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Solteironas de Fino Trato: Reflexdes em Torno do (Nao-)Casamento entre Pequeno-Burguesas no Inicio do Século” RESUMO Franga, primeiras décadas do século XX- wma sociedade onde casamento, lar € fithos configuram o futuro ideal para toda ‘muther jovem. Nela, a solteira aparece como figura social bizarra, presa a Jailia, sem constituir sua prépria familia Neste artigo, solteironas bem nascidas educadas em bens colégios explicam a condigéo de mulheres sozinhas, justificam- na e expressam seus conflitos Cldudia Fonseca** ABSTRACT France in the early decades of the twentieth century: a society in wich marriage, the home, and children formed the ideal future for all young women. In this society, the spinster appears as a bizarre social figure, confined to the famity without forming one of her own. In this article, well-born spinsters, educated in good schools, explain the condition of single women, justify it, and express their conflicts. Um estudo sobre a solteirice parece, tal como 0 solteiro, “esquisito”. Dentro da hierarquia oficial de assuntos “nobres”, soa como escolha meio frivola. Pessoalmente, nfo tenho nada contra a frivolidade. Ao contrario, acredito que pode ser uma pista que leve a perspectivas originais, um fio que, ao ser puxado, traz consigo mil e uma novidades. E é isso, mais ou menos, que aconteceu quando comecei a estudar solteironas francesas “de fino trato”, isto é, mulheres nunca casadas da pequena e média burguesia nascidas entre 1899 ¢ 1910, O assunto da solteirice surgiu, como é freqiiente em estudos antropolégicos, por motivos pessoais. Como alojamento estudantil parisiense, tinha alugado umas pecas na casa de trés irmas, senhoras solteiras, as ués com 70 anos ou mais. A solteirice delas me intrigava, ainda mais que quasc todos meus conhecidos na Franga tinham alguma tia "Este artigo € 0 resultado de uma missio de trabalho (fevereiro a abril de 1987) financisdo pelo Convénio CAPES-COFECUB enire o Programa de Pés-Graduago em Antropologi Social da UFRGS e a Universidade de Paris 5. “Univ. Fed. Rio Grande do Sul [Rev. Bras. de His. TS Paulo | v.9nei8 pp. 99-120] ago.89/se1.89 solteirona que servia de babé, historiadora ou administradora do grupo de parentela. A explicagao para este fenémeno era “evidente”, me diziam tanto as solteiras quanto meus contemporaneos: consequéncia direta da guerra de 14-18 - pois ndo perdera a Franca um milhdo e meio de homens? Nos primeiros passos da minha investigag4o, descobri que a explicagao demografica nao cra to evidente assim. Desde 0 século XIX, a situagao de solteiro atingia cada vez menos os franceses. No somente esses casavam-se mais jovens, mas a propor¢ado de “nunca casados” baixava de maneira persistente. A Primeira Guerra Mundial s6 freou levemente essa tendéncia. ‘Som a guerra, estima-se que a taxa de celibato feminino teria baixado de 12,5% em 1914 para 10% em 1918, De fato, simplesmente estacionov. Um dos grandes historiadores demogréfos, Louis Henry, conclui sua pesquisa sobre este assunto dizendo: “(...) a falta de homens s6 afetou 2,5% das mulheres (nascidas entre 1881 € 1910), a0 passo que a guerra provocou a morte de 15 a 20% dos homens, os quais teriam normalmente se casado” (1966: 277). Os costumes, ele supSe, se adequaram as circunstfncias. As mulheres aceitaram noivos que, em outra época, teriam esnobado: os imigrantes, os vitivos e divorciados, ¢ até mesmo os homens mais jovens (a idade nupcial das noivas neste grupo aumentou enquanto a dos noivos baixou). Portanto, para as mogas que sobreviveram 4 Guerra de 14-18 0 celibato ndo era um destino inevitével, O “grande némero” de senhoritas de 80 anos &, entéo, mera ilusdo? Creio que nao, Acredito que, no fim da guerra, cada classe se adaptou a crise de nupcialidade a seu modo. Em certos meios, por exemplo na pequena burguesia ascendente, as mulheres no conseguiram abrir mao com tanta facilidade das regras matrimoniais convencionais, Neste caso, a perda de umas seria o ganho de outras. Incapazes de enfrentar a competigao, exacerbada por mulheres de outras classes, encontrariam seu mercado matrimonial restringido em mais de 20%. Os dados demograficos disponiveis nao ajudam a testar essa hipétese. ‘Transmitem-nos uma média estatfstica que escamoteia a especificidade de classe. Pensei em fazer uma pesquisa demografica que pudesse jogar luz sobre este assunto: um estudo com base em registros matrimoniais entre 1915 e 1925 de uma comuna da regido parisicnse. Mas j4 que, até agora, ndo consegui permissdo do prefeito para abrir os arquivos, me contentei com Outras maneiras de avangar nessas indagagOes. Primeiro, quis aprofundar o tema classe/famflia pela leitura de outros casos, na histéria ¢ na antropo- logia. Segundo (0 etndiogo em mim nao resiste), resolvi fazer hist6ria oral com as préprias solteiras para tentar reconstruir 0 universo simbélico no qual estavam se movendo € fazendo opgdes no inicio deste século. CELIBATO E SITUACAO ECONOMICA: DA HISTORIA. DEMOGRAFICA A HISTORIA SOCIAL Sem diivida existe uma relacdo entre situagdo econémica ¢ a pratica familiar. Hajnal (1982), pioneiro neste ramo, veio com a hipétese, h4 mais de 20 anos, de que as caracterfsticas particulares da familia na historia da Europa Ocidental (a idade avangada dos noivos ¢ a alta taxa de celibato) estavam ligadas a fatores econémicos da populacdo camponesa. Wrigley (1981), levando esta légica adiante, quis ver nessas praticas uma espécie de Mecanismo maltusiano que freava o crescimento demografico em épocas de crise; as pessoas demoravam mais tempo fazendo um minimo de economia para estabelecer um lar (a neolocalidade sendo regra de ouro); menos pessoas se casavam ¢ cada vez mais tarde ¢ assim produziam menos filhos. As criticas a esta linha racionalista sdo varias. Weir (1984) descreve casos €m que o casamento tardio ndo acompanha uma alta na taxa de celi- bato, nem mesmo uma prole menor. Este autor vem ao encontro da equipe de historiadores que estudam o impacto da proto-industrializagio (as indistrias caseiras) sobre a familia camponesa. Se, num primeiro momento, praticamente todos concordavam que as estruturas econémicas explicavam 0 advento do novo padrao familiar (com noivos mais novos escolhendo seus préprios parceiros), ficaram perplexos pela acumulagiio de casos empiricos que refutavam essa hipdtese. Manifestamente, as regides mais industrializadas nao representavam a porta de entrada dos novos habitos familiares. Reconheceram cada vez mais a necessidade de vasculhar fatores s6cio-culturais, atitudes ¢ valores para entender o que estava