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Psicologia evolucionista Wallisen Tadashi Hattori Altay Alves Lino de Souza Alvaro da Costa Batista Guedes ‘Uma abordagem integrativa “Evolugdo significa mudanga nos seres vives por descerdléncia com modificago” (Ridley, 2006). A psicologia evolucionista éuma abordagem de estudo do comportamento humano que nos permite compreender sua funcao com base em sua histétia evolutive. Aqui, apre- sentamos a base tedrica desta abordagem e alguns padrdes comportamentais relevantes para a formagio e manutengao de grupos sociais, especialmente grupos de trabalho. 5.1.0 QUE E PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA? Desde a antiguidade, intimeros grupos humanos vém buscando a melhor ma- neira de resolver problemas de ordem pritica de forma organizada e sistemética; por exemplo, o sistema econémico proposto por Ptolomeu no Egito antigo ou a Constitui- go de Chow e as regras de administracao piblica de Confuicio, na China, No mundo ocidental, grandes organizacées foram bem-sucedidas e ganham destaque na historia naarte de organizar o trabalho a fim de alcancar cerlos objetivos, dentre as quais esto a Psicologia Aplicada a Administragao ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa BatistaGuedes ELSEVIER a Igreja Catélica Romana e as Forgas Armadas. Embora essas organizagdes pudessem ter usado técnicas aparentemente distintas, 0 que nos interessa é que elas apresentam um ponto em comum: a eficiéncia de suas técnicas administrativas desenvolvidas para exercer influéncia sobre os demais do grupo social, o que inclui influéncia sobre © comportamento das pessoas, sejam elas figis ou combatentes (Chiavenato, 2009). © sucesso de muitas dessas técnicas pode ser compreendido se olharmos a origem do comportamento humano. Uma das formas de compreender a origem do compor- tamento humano é através da viséo evolucionista, conforme veremos neste capitulo, ‘Tradicionalmente, a psicologia é definida como a ciéncia que estuda 0 compor- tamento. Talvez a auséncia do complemento “humano’, depois de “comportamento”, cause alguma estranheza. Isso é proposital, uma vez que, ao longo da histéria, os psicélogos experimentais (aqueles dedicados ao trabalho em Jaboratério) investiram muito tempo na pesquisa com animais néo humanos. Talvez esta iltima expresso tenha causado ainda mais surpresa. Vocé pode estar se perguntando: “Como assim, ‘animais ndo humanos’? E desde quando nds somos animais?”. Em outras palavras, a compreensio do comportamento, assim como de outras caracteristicas dos organismos vivos, esta fundamentada sob a ideia de que todos os organismos vivos estao sujeitos as mesmas leis naturais, £ nesta premissa que est alicercada a psicologia evolucionista (Barkow, Cosmides & Tooby, 1992; Otta & Yamamoto, 2009), de que somos apenas mais uma espécie tnica (Foley, 1997), A partir do olhar da ciéncia, fomos inseridos no reino animal, de uma vez por todas, em 1859, quando o naturalista britanico Charles Darwin langou A origem das espécies, livro que apresentou sua experiéncia a bordo do navio H. M. S. Beagle ~ viagem que durow algo em torno de cinco anos ¢ percorreu boa parte do mundo ~ e outras pesquisas que realizou ao longo de sua vida. Nessa obra, Darwin expée as bases do que viria a ser a moderna ciéncia da evolugao. Sua teoria basica, largamente aceita até os dias de hoje, era a de que os organismos, ao longo das geragées, softeram modificagdes sucessivas, pequenas ¢ graduais, de modo que sua estrutura ancestral foi se modificando, até que eles se transformassem no que conhecemos atualmente. O mecanismo pelo qual essas modificagdes eram mantidas foi chamado por Darwin de “selegao natural’ Diferentemente do que pensa boa parte da populacdo leiga, o principio delinea- do pelo naturalista inglés nao preconizava a ideia de sobrevivéncia do mais forte. Ao contrario, a proposicao original era a de que os organismos mais “adaptados” sobre- viveriam. Adaptagao, tal como empregado por Darwin, sé faz sentido se for interpre- tado sob uma perspectiva relativista, ou seja, uma caracteristica nao é adaptativa per se, ela é sempre uma vantagem em relagao ao ambiente. O possuidor de determinada caracteristica obterd yantagens competitivas no caso - e somente neste caso - de ela amen atender a demandas especificas impostas pelo meio. Nesse sentido, a presenga de pelos pode ser considerada adaptativa se, por exemplo, a temperatura ambiente for telativamente baixa, sendo util, entao, dispor de mecanismos de manutengao da tem- peratura corporea; se o ambiente for quente, o inverso ¢ verdadeiro (Souza, Baiao & Otta, 2003), Para além deste exemplo simples, é imprescindivel que toda caracteristica, seja ela anatémica, fisiolégica ou comportamental, nunca seja tida como adaptativa sem antes ser levado em conta 0 contexto no qual ela esta inserida. Ha trés implicagdes basicas para que haja selecao natural: (1) variabilidade; (2) hereditariedade; (3) reprodugao diferencial (Ridley, 2006). De inicio, qualquer processo seletivo, entendido em sentido amplo, se baseia na variedade — quando uma empresa quer recrutar ¢ selecionar candidatos para 0 suprimento de vagas, ela realiza um pro- cesso seletivo a fim de contratar o melhor candidato, dentre varios. De acordo com Chiavenatto (2005), a selecdo ¢ um subsistema que filtra os candidatos, diferentemente do subsistema de recrutamento, que convoca pessoas. Assim também ocorre com 0 processo de selegao natural, que favorece as caracteristicas que melhor respondem aos desafios impostos pelo ambiente. Entretanto, a variabilidade na populagao nao é suficiente, Quando uma caracteristica traz beneficios ao individuo, ¢ interessante que ela permaneca na populagio. Selecao natural, portanto, nada mais é do que a transferéncia de uma carac- teristica adaptativa para a geraco seguinte, por meio de reproducao diferencial - a quantidade adicional de filhos que um individuo consegue deixar na geracao seguinte, em compara¢ao com outro individuo, uma vez que suas caracteristicas so podem ser transmitidas através dos seus genes. Embora na época de Darwin nao fosse conhecida a ideia de gene, atualmente sabemos que é por meio das moléculas de DNA que as informagoes sao transmitidas de pai/mée para filho/filha, Isso nao significa dizer que se est4 nos genes deve ocorrer. Na biologia moderna, fala-se em predisposicbes biologicas que, em interagdo com o ambiente, podem ou nio ser expressas. Como foi dito no primeiro t6pico, a psicologia evolucionista é uma abordagem integrativa, 5.1.1, As origens da psicologia evolucionista: psicologia cognitiva e biologia evolutiva Mais recentemente, algo entre as décadas de 1930 e 1940, foi travado um com- bate epistemoldgico, por assim dizer, entre psicélogos experimentais e os emergentes etdlogos ~ etologia é a ciéncia que estuda o comportamento animal. Apesar de ambas as classes de cientistas estarem fazendo ciéncia do comportamento (Volpato, 2006), de um lado os psicdlogos enfatizavam a importancia de se estudar os mecanismos de i = Psicologia evolucionista 107 ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER Psicologia Aplicada & Administracio aprendizagem e, de outro, os etélogos enfatizavam os comportamentos inatos, que nao dependem de aprendizagem para serem emitidos. Uma vertente nao negava a outra ~ apesar de a maioria dos livros de histéria da psicologia colocar dessa forma -, mas realmente enfatizavam aspectos diferentes ¢, na época, eram aparentemente irrecon- ciliaveis (Yamamoto, 2006). Nos dias de hoje, porém, o debate “inato x aprendido” ja foi superado, endo ha logica alguma em perguntar se um comportamento qualquer é inato ou aprendido. Ambos os componentes sempre estdo presentes em algum grau. A