You are on page 1of 14
Por que René Kaés? Astigo ‘Ana Rosa Trachtenberg Angela Beatriz S. Piva Denise Haeberle Denise Zimpek Pereira Gilda Fogaca Soares Rosa Aizemberg Avritchir Vera Homrich Pereira de Mello Integrantes do Nicleo de Vinculos ¢ ransmissio Transgeracional da SEPGEPA 1 Introdugao O psicanalista ¢ professor René Kaés € intemacionalmente reconhecido por seus aportes teéricos e cIfnicos para a psicandlise em geral e, espe- cialmente, para a psicandlise de grupos. © Niicleo de Vinculos e ‘Transmisso Geracional da SBFdePA teve seu in- ssse voltado para o estudo da obra de Kaés inicialmente pelo tema da transtnissio psiquica entre geragdes, que é urna das contribuigdes mais innportantes deste autor. Esta tematica ampliou conceitualmente a visio da constituig&o do inconsciente como resultante também da ntersubjetividade. A partir dai, houve o interesse de continuarmos nos aprofundando nas ideias de Kaes, que témn nos oferecido um aporte vali- 0s0 para a arnpliagao da teoria psicanalitica. Nosso obj 0, consiste em fazer umn recorrido das principais contribuicdes deste criati- vo e instigante autor, de forma a servi vo, neste a je estimulo & leitura de sua obr: © trabalho analitico com pacientes nao neuréticos mostrou ser necessé- ia a realizagao de reformulacées teérico-clinicas. Igualmente, o trab ho psicanalitico com grupos rostrou a necessidade de se enfrentar urna modificagao em quatro niveis: epistemoldgico, metodolégico. atolégice e clinic. Por que René Kaés £ pertinente, neste sentido, falar em mudanca de paradigma, dado que 0s processos inconscientes, até o momento considerados como estrita- mente individuais, passam a ser teorizados desde uma concepcao intersubjetiva. A proposta de Kaés (1997) é a de tentar articular as relacdes entre o du- plo limite descrito por A. Green (1982), constitutive do espago psiquico: 0 Timite intrapsiquico, entre o inconsciente e o pré-consciente/consciente € 0 limite interpsiquico entre 0 self e 0 nao self © principal problema ¢ explicar esses dois fatos: que os dois limites cruzam ~ dentro e fora de cada sujeito © que a textura psiquica da intersubjetividade é a condigao do sujeito do inconsciente (KAES, 1997, p. 247) © autor, apoiando-se em Freud, supée, em suas elaboragies sucessivas, uma concepgao politépica do inconsciente: 0 espace intrapsiquice indi- vidual nao é mais concebido como o lugar exclusive do inconsciente. Kaés destaca que a ideia de uma tépica deslocalizada, isto é, intersubjetiva, foi introduzida por Freud a partir do momento em que a questo da trans- misso psiquica colocava-se no apenas na escala de varias geracGes, mas também em uma sincronia do sujeito, quer formasse um casal, una familia ou um grupo. Ele afirma que os princfpios constitutivos dessa metapsicologia so o in- consciente ~ que se manifesta na realidade psfquica do agrupamento, trabatha e é trabalhado nesta mesmna realidade psiquica conforme uma légica propria -, e certas formagées e processos psiquicos, preferencial- mente trabalhados por e no agrupamento. Assim, o postulado fundamental que sustenta esta metapsicologia sio as formagbes ¢ os processos que estao operando no vinculs intersubjetivo, tributarios daquele mesmo inconsciente — cbjeto tedrico da psicanélise. Nao sao, porém, as mesmas formagdes nem os mesmos processos mani- festos no dispositivo do tratamento do sujeito singular. Isto 6, seus pro- cessos de formagao, seus contetidos e suas manifestacées nfo coinci- dem estritamente com os limites e a légica interna do aparelho psiquico do sujeito considerado isoladamente. Eles supdem a existéncia de uma fungao correcalcadora do nivel do grupo e da producao grupal de umn recalcamento. ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. Tal hipétese nao esta er contradico com o fato sublinhado por Freud, de que o recalcamento propriamente dito é, no mais alto grau, indivi- dual. 0 que ele desenvolve é a noc&o das condigdes intersubjetivas do recalcamento. Sua hipétese centra-se na ideia de que certas modalidades do recalcanento operam nas aliancas inconscientes, nos pactos denegativos € nos contratos narcisicos. Decorrente disto, entende que o sintoma é focalinente mantido pelo conjunto intersubjetivo, por razées que deri- vam de ura ldgica e de uma economia préprias. 0 sujeito é corpo e gru- po, sendo impossivel escapar desta dupla determinagao. Segundo o au- tor estudado,"..€ assim que viemos ao mundo, pelo corpo ¢ pelo grupo, ¢ o mundo € compo e grupo." (KAES, 2007, p. 275). Kaés propde a necessidade de uma terceira topica, pois a segunda tépica é insuficiente para dar conta das formacées e dos processos psiquicos, descobertos a partir da pratica clinica com configuracées vinculares Funda esta terceira tépica amparada em determinados modelos: 0 apa- relho psiquico grupal; os organizadores grupais; as aliangas inconscien- tes; as fungdes fricas; os processos associativos come pontos de amar- ragio entre os espacos intrapsfquicos ¢ os espacos do vinculo (KAES, 2000) Desenvolveremos, a seguir, alguns destes conceitos-chave ¢ introdutérios para a leitura da obra de Kaés, 2 0 Aparelho Psiquico Grupal No final da década de 60, Kaés, seguindo a nogao freudiana de aparelho psiquico, elabora a nogao de aparelho psiquico grupal, para dar conta do trabalho psiquice ativado pelo grupo. Os postulados basicos deste modelo de aparelho ps{quico grupal séo os seguintes: 1) oaparetho psiquico grupal éo resultado de determinada acomodagao combinatéria das psiques (ndo é s6 uma colegdo de individuos); 2) curnpre um trabalho espectfico de ligar, reunir, pér em acordo e em antagonismos partes da psique individual mobilizadas para construir 0 grupo; Por que René Kaés 3) no é uma extrapolacao do aparelho psiquico individual, mas uma estrutura independente das psiques que ele retine segundo suas prépri- as leis, que possuem organizagio e funcionamento préprios. A realidade psfquica do grupo tem uma légica diferente da légica que rege cada indi- viduo; 4) a realidade psiquica prépria do grupo define-se pelos espacos psiqui- cos comuns, compartithados; 5) 0 aparelho psiquico individual se forma, em parte, no acoplamento que precede o sujeito, Nele, transforma-se, diferencia-se e, em certas con- digdes, adquire autonomia (Kaés, 2010) No final da década de 80, o autor comeca a criticar os limites do primeiro modelo, na medida em que este nao permitia pensar as questdes do su- jeito, do inconsciente, da intersubjetividade no grupo. 3 Organizadores Grupais Podemos verificar que o conceito de organizador grupal 6 urn dos pilares do corpo tedrico de Kaés, trazendo a concepsao de que urn psiquismo individual é constituide por formagées grupais, por ele inicialmente de- norninadas grupo interno. Os organizadores psiquicos! do grupo so formacées inconscientes, que passam a ter um papel relativamente complexo, pois sio responsaveis pela sustentacdo e pelo desenvolvimento dos vinculos de um agrupa- mento. A partir de 1985, Kaés utiliza cada vez com menor forga o termo grupo interno, substituindo-o pelo terme organizador grupal. Esta alteraco terminolégica demarca, conceitualmente, uma dimensao sempre maior da existéncia de certos contetidos do psiquismo como estruturados grupalmente, ou seja, tendo sua origem no grupo, bern como a fungio organizadora que os vinculos grupais podem exercer. De que forma estes organizadores grupais opera? Eles tém uma dupla : ‘@ concelto de erganizador tem antecensdentes em Spitz ¢ Anzieu. Spitz considera @ ‘rganizador como um nivel de estutura, resultado de uma integracio.O primeizo organizador 60 sortise social eo segundo, s meméria do Yosto humane. ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. funcdo: sustentar o desenvolvimento dos vinculos grupais ¢ interferir no desenvolvimento das formagées intrapsiquicas singulares Para Kaés, os organizadores podem, inicialmente, ser caracterizados de duas formas: segundo seu afeto, podendo ser hiperredutores ou hiporredutores, ou segundo seu enfoque, que pode ser estrutural ou ge- nético. Os organizadores grupais funcionam como hiperredutores ao definirern uma forma diédica de organizacao grupal, com a manutengao de um, miicleo aglutinado no qual a indiferenciacdo é a ténica, em que ocorre a reduco maxima de elementos posstveis ao jogo. Se, entretanto, na formacao grupal prepondera um organizador grupal hiporredutor, encontra-se um funcionamento grupal mais rico, havendo menor reducao do mimero de elementos em jogo em seu trabalho de organizacao, demarcando uma ordem de organizacao mais a nivel edipico, no qual as diferencas sao percebidas e entendidas come fonte de rique- za Especificando o conceito de organizador grupal, Kaés assinala que 0 enfoque estrutural marca um corte sincrénico do processo de organiza- go de um grupo, com todos os elementos em jogo, enquante o enfoque genético define a sequéncia organizativa na histéria de urn grupo. Ein relagao ao enfoque estrutural, encontram-se dois organizadores pst- quicos de grupos: os intrapsiquicos e os transpsiquicos. Os organizadores psiquicos do grupo sdo inconscientes, e possuem a fun- go de estabelecer a ligagdo, integracao e transformacao dos elementos participantes do grupo. Ainda nesta concep¢ao, Kaés (1997) estabelece Gistincao entre organizadores intrapsiquicos de agrupamento e organizadores inter ou transpsiquicos grupais. Podemos entender 0 corganizador intrapstquico de agrupamento como fazendo parte do aparelho psiquico do sujeito, como uma formagao intrapsiquica que tem como caracteristica 0 fato de abrigar fantasias primitivas, anteriores ao pro- cesso de subjetivagao do individua Encontramos, como protétipo destas fantasias primitivas, as fantasias Por que René Kaés originérias. Estas, embora sejam fantasias de um individuo, na medida em que é um sujeito que as sustém, aparecem como atualizagées ativas de estruturas psiquicas preexistentes ao proprio agrupamento; so interpessoais, mas individualizadas. Os organizadores inter ou transpsiquicos grupais fazer parte do apar Tho psiquico do agrupamento, caracterizando-se como processos e resill- tados que se estabelecem no préprio vinculo grupal. Embora irpessoais, nao individualizados, tm papel importante na formacao na transfor magao da psique do sujeito singular, sendo fundamentais na estrutura na caracteristica dos vinculos do grupo. Para Kaés (1997), os organizadores interpsiquicos ou transpsiquicos grupais podem ser percebidos por meio dos pressupostos bésicos (Bion), pela iluséo grupal, pela ideologia do gru- po, pelo pacto denegativo, pelo contrato narcisico ou pelos sistemas so- ciais de representagao, que sao os mitos, os ritos, as doutrinas filosdficas, ete organizadores psiquicos Organizadores da representacio de grupo Priticas organizadores Mito Ritos Teeologias Concepgies| {do Universo + Doutrinas ‘laséticas Sistemas sociale de representagio Fonte: BERNARD, 1997, 4 Aliangas Inconscientes A efetivaco de urna alianca é um ato pelo qual duas ou mais pessoas se ligam entre si para concretizar um determinado objetivo, o que implica da parte dos envolvidos, em um interesse comum e um compromnisso reciproco ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. Kaés define a alianca inconsciente como uma formagio psiquica intersubjetiva, construida