acontecendo (Spagnoli 1983, Levine 1982). Mais provocadores s&o os estudos que analisam 0 celibato em funga0 de categorias de classe, ou de profissdo. As empregadas domésticas, por exemplo, constitufam uma categoria com taxa de celibato wadicionalmente alta. E certamente a solteirice em grupos de trabalhadores, com seus problemas agudos de sobrevivéncia (especialmente na velhice) e estratégias domésticas particulares (spinster-clustering, etc.) fornece material para pesquisas fascinantes (ver Anderson 1984). No entanto, j4 que uma alta taxa de nascimento ilegitimo acompanha este tipo de solteirice, parece tratar-se de um fendmeno cultural diferente do que considero aqui. Também aprendemos nessa literatura que entre aristocratas escoceses do século X VII, a solteirice feminina atingiu 25-30% (Hufton 1984), Mas, de novo, 0 contexto (com homens ausentes nas coldnias inglesas etc.) parece tio diferente daquele das burguesas francesas que nao me arriscaria a transpor conclusdes. Mais préximas da nossa 4rea especifica de interesse sfo as pesquisas sobre a Franga do século XIX mostrando que solteiras eram mais comuns cm camadas médias modestas do que na grande burguesia (Daumard 19, e 101 Knibiehler et al. 1983). Andlises sobre a alta taxa de celibato entre professoras francesas (Cacouault 1984) ¢ funciondrias do correio (Pezerat ¢ Publan 1984) do século XIX , sugerem que os magros dotes dessas mulheres (oriundas, na maioria, da pequena e média burguesia) no estavam A altura de suas ambi¢Ges matrimoniais. Essas ambigées nao eram simplesmente 0 resultado do esnobismo, mas sim de um cAlculo bem pensado sobre os limites toleréveis da pentria. Em quase todos estes oficios, a mulher ganhava bem menos do que 0 homem; um professor procurando na sua futura esposa uma contribuigao econémica pelo menos igual A sua nao saboreava a idéia de casar-se com uma colega. E as professoras, com suas ex{guas rendas julgavam que, casando-se com um operdrio ou artesiio, no teriam o “minimo necessario” para manter uma familia. Esses estudos sublinham o fato de que os objetivos vitais, “sobreviver” “se reproduzir”, so nogdes historicamente construfdas que variam segundo © grupo ¢ as circunstancias, Crescen a necessidade para mim, enquanto etndloga, de captar as nogGes que guiaram 0 comportamento das minhas solteironas em 1920: apreender o significado particular atribuido aos conceitos: “casamento”, “amor”, “familia”; em suma, analisar seu universo de referéncias simbélicas. O ETNOCENTRISMO E A SOLTEIRICE Sem tomé-las explicitas, os pesquisadores usam em suas andlises pressupostos sobre a “natureza humana” — pressupostos fatalmente ligados a0 universo contemporfineo do pesquisador. Por exemplo, nao hé nada mais arraigado entre nés do que a crenga em “impulsos sexuais”. E “ébvio” que todo mundo, pelo menos todos os jovens, os tem. Por exemplo, Flandrin e Shorter, embora discordantes sobre varios detalhes da vida intima de outrora, se preocupam ambos com os resultados do casamenio tardio para jovens do século XVIII. A idéia € que um jovem normal ndo espera facilmente a idade de 27 ou 28 anos para satisfazer seus instintos sexuais. Se os historiadores nao conseguem localizar manifestagdes de atividade sexual antes do noivado, deve ser porque os meios de satisfagao eram ocultados (masturbacao, exploragiio de criangas, prostituigao), ou 0 préprio desejo “reprimido” por normas sociais particularmente severas. Shorter, optando pela hipétese Tepressiva, acredita que foi uma “revolugdo de atitudes”, que permitiu aos jovens liberarem suas cnergias libidinais, (Os autores produziam numa época ja bastante influenciada pelo movimento feminista para nao se Permitirem deslizes sexistas atribuindo mais impulsos aos homens, Contudo, ainda persistem esterestipos classicos sobre os grupo etarios, pois hd pouquissima especulacao sobre a sexualidade de vitivos.) 102 Segundo essa ldégica, a solteirona aparece, no minimo, como frustrada sen3o anormal. Cornell, em um exemplo menos disfargado deste Preconceito, comenta a auséncia de solteironas no JapSo: “A anomalia néo € o Japio mas sim a Europa Ocidental. Que condigdes econémicas perversas ou idcologias religiosas obrigaram mulheres a abrir mio de seus papéis naturais ¢ compensadores de mies © esposas © as coibiram a viver vidas fridas como solteironas?” (1984) Ora, como etndélogos, nds sabemos que os ardis do conceito “natureza humana” sdo miiltiplos (ver Geertz 1984). Os fenomenologistas questionam a inevitabilidade de certos sentimentos e impulsos considerados por outros como universais. A visdo classica que mostra a “centralidade” da familia conjugal tanto na hist6ria como em sociedades tribais € hoje criticada como. “androcéntrica” por certos pesquisadores feministas, Como sabemos, per- guntariam os céticos, se no havia tantas japonesas que amaldigoavam sua situacdo casada quanto francesas infelizes de serem solteironas? Certamente, eu, ao estudar grupos brasileiros de baixa renda, cheguei a inverter a pergunta cldssica; por que as mulheres insistiam em casar quando na maioria das vezes 0 casamento (ou concubinato) as fazia cair na miséria? Qual era a forga de circunstancias sociais e culturais que vencia o bom senso econdmico... O intuito dessas criticas € que € essencial contextualizar, historicizar a norma. Bourdieu relativiza assim o celibato ao comentar as transformages na dinamica familiar em uma regido rural francesa. Ha 50 anos atr4s, havia uma alta taxa de celibato por causa de um sistema particular de dote e devolugdo; hoje os homens camponeses permanecem solteiros por nado possufrem meios culwrais ou materiais para competir com as atragdes ( ¢ homens) citadinos: “(Antigamente) o celibato dos caculas apenas levava a lgica do sistema a suas ditimas consequéncias de mancira que podia scr percebide como o sacrificio natural do individuo ao interesse coletivo: hoje o celibato € vivido ‘como um destino absurdo e instil. Em um caso, a submissio & regra, isto é, anomalia normal; no outro, o desregramento do sistema, isto é, anomia.’ (1962: 58-59). Se procuramos entender a légica das mulheres celibatarias, nao € por considerar 0 casamento como o destino natural da mulher, Nem mesmo para considerd-las “vitimas” do contexto. E preciso dizé-lo? A maioria das mulheres entrevistadas sio mulheres charmosas, vigorosas, que levaram vidas tao compensadoras quanto suas contemporaneas casadas. Todavia, é inegdvel que, na nossa sociedade, a solteirona, por no se conformar ao ideal dominante, exige uma explicagio, Elas mesmas tém teorias a este respeito. 