( ‘codicologia fixar-se sobretudo em compreender os diversos aspectos da confec¢io material primitiva do cédice. f Para o critico textual, a codicologia é de grande <2 | cia, pois fornece informages que permitem compreender al- gumas das razGes pelas quais os textos se modificam no pro- SN \ etRoDUGAO «27 cesso de sua transmissio. Saber, p.ex., que nos antigos reci tos em que se realizavam as cépias (chamados scriptoria) havia © babito de se desmembrar um cédice para que suas partes (0s cadernos) pudessem ser reproduzidas simultaneamente por diferentes copistas permite ao critico textual elaborar hi- péteses sobre por que certas cépias tém seu texto em ordem diferente de outras: possivelmente porque, a0 se recompor © cédice utilizado como modelo, teriam ocorrido equivocos na ordenagio de suas partes. ‘Além de permitir uma compreensio mais profunda do ‘processo de transmissio dos textos, os conhecimentos codico- Jégicos também sio utilizados mais pragmaticamente na des- crigdo de cédices,a qual deve constar na edigo de textos pre~ servados em manuscritos. Como orientago para essa desc ¢4o codicolégica, apresenta-se na pagina seguinte um guia isico’ (outros modelos podem sez consultadas em Bohigas, ‘Mundé & Soberanas, 1973-1974, e em Ruiz, 1988: 316-40). S/O guia de descrigao apresentado a seguir cobre aspectos es- senciais de um cédice, mas pode naturalmente ser estendido coma inclusio de detalhes que a tornem mais abrangente: po- de-se, p.ex.,incluir um diagrama com a composi¢io dos ca- dernos, identificando a natureza das faces dos pergaminhos (carne x pélo), rebarbas de Slios sem sua parte solid: regularidades, etc.; podem-se ainda acrescentar 0 inc explicit de cada texto, aspecto importante para textos até en- tio desconhecidos; e diversos outros aspectos. Por outro lado, 6 possivel, em nome da concisio, suprimir alguns dados ¢ eli- minar os titulos dos itens de descricdo, organizando assim as informagdes em um pardgrafo bastante compacto (sistema cortente em grandes catilogos de manuscritos). 7. Cersamente muites dos tsemos ompregades neste gin nfo so de dominio ger, sas grande parte deles ser expicada na segio 3.2, mais adiane 28 « wwrnopucio A cRitica rexruAL Guia Basico de Descrigo Codicolégica - Cota: cidade em que se encontra 0 cédice; nome da tuigio; colecéo de que faz parte; e nimero ou sigla de identificagao. 2. Datagao: ta (transcrever, informando félio € linha em que consta) ou inferida (apresentar justficativa). - Lugar de origem: explicito (transcrever, informando f6- Jio ¢ linha em que consta) ow inferido {apresentar justifi- cativa). Folha de rosto: Colofio: trans ou papel (certcec) ~ sendo membrandce espessura, cor e obediéncia 3 Lei de Gregory; sendo cartécco, informar tipo, linhas-d’égua (diregdo dis- tincia entre pontusais ¢ vergaturas), filigrana (descrigio da figura). ‘Composieo: nimero de flios; mimero ¢ estrutura dos c2- ddexnos (bina, ni, quaterno, ec.) formaato (inf etc) e dimensio dos flios (altura x largura, em milimetos). 8. Organizagio da pagina: dimensio da mancha; néimero de colinas; nitmero de linhes: pautedo; numeragao (foliagao [ntimero s6 no recto do folio} ou paginas [namero no ree- to € no verso); eclamos (auséncia ou presenca, localizagio, na pagina e freqiién inaturas (presenga ow auséncia, sisterna) 9. Particularidades: miniaturas (capitulares ornamentadas); ilumimuras; marcas especiais (carimbos, ex pessoais, etc) 10, Encadernacio: ipo (original ou nio-origin: material; natureza € cor da cobertura; decoragio; texto na capa; nervos no lombo. 