pelos sujeitos de um vinculo para reforcar e estabelecer os investimentos narcisistas e objetais necessarios. As alian- cas se constroem de maneira tal que o vinculo adquire, para cada sujeito, um valor psiquico decisive. Estas aliancas produzern seus efeitos mais além dos sujeitos, das circunstancias e do momento que se fizeram ne- cessarias; so, portanto, 0 agente e a matéria da transmissao da vida pst- guica entre as geragdes, As aliancas inconscientes, além de se constituirem como o cimento que nos liga uns aos outros, também se constituem como um dos modos de formagao do inconsciente reprimido e do incansciente nao reprimido. Elas so constitutivas da realidade psiquica do sujeito singular, enquan- to sujeito do vinculo. Nas palavras do autor estudado: ‘As aliancas inconscientes estao implicadas nos processos de forma- fo do inconsciente em razo da parte do inconsciente do outro (ow de mais de um outro) que retorna na formagio do inconsciente do sujeito, Nesta medida pdemos falar de co-repressao, de co- desmentida, de co-renegacio. O campo da psicaniilise se abre, entio a todas configuracdes das relagées entue a renegacdo de um ¢ alucina- ‘0 de outro, entre o rechago de um ¢ determinado sintoma de outro. Algumas formagées do inconsciente so expulsas, projetadas, expor tadas por um sujeito ou por umn conjunto de sujeitos para outro lugar psiquico: a psique de outro sujeito ou de varios sujeitos que estao liga- dos em uma relagao intergeracional. (KAES, 2010, p. 283) Kaés distingue trés categorias de aliancas: 0 contrato narcisico, o pacto Genegativo e as aliancas ofensivas. 4.1 Contrato Narcisico Kaés (1997) parte do conceito de contrato narcisico de Piera Aulagnier, que entende que a crianga nasce dentro de umn grupo social formado por uum conjunto de sujeitos falantes da mesma lingua, regidos pela mesina religido, pelas mestnas leis, representando 0 que ela denomina discurso do conjunto. Esse conjunto pode pronunciar um ntimero indeterminado de enunciados, mas, entre eles, tem lugar particular a série que define a realidade do mundo, a razo de ser do grupo e a origem de seus modelos. Essa série é formada por enunciados que se tornam complexos ¢ flexi- Por que René Kaés veis, so objetos do préprio grupo e, conforme a cultura, so miticos, sa- grados ou cientificos. Arelacao que o casal parental mantém com o filho leva a marca da rela- cao que tem com sett meio social (sociedade er geral ou um subgrupo Ge cujos ideais o casal compartilhe). O discurso social projeta sobre a crianga a mesma antecipacao que caracteriza 0 discurso parental: muito antes que 0 novo sujeito nasca, hé um lugar que se quer que ele ocupe, com a esperanga de que transmita identicamente o modelo sociocultural O sujeito busca e deve encontrar, nesse discurso, referéncias que Ihe per- mitam projetar-se para 0 futuro, para que seu afastamento do primeiro suporte, constituido pelo casal patemno, nao se traduza em perda de todo suporte identifica Kaés (1989) desenvolve os conceitos de contrato e de pacto narcisico, alicercado em trés ideias freudianas: 1) “0 individuo é, para si mesmo, seu préprio fin e, ao mesino tempo, é maembro de uma cadeia a que est sujeito” (FREUD, 1914, vol. XIV, p. 94) 2) "Os pais constituem o filho em portador de seus sonhos de desejo no realizados e o narcisismo primério deste se apoia no narcisismo dos pais. (FREUD, 1914, vol. XIV, p. 107}. 