103 Ent&o, ao mesmo tempo que dou um espago a suas opinides, tentarei acrescentar minhas reflexes sobre o contexto que levou essas mulheres para © caminho que tomaram. . O QUE E UMA SOLTEIRONA? Durante os iiltimos anos, 0 estudo de parentesco em sociedades complexas se desatou da familia conjugal. Surgem pesquisas sobre linhagens, mulheres chefe de familia, o lago fraterno e, enfim, as “mulheres s6s”, solteiras ou vitivas. Sob essa nova ética, as mulheres que ndo se casam (curiosamente esquecidas nos estudos classicos) esto se destacando como bloco importante — variando, na historia da Europa Ocidental, entre 10 ¢ 30% da populagio feminina adulta (Watkins 1984). Estatisticamente, a solteirona se define como a mulher acima de 50 anos que nunca casou. Ao estudar uma época recente, a base de informantes vivas, tive a vantagem de poder separar pessoas que viviam em unio livre das “verdadeiras” solteironas. Defini, portanto, a solteirona em fung&o de sua reputagdo — € aquela mulher que aparentemente nunca se casou, nunca teve filhos ¢ nunca viveu maritalmente com um homem. Essa definicdo restringe nosso campo a um grupo especifico onde as relagdes sexuais so revestidas de fortes conotagdes sociais e religiosas — onde a idéia da soltcirice € inextrincavelmente ligada a abstinéncia sexual. Acreditamos que o fenémeno da solteirona assim definida surge unicamente em contextos onde inter- relacionam-se, de modo particular, trés fatores: status sécio-econémico, organizag4o doméstica e estratégia de reprodugao. Para melhor entender a interag4o destes fatores, examinemos dois casos onde, em forte contraste com © caso europeu, as solteironas inexistem. Segundo Comell (1984), no Japao pré-indistrial, uma famflia mobilizaria todos os seus recursos (sociais e econ6micos) para casar suas filhas. Nao por motivos econémicos, nem mesmo para assegurar um herdeiro, mas sim para racionalizar, de acordo com os principios convencionais da familia-tronco, a organizagaio doméstica da familia principal. Pois nesta, simplesmente n&o havia lugar para a solteirona: ela ndo trazia nenhuma renda para o lar pois nao existiam empregos (na Europa desde cedo havia tecelas, empregadas domésticas, e em outro nivel, professoras ¢ enfermeiras); nao era aproveitada pela familia nem para ajudar na educagao das criangas, nem para cuidar de idosos; ser religiosa era uma safda de baixo prestigio. Para evitar que uma soltcira viesse a perturbar a tranqiiilidade doméstica de sua familia de origem, ignoravam-se as normas matrimoniais mais fundamentais (por exemplo, a virilocalidade). E praticamente todas se casavam. 104 No “casamento universal” comum tanto na China como no Japao, vimos um sistema familiar praticamente sem soltciras. Entre camadas populares brasileiras, achamos outro, bem diferente. Jé que o casamento religioso (unico vigente antes de 1891) era dificultado pelas exigéncias financeiras e administrativas, muitas pessoas humildes dispensavam 0 rito vivendo, simplesmente, em uniao consensual. Para essas pessoas, as vantagens de se conformar a lei eram poucas ¢ as sangGes (advindas das visitagdes pastorais etc.) sem grande eficdcia. Pais podiam tentar exercer um controle sobre a escolha de conjuge ou sobre a idade de casamento de seus filhos, mas sem mecanismos materiais de persuasdo (heranga ou ajuda econdmica), sua influéncia era limitada. As mulheres muitas vezes ficavam sozinhas ou montavam algum arranjo doméstico entre elas, mas ndo foi por isso que deixaram de ter filhos. Isto é, neste caso, a sexualidade e a reprodugao nao eram fatalmente ligadas ao casamento, Com base nesta literatura, montamos algumas hipsteses. A solteirona se restringe a contextos especificos, onde 1) 0 casamento (legal ou religioso) € tido como pré-condigao indispensdvel as relagdes scxuais c a reprodugao; 2) existem mecanismos de absorgdo de solieironas (seja na unidade doméstica, seja no mundo profissional) ¢ 3) a condi¢4o de solteirona apresenta alguma vantagem, scja 4 mulher, seja 4 sua parentela. So essas hipéteses que pretendiamos explorar através das entrevistas. Para conseguir informantes, recorri 4 minha rede social, procedimento hoje bastante usual na antropologia de sociedades complexas. Acrescentaria que nao foi muito facil achar senhoras nascidas entre 1899 ¢ 1910 que achassem graca em falar de sua solteirice. Eu apresentei a pesquisa como sendo sobre mulheres s6s, vitivas e soltciras, que sobraram da Primeira Guerra Mundial. Mas mesmo assim, o meio burgués ¢ bem mais desconfiado do que os grupos populares com que costumo trabalhar ¢ tive de lutar para ter uma dezena de informantes durante os dois meses de 1987 que tive disponfveis!. As pessoas pesquisadas pertencem em geral & burguesia francesa, alta ou média. A profissdo do pai: “negociante”, oficial da Casa Militar, empreiteiro de obras piblicas. As zonas residenciais que escolhi: 0 subiirbio Meudon e 0 sétimo arrondissement em Paris conhecidos por abrigar uma populacdo de fino trato, Nesta “amostra”, ha uma falta nitida de representantes da classe operdria. Tenho a impressdo que, tal como entre grupos populares no Brasil, a solteirona era rara entre proletarios urbanos na Franga — mas seria preciso outra pesquisa, com metodologia diferente, para averiguar essa hipétese. 1 Ao todo, falamos com 11 mulheres em 7 familias. S6.em duas familias havia irmas casadas. Em seis das sete familias, havia irmaos, todos casados ~ e na sétima, tratava-se de uma filha nica, 105 Como acontece na pesquisa antropdélogica, na medida em que fui aprofundando meus contatos com essas mulheres, a alteridade se tornou cada vez mais clara. Ao falar com elas, fui transportada para um mundo radicalmente diferente do meu. Uma rigida hierarquia de classes e a guerra de 14-18 formavam o pano de fundo desses dramas. Mas o desafio principal para mim, anglo-saxGnica, socializada na época de “make love not war”, foi de estimar as imagens ¢ sentimentos das mulheres burguesas de 1920, de penetrar num universo onde a “familia” significava a linhagem tanto quanto acela conjugal, onde o amor ¢ a castidade iam de maos dadas, e onde “fazer seu dever” parecia dar tanta satisfa¢io pessoal quanto sé realizar enquanto individuo. ODOTE “Vous n'avez, pas de dot et pas de poitrine. Il va falloir que vous fassiez des études”. (Consethos dados por uma mie & sua filha, cerca de 1920) Na Franga da virada do século, a menina casadoura de boa familia se acha numa situagdo paradoxal. Enquanto os liberais anunciam a morte do casamento por interesses,? 