natureza, para se expressar em toda sua plenitude, depende de condiges ambientais especificas. Caso as condicdes nao sejam satisfeitas, muito provavelmente haverd um déficit de desenvolvimento daquele fator natural. Assim, ao longo das décadas, muito tem se perguntado a respeito do que nos torna humanos, A resposta é paradoxalmente simples: genes (natureza) ¢ ambiente (criagao) ou, como colocado por Ridley (2004), natureza via criagao, E no bojo da discussao a respeito de onde viemos e 0 que somos que surge a ciéncia da psicologia evolucionista. Grosso modo, psicologia evolucionista é uma unido epistemoldgica que envolve dois campos cientificos, a saber: psicologia cognitiva e biologia evolucionista; Ades (2009) joga com as palavras e diz que esta abordagem é resultado de uma coevolucio da psicologia com a biologia. A proposta da psicologia evolucionista é unir conhecimentos dessas duas ciéncias para chegar a uma explicagao cientifica completa da natureza humana (Barkow, Cosmides & Tooby, 1992) e, por esta razio, precisamos entendé-las se quisermos entender o comportamento humano (Evans & Zarate, 1999). E importante salientar que a psicologia evolucionista é uma aborda- gem A psicologia, ou seja, um modo de ver o ser humano, e ndo uma area especifica de atuacdo do psicélogo, como psicologia organizacional ou clinica (Yamamoto, 2009). ‘Como uma das fontes de conhecimento que alicerca a psicologia evolucionista, a psicologia cognitiva é devotada ao estudo dos processos psicolégicos superiores ou men- tais (cognicao, linguagem, emogio, inteligencia, meméria, percepgio...), com forte base computacional e neurolégica. Ela transformou a psicologia de um conjunto vago de ideias pouco claras em uma ciéncia de verdade, baseada nas ideias de que as agdes sdo causadas pelos processos mentais e de que a mente é um computador (Evans & Zarate, 1999). A biologia evolutiva, que teve origem com A origem das espécies, por sua vez, procura entender como os organismos evoluiram ao longo das geragées, isto é, como € por que a selegio natural favoreceu as caracteristicas presentes nas espécies con- temporaneas, conservando ou modificando caracteristicas das espécies ancestrais (Futuyma, 1998). A partir da logica de alteragées sucessivas ao longo das geracées, deancestrais primatas podemos compreender que os seres humanos sao descendentes comuns a outras espécies atuais e, em ultima andlise, um Gnico ancestral comum deu origem a todos os seres vivos da ‘Terra. isovn = Capitulo 5 Portanto, a psicologia cognitiva nos mostra o quanto a mente humana é com- plexa, enquanto a biologia evolutiva nos diz que estruturas complexas s6 podem surgir na natureza em resposta as pressGes seletivas. Dessa forma, é muito provavel que a mente humana tenha evoluido através do processo de selegio natural. Segundo a abordagem da psicologia evolucionista, durante a historia evolutiva humana, inimeros mecanismos psicolégicos foram naturalmente selecionados por contribuir na resolusao de problemas do passado, ou seja, os mecanismos psicolégi- cos adaptados permitiram resolugdes de problemas que aumentavam as chances de sobrevivéncia e reprodugao dos nossos ancestrais, os chamados problemas adaptativos, assim como para nés nos dias atuais. Charles Darwin, na tiltima pagina de A origem das espécies, em 1859, jd postulava que suas descobertas seriam aplicadas, no futuro, compreensio dos fendmenos mentais e comportamentais humanos. Ele estava certo! Tanto estava que, daqui em diante, neste capitulo, discutiremos alguns exemplos de comportamentos ¢ processos mentais que serviram aos nossos ancestrais ¢ permane- cem até os dias de hoje no nosso cérebro. Para analisarmos como resolvemos esses problemas adaptativos nos dias de hoje utilizando predisposicSes herdadas de nossos ancestrais, precisamos entender alguns conceitos, Primeiro, o fato de a mente humana ser um modelo computacional e, por isso, possui componentes responsdveis pela entrada e saida de informacées relevantes, do ponto de vista da sobrevivencia e reprodugio, provenientes do ambiente externo ou interno. Além disso, faz-se necessdrio um componente para 0 processamento dessas informagées, para resolucdo de problemas especificos, mas com grande plasticidade de resposta, possibilitando melhores ajustes as novas situacdes. Finalmente, um com- ponente para o armazenamento tanto dos componentes anteriores quanto dos dados processados (Oliva et al., 2008). Portanto, a mente da psicologia cognitiva, unida a teoria da evolucao proveniente da biologia evolutiva, nos permite tragar a origem da mente humana, Entretanto, para que essa trajetoria esteja completa, outro componente deve ser acrescentado: as emocdes. O proprio Darwin (1872),em A expresséo das emo- ¢6es no homem e nos animais, dedicou-se a entender 0 importante papel das emogdes na filogenia (evolugao) do comportamento humano. Contudo, a visio moderna da psicologia evolucionista inclui o papel das emogdes na ontogenia (desenvolvimento) da mente e, assim, na expressio do comportamento, Imagine a seguinte situagao: vocé esta cansado e com fome, saiu do trabalho e esta caminhando s zinho a noite em uma rua escura. De repente, vocé escuta barulho de passos, mas n&o consegue identificar quem esta caminhando atras de vocé. Nao é uma das situagdes mais agradiveis. Das emogdes bsicas que podem aflorar em um momento como esse, medo é uma delas e certamente provoca alteragOes significativas. Esse exemplo ¢ interessante para ilustrar o papel das emogdes no controle da expressao Psicologia evolucionista 109 ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Line de Sours | Alvaro da Costa BatistaGuedes ELSEVIER do comportamento, seja ativando, desativando ou modificando o funcionamento de intimeros mecanismos que interagem nessa expressio. Vejamos alguns exemplos da atuagio das emogées (Cosmides & Tooby, 2000). Em momentos de medo como o descrito, algumas mudangas emergem (se | preferir, pode imaginar outra situagao de medo que tenha vivenciado). Ocorrerd uma i alteragio em sua atengao e percepsao, as quais sero direcionadas para estimulos especificas, como a reacao do outro, se ele acelera ou mantém 0 ritmo da caminhada, Algumas prioridades emergem e voce passa a nao sentir fome, nao pensa mais em como alguém pode he ser atraente ou aprender uma nova habilidade (como manipular um aparelho de celular adquirido recentemente). Uma mudanga no processo de me- méria redireciona para a retomada de situagdes nas quais tarefas semelhantes foram executadas, Além disso, ocorrem mudancas no processo de comunicacdo, a depender das circunstancias, vocé pode dar um grito de alarme ou ficar paralisado e incapaz de emitir uma palavra sequer. A fisionomia pode se alterar para uma expresso de medo tipica da espécie de forma involuntéria. Alguns processos mentais de inferéncia sao ativados, como concluir algo com base na aproximacao do outro ou na direcao de seu olhar. Algumas pistas do comportamento do outro podem the dizer se ele também sente medo por se deparar com vocé ou mesmo se percebeu seu medo. Mudangas fisiolégicas entram em cena, redirecionamento do fluxo sanguineo para as extremida- des, a quantidade de adrenalina aumenta na circulacao e a frequéncia cardiaca pode ir a picos elevados. Dependendo da natureza da ameaca potencial, regras de decisio comportamental sio ativadas; assim, diferentes cursos de agao serao potencializados: enfrentamento ou luta, fuga oa mesmo imobilidade tnica. Como podemos perceber, 110 umcconjunto de mudangas em todo o organismo ocorre sob influéncia da emogao do momento. Sob essa perspectiva, Cosmides e Tooby (2000) entendem a razdo e a emocio como operagdes mentais, favorecidas pela selecio natural que, somadas, compreendem as capacidades