3) *O Ideal do ego € uma formacao comum & psique singular e & dos conjuntos sociais” (FREUD, 1914, vol. XIV, p. 113), Assim, ser membro de um grupo, estar investido do narcisistno dos pais, ter 0 ideal compartilhado com o conjunto social ao qual pertence, fazem com que cada recém-nascido seja portador da continuidade do grupo e, reciprocamente, com esta condi¢o, o conjunto sustenta um lugar a esse bebe. Os termos do contrato so definidos para que cada sujeite singular ocu- pe um lugar oferecido pelo grupo. Este é significado pelo conjunto de vozes que, antes de cada sujeito, desenvolvem um discurso conforme 0 mito fundador do grupo. Cada sujeito tem que retomar esse discurso, pois, mediante ele, pode se conectar com o antepassado fundador. Os contratos apresentam as seguintes caracteristicas 1) contrato originario é estabelecido entre a crianga e o grupo pri- ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. mério (a farnilia), ou seja, os individuos que esto juntos por processo de filiagao (relacdes de sangue); 2) os contratos narcisistas se produzem posteriormente, quando 0 sujeito ingressa nos grupos secundarios pelo processo de afiliacao (esco- Jas, amigos, trabalho). Estes retrabalham o contrato narcisista original, podendo com ele entrar em conflito. Os contratos narcisistas estabelecem o que os integrantes de urn grupo devern e 0 que nao devern fazer, iimplicando que ur terceiro funcione como garantia de seu cumprimento 4.2 Pactos Narcisicos Diferentemente do contrato, Kaés (1997) define os pactos narcisicos, acen- tuando que eles partem da premissa de que o contrato nao existe ou tenha falhado, Aqui nao hé garantia de nada, gerando-se violéncia e co- ercio para institut-lo. fo oposto do contrato. 0 pacto narcisico (patolégi- co) contém e transmite violencia e ndo permite a liberdade, a autonomia @ a subjetivacdo de seus membros. Seria, na verdade, uma oposic¢ao ao contrato, como resultado de uma paz imposta, © pacto contém e transmite violéncia. Designa a destinagdo miitua de perfeita coincidéncia narcisica: esse lugar nao vai suportar nenhuum afas- ‘tamento, qualquer descontinuidade romperia a continuidade narcisica deslocaria os ideais do ego ideal © pacto narcisico duplica-se com urn pacto denegativo, que é aquilo que se impe ao vinculo intersubjetivo e se destina aos designios do recalcamento, ou da denegacao (desmentida), da negacao, da desaprova- 0, da rejeigdo ou do enquistamento no espaco intemo de um sujeito ou Ge varios sujeitos. © pacto denegativo apresenta duas polaridades. 1) aprimeira é organizadora do vinculo e do conjunto transubjetivo. Cada conjunto organiza-se positivamente sobre investimentos miituos, iden- tificagdes comuns, sobre uma comunidade de crencas e ideais, sobre umn contrato narcisico - modalidades toleraveis de realizacao de desejos; 2) a segunda é defensiva, diz respeito Aquilo que se organiza negativa- Por que René Kaés mente sobre uma comunidade de remtincias e de sacrificios, sobre extingdes, rejeigdes recalcamentos, sobre um “deixado de lado" e sobre restos. © pacto denegativo contribui para essa dupla organizagao, Ele cria essa condicao de nao significével, de nao transformavel: zonas de silencio, bolsos de intoxicacao, espacos latas de lixo ou linhas de fuga que man- tém o sujeito estranho a propria histéria Nos casais, nas familias, nos grupos nas instituigées, as aliancas, os contratos € 0s pactos inconscientes sdo formacées psiquicas intersubjetivas, construidas pelos sujeitos, formando a base de seus vin- culos. As aliancas reforcam, nos sujeitos, os investimentos narcisicos e objetais necessérios, bern como as estruturas psiquicas que necessitarn e que procedem da desmentida e do rechaco. 43 Aliangas Ofensivas As aliangas ofensivas se estabelecem sobre a base de uma coalisao orga- nizada com o objetivo de atacar o outro, ou outros, com o firn de domina- co, submetimento ou destruicao. 