0 dote est4 mais presente do que nunca (Martin- Fugier 1983: 45). Essa contradigao é evidente nos discursos das nossas entrevistadas. Raramente mencionaram o dote sem um curto prefacio do ‘Nao se usava mais; contudo neste caso...” ou “A mae daquele rapaz tinha idéias bastante antiquadas...” No in{cio deste século, 0 amor conjugal eaescolha livre do cénjuge j4 eram ideais consagrados, pressuponha-se, por pessoas “modernas” ou “esclarecidas”. No entanto, todas as mulheres com quem falei sublinharam a pertinéncia do dote (ou, em termos mais simbélicos, da “cesta da noiva”) nas suas vidas, Somente uma das mulheres consultadas teria tido um dote. As outras eram undnimes em apontar a auséncia do dote como fator responsavel pela sua situagdo: “Depois da guerra, nos avisaram que terfamos que trabalhar, que nio devfamos esperar nenhuma ajuda da familia e certamente no haveria dote. E por isso que nunca nem pensamos em casar” (uma de quatro irmis, s6 uma casada). “Sem dote, a gente nfo achave marido que conviesse." 2A jovem herdeira nao existe mais... () ...0 capital do dote rende tio pouco que nao vale mais a pena... () ...€ preciso portanto casar-se jovem ¢ nio muito rico e agiientar, por amor, uma situagdo modesta” (Parifrase de Prevost, Letires a Francoise, em Martin-Fugier 1983: 45), 106 Nossas interlocutoras nao aceitavam passivamente sua exclusdo do mercado matrimonial. O dote vai sendo teelaborado em diversas hist6rias de infelicidade. “O dote ndo assegurava a felicidade do casal” € 0 preambulo de uma pequena histéria moralista em que, malgrado uma tara hereditéria (“problemas mentais do lado do pai”), uma familia muito rica conseguiu casar suas trés filhas com dois médicos ¢ um dentista. “Com o dinheiro do dote, os genros estabeleceram seus consultérios em Paris, mas a que preco. para as geragdes seguintes!” Malgrado suas criticas, me pergunto se essas mulheres teriam aceito um tipo de homem que ndo valorizasse o dote. A este respeito, os comentarios sobre casamentos de parentes néo conforme a norma séo particularmente significativos. Razdo de “grande tristeza” ou de “problemas previsiveis” eram as aliangas com individuos de “familia simples”, “sem cultura” ou de outra religiio. Curiosamente, a situago econémica ou nivel de instrug4o eram detalhes raramente mencionados abertamente. “Cultura” e “boa familia” pareciam garantir esses detalhes. Mas os casamentos criticados eram principalmente dos homens da familia: irmdos e pais (vitivos recasados). Pelos dizeres dessas mulheres, a hipogamia parece privilégio dos homens. Significativamente, nio hd nenhum irmAo solteiro entre as nossas fichas. Uns tiveram a chance de “se casar com a diregdo da fabrica”, outros sucumbiram a mulheres mais velhas, “sem cultura” e, evidentemente, sem dote. Mas todos se casaram. Por que, pergunta-se, essas mulheres tiveram mais escriipulos do que seus irmaos na escolha de um c6njuge? UM MARIDO QUE CONVEM Hoje impera o idcal do amor conjugal. O marido desejavel se define em termos de compatibilidade afetiva, eventualmente uma “cultura” (nivel educacional) semelhante 4 de sua mulher e, a rigor, uma situago econémica estével. As mudangas estruturais (avangos do ensino publico, achatamento das diferengas salariais etc.) tiveram um efeito homogeneizante na sociedade francesa de tal forma que, fora os extremos (aristocracia ¢ proletariado), as exigéncias culturais e econémicas da homogamia sao satisfeitas por uma massa enorme de individuos. Daf, o aspecto afetivo na escolha do cénjuge. No inicio deste século, por outro lado, se bem que 0 ideal do amor conjugal aflorasse, as consideragées de classe limitavam o campo de esposos potenciais de maneira dramitica. Limites impostos pela segregacao fisica das classes? Também — mas essa segregacao fisica andava de par com uma forma ainda mais eficaz de demarcago social. Acompanhava uma imagem da sociedade cm que as diferengas sociais soavam como perfeitamente naturais. 107 Essas mulheres foram socializadas desde cedo para reconhecer e manter as disting6es de classe. Nas descrigdes dos lugares de infancia (escola, igreja, reunides sociais), a questo de status social aparecia constantemente. Antes de tudo, as mogas evitavam frequentar lugares piiblicos onde poderiam encontrar pessoas duvidosas. Quando, ainda criangas, caso brincassem na praga, era sob a vigilancia da governanta. (“Em casa era exatamente como em Edmée au bout de la table, Quando outras criangas se aproximavam para brincar conosco, nés diziamos, ‘Desculpe, mas nao tenho direito de brincar contigo”). O ideal era educar as criangas em casa pois assim evitava-se a influéncia de criangas possivelmente mal criadas. Mlle D., instufda por uma governanta até a idade de 12 anos, descreve um exemplo desse perigo: “Foi meu primeiro dia na escola publica, Aquela noite, enquanto jantava com meus pais, usei uma palavra nova que tinha aprendido com os colegas de aula (“rigolette”), Meus pais, enfurecidos, me mandaram para a cama sem sobremesa”3, A escola, esse mal necessdrio, era organizada para minimizar o perigo de conhecimentos inier-classes. Nenhuma das nossas informantes tinha freqiientado um colégio piiblico. Iam ou a “escola livre” (isto é, da Igreja), ou a colégios particulares da aristocracia (“Les Oiseaux”). A distingdo surgia nos depoimentos sem que eu perguntasse: “Voo8 conhece 0 Museu Kodin? Lé havia trés conventos. Tr@s escolas para meninas: uma para a aristocracia, uma para a burguesia ¢ uma para as outras. E nio se misturavam nunca. Vinham tomar comunhao aqui na Igreja, mas cada escola em hordrio diferente.” As meninas nado chegavam, em geral, ao nivel superior mas seus irmaos, quase todos, frequentaram as grandes escolas de entdo; a Escola Politécnica, Senlis, a Escola das Minas... A importancia dessas instituigdes em termos de capital social ¢ simbdlico era sublinhada pela mae que, ao ver seu filho fugir do Lycée Fontaine, lamentou, “Agora, tu serds obrigado a entrar pela pequena porta”, isto é, me explica Mile. R., irma do aluno, que ele foi obrigado a prestar concursos, “subir pelas vias normais”. E 38m uma Gnica familia, as criangas completavam sua educagdo com estadias em boas familias de algum pats vizinho. Por um esquema reminiscente da Inglaterra aristocrata em que, antigamente, fazia-se circular criangas entre familias nobres (McCracken 1983), a mie ‘em questo colocava suss criangas ora com “um primo do prinefpe sueco”, ora com um alto funcionsrio do governo inglés, ao mesmo tempo que recebia o filho de um coronel alemfo, a filha de um pastor inglés etc... que deviam aprender a lingua ¢ cultura francesa. Restringir 5 contatos a0 meio burgués ndo significava necessariamente s¢ fechar no provincialismo. 