cognitivas da nossa mente, as quais permitiram a nossos ancestrais sesolverem problemas adaptativos, dentre os quais destacamos detectar e evitar preda- dores, encontrar e selecionar alimento, formar aliangas e coaliz6es, fornecer cuidado as criangas, reconhecer parentes, selecionar parceiros reprodutivos, dentre outros, Dessa forma, herdamos uma mente plistica capaz de suprir necessidades basicas do individuo, tomar decisées e interagir socialmente, aumentando, assim, a possibilidade de sobrevivéncia ¢ reproducao. Esses so s6 alguns exemplos de como os sinais biolégicos interferem no nosso processamento cognitive, Ambos os processos nos preparam para uma situagio de perigo, por exemplo, aumentando nossas chances de sobrevivéncia. = Capitulo § fiseuen 5.2. TOMADA DE DECISAO © processo de tomada de decisio caracteriza alguns dos comportamentos mais basicos para todos os seres vivos. Tomar uma decisio é um processo resultante de uma escolha e faz parte da resolugaio de um problema. Assim, 0 que chamamos de tomada de decisao se refere ao processo completo da escolha de um curso de acao; € julgamento se refere aos componentes do processo de tomada de decisao que se ocu- pam da avaliacao, estimacao e dedugao dos eventos que podem ocorrer e das reagées do tomador de deciséo quanto aos possiveis resultados desses eventos (Hastie, 2001). Quer dizer, julgamento e tomada de decisio séo processos cognitivos pelos quais uma pessoa pode avaliar opgdes e selecionar a opgao mais adequada, dentre varias alternativas (Sternberg, 2000). Quando falamos em “tomar decisées’, fica implicito o carater intencional do sujeito da ago. Porém, pelo ponto de vista da psicologia evolucionista, intengao e consciéncia de fato so coisas diferentes. Muitas vezes tomamos decisdes com base em parametros que nada tém a ver com o problema em si. Outras vezes a decisio é tomada com base em aspectos dos fendmenos que nem percebemos ou nomeamos de forma consciente, Por conta disso, dizemos que o processo decisério nao € necessariamente ligado a intencionalidade do sujeito “tomador de decisao” Sendo assim, podemos afirmar que outras espécies além do Homo sapiens também avaliam diferentes possibilidades de escolha, tomam decisdes e resolvem problemas. Conforme vimos anteriormente, a selegdo natural é um processo que otimiza a adaptacao do organismo ao meio, mas essa adaptacao nao ¢ perteita: é uma “adaptagao com restrigdes”, Certo mimero de fatores pode restringir a evolucao de um comporta- mento (Gigerenzer, 2001). Por exemplo, passar longos periodos de tempo forrageando (procurando alimento) em um local com abundancia de alimento é um comporta- mento importante para a sobrevivéncia e para o sucesso reprodutive do organismo, mas ao mesmo tempo pode aumentar a chance de predagio, reduzindo a vantagem do forrageamento. Dessa forma, a selecgdo natural aperfeigoa o comportamento com. limitagGes, ¢ essas limitacdes geram a selegio de outros comportamentos alternativos, criando uma rede de condigées entre os comportamentos. Podemos, assim, descrever a “anatomia de uma decisao” (Stephens, 2008). A Figura 5.1 mostra um esquema de como a selegio natural pode agir nos processos de tomada de decisao. Esse mecanismo comeca quando a informagao, que pode se originar no organismo tanto internamente (memoria) quanto externamente (demanda ambiental), alimenta 0 processo de tomada de decisao. Esse processo gera uma decisio (por meio de uma avaliacao funcional) e provavelmente vai gerar uma —-— ll Psicologia evolucionista Psicologia Aplicada Administracas ‘Waltisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | AWaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER aco no ambiente e, por sua vez, um resultado (efeito). Dependendo do efeito desse resultado, o mecanismo decisrio pode ser alterado, pois eles apresentam uma reali- mentacio sobre os resultados realizados em longo prazo (selecdo natural), observados no momento (aprendizagem por refor¢amento) ou que ja seriam esperados (expectativa gerada pelo planejamento da avaliagdo funcional). E importante notar que a aprendizagem por reforgamento pode tanto influen- ciar a agdo diretamente (através do aprendizado de um comportamento) quanto influenciar o processo decisério (através do aprendizado de uma estratégia nova). Oestudo dos mecanismos que regulam o processo decisério baseava-se na no- ao de que as pessoas podiam acessar toda a informagao relevante para uma decisio e chegar ao resultado mais adequado com base na légica, na racionalidade e em modelos estatisticos e probabilisticos (como a lei de Bayes, modelos de regressao ou a teoria da utilidade esperada). Porém, em uma visdo mais realista, entendemos que as pessoas chegam as decisdes mais adequadas nao com base em um processamento exaustivo de probabilidades ou em um julgamento puramente racional. Na verdade, as pessoas se comportam como se fossem de fato racionais, mesmo nao utilizando modelagem estatistica ou racionalidade cartesiana. Figura 5.1 0 mecanisma de decisao e 0 processo de selegdo, Informagao proveniente | da memétia ou do ambiente ___»/ Avatiaggo nee + Decisao (inferéncia, preieréncia) Resultado} Oestudo dasheuristicas de julgamento oferece uma forma mais realista de descrever quais so os mecanismos que as pessoas utilizam no momento de tomar uma decisio (Gi- gerenzer, 2001; Smith & Winterhalder, 1992), Entende-se heuristica como todo estimulo, processo ou informacdo que serve de base para a tomada de decisao quando estamos sob Capitulo 5 condigdes deincerteza. Em outras palavras, quando nao temos tempo ou dados suficientes para tomar a decisio ideal. O estudo das heuristicas de julgamento explica quais as ca- pacidades e limitagdes da mente humana, assim como sua interagdo com o ambiente. O proceso decisério humano softeu pressdes seletivas no sentido de ser répido, intuitive e adaptado especificamente para certo contexto ambiental. Apesar de o pensamento intui- tivo humano e em outras espécies nao realizar predigdes com base em um processamento resultante de analise matematica, estatistica ou probabilistica, isso no quer dizer que esse Processamento seja irracional ou pouco sofisticado, muito pelo contrario. Entendendo o processo decisério dessa forma é mais facil entender os proces- sos humanos, apesar de sua complexidade. Além disso, em um contexto mais amplo, durante a histéria evolutiva do homem, o uso estereotipado de informagdes com base em condigées de incerteza foi fundamental para a sobrevivéncia. Nos dias de hoje, temos as organizagdes como fendmenos complexos, media- dos por diferentes subjetividades dos sujeitos que fazem parte dela, sujeitos esses que possuem um aparato cognitivo moldado por milhées de anos de selecao natural. De acordo com a abordagem culturalista, as organizacGes sao um fendmeno intersubje- tivo, podendo ser entendidas como tal na medida em que as pessoas compartilham suas crengas e pressupostos individuais. Fm outras palavras, as organizagdes sio nada mais nada menos do que um conjunto de subjetividades compartilhadas (Zanelli & Silva, 2008). Decisdes sao tomadas a todo 0 momento nas organizagGes, porém a cultura do imediatismo, da instantaneidade e da urgéncia sio fendmenos que instauram uma légica perversa que esta na associagao entre rapidez, eficiéncia e sucesso. O trabalho bem-sucedido é aquele feito da forma mais rapida e eficiente possivel. Porém, quanto mais rapidas e automaticas forem as atividades, maior a chance de as decisoes serem tomadas com base em um sistema nao racional de julgamento. Em outras palavras, maior a chance de heuristicas de julgamento influenciarem o processo decisério, gerando vieses sistematicos e ertos de interpretacéo. Mas qual o papel das heuristicas de julgamento no processo deci rio nas organizagdes? 