5 ‘Transmissées Psiquicas e Processos Intermediarios Kaés (2005) investiga ¢ aprofunda a questo das modalidades de passa- gens entre os espagos ps{quicos de cada sujeito e entre os espacos ps guicos do conjunto formado por uma farnilia, um grupo, uma institui- cao. © autor encontrou, nos primérdios da psicanilise, questées relativas & transmissio psiquica, desde quando Freud (1907, em A Moral Sexual Civi- lizada e a Neurose de Nosso Tempo) interessou-se pela transmnissao da neu- rose pela via biolégica e pela via social. Mais adiante, é acentuada a trans- missao de contetidos psiquicos através da transferéncia e urn conceito de alcance mais geral, a transmissio filogené As posicées conternporaneas sobre as transrnissées psiquicas partirarn, segundo Kaés (2008), de duas rnudancas radicais que ultrapassaram a problernética e os tratarnentos dos problemas intergeracionais. A primeira ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. 6 oconceito de pulstio de morte, ern Além do Principio do Prazer,e.a questo da repeticéio dos traumatismos sem possibilidades de elaborac&o. A se- ganda surge das probleméticas do negativo, do irrepresentavel e do intransmissivel, geradas pelas desordens psiquicas e psicossométicas observadas nas vitimas do holocausto e em seus descendentes. © que se transmite, afinal? As novas patologias ¢ formas de sofrimmento téin instigado varios autores. René Kaés é um dos que se permite pensar com novos conceitos aquilo que se transfere e transmite do espaco psiquico de um sujeito para 0 espaco psiquico de outro, ou de um conjunto, num espaco intersubjetivo que se constréi com seus vinculos. Aquilo que se transmite so essencialmente configurages de objetos psiquicos, isto cbjetos munidos de seus vinculos com aqueles que pre- cedem cada sujeito: ideais, necanisinos de defesa neurdticos, identifica- ges, pensamentos de certeza. Os conteiides de objetos de transinissio tém, também, um carater peculiar, pois sto marcados pelo negativo: ‘Aquilo que se transmite 60 que néo pode ser contido, retido na psique dos pais e que vem dlepositar-se e enquistar-se na psique dos filhos: @ falta, a docnga, 0 crime, os cbjetos desaparecidos sem trago nem me- :éria para os quais um trabalho de luto nao pode ser realizado. (KAES, 2005, p. 128) As modalidades de transmissao so marcadas pelas fungGes intermedié- rias que certos sujeitos realizam nos grupos. Esses sujeitos ocupam, no vinculo, um lugar determinado, Além das determinagées intrapsiquicas, cumprem uma fungao de porta-voz, porta-sintoma, porta-sonho. Fungio férica: esse conceito é formado a partir do verbo phorein, que 0 autor encontrou no termo metdfora e que corresponde ao vocabbulo porter do francés. O termo porter tem varios significados, Dependendo do con- texto, pode significar: carregar, suportar, suster, trajar, trazer consigo, di- rigir, causar. As funcGes f6ricas so requeridas no agenciarnento de qualquer vinculo, na familia, em um casal, em um grupo ou em uma instituicao, Por que René Kaés Diferentemente da teoria sistémica sobre o paciente designado, Kaés (2005) considera a articulagio daquilo que é do préprio sujeito como 0 modo pelo qual o grupo utiliza tal sujeito em seu préprio processo—é a funco de porta-palavra. 5.1 Funcao de porta-palavra Esse conceito é fundamental para tratar a questo da fala no vinculo. Descreve o modo como a fala é trazida ao sujeito, o modo como a delega e dela se desincumbe, 0 modo como a aprende, como é apreendido por ela ea carga de seus desejos, de seus interditos e de seu recalque Kaés (2005) conceitua que o lugar do porta-palavra situa-se nos pontos de amarracao de trés espacos: da fantasia, do discurso associativo e da estrutura intersubjetiva; pontos em que se atam os lugares subjetivos de varios membros do grupo que o porta-voz representa e de onde ele traz a fala, Através do que enuncia a outro, o porta-voz. porta ele mesmo a pré- pria voz, cujo sentido é por ele desconhecido. 