108 impressionante a insisténcia com a qual minhas informantes sublinham, ainda meio século depois, o nome de seus colégios - dir-se-ia que servem como brasdes de distingdo social, evidentemente com grande destaque na visio do mundo deste grupo. O apego as estruturas de classe era sem diivida acentuado pela propria fragilidade da hierarquia. “A guerra”, dizem-nos, “mudou tudo.” Fala-se da €poca pré-guerra, como de um paraiso perdido. “A gente vivia bem, as mulheres ndo trabalhavam, servigais abundavam.” Certamente as mudangas nao eram todas devidas a guerra. O fim do século XIX trouxera importantes modificagdes econémicas: as grandes fortunas sc desmanchavam. Mas a guerra surge no imagindrio burgués como momento de ruptura, de déchéance. Tornou-se o simbolo por exceléncia do medo aparente em todos os depoimentos - 0 medo da degringolada. ‘V4rios estudiosos da burguesia dessa época comentam a importancia das “aparéncias”, especialmente para as mulheres (Smith 1985, Martin- Fugier 1983). Ser da classe nao bastava, era necessdrio se mostrar digno do grupo.‘ Ser mae e esposa também no bastava. Era necessdrio se mostrar altura do modelo ideal. Era um ideal impossivel de sustentar na pentiria: “Depois da morte do meu pai, nlo tinhamos mais vide social. Ele tinha sido oficial na Casa Militar e Gramos recebidos por todo mundo. Depois da sua morte, nos esqueceram logo. Nio tinhamos mais como manter aquele nivel de vida. Nao recebiamos mais convite, nem visita. Minha mie era muito orguthess, nio queria insistir. Ela munca se recuperou da degringolada,” Resta a pergunta: esse destino infeliz, da exclusdo social, nao foi o tacitamente reservado (pelo menos nos contos moralistas) 4s mulheres que se entregavam a um marido inadequado?S 4Poucos historiadores esmiugeram e ethos doméstico burgués feminine tanto quanto Bonnie ‘Smith. No seu estado sobre a burguesia na Franga de século XIX, procura “formas de linguagem” (modes of speech) além do discurso oral; examina o contetido expressive de “artefatos domésticos” da época (a moda decorativa, a2 rotinas, os hébitos vorporais) para agugar nossa compreensio do lar como uma forma simbélica “interiormente coereate”. ‘Acaba por sublinhar este mundo feminino como fonte: potencial de uma cultura “autéctone © ‘aulGnoma”, radicalmente diferente daquela dos homens. Spode-se ver um exemplo de tais sentimentos em cama escrita por uma funciondria do correio em 1892 (Pezerat ¢ Poublan, 1984): * Ou devemos nos tomar solteironas ¢ renunciar 2 alegria de criar criangas, ou devemos nos condenar, nés ¢ as outras, a uma vida de penGria conhecida spenas pelos pobres diabos que, (apesar de) parcos recursos, sio obrigados a mantcr um certo estilo na sociedade — € 0 que chamamios a miséria em roupa preta, a mais horrivel de todas as misérias”. 109 NO DOMINIO PUBLICO Participar das obras de caridade do bairro era uma maneira mais ou me- nos aceita para as mulheres sairem de casa. Todavia, mesmo nessa situacao, as diferentes classes se misturavam apenas em ocasides bem definidas: “Sempre fui ativa no movimento paroquial. Nés tinhamos varios grupos — as Obras do Midi por exemplo, onde ensin4vamos mulheres — costureiras, balconistas ¢ arpétes*, a cozinhar e coisas assim. Havia outro grupo na Paréquia: os “patronages”, mas eu ndo conhecia aquclas mulheres. Entende, cu era do lado burgués do bairro: eu tinha frequentado a Escola Livre ¢ as outras, do patronage eram da escola comunal. Era tudo organizado (“classé”), cada um de seu lado.” Em relago ao trabalho remunerado, a norma era clarfssima: no era para mulheres, © dote, por exemplo, jamais podia ser substituido pela educagao (ou a renda potencial da mulher profissionalizada) pois neste meio, um marido no aceitaria que sua mulher trabalhasse fora. “Claro que a minha mae tinha um dote”, diz a Mile. R. “Nao se casava com oficial sem dote. Era necessdrio manter uma certa aparéncia. A mulher nao devia, jamais, trabalhar”®. “As mulheres de entdo ndo trabalhavam fora”. O refrao nio muda apesar de todas as provas em contrario. As empregadas domésticas, as lavadeiras e governantas que cercavam essas mulheres desde sua infancia simplesmente nao entravam no scu registro do mundo social. Ironicamente, todas as nossas interlocutoras, com uma exce¢4o, entraram no mercado de trabalho. Mas com que espirito de sacrificio!” A tinica que nunca teve uma “situagao” fala como se fosse um privilégio: “Tive a sorte de ter pais que me permitissem ndo trabalhar”. As outras deixam bem claro que foram constrangidas a adquirir uma profisso: “A pensdo de minha mae era bem magra. Nao tivemos outra opgao”. “Jovens aprendizes de costureiras. As duas mies que ficaram sozinhas (oma vidva, a outra separada) contribuiram esporadicamente para a renda familiar: uma recebia inguilinos, a oulra “costurava de vez. m quando”, Contudo, estas contribuigdes sio minimizadas por suas filhas solteiras que ferem pensar que suas mies realmente nunca trabalharam fora. ‘Com excegio de uma juiza, as mulheres nfo tiveram nenhuma preparacao especializada para uma carreira. Segundo Knibiehler 2 educagio novecentista da burguesia dava ougulssimo valor a diplomas escolares, negando & muther um meio para ganhar a vida. “Destinadas (...) & vida privada, treinadas pars cuidar do lar, elas foram desviadas de toda careira artistica, toda ambigio profissional ¢ ai6 de qhalquer tipo de aprendizado (Knibichler, 1983: 139), 110 “Naquela época, a mulher que nfo casava era nada”, me diz 2nfaticamente Mile. L, “Ficava em casa fazendo bordado. Hoje elas levam uma vida de homem...” Essas mulheres certamente no levavam uma “vida de homem”. Em apenas um caso, as filhas solteiras chegaram a ter uma casa separada. Nos outros, as filhas, apesar de trabalharem fora, transitavam numa rotina cronometrada entre um espaco estruturado (0 trabalho) ¢ um outro (0 lar). Professoras, funciondrias, secretérias, algumas das minhas informantes chegaram a ocupar cargos desafiadores. Contudo, as informantes diante de mim, que hoje lucram tanto satisfagdo pessoal como prestigio com o exercicio de uma profissio, simplesmente nao parecem existir ainda nesses relatos sobre o inicio do século. COMO ENCONTRAR UM MARIDO? Nao era por acaso que, nessa sociedade onde a escolha do c6njuge dependia estritamente da situagao de classe, as ocasides de sociabilidade em que se misturavam os dois sexos fossem raras ¢ cuidadosamente controladas. Nao havia, ainda, as escolas mistas. As criangas nao saiam para brincar nos parques a ndo ser sob a vigilancia das governantas. Sem diivida, a proibi¢ao as jovens mulheres de trabalhar apds o final dos estudos prevenia os perigosos contatos com o