5.2.1. A deciséo do homem das cavernas Suponhamos que um homem esteja andando hé 100 mil anos e veja uma ca- verna com um grande urso em frente dela. A pergunta seria: vocé acha que o homem tentaria entrar na caverna? A resposta da grande maioria das pessoas é nao. Porém, no dia seguinte, esse mesmo homem passa na frente da mesma caverna e 0 urso nao estd mais ld. Pergunto novamente: esse homem deveria entrar na caverna agora? A resposta instantanea da grande maioria das pessoas continua sendo nao. ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER Seria necessdtio um estudo mais sistematico para verificar a validade desse achado, mas algumas suposigdes podem ser feitas. Quando pergunto as pessoas sobre 0 porqué de o homem nao entrar na caverna mesmo quando o urso nao esta la, elas respondemi: ele pode estar dentro da caverna! Se ele tentar entrar ¢ 0 urso estiver ld, ele vai ser morto. Ele nao pode “dar sopa para o azar”! Pensando pelo viés estatistico do século XIX, nosso espaco amostral é compos- to de apenas duas observacées: um dia com 0 urso e outro sem o urso. Logo, nossa probabilidade de acerto ou erro seria 50%. Porém, com base na teoria bayesiana e na teoria da utilidade proposta por David Kahneman, temos de ponderar a probabilidade de escolha com base na utilidade relativa de cada uma das opgdes. Apesar de a pro- babilidade simples nao permitir uma op¢do em detrimento da outra, a op¢ao “entrar na caverna’’ é muito mais custosa (tem uma curva de utilidade maior) do que a op¢io “nao entrar na caverna’ ssa teoria unificada da probabilidade é mais explicativa dos fendmenos presentes na escolha das pessoas. Além disso, nos coloca a hipétese de que, no passado evolutivo, os individuos tomavam decisdes com base em um numero limitado de observagdes (muitas vezes, apenas uma) e generalizavam sua decisiocom base nisso para outras situagées. Esse é um comportamento muito titi] diante do risco, pois aumenta a chance de sobrevivéncia do individuo. Por outro lado, as decisées tomadas com base nesse processo podem levar a erros sistemiaticos, j4 que o critério utilizado para tomar a decisio pode nao ter nada a ver com o problema em si. Como serio discutidas neste capitulo, as decisées sio tomadas com base em evidéncias limitadas ou incompletas e, além disso, as pessoas frequentemente néo percebem que informacées relevantes estao faltando. Essa insensibilidade leva as pessoas a tratarem uma pequena quantidade de informacao como se fosse altamente significativa e, sob certas circunstincias, conduzem a julgamentos equivocados (Kardes & Kalyanaram, 1992), 5.2.2. As heuristicas de julgamento Em 1974, Tversky e Kahneman publicaram uma pesquisa seminal na rea de julgamento sob condigées de incerteza. Essa pesquisa indicou que as pessoas utilizam um ntimero limitado de heuristicas para transformar tarefas complexas em proces- sos mais simples para a tomada de decisdo. Essas heuristicas tipicamente produzem julgamentos corretos, mas podem ocasionar exros sistemiticos. Eles identificaram as trés principais meta-heuristicas comumente utilizadas pelas pessoas nos processos de julgamento, que sio, respectivamente: representatividade, disponibilidade eancoragem ajustamento. = cites aise Os individuos utilizam a heuristica da representatividade para avaliar a pro- babilidade de um item pertencer a uma populagdo com base no grau em que este item é similar a outros elementos ou propriedades dessa populacao. Por exemplo, uma sequéncia de lancamentos de uma moeda que contém uma regularidade ébvia nao é representativa (Kahneman & Tversky, 1972). Dessa maneira, os participantes rotineiramente acharam que a sequéncia de caras (Ca) ou coroas (Co) Ca-~Co-Ca-Co- Co-Ca era mais provavel do que a sequéncia Ca-Ca-Ca-Co-Co-Co, que nao ‘parece aleatéria, e mais provavel do que a sequéncia Ca-Ca-Ca-Ca-Co-Ca, que nao representa a mesma probabilidade para caras ou coroas. Um exemplo pritico dessa heuristica ocorreu com a empresa Apple ao desenvolver primeiro programa para embaralhar as musicas tocadas em um iPod. Um novo algoritmo foi desenvolvido para embara- Ihar as misicas da forma mais aleatoria possivel. Porém, a verdadeira aleatoriedade as vezes gera repeticdes. Ao ouvirem uma misica repetida ou varias muisicas do mesmo artista tocadas em sequéncia, os usuarios acreditaram que o embaralhamento nao era aleatério. Assim, nas palavras do fundador da Apple, Steve Jobs, os programadores tiveram de refazer 0 algoritmo “de forma a fazer o embaralhamento menos aleatério para parecer mais aleatério”. A heuristica da disponibilidade se refere a facilidade com que as pessoas podem recordar exemplos de um evento ou produto e que afetam 0 julgamento da frequéncia com que um evento ocorre na realidade. Assim, as pessoas estimam a frequéncia de uma classe ou a probabilidade de ocorréncia de determinado evento pela facilidade com queas ocorréncias ou circunstancias clesse evento esto “disponiveis” na meméi Um exemplo dessa heuristica apresentado por Tversky e Kahneman (1974) consiste em um estudo de laboratério no qual os participantes ouviram uma lista de nomes de personalidades de ambos os sexos e, subsequentemente, foram perguntados sealista continha mais nomes de homens do que de mulheres. Diferentes listas foram apresentadas para diversos grupos de sujeitos. Para um dos grupos, foi lida uma lista na qual as mulheres eram relativamente mais famosas do que os homens listados, mas que, no geral, continha um nimero maior de homens. Para outro grupo, a questdo se inverteu e, nesta lista, os homens eram mais famosos, mas 0 ntimero de mulheres era maior. Apds ouvir a lista de seu grupo, perguntou-se aos participantes de ambos os grupos se a lista continha mais nomes de mulheres ou de homens. Em ambos os grupos, 0s participantes concluiram erroneamente que o sexo que incluia as personalidades mais famosas era o mais numeroso. Os participantes aparentemente prestaram mais atengao aos nomes notiveis conhecidos do que aos nomes que nao eram conhecidos, © que levou a julgamentos inexatos. A terceira heuristica identificada por Tversky e Kahneman foi a de ancoragem e ajustamento, e a explicagao original desta heuristica foi baseada na ideia de que os ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER tomadores de decisdo, no desenvolvimento de suas estimativas finais, ajustavam 0 valor da ancora considerada, mas tendiam a ajustar insuficientemente a partir deste ponto. Em um estudo, dois grupos de estudantes do ensino médio estimaram, em cinco segun- dos, o resultado de uma expresso numérica escrita no quadro-negro. A expressao do primeiro grupo era 8x7x6x5x4x3x2x1 e do segundo grupo era 1x2x3x4x5x6x7x8, Para responder a tais questdes, as pessoas fazem calculos superficiais, multiplicam apenas 08 primeiros ntimeros ¢ estimam o produto final por extrapolacao ou ajustamento. Como os ajustamentos sao insuficientes, este procedimento leva a uma subestimacao do valor final. Além disso, como o resultado das primeiras parcelas da multiplicagio (da esquerda para direita) é maior na sequéncia descendente do que na ascendente, a primeira expressao é julgada maior que a segunda. Desse modo, conforme previsto, a estimativa mediana da sequéncia descendente é 2.250 e da sequéncia ascendente ¢ 512, Na verdade, a resposta correta é 40.320. 