5.2 Fungo do Lider Um grupo nao funciona sem que seus membros abandonem parte dos préprios ideais para confié-los a um porta-ideal, que é o chefe Ao mesino tempo, older, esse porta-ideal, nao pode executar stia fungio se nao estiver preocupade diretamente com a fungio que Ihe é solicitada © para qual ele se autoprescreve, O porta-vorz nao realiza sua fungae fora de um grupo. Ele toma ou recebe a incumbéncia de falar em nome de varios, no lugar de outro ou de um conjunto de outros. Ele é seu delegado, o que Ihe dé representacio. Fungao forica - divisao e contengao das experiéncias emocionais do gru- po. A designagao pela fala contribui para a formagfo do aparelho para pensar os pensamentos Fungao metaférica - representacio ¢ delegagio de uma ordem exterior a0 grupo e que enuncia as leis, os princfpios ¢ os interditos necessdrios a estruturacao dos vinculos do grupo. ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. 6 Consideracées Finais 0 postulado basico que sustenta a investigacdo e a teorizacdo de Kaés é de que o psiquismo se assenta sobre trés pilares que esto estreitamente entrelacgados: a sexualidade infantil, a palavra e os vinculos intersubjetivos, Sua proposta de uma terceira tépica como uma ampliacao da metapsicologia dé conta da dificil tarefa de definir como ocorre o traba- Tho da intersubjetividade, como se constr6i a realidade psiquica do grupo @ seus efeitos na constitui¢ao do sujeito inconsciente Ao se propor a responder como se constréi e se organiza um espago pst- quico comum e compartithado, como também um espago do inconscien- te, assume o risco de trabalhar na zona de fronteira entre o espaco subje- tivo € o espace intersubjetivo © vinculo talvez possa ser abordado como urn conceito de fronteira, as- sim como foi para Freud o conceito de pulsao, nas fronteiras do corporal e do psiquico. Trabalhar nas fronteiras tambéin implica desprender-se de um lugar bem definido e, consequentemente, lidar com a incerteza. Por outro lado, pode, no entanto, levar & expansio de nosso conhecimento, como fica tao bem exemplificado em sua contribuicao sobre a compreensao dos processos de transmissio psiquica entre as geracies Referéncias BERNARD, M. Introduccién a la lectura de la obra de René Kaés Buenos Aires: Associacién Argentina de Psicologia y Psicoterapia de Grupo, 1997 FREUD, S. (1914) Sobre o Narcisismo Uma Introdugio. In ‘Completas. Sao Paulo: Imago, ANO. v. 14 Obras KAES, R. 0 Grupo e 0 Sujeito do Grupo: clementos para uma teoria psicanalitica de Grupo. Sao Paulo: Casa do PsicSlogo,1997. Os Espacos Comuns e Partilhados, Transmissio e Negatividade, ‘Sho Paulo: Casa da Fsicélogo, 2005, Por que René Kaés Un singular plural. Suenos Aires: Amorvortu, 2010. eval, A Instituigio e as Instituigdes, Estudos Psicanalitices. So Paulo: Casa do Psicdlogo, 1988, Copyright © Psicandlise — Revista da SBPdePA Revisto de portugues: Ana Rachel Salgado ‘Ana Rosa Trachtenberg Rua Mostardeiro, 05/808 0830-001 Porto Alegre ~AS ~ Brasil email: anarosacs@terra.combr Angela Beatriz 5. Piva Rua Tobias da Silva, 267/203 90570-020 Porto Alegre ~ RS ~ Brasil ‘e-mail: angelapivastera.combr Denise Haeberle Rua Dr. Voltaire Pires, 934 0640-160 Porto Alegre ~ RS ~ Brasil e-mail: denisehaeberle@yahoo.com.br Denise Zimpek Pereira Rua Florénclo Ygartua, 53/302 90030-010 Porto Alegre ~RS ~ Brasil ‘e-mail: zimpek@terra.com br Gilda Fogaca Soares Rua Floréncio Ygartua, 271307 0430-010 Porto Alegre ~RS ~ Brasil email: gidafsoares@hotmai.com Rosa Aizemberg Avritchir Rua Mariante, 288/1105 0030-180 Porto Alegre ~RS ~ Brasil email: rosaavrtchir@uol.com br Vera Homrich Pereira de Mello ‘Ay Taquara, 193201 0460-210 Porto Alegre -RS ~ Brasil ‘e-mail: emelloaterra.com.br

You might also like