sexo oposto. Para muitas de minhas informantes, até as atividades de caridade ndo comegariam antes de uma certa idade (35 ou 40 anos). Falava-se por todo lado do amor romAntico, do “coup de foudre”, mas na realidade, havia apenas duas maneiras de encontrar um esposo: os encontros informais de familia (por exemplo, um primo ou amigo do irmio que viesse passar alguns dias na casa de campo) ¢ bailes. Estava fora de questéo freqtientar os bailes piiblicos, mas sempre havia 0s “casamenteiros” (marieurs). “Era uma senhora que gostava de fazer isso — os bailes — era ela quem tinha a idéia de convidar as pessoas jovens para se conhecerem. As mZes também iam tomar ‘cha de cadeira’ (faire la tapisserie)” . No entanto, segundo seus depoimentos, nenhuma das senhoras consultadas chegou a freqiientar esses encontros. Me pergunto por que nao iam? Certamente tal boicote nao dependia tanto delas como de suas familias. Para uma menina participar da temporada de bailes, seus pais tinham de se empenhar. Primeiro, para comprar os vestidos (para a menina e sua me que devia acompanhé-la), depois para responder o convite, oferecendo bailes em. sua propria casa. Uma mulher insinuou que sua mae tivesse boicotado essas atividades por razdes econémicas: “Ela disse que visto que nao poderiamos ‘devolver a moeda’ (oferecendo bailes em casa), eu nfo deveria nem mesmo comegar”. 1 Nao ha diivida, a guerra também foi responsdvel pela falta de eventos sociais na vida dessas jovens. O costume do “jour” (no qual havia uma Todada de pessoas que, cada uma, recebia visitas uma tarde por semana) tinha caducado. E, sobretudo quando as familias estavam de luto, nfo convinha fazer muitas festas. Mlle, D, conta o espanto que sentiu ao viajar para a Suécia em 1922: “Como eu fiquei chocada em ver mogas vestidas com cores vivas, com ‘maquilagem ¢ fitas no cabelo! Néo, eu nfo me lembro quais as cores que eu usava na Franga, mas eu creio que foi por causa do luto. Mesmo em Patis, estévamos habituadas ao preto e cinza.”” O discurso dessa mulher mostra ainda uma dimensio do mundo das jovens burguesas da época: os tramites tradicionais para encontrar um esposo falhavam antes que essas mogas tivessem aprendido as estratégias modernas para “pegar um marido”. E como desenvolver tais estratégias? A arte do flerte no estava sobretudo adaptada ao dominio piiblico? Ao mercado livre de casais? Qual dessas mulheres teria pensado flertar com um carteiro, um pedestre cruzando o canto da rua, ou mesmo um colega de servigo que no fosse jé um elemento familiar ao seu mundo? Uma mulher que, enquanto estudante e profissional, circulou no dominio puiblico toda vida, diz: “Onde vocé queria que eu achasse um marido? Eu nao me encontrava “com homens. Nao me encontrava com homens ¢ nao via mulheres trabalhando,” Decididamente 0 universo simbélico ditava os limites da percepyao. A MULHER E SUA FAMILIA O apego entre uma moga e sua familia era miituo, as solteiras nao teriam se fincado na unidade doméstica dos pais se ndo houvesse um interesse reciproco. O que a familia de origem ganhava guardando suas filhas soltcironas? Nesta época de consolidacdo da familia conjugal, nada mais légico do que deixar um elemento marginal (mulher celibatéria) cuidar de um outro (os pais velhos). Todas as solteironas de nosso universo viviam ainda com scus pais quando esses faleceram. Cuidar dos velhos cabia claramente as mogas: “Se nés fOssemos duas irmas, talvez a vida tivesse sido diferente. Mas eu tinha 86 meu irmao. Nao que minha mae ndo se desse bem com minha cunhada, mas vocé sabe, uma nora ndo é como uma filha...” As mulheres, é verdade, sempre cuidaram dos idosos da parentela. E, de fato, varias de nossas entrevistadas se lembravam de uma estada compartilhada com a avd. Mas a 112 avé nao residia com sua filha a ndo ser que essa fosse vitiva ou solteira. A intimidade do casal parece sacrossanta. O ideal neolocal € técito. As mulheres tém uma opinido unanime: elas nunca poderiam ter se casado se nao fosse “abandonando” sua mae (ou pais) A solidaio®. Nao ha diividas no espirito de minhas informantes sobre seu legitimo lugar no scio da familia, perto de seus pais e irmaos: “Muito cedo me perguntei. E se eu nfo gostar de meu marido, se nao der certo, eu serei mesmo obrigada a ficar com ele enquanto minha vida durar. Melhor me contentar com meus pais.” Malgrado seus empregos € outras atividades no domfnio piblico, era na familia de origem que elas investiam sua identidade social. Um sobrinho d4 sua opinido sobre suas tias solteiras, duas professoras nascidas no final do século passado: “Scguramente elas ndo encontravam maridos a sua altura, Além de tudo, meu pai havia feito a Escola Politécnica ¢ elas nio queriam, talvez, trocar esse status por outro, mais modesto,” Mas, se afirmam sem reservas seu lugar na familia, nao ignoram 0 fato de que a unidade conjugal €, em princfpio, prioritéria. Sobretudo, nas escolas livres, a politica “familista”, desde a metade do século XIX, permeava a educagdo das mogas. Ninguém duvidava que o destino “natural” de uma mulher era se casar e ter filhos. As mulheres celibatdrias se apoiavam na solidariedade consangiiinea, aspecto da ideologia familiar firmemente enraizado na cultura francesa mas, a esta época, considerado incontestavelmente secundario. Sutilmente, nossas interlocutoras descreviam a rivalidade entre os lagos conjugais ¢ os lagos consangiifneos: “Voct sabe — naquela época, quando alguém se casava, era como se estivesse casando com toda a familia, © marido tomava a familia de sua mulher por sua familia, Mas Monsieur A., eu senti jf no casamento ~ como se ele tivesse retirado nossa prima da familia. Foi come uma cisio, ¢ eu penseis “Bla se perdeu de nés'." Mesmo depois de 50 anos de convivéncia, fazem saber aos parentes por alianga que s4o intrusos; enquanto todos os consangiiineos sao chamados por SKnibichler sugere que, durante 0 século XIX, havie um sistema para “fazer render” 0 celibato das mulheres na familia. Um pai designaria oficios diferentes a suas filhas sucessivas: uma receberia um dote, travando aliangas femiliares adequadas; uma entraria no convento, assegurando a satide espiritual da familia, ¢ uma seria designada para ficar solieira cuidando dos velhos ¢ das criangas da parentela (1983: 140). 