5.2.3. Conflito entre a légica do mercado e a logica do individuo Hoje em dia, temos uma inversio do famoso adagio de Benjamin Franklin “tempo ¢ dinheiro’, que representa o inicio da indissociavel integracao do tempo com 0 processo produtivo e econémico, Assim, na sociedade contemporanea do hipertexto, que é pautada pela cultura da urgéncia, “dinheiro é tempo” O conflito entre os diferentes “tempos” ~ da economia, da politica, das empre- sas e dos préprios individuos ~ caracteriza a pressio organizacional que boa parte das pessoas sente dentro de suas empresas, onde ocorre a “hiper-responsabilizagao” pessoal em vez das praticas de avaliacao constantes, que sao um processo mais lento e dispendioso (Aubert, 2003). Essa dinamica acaba se voltando contra a organizagao na medida em que gera uma crenga excessiva nos processos de controle computacionais (por serem mais répidos) ¢ deixa de lado uma série de vulnerabilidades que nao séo percebidas quando levamos em conta apenas os registros as informacSes documen- tadas (Peled & Dror, 2009). Todos estes aspectos descritos até aqui: a cultura da urgéncia (Aubert, 2003), a sociedade do hipertexto (Ascher, 2002) ¢ a crenga nos processos (Peled & Dror, 2009) sdo fatores que também influenciam 0 processo decisério € sio préprios de uma sociedade moderna muito diferente do ambiente de adaptacao evolutiva (AAE).! 1 Ambiente ancestral dentro do qual ocorreu o proceso de evolugao da espécie humana, a partir de seus ancestrais. Tradicionalmente definide como as savanas das planicies africanas, este conceito vem sendo ampliado a fim de incluir uma maior variedade de configuragdes ambientais possiveis, lzar (2009) diz que “0 AAE refere-se, entdo, as condigdes do ambiente que permitiram aos individuos portadores da mutagdo (au recombinagao) [genética] inicial, e As geracdes subsequentes, deixarem mais descendentes até que toda a populagdo apresentasse a mesma caracteristica(..)” Capitulo 5 aise 5.3. O AMBIENTE SOCIAL Neste momento, precisamos falar de como era o ambiente fisico e social no qual © processo evolutivo da mente humana aconteceu, ou seja, o ambiente onde as habili- I dades para resolucdo de problemas adaptativos surgiram em fungao das necessidades locais. Vale lembrar que estamos falando de habilidades que foram favorecidas pelo processo de selecao natural. Dada a recente emigracdo da Africa de nossos ancestrais, cerca de 100.000 anos atras (tempo relativamente curto, do ponto de vista evolutivo), podemos esperar que as adaptacées presentes em nossa mente tenham surgido em um periodo anterior 4 saida dos primeiros ancestrais para outras partes do mundo ‘ou mesmo anteriores ao surgimento dos primeiros hominideos na Terra (Foley, 1998; Barrett, Dunbar, & Lycett, 2002). Assim, podemos considerar que 0 ambiente fisico no qual nossos ancestrais enfrentaram problemas adaptativos corresponde & savana africana (veja nota de rodapé desta pagina): um campo relativamente aberto, bastante quente, com arvores espalhadas, algumas delas fonte de alimentos valiosos, como frutos e sementes. Por ser um ambiente aberto, a exposi¢do aos predadores era um fator relevante. oni Psicologia evoluci Além de resolver problemas relacionados ao ambiente fisico, nossos ancestrais tiveram de resolver problemas relacionados ao ambiente social, ou seja, como lidar com as outras mentes que estavam ao redor. Os grupos sociais ancestrais eram pequenos, comparados com os grupos que podemos formar nos dias de hoje, mas apresentavam, assim como na maioria dos primatas, uma estrutura hierarquica complexa ea formagao de aliangas temporérias ou nao. Dada essa caracteristica dos grupos sociais humanos, Jo de aliancas sdo extremamente importantes, sejam elas formadas por lagos de parentesco ou por apresentarem interesse comum. A interagdo com individuos do grupo social era tao importante para a sobrevivéncia quanto detectar um possivel predador e escapar em seguranga ou ingerir o alimento entendemos quea formacao ea manuten: x certo, de forma a nao se intoxicar. Por essa razo, a compreensio da dinamica entre os individuos de um grupo social contribuiré para nossa compreensio do processo de evolucéo da mente humana. Na verdade, Geary (2004) nos ensina que, tio logo os homens adquiriram 0 domi- nio ecolégico, isto é, passaram a ter maior controle sobre suas fontes de alimento e seguranga (garantindo a sobrevivencia ba principal no teatro da vida, sendo apontadas como as principais respons evolugao de grande parte do cérebro humano. ica), as presses sociais assumiram o papel veis pela ‘As interagies sociais promoveram a selecao de determinados padroes com- portamentais naquele ambiente fisico, porque os beneficios de agir dessa forma e nao de outra superaram os custos. Isso significa dizer que os padrdes de interagao social apresentados nas diversas culturas refletem, em certo nivel, as pressdes seletivas en- @ Wallisen Tadashi Hattori | Altay Atves Lino de Souza | Alvaro daCosta Batista Guedes ELSEVIER frentadas por nossos ancestrais, Mas, como vimos anteriormente, esse ambiente social traz consigo custos aos membros de um grupo, tais como a competi¢ao pelo alimento disponivel ou o aumento da probabilidade de ser encontrado por um predador, Em contrapartida, os beneficios associados a essa vida em grupo também entram na ba~ langa, como aumento na eficiéncia de detectar predadores ou encontrar alimento, em funcao do aumento do mimero de individuos; varios pares de olhos sdo mais eficientes que apenas um, Além disso, contabilizou-se na balanga de custos e beneficiosa divisio de trabalho e a cooperacao no cuidado dos filhos. tamental nao deve ser novidade para os administradores. Como Taylor (1990) ja havia proposto em seu livro Principios da administragdo cientifica, os métodos desenvolvidos buscam assegurar seus objetivos de produgao maxima a custos minimos. Claro que outras teorias opositoras ou integrativas surgiram desde a publicagdo de Taylor, que data originalmente do inicio do século XX. Entretanto, 0 que nos interessa, aqui, é como nos os ancestrais se organizavam e como essa organizagaio pode ser comparada | | | | | | | Essa logica de considerar os custos e beneficios de determinado padrao compor- | | | | ; com nossa forma de vida em grupo atualmente. Devemos considerar que as mudangas \ ambientais so enormes e que alguns comportamentos apresentados no mundo con- | _ temporaneo podem parecer deslocados, mas, quando contextualizados neste mundo | ancestral, podem nos fornecer as pistas necessérias para as perguntas sobre as origens | do comportamento humano. | Como jé foi dito, os grupos sociais eram pequenos, ¢, embora a organizacio fosse complexa, alguns pontos-chave devem ser considerados, Se destacarmos uma unidade familiar de um grupo social ancestral e analisarmos, observaremos uma divi- 118 sao de trabalho baseada no sexo dos membros dessa unidade, Vale lembrar que essas iedades nao industrializadas do provenientes de estudos com diversas so inferéncis (até mesmo pequenas sociedades compostas de cacadores e coletores) do mundo con- temporaneo e de pesquisa bisica sobre o comportamento humano, além dos registros fésseis (Foley, 1998; Izar, 2009), Em uma unidade familiar, as mulheres desempenhavam tarefas importantes, como coleta de alimentos vegetais, especialmente frutos ¢ tubérculos, além do cuidado direto dos filhos; os homens participavam de atividades como casa, que fornecia a proteina necesséria & dieta, além de prover protegio e seguranga ao grupo. Se combi- narmos os tragos biolégicas a esses padrdes, podemos entender como a selegao natural pode ter favorecido sua manutengao na populacao. A biologia reprodutiva feminina obriga a permanéncia da mulher préxima ao bebé, especialmente nos primeiros anos de vida, o que inclui aamamentacio e a posterior provisio de alimentos sélidos, o que no € 0 caso da biologia reprodutiva dos homens. Além disso, a necessidade de forga e agilidade em determinadas atividades como a caca ea provisio de protecdo podem hoi Caplifle’s ser combinadas com o desenvolvimento mais acentuado da musculatura masculina em relagao a feminina, Esse arranjo de divi tencao das