11. Contedido: identificagio dos textos do cédice por f6li0(), informando autor ¢ obra. 12, Descrigdes prévias: bibliogratia. x IneTRODUGAO = 29 Como sugestio bibliogrifica introdutéria sobre codi- cologia, podem-se citar Dain (1975), Petrucci (1984), Ruiz (1988) e Lemaire (1989), além dos ricos vocabulirios da drea preparados por Muzerelle (1985), em francés, mas ja com tradugio para 0 espanhol datada de 1997, e por Arnall i Juan (2002), em catalio, porém com indice de correspondéncia pare o espanhol, francés ¢ italiano. No dominio lus6fono, 0 Gnico volume publicado com dados afins parece ser 0 de Nas- cimento & Diogo (1984). 15.4. Bi iiografia mat Um campo de conhecimento andlogo ao da codicologia & a bibliografia material, que consiste no estudo da técnica do li- 70 impress. Embora os estudos sobre imprensa em si nfo sejam tio re~ centes, data de pouco a constituigo de uma abordagem des- se tema diretamente ligada aos problemas de transmissio dos textos. Muitos dos trabalhos que contribuiram para essa nova abordagem derivam especialmente da experiéncia de estudio- sos de lingua inglesa na pritica de edigao e anilise de textos literérios dos sécs. XVI e XVII. Dentre esses estudos, certa~ mente destacam-se trabalhos como Greg (1914), McKerrow (1927), Bowers (1949, 1959, 1964) e Gaskell (1972). Como jé disse metaforicamente Greg (1914 [1967: 47)), € apenas através da aplicago de um método bibliogréfico rigoroso que a dltima gota de informagio pode ser extraida de um documento literétio. Dentre os instrumentos desse método, incluem-se naturalmente as técnicas de descri¢o bibliogréfica, as quais jé foram minuciosamente tratadas por [Bowers (1949). Embora nfo haja aqui espago para discutir de- {alhadamente os diversos aspectos a que se deve dar especial 30 # ivrmopucio A calrica rexTuAL :ncio na investiga¢io do livro impresso, nfo se pode deixar de listar itens que deve ser observados em sua descricio® Guia Bisico de Descrigio Bibliogréfica @ Identificagdo: nome do autor; titulo da obra; nome do edi- cal de publicagio; nome da editora e data de publicacio. 2. Folha de rosto: transcrigio. 3. Colofiio: transcrigéo. 4. Suporte material: tipo de papel; linhas-d’égua; filigeana 5. Composiciio: némeros de félios ou de pagin: estrutura dos cadernos; formato € dimensio dos folios. © Tivografia: dimensio da mancha; ndmero de colunas;nii- mero de linhas; espécie e dimensio dos tipos; capitulares; numeragio; reclamos; assinaturas. 7. Particularidades: decoragdes;ilustragdes; marcas especiais. 8. Encadernacio: tipo; dimensio; material; natureza e cor da cobertura; decoragio; texto na capa;nervos no lombo. 9. Contetido: identificagio das partes do texto por pigina. (@ Exemplar examinado: cota ¢ nome da instituigdo de- tentora, 11. Descrigdes prévias: bibliografia. Apesar de o livro manuscrito se constituir por um pro- cess0 distinto do impresso, hé inegavelmente diversos aspec- tos comuns a ambos, como se pode verificar através da com paracio deste Giltimo guia e do exposto na segio anterior. Para exemplo interessante de descrigo de livro manuscrito e de impresso de uma mesma tradi¢io em lingua portuguesa, po- de-se consultar 0 primeiro volume da edigio das Vidas ¢ Pai- 8, Como orientagio pars rilisaio de uma dscrgio bibliogsifica,podem-se ain «ha consular Diss (1994) os dcionirios e especidade de Fara & Peicio (1988) de Sous, iwtRoDuGko « 31 .xtes das Apéstolos, de responsabilidade de Cepeda (1982-1989): como sua edicio se baseia no texto presente no cédice alco— bacense CCXXXII/280 € no impresso de 1505, precede o \ texto critico uma minuciosa deserigo de ambos. Naturalmente uma descrigZo bibliogrifica bem executa~ da pressupée familiatidade com a sua terminologia, ainda que esta nio seja totalmente consensual. Para se ter uma idéia dos termos empregados na identificago das partes principais de tum livro impresso, pode-se consultar a descrigio figurativa a seguir (figura 3), adaptada para 0 portugués por Nascimento & Diogo (1984) As seis obras citadas logo no inicio desta sego so sufi- cientes para suprir 0 interessado de informagio sobre a bi- bliografia material, mas baseiam-se fundamentalmente no livro impresso em lingua inglesa; para os livros impressos em lingua portuguesa, nio parece haver até 0 momento nenhu- ‘ma obra introdutéria que siga a abordagem preconizada por aqueles autores. Existem, no entanto, bons titulos traduzidos para o portugués sobre o livro impresso, CE, p. ¢x., MicMur- trie (1982) ¢ Febvre & Martin (1992). Especificamente sobre a histéria da imprensa em Portugal, pode-se consulta, p. ex, Anselmo (1981, 1991); ¢,no Brasil, Martins (1996), Sodré (1966), Hallewell (1985) e Paixio (1996). 1.5.5, Lingiiistica A lingifstica, entendida como estudo cientifico da linguagem humana, tem, de todas as Seas j6 citadas,a rela¢io mais Sbvia e essencial com a critica textual, pois os textos tém como pi- lr a lingua. Certamente 0 primeito aspecto que deve ficar evidente & ( fato de que a adocéo de uma mentalidade purista ou nor- mativista quanto 3 lingua no exercfcio da critica textual tem 32 INTRODUGKO A GRITICA TEXTUAL Figura 3 — Partes principals do liveo (Gonte: Nascimento & Diogo, 1984: 98) Crear ¢ dacisto wide de JOSE MARDINEZ DE SOUSA, Disoneis 6 imariey kt Ube, Bas, Parts princpas do loo 4, adoro, past 21, carta 2, tranche, sobrecboyids, wine 22. tela de coberura afi, reife 25. marcas de scrnaturs 2 ecala corte de cabera AGbride ‘com ‘fietes 4 edie ‘exntonsiea, posta ia) ceademos 5. to abertura, feente, goteiea uma forte de diantsina, gotelre 1 de oe BESSRERER 5 . mio Tomko enn Toabo ‘margem interior comedian 5. entre nerves conindel (tio confundir com florio fnteretnio) lo 33. mugen de ebors 5 nerve 34. coluna de texto eben 55, Branco de scparagio de texto ome 35, margem de cone plase (proto on anteior pé 37. sobrecpa, sobrecobers, cami fe segunda cu psteri) 38. boca ‘efeitos nefastos.A confusio de perspectivas (cientifica x pu- rista/normativista) compromete seriamente o resultado no estabelecimento da forma genuina de um texto, pois o criti- HuTRODUGAO « 33 ‘co incauto acaba por fixar uma forma do texto em perfeita consonincia com os padrdes preconizados pelas graméticas normativas, mas completamente dissonante dos padrdes ge~ nuinamente empregados pelo autor do texto em edi¢ao. Na realidade, 6 verificademente comum esse tipo de adul- ‘teragio de textos no processo de edigio, pois com freqiiéncia procura-se fazer com que o texto editado se encaixe nas nor- mas das graméticas tradicionais. Melo (1988: 18) cita como exemplo de “corregio” de formas genuinas o fato de muitos editores modificarem, no texto de Iracema, de José de Alen- car, a seqincia genufna “Onde vai” (no cap. I) por “Aonde ~ certamente para subordinar o uso do advérbio 4 nor ma tradicional de que onde se utiliza para “sicuagio” e aonde para “direcio"”, 7 Dentre os varios ramos da lingtifstica,pode-se dizer que aquele que tem mais impacto sobre a edigio de textos é a lingisticahistbrica, pois a critica textual debruga-se amitide so- bre textos do passado, O desenvolvimento dos estudos diacr6~ nicos tem contribuido para a formagio de uma visio mais realista e abrangente da historia das linguas: atualmente os es- tudos diacrdnicos dialogam com diversas areas, permitindo luma percepgio mais agucada dos fendmenos lingiiisticos — Jcomo exemplo, pode-se citar a importincia dos estudos so- ciolingiifsticos na compreensio da variacio lingt racterfstica constitutiva da linguagem (cf., p. ex., Weinreich, Labov & Herzog, 1968; e Laboy, 1972). Embora todo critico textual deva necessariamente ter uma formagio lingtiistica ampla ¢ variada, para a edigio de textos a, em deiacardo com a propris hi no sé. XIV expresiria os valor CK COCEC

You might also like