113 “wu”, ainda dizem “vous” (senhor) para cunhadas e cunhados.? SEXO E RELACAO CONJUGAL A educagio da jeune fille burguesa na virada do século era eminentemente catélica. A medida que o ensino publico ¢ leigo tomava conta do pais, a escola catélica se tornou progressivamente o refiigio da burguesia ~ em particular das meninas da burguesia. Os excessos de piedade no ensino religioso do século XIX s4o notérios. O culto mariano, encorajado, desde o inicio do século, pelas Associagdes das Criancas de Maria em colégios tais como Les Oiseaux, fornecia um modelo feminino de paciéncia, submisso e abnegagio (Lévy, 1984: 59). A menina “bem- educada” aprendia a se vestir: a roupa, prdtica, modesta ¢ sdbria, deveria proteger contra a concupiscéncia, tanto quanto contra o frio. Aprendia a se comportar sem coguetierie ou vaidade, evitando enfeites excessivos. A obsessao pela inocéncia femi , o medo da “deflorago moral” produziram uma menina com grande ambivaléncia frente a seu futuro familiar.!° No final do século, proliferaram criticos a este tipo de educagdo, dizendo que se ensinava apenas uma “inépcia pela vida real” que atrasava o projeto nacional (e natalista) para o qual devia contribuir a mulher “moderna”. Todas as mulheres entrevistadas so catdlicas praticantes: a maioria freqiienta fielmente a missa dominical, e todas participaram das atividades sociais ¢ filantrépicas de suas paréquias. Sem diivida, expostas na sua infancia, aos dois modelos (cristo ¢ moderno), resgataram, por causa de sua situagdo de classe e de estado civil, a imagem mariana, A base de um catolicismo tradicional, confeccionaram um sistema de valores assaz particular — onde o anor. Fe traduzia pela realizagao do dever familiar e se opunha a ameaca sexual.!! Nas entrevistas vé-se que a ignorancia das mogas a respeito do sexo ¢ praticamente um ponto de orgulho: “Nao nos diziam nada. Era Taté quem 9seck por causa desta rivalidade que nenhuma das nossas entrevistadas se imiscuiu (ou conseguiu se imiscuir) o suficiente na familia de um irmfo para assumir 0 papel de babé de seus sobrinhos? Ou serd por causa de uma idiossincrasia da nossa “amostra” que continha apenas sobrinhos agnatos! Irmis teriam compartilhsdo as responsabilidades de maternagem mais facilmente do que cunhadas? 10knibichler cita a menina novecentista que “queria muitos filhos mas (que) ficou chocada a0 saber o que devia sguentar para atingir este objetivo” (1983: 140). 11 Watkins, julgando a religiosidade a base de critérios tais como 1) as contribuigdes & Igreja, 2) 0 nimero proporcional de padres, ¢ 3) a quantidade de excegdes eclesifsticas ‘ourorgadas, chega a concluséo de que, na Franca de 1861, os municipios mais calolicos tinham uma taxa maior de celibato feminino. 114 nos lia esse livro sobre ‘O que toda moga deve saber’, e nés ndo compre- endiamos nada. Nés nos aborrecfamos, vocé nado pode imaginar!” Sem duivida uma boa parte deste culto a inocéncia feminina pode ser atribuida 4 religido catdlica. Aqui, a relacdo conjugal parece estranhamente casta: “Nossa imma foi feliz. enquanto seus sogros eram vivos. Eles gostavam muito dela e a mimavam. Mas depois de sua morte...” (subentendido, quando nio Ihe restava mais que seu marido....) Para elogiar uma amiga casada ou para lembrar de sua felicidade doméstica, referem-se sempre 4 maternidade. Jamais com piscadcla, jamais com insinuag6es sexuais. As relagdes sexuais entre esposos sdo ligadas invariavelmente & reprodugio: “Minha mie teve oito filhos em dez anos. Um dia, ela disse « meu pai, “Chega. Estou canseda’, (A mie tinha por volta de 30 anos na época.)” Nesta imagem da familia, o sexo quase que inexistia (segundo Martin- Fugier, muitas mogas chegavam completamente ignorantes a sua noite de niipcias), a0 passa que no dominio publico, assumia proporgées terriveis. “Mamie tinha sobretudo cuidado para que nés nao tivéssemos problemas conjugais (sic), quer dizer para que n3o féssemos violadas, Para ela, era uma verdadeira obsessio, O sexo estava ligado aos perigos do mundo de fora - aos servigais ¢ ao trabalho feminino,” O pudor das mogas fazia a distingao entre essas pessoas € as classes populares (daf a importancia atribufda a escola segregada por classe, bem como por sexo). As empregadas domésticas eram uma presenga perigosa no seio da familia, fonte potencial de poluigao, pois elas tinham um corpo (ver também Martin-Fugier 1979): “Eu me recordo, nés tinhamos uma empregada que comegou a chorar na cozinha e eu lhe perguntei, ‘Por que vocé est4 chorando assim?”, E ela me disse que era porque seu leite ndo descia... E eu perguntei a mamae, “Que isso quer dizer? Que seu leite nao desceu...?’ E mamae ficou furiosa porque ela havia recomendado a empregada nfo falar sobre isso, Mamie foi obrigada a me dizer que era porque ela havia tido um filho. Eu nao compreendi nada. ‘Ela teve um filho e nao tem marido?’, perguntei. E a mame respondeu: ‘E sim, as vezes acontece, um acidente (sic), quando se vive com um homem.” E eu disse: ‘Mas eu, eu vivo com Jean (seu irmao). Eu nao vou ficar gravida também?’ Mas mamiac néo queria saber mais do assunto. Disse que mais tarde eu entenderia.” Quanto ao trabalho remunerado, por medo de afrontas ao pudor das mogas, preferia-se lugares em que o contato com homens era minimo 5 (escola de meninas, paréquias etc.) Uma mulher nos explica por que mudou tanto de emprego antes de chegar na editora de padres onde ficou: “No inicio, eu me sentia um pouco incomodada, sozinha com aqueles adyogades. O primeiro, entio, me anunciou um belo dia que cle ia receber uma malher no scu escritério as 11 horas nao ere para interrompé-lo por nada. Era casado, mas evidentemente, isso nfo importava, Eo segundo? Bom, um dia descobri que sus empregada doméstica tinha um filho dele, com ‘quatro anos. Foi assim que fiz minha educagio.”” De fato, eu me pergunto onde o amor roméntico tinha lugar ‘neste esquema, Pois, nas suas histérias, povoadas por cacadores de dotes, maridos indignos etc., simplesmente nao parece haver lugar para a felicidade conjugal. Até mesmo os casamentos certinhos ndo chegam a ser idealizados: “Minha irm& admitiv para minha mie antes de casar, ‘Nio mamée, nfo ‘uma grande paixio, Mas ele me ama, e talvez eu possa aprender a amé-lo. E essa, a minha oporwmnidade de casar ¢ ter filhos."” REALIZACAO PESSOAL E FIDELIDADE FAMILIAR Mocinhas sébrias e bem-educadas - assim & a imagem que me foi transmitida por todas as entrevistadas — uma imagem em que, desde cedo, realizavam fielmente seu destino familiar. “Eu era o chuchu da familia, Fazia tudo comme il faut, meus pais me adoravam.” A sobriedade das meninas se destaca ainda mais quando contrastada com 0 cardter arteiro ¢ aventureiro dos irmaos. “Mcu irmdo foi expulso de 12 interatos!” “Meu irmao fugiu de casa para ir 4 guerra. Tinha 17 anos quando pulou do trem (na volta do internato) e entrou no exército.” Aos meninos a aventura, 4s meninas a obediéncia. “Minha irma e eu faziamos tudo que nossos pais mandavam.” “Nossa mae resolvia nos mandar para algum lugar ¢ nés ndo deviamos dizer nada.” Enquanto seus pais viviam, essas mulheres foram submetidas aos humores deles. O tabu contra o trabalho feminino reforgava, sem divida, essa submissdo (“Eu era a inica da Par6quia que trabalhava fora — e minhas amigas diziam, ‘Afortunada — ndo precisa pedir 20F ao teu pai cada vez que quer comprar um livro...”