aliancas e coalizées nos grupos sociais ancestrais e, assim, a vida em grupos. Se examinarmos 0 exemplo da caca como fonte de alimento nos grupos ancestrais, podemos destacar alguns pontos relevantes que devem ter favorecido a formacao de aliangas entre membros do grupo social, Ao compararmos a caca solitdria 4 caga co- fo de trabalho é um cenario bastante provavel para a manu- letiva, entendemos que a presenga de muitos individuos pode afugentar as presas em potencial, embora a taxa de sucesso possa ser aumentada pela facilidade de encontrar um mimero maior de presas quando se ttm mais pares de olhos procurando; a eficiéncia na rapidez de encontrar e capturar presas deve ser balanceada com a quantidade de individuos a serem alimentados. O que percebemos é que provavelmente os beneficios da caga coletiva devem ter superado os custos, pois esse padrao é observado em int- meras sociedades humanas, além de jé ter sido registrado em outros animais, como em chimpanzés que se organizam intencionalmente para abater presas animais. Conforme veremos a seguir, a formagio ¢ a manutengao de aliangas e coalizées tiveram papel fundamental no sucesso de sobrevivéncia e reprodugao dos nossos ancestrais e, por essa razao, herdamos a habilidade de nos relacionarmos de forma a atingir objetives individuais, mesmo que trabalhando em grupos. 5.3.1. Cooperagao e altruismo reciproco Parece facil perceber como determinadas atividades como a caga coletiva podem ter favorecido a formagao de aliancas em grupos ancestrais pequenos. Entretanto, a formacao de aliangas nao é uma at © aumento dos grupos sociais, tornando nao sé a formacao mas também sua manu- tengio ainda mais importante. ade simples, e sua complexidade aumenta com A base da formagio de aliancas esta fundamentada em um acordo de troca de favores, algo como “vocé coga minhas costas que eu cogo as suas” (Nowak & Sigmund, 2005). Esse tipo de acordo € chamado de altruismo reciproco e foi apresentado por Trivers (1971) em um artigo de revisio tedrica, no qual o argumento foi construido com base em trés exemplos observados na natureza: (a) a simbiose de limpeza entre individuos de espécies diferentes, por exemplo, 0 bodiao-limpador (Labroides dimi- diatus) retira ectoparasita (Copépodes caligideos) da boca da garoupa (Epinephelus striatus); (b) 0 chamado de alarme em passaros ao avisar a presenga de um predador, que podem chamar a aten¢ao dos predadores para si mesmo, masse todos fizerem uma vez ou outra, as chances de predacéo podem diminuir; e (c) altruismo reciproco em humanos, que pode aparecer nas mais variadas atividades, como ajuda em momentos Psicologia evolucionista Fsicologia apucaaa a Agrmimstragao feel tec leat S$ Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER dificei mais de um individuo para ser realizada. partilha de alimento ou conhecimento ou execugio de atividade que exige A partir desses modelos apresentados por Trivers (1971), uma questo importan- te foi levantada: quais beneficios o individuo deve receber por se comportar de formaa ajudar outros? E bastante razoavel esperar favores futuros em troca da ajuda oferecida. Além disso, esses beneficios devem ser maiores que os custos associados ao comporta- mento exibido. Entendemos que os fatores que induzem ou inibem comportamentos altruistas exercem influéncia no sentido de favorecer o individuo que o exibe, e nao pelo bem ou pela sobrevivéncia do grupo, Conforme vimos anteriormente, a selecao natural atua favorecendo os comportamentos que garantem beneficios maiores que os custos para o individuo que os exihe e, se os apresentamos ainda hoje, possivelmente beneficios esto sendo alcangados. Assim, algumas caracteristicas foram selecionadas para favorecer esse sistema complexo de regulacao de trocas, Dentre as caracteristicas selecionadas, esta nossa capacidade de desenvolver afeigao por outros, nao necessariamente aparentados. Gostamos de certas pessoas ¢ com elas colaboramos, por exemplo, compartilhando bens materiais, conhecimento ou influéncia social, protegendo. Com esas mesmas pessoas desenvolyemos lacos traba- Ihistas a fim de conquistar beneficios individuais através de objetivos comuns. Assim, a formagao de lagos de amizade e emogdes que promovem a ligacao ou ruptura dessas relagGes nos motiva a agir de forma reciproca com determinadas pi ssoas. Entretanto, a selegdo deve ter favorecido criar lagos de amizade com individuos os quais também sao altruistas, assim o sistema de trocas e partilhas pode manter-se funcional, Nao ha sentido em colaborar com aqueles que nao retribuem os favores recebidos. Nas organizagoes de trabalho, a situagao ndo é diferente: oferecidos para a manutengao dos lacos de reciprocidade. necessario retribuir os favores Como qualquer contrato social, aqueles que envolvem altruismo reciproco também podem apresentar problemas, ¢ um deles é a probabilidade de um individuo receber o favor e nao retribuir no futuro. Isso significa que, naquela balanga de cus- tos e beneficios, esse individuo que nao age de forma reciproca recebe 0 maximo de beneficios sem arcar com qualquer custo. Seria algo como uma empresa consumir a produgdo de outra, sem prestar contas dos produtos consumidos. Isso é conhecido como o problema do trapaceiro (free-rider) etrata-se de um dos problemas adaptativos relevantes no que concerne ao sucesso de sobrevivencia e reproducdo dos individuos inseridos em qualquer grupo social ~ © que sempre é 0 caso, na espécie humana. Aquelas espécies que nao conseguem resolver o problema dos trapaceiros prova- velmente ndo sobrevivem vivendo em grupos, Caso o trapaceiro nao seja descoberto, ele aumentard enormemente suas chances de sobrevivencia e reproducio, comparadas as do trapaceiro descoberto. £ possivel imaginar a interac de membros de uma mesma be belo SEVIER organizacao agindo de forma cooperativa, buscando objetivos aparentemente comuns, Entretanto, dada a natureza dos beneficios individuais, ha possibilidade de surgimento de trapaceiros, visto que 0 custo associado ao tempo ¢ a energia executando uma tarefa pode ser transferido para outro membro da organizagao. Quem nunca se sentiu usado no ambiente de trabalho? Aquela sensagao de estar fazendo 0 trabalho do outro. Mas, se voce se colocar no outro lado desse jogo, vai perceber que assumir os beneficios da producao sem arcar com seus custos pode ser extremamente vantajoso. E de fato é! Entéo, devemos nos perguntar: por que essa estratégia nao prevalece na populacao? ‘A resposta segue um raciocinio de quatro passos bem simples: (1) nao ha diividas de que 0 trapaceiro teria maior sucesso em termos de sobrevivéncia ou reproducao ~ ou sucesso profissional ~ em relagio aos nio trapaceiros; (2) com 0 sucesso maior desses individuos trapaceiros, essa estratégia - ou os genes que predispoem as pessoas a essa estratégia - tornar-se-ia mais frequente na populagao; (3) finalmente, todos se tornariam trapaceiros por ser a melhor estratégia; (4) se ninguém ajuda ninguém, as aliangas seriam desfeitas ¢ a vida em grupo nao seria mais possivel. Por essa razio, conseguimos perceber que nés, humanos, assim como todas as espécies que vivem em grupos sociais, devemos ter encontrado alguma mancira adaptativa de resolver esse problema do trapaceiro. Entretanto, Axelrod e Hamilton (1981) propuseram que para a resolugdo desse problema adaptativo, trés condigées bas individuos devem se encontrar de forma repetida, ou seja, se eu ndo o encontrarei -as devem ser satisfeitas em qualquer situacdo de troca social. Primeiramente, os mais, no precisarei arcar com custos de retribuir um favor prestado a mim, apenas aproveitar os beneficios recebidos. Em segundo lugar, os individuos devem ser capazes de se reconhecer e distinguir os individuos encontrados anteriormente em situacdes de trocas sociais daqueles com os quais nunca estabeleceram esse tipo de relacao ou que sao totalmente estranhos. Por uma légica muito simples, nao ha sentido em gastar tempo e energia nao se comportando de forma reciproca com aqueles que nos ajudaram no passado ¢ colaborar com completos estranhos. Finalmente, apés teencontrar e reconhecer os individuos envolvidos anteriormente em trocas sociais, é extremamente importante recordar como essas pessoas agiram em relagao a vocé nos encontros passados, ou seja, distinguir entre os colaboradores € os trapaceiros. Assim, para que o altruismo reciproco acontega e o trapaceiro nao se mantenha, é necessério que tenhamos mecanismos psicoldgicos evoluidos? que nos permitam reencontrar pessoas, reconhecé-las e recordar de suas ages. 2. termo “evoluidos’ aqui, nao é empregado no sentido de “methor’, “superior” ou “sofisticado’ Ao dizermos “mecanismos psicoldgicos evoluidos’, estamos sinalizando, apenas, que tais mecanismos psi colégicos passaram por um processo de evolugao por meio de selecao natural, ou seja, passaram por mudangas adaptativas ao longo de milhares (milhdes) de anos, Psicologia evolucionista Psicologia Aplicada a Administragéo a Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER Herdamos de nossos ancestrais mecanismos psicolégicos adaptados para puni- do ou recompensa e, quando as trés condigdes propostas por Axelrod sao satisfeitas, somos capazes de punir um trapaceiro por nao colaborar, por exemplo, nao retri- buindo mais favores a eles; somos capazes, também, de recompensar 0 colaborador, por exemplo, retribuindo favores oferecidos por eles. Assim como a Lei do Taliao, 0 problema do trapaceiro pode ser resolvido com base no olho-por-olho ¢ dente-por- dente (se yoo cooperou comigo no passado, eu coopero com vocé agora; se voc’ trapaceou comigo no passado, eu trapaceio com vocé agora), o que torna a estratégia do trapaceiro desvantajosa e a cooperagao entre membros de grupo social possivel, mantendo sua coesio. Entretanto, nosso passado evolutivo permitiu satisfazer as trés condicdes pro- postas por Axelrod? Como comentamos anteriormente, nossos ancestrais viviam em grupos pequenos, € os encontros com grupos vizinhos eram raros, o que possibilitava encontros repetidos entre os mesmos individuos; possuémos um médulo bem sofistica~ do de reconhecimento de faces e, por essa razao, conseguimos distinguir conhecidos de estranhos; finalmente, nossa memoria ¢ eficaz o suficiente para promover a lembranga de interagdes sociais, incluindo a ligagdo emocional desses eventos. Assim, temos mecanismos psicolégicos bem eficazes e sofisticados que possibilitaram a resolucdo do problema do trapaceiro e da manutengao de lagos sociais importantes. £ valido lembrar que, apesar de termos registro de quanto e o que cada individuo fez por nés, na maioria das vezes tomamos a decisio de cooperar com outro de forma nao tio eficiente, como vimos na Segio 5.2. A partir de situagdes simples de troca social envolvendo dois individuos, pode- mos inferir mecanismos psicolégicos que nos permitem “medir” o valor dos favores que 0s outros nos fazem e, de alguma forma, comparar com o valor dos favores que fazemos a cles. Através dessa logica, Toby, Cosmides e Price (2006) argumentam que adaptagdes cognitivas para as trocas sociais surgiram por meio de interagdes em diades e possibilitaram a resolugio de problemas adaptativos em situasdes que envolvem mais de dois individuos. Vale lembrar que os custos e beneficios de qualquer tipo de favor prestado nao podem ser fixados antecipadamente, pois dependem do contexto. Assim como nos grupos socais dos nossos ancestrais, em geral, as organizag6es sio compostas de interagdes cooperativas estaveis ou relacdes de troca as quais envolvem grupos de pessoas, Portanto, ¢ esperado que nossa mente apresente um conjunto de mecanismos especializados herdados de nossos ancestrais para resolver os problemas adaptativos das trocas sociais, conforme apresentado anteriormente, incluindo cooperagaa e de- tecgao de trapaceiro, Por essa razio, esses pesquisadores do Centro para Psicologia Evolucionista e da Escola de Administragdo Olin defendem que o mapeamento dos mecanismos psicolégicos que permitem a resolugio de problemas de cooperagao entre Capitulo 5 muitos individuos pode contribuir para a construgio de um fundamento tedrico solido para a compreensio do comportamento humano nas organizagoes. Dessa forma, é possivel verificar “quais variaveis governam a dinamica, o sucesso ea faléncia de varias formas organizacionais’. 5.3.2. Os experimentos de Hawthorne a luz da psicologia evolucionista No inicio do século XX, algo em torno da década de 1920, foram realizados indimeros experimentos como parte de um amplo projeto de pesquisa, Tais experimen- tos se tornaram famosos e, hoje, sdo tidos como classicos historicos da administracao de recursos humanos, Referimo-nos, aqui, aos trabalhos desenvolvidos no bairro de Hawthorne, em Chicago, na empresa We st Electrical Company. Coordenadas por Elton Mayo, essas pesquisas tinham por objetivo estudar como determinadas varidveis ambientais influenciavam o proceso prodativo eo rendimento dos trabalhadores. A conclusao a que se chegou, apés serem analisados os resultados obtidos, foi a de que o controle sistematico de algumas varidveis em questio nao exerceram influéncia alguma sobre o comportamento dos funciondrios daquela empresa. Paradoxalmente, foi constatado que o rendimento havia melhorado, de fato, em alguns setores. Apés muitas discussdes e andlises, os pesquisadores descobriram que 0 aumento da produtividade nao se devia & manipulagio de determinadas varid- veis ambientais, mas do acordo que os trabalhadores fizeram entre si para otimizar a producdo, uma vez que sabiam que estavam fazendo parte de um estudo. Em relativa oposi (0 Aescola classica (taylorista) de administragio, que prezava pela racionalidade estrita e preconizava que o trabalhador nao deveria pensar, apenas executar, os experimentos de Hawthorne demonstraram que para além da organiza- a0 formal de trabalho existe uma organizacdo informal que foge as estruturas do que hoje conhecido por organograma (Sampaio, 1998). Tais pesquisas formaram o embrido da Escola de Relacdes Humanas, sistematizada por Mayo, que buscava um maior entendimento dos fendmenos humanos no ambiente de trabalho, Colocando as descobertas geradas por ocasiao dos experimentos de Hawthorne sob as lentes da psicologia evolucionista, podemos entender a razao do erro de Taylor € do acerto (as cegas, ¢ verdade...) de Mayo. Foi discutido, nas segdes anteriores, que a espécie humana enfrentou uma série de pressdes sociais ao longo de sua histéria evolutiva. Dentre essas presses estavam a necessidade de formar grupos para cacar, cuidar dos filhos, proteger o grupo de predadores e assim por diante. As mais variadas PressGes sociais, por sua vez, se tornaram extremamente importantes para a sobrevi- véncia e reprodugao dos nossos ancestrais, de modo que o aparato cognitivo associado 4 vida em grupo permanece em nés até hoje. Fe oe a eae eee 8 Psicolosia evolucionista ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Alvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER Psicologia Aplicada 4 Administragao Considerando a importancia que a formacao de aliangas e coalizdes assumiu na composicao do pool de habilidades cognitivas da espécie humana, seria de se es- perar que tais aliancas e coalizdes também se formassem nos ambientes de trabalho, Afinal, estamos falando de seres humanos interagindo diariamente em uma atividade de grande relevancia para suas vidas. O jogo de interesses presente nas organizacées enseja o aparecimento das cha- madas organiza¢oes informais, que sio justamente os processos intersubjetivos que escapam & teia da monitoragao de pessoas. Sao interacdes humanas didrias, sem a intermediagao de comunicados formais que podem fazer com que o suieito decida por uma ou outra estratégia dentro do seu grupo de trabalho, No caso dos experimentos de Hawthorne, Mayo descobriu apenas o que jé acontece ha milhoes de anos: que as pessoas interagem e buscam apoio miituo para atingir objetivos especificos. Decerto que tais aliancas no sio estanques e imutaveis. Pelo contrario, as coalizdes sao formadas para que os individuos que pertencem aquele grupo possam alcangar metas especificas. To logo os objetivos sejam atingidos, 0 grupo pode se desfazer (Gongalvez, 2009). 