*). Mas, tudo leva a crer que as mulheres que tinham uma situago profissional no gozavam de muito poder no lar, nem de grande liberdade social; seus pais continuaram a vigiar suas amizades ¢ a cronometrar suas saidas. Onde estao as ambigdes de realizagdo pessoal nessa histéria? Tinha-se outras metas na vida, As palavras destas mulheres ndo dio abertura para a 6 hipétese de vida sacrificada, de amores perdidos. Longe da retérica feminista de suas irmas anglo-saxGnicas (ver Freeman e Klaus 1984), estas mulheres nao encaravam seu celibato como um ato de desafio (ou recusa consciente da submissdo conjugal). Pelo contrario, tudo indica que elas permaneceram fi€is aos ideais familiares, antes de tudo a piedade filial. “Minha mde trabelhou num hospital durante a guerra. E eu, quando terminei © colégio, queria ir embora de Paris, fazer a Cruz Vermethe, mas meu pai me disse: ‘Ah ndo, a cagula nio, a ua mie morreria de saudades’. E eu fiquei.” “Bu ensinava num colégio de meninas nos Estados Unidos, mas em 35, soube que @ mami arriscava pasar o inverno sozinha. Entio, voltei.”” Instaura-se um tipo de pacto entre pais ¢ filhas pela qual € subentendido que, antes do amor romantico, é a fidelidade e 0 cumprimento do dever que dotam a vida de um sentido. “Minha mie depois de vidva aunes penson em se recatar pois sabia que me feriria. Teria me machucado sim. Eu adorava meu pai, ¢ ela... era fil, Entenda, naquela época era diferente, as pessoas eram fis.” A fidelidade da filha ao pai, da mae a filha. Uma fidelidade casta, encamada na imagem das “noivas virgens” que se elogia tanto — as meninas que ficavam fiéis 4 memoria de um noivo morto durante a guerra. Compreende-se que n&o somente a atitude das mogas, mas especialmente. a dos pais tinha um papel capital no jogo matrimonial. Pelo menos uma das mulheres tinha pais riquissimos que, sem duvida nenhuma, possufam meios para arranjar um genro adequado. Manifestamente, tal empreendimento nao os interessou. Serd que os pais, convictos do novo cédigo de namoro, esperavam que sua filha achasse ela mesma um marido? Serd que consideravam, simplesmente, que seu futuro era mais seguro dentro de casa com eles? Serd que se preocupavam pela “felicidade” de sua filha? A seguranca doméstica e o cumprimento do dever filial nao eram satisfagdes suficientes na vida? Em cima da lareira de Mile. G., entre varias fotos de seus pais ¢ sobrinhos, hd um retrato dela a Belle Epoque. Ao contemplar essa moginha radiante, o chapéu estrategicamente colocado para ressaltar seus belos cachos dourados, tenho dificuldade em crer na sua resposta As minhas perguntas indiscretas: “Namorados? Nem pensava.” Porém, ler nessas imagens amareladas desejos romanticos de adolescéncia nao seria ceder ao universo simbélico da pesquisadora? Quem sabe onde voam os pensamentos desta jovem sonhadora? Talvez pense no préximo anivers4rio de seu pai, ou na brincadeira de alguma colega, ou, quem sabe, esteja contemplando as alegrias sublimes da vida religiosa. Como vou saber? 117 Nossa andlise contém uma falha fundamental — a pretensdo de atingir, através de depoimentos de mulheres idosas vivendo em 1987, 0 mundo de mogas ptiberes em 1920. Certamente as lembrangas de juventude foram re- elaboradas. Talvez o sistema de valores captado aqui antes de uma explicagao pelo celibato deva ser visto como uma racionalizago post ipso facto. Falta a consulta de outras fontes, cartas, jornais, escritos literarios, para Preencher as lacunas e retificar erros. Por enquanto, me contento em sugerir algumas hip6teses. As mulheres burguesas nascidas no infcio do século foram imprensadas entre a importéncia tedrica do amor romantico e os mecanismos sociais ainda funcionando para perpetuar a sociedade de classes: dote, separac3o dos sexos, auséncias de lugares piiblicos de sociabilidade... Se os pais nao foram mais ativos na busca de genros, é porque suas filhas solteiras, como domésticas e companheiras, desempenhavam papéis muito iiteis dentro do lar. Enfim, pais e filhos agiram segundo uma ética familiar que desafiava a filosofia individualista nascente, uma ética em que o “individuo” ¢ a “familia” se confundiam e onde a pessoa se realizava cumprindo com seus deveres. A guerra de 14-18, ao reduzir os homens em 20%, foi simplesmente a gota d’agua que fez transbordar o mar. POSFACIO Hoje, o modo de vida das mulheres solteiras tem pouco em comum com as solteironas de outrora. E no entanto, os esterestipos j4 evidentes no século XVII (ver Knibichler et al. 1983, Dauphin 1984) mudaram pouco. As imagens de solteirice levantadas por F. Basch no seu estudo de literatura do século XIX continuam altamente pertinentes: a tinica maneira para uma solteira escapar aos rétulos, “magoada”, “egoista”, “sovina” é ser governanta, doméstica ou titia, isto 6, se dedicar a algumas familias, preferivelmente com criangas, (ver os exemplos famosos nas familias de Freud ¢ Charles Dickens). Primeiro, houve 0 discurso psicolégico para condenar as solteiras como mulheres frustradas pela falta de atividade sexual. Depois, com a maior liberdade sexual, ¢ a progressiva desaparigao de virgens publicas, tomou-se necessrio redefinir 0 alvo de desprezo. Um colega (solteirao) me diz: “Antigamente tinha solteironas, hoje so as “virgens de criangas” que é preciso cuidar”. Isto 6, hoje em dia, no basta ter relagOes sexuais para escapar ao estigma de desviante. A ideologia sobre a natureza feminina est4 ainda viva entre nés, sempre & espera de desviantes que possam perturbar os esteredtipos vigentes, 118 BIBLIOGRAFIA BASCH, Frangoise, 1979. Les femmes victoriennes: roman et sociésé. Paris: Payot BOURDIEU, Pierre, 1962. “Célibat et condition paysanne” Etudes Rurales 5-6: 32-137. CACOUAULT, Marléne. 1984. “Diplome et célibat: les femmes professeurs de lycée entre Jes deux guerres." In Madame ou Madernoiselle? Paris: Editions Montalba. CORNELL, Laurel L. 1984. “Why are there no spinsters in Japan?” Journal of Family History, Winer: 326-339. DAUMARD, Adeline. 1970. Les bourgeois de Paris au XIX® sidcle. Paris. DAUPHIN, Cécile, 1984. “Histoire d'un stéréotype: 1a vieille fille”. In Madame ou Mademoiselle? 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