5.4. REVISAO DOS CONCEITOS APRESENTADOS Todos os temas discutidos até aqui apresentam aspectos que so corriqueiros dentro do ambiente organizacional. Porém, por conta de sua frequéncia, normalmente no percebemos sua importincia e do seu papel a favor de uma melhor compreensaa dos fendmenos comportamentais entre as pessoas e na sua relacdo com a atividade profissional. Um ponto importante seria compreender que nossa percepsao nao é falha. Muito pelo contrario, A maneira que utilizamos para entender e explicar o mundo & muito completa e plistica. O que ocorre é que temos viéses que muitas vezes nao permitem que consideremos certas coisas como importantes. Uma percepgao critica dos comportamentos humanos, bem como a compreensdo de que somos uma espécie muito bem adaptada a nosso ambiente, assim como todas as outras presentes em nossa biosfera, pode trazer a importincia que a psicologia evolucionista apresenta como forma de explicagio de certos fenémenos que nao eram considerados relevantes até os dias de hoje. A formagio interdisciplinar na intersegao entre psicologia, biologia, economia e administragao gera a base de onde emergiu a psicologia evolucionista. Alguns dos tedricos mais proeminentes desse campo de pesquisa sto oriundos de uma ou mais das areas citadas. ok Capitulo 5 Essa percepcao mais integradora do fendmeno organizacional nos permite en- tender atividades prosaicas como a conversa com os colegas de trabalho, as decisées tomadas no dia a dia, a percepgao do outro como alguém confidvel ou, ainda, como e quando cooperar com seus parceiros em um projeto. Muitos problemas de grande Tepercussio nas empresas tém origem em comportamentos triviais como esses. Nosso objetivo neste capitulo é oferecer ferramentas para que vocé possa pensar sua atividade como administrador ou como ator social dentro do seu ambiente de trabalho de uma forma diferente do que tem pensado até hoje, Este livro 0 primeiro que apresenta um capitulo sobre psicologia evolucionista voltada para profissionais de administracao, O contato com esse tema, por ser inédito, apresenta uma série de temas de pesquisa e retlexdo ainda inexplorados dentro da administragdo. Esperamos que essa iniciativa gete motivacao para seu aprofundamento nos estudes desenvolvidos dentro dessa nova area. 5.5. QUESTOES 1. _ E sabido que nossa percepgao dos fendmenos que nos cercam nao é completa. Muitas vezes deixamos de considerar ou perceber fatos que séo importantes no momiento de tomar decisGes ou propor uma nova solugdo. Por que vocé acha que isso ocorre e quais seriam algumas alternativas para tentar minimizar esse efeito? 2. Discuta sobre a nova expresso “dinheiro é tempo” proposta por Aubert em seu texto sobre a logica da urgéncia, como alternativa ao popular adigio de Benjamin Franklin “tempo € dinheiro’. Vocé acha que essa nova afirmacao é procedente? 3. Como dimensionar os aspectos bioldgicos, cognitivos e sociais dentro das or- ganizagdes? O fator humano é afetado por tais aspectos conjuntamente? Pense em um exemplo pessoal em que tais fatores auxiliaram ou comprometeram sua atividade profissional. 4. Observe a seguinte descrigio de um estudo de caso. Jair Bernardes era gerente de quatro departamentos na loja principal da Loja de Departamentos Denny's: artigos esportivos, ferramentas, utilidades domésticas e brinquedos. Cada departamento tinha um vendedor-chefe encarregado do armazena- mento e exposicao das mercadorias, pedidos especiais e manutengao do departamento. Esses vendedores-chefes também treinavam e avaliavam os vendedores em geral. Os vendedores trabalhavam principalmente em regime de meio periodo, como forma de pagar a faculdade. Basicamente, respondiam a perguntas ¢ faziam vendas por telefone. Quase nao realizavam vendas diretas. Psicologia evolucionista 125 ‘Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Aivaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER _ Os vendedores eram remunerados por hora com um salario ligeiramente maior que.o salirio minimo. O ambiente nos departamentos era saudavel, as prateleiras eram abastecidas, os departamentos eram organizados ¢ todos punham maos a obra e se ajudavam mutuamente. Apesar disso, as vendas estavam caindo nos quatro departamentos, Conra- do, supervisor de Jair, informou-lhe que esperava que as vendas em pouco tempo se elevassem ao mesmo nivel dos outros departamentos. Jair reuniu-se com seus vendedores-chefes para discutir o declinio no volume de vendas, O consenso foi que o nivel de movimento de clientes nao era suficiente para permitir que os departamentos alcangassem elevados volumes de vendas, Jair informou o fato a Conrado, que respon- ragao deu que os balconistas teriam de empenhar mais esforco nas vendas, caso contrario as horas de trabalho seriam reduzidas. Em seguida, Conrado instituiu um sistema de cartoes de registro nos quais cada vendedor deveria anotar as vendas realizadas. El achava que assim poderia avaliar quem era intitil e despedi-lo. Os vendedores-chefes foram incluidos nesse sistema. Esse programa foi iniciado enquanto Jair estava ausente, Psicologia Aplicada a Administ Rey cee oat ge OTE pothesis haere & © programa resultou na negligéncia dos vendedores-chefes em reabastecer as prateleiras ¢ manter a boa ordem dos departamentos, na competicdo entre todos os empregados ¢ no fim da atitude de ajuda e companheirismo entre os trabalhadores, Além disso, o volume de vendas nao aumentou. Por fim, Jair convocou uma reuniao com Conrado e Marcelo, o gerente da loja. Depois de visitar os departamentos ¢ discutir os resultados do programa de Conrado, Marcelo cancelou 0 programa de cartées de registro. Embora a condicio geral dos departamentos tivesse melhorado, 0s trabalhadores ainda nao cooperavam entre si ¢ muitos achavam que, para comeco de conversa, Jair os havia abandonado, Questao: Discuta sobre o problema gerado por Conrado, durante a auséncia de Jair. Quais os problemas ocorridos no proceso decisdrio deles? Quais seriam as possiveis heuristicas de julgamento que aparecem neste caso? Procure repetir esse raciocinio utilizando exemplos de sua atividade profissional ou de outras experiéncias observadas ou vivenciadas, 5.6. REFERENCIAS ADES, C. Um olhar evolucionista para a psicologia, In: OT'TA, E; YAMAMOTO, M.E. Psicologia Evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan, p. 10-21, 2009, ARCHER, }. Testosterone and Human aggression: An evaluation of the challenge hypothesis. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, n. 30, p. 319-345, 2006, AUBERT, N, La société malade du temps, Paris: Flammarion, 2003. 7 Capitulo 5 AXELROD, R.; HAMILTON, W. D. The evolution of cooperation. Science, n. 21, p. 1390- 1396, 1981. BARKOW, Hs COSMIDES, L TOOBY, J. The Adapted Mind: The Evolutionary Psychology and Generation of Culture. New York: Oxford University Press, 1992. BARRETT, L; DUNBAR, Rs LYCETT, J. Human evolutionary psychology. Princeton: Princeton University Press, 2002. CHIAVENATO, |. 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