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4 y le = 4 SS « NS vl Infothes Informacao e Tesauro B444_Bernardet, Jean-Claud Historiografia classica do cinema brasil jeiro: i / Jean-Claude Bernardet. 2" edigio - Sao Pavion Are ec Peeegoria 168 ps 14x21 cm ain tame, 2008. os ISBN 978-85-7419-849-1 1, Cinema. 2. Cinema Brasileiro. 3. Histéri: me . 3. Histéria do Cinema Brasileiro. 4, CDU 791.43(981) DD 791.430 981 Catalogagao elaborada por Wanda Lucia Schmidt ~ CRB-8-1922 HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO METODOLOGIA E PEDAGOGIA Coordenasiio Editorial Joaquim Antonio Pereira Produgiio Catarina C. L. Pereira - Paginagéo Capa Carlos Clémen CONSELHO EDITORIAL Eduardo Pefiuela Caitizal Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias Celia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam) Cecilia de Almeida Salles Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D'Alessio Ferrara 2 edigdio: agosto de 2008 © Jean-Claude Bernardet ANNABLUME editora . comunicacao Rua Tucambira, 79 . Pinheiros 05428-020 . Sao Paulo . SP . Brasil Fax, (011) 3812-6764 - Televendas 3031-1 www.annablume.com.br Tel. € m4 SUMARIO pREFACIO A SEGUNDA EDIGAO — Cecitia ALMeIDA SALLes APRESENTACAO — Epuaano Pafurta Canizal INTRODUGAO CAPITULO I - ACREDITAM OS BRASILEIROS NOS SEUS MITOS? O CINEMA BRASILEIRO E SUAS ORIGENS O Nascimento ABela Epoca CAPITULO IT - DA PERIODIZAGAO CAPITULO Ill - DE RECORTES E DE CONTEXTOS 0 Ptiblico Os Filmes Cantantes Os Filmes Criminais De Novo, os Cantantes Os Filmes de Revista De Novo os Filmes Criminais Voltando as Revistas de Ano Cineastas e Alteridade Recortes e Contextos 9 Gosto do Publico pelos Filmes ‘emplo de Elaboragaio de um Contexto ll 17 19 19 31 43 55 RINKS RQRE 95 capfTuLo IV - DA PEDAGOGIA 1ALOGO I: A METAFORA LITERARIA cAP{TULO V- D! capiTULO VI- DIALOGO II: ATV NAO FONCIONA FILMES CITADOS REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 101 117 135 157 161 DA PERIODIZACAO Apés o empreendimento de Alex Viany, nado bem-sucedido, de organizar a histéria do cinema brasileiro a partir da | netafora da vida do~“rapazinho” (Viany, 1959), Paulo Emilio Sall Sistematizar essa histéria numa periodizagao proposta no “Panorama do cinema brasileiro: 1896-1966”. A periodizagéo parece manter uma relagdo necessdria com a proposta de historia feita por Paulo Emilio e ja comentada no capitulo anterior: a Idade de Ouro e a sua reposi¢ao utépica precisam ser mediadas por etapas que levam de uma a outra, etapas estas que constituem a histéria degradada. Na periodizagao de Paulo Emilio parece quase sistematico o vinculo entre as épocas que estruturam a evolucéo do cinema brasileiro e a degradacao, entendendo por esta uma interrup¢ao da produgao. Como ja vimos, a primeira época, mais precisamente a “Bela Epoca”, encerra-se com um “colapso”. Em 1934 verifica-se um “colapso tao radical quanto o de 1911 ou de 1921”, sendo que 1921 praticamente o encerramento da segunda epoca, € 1934, a fronteira entre a terceira e a quarta. $6 a passagem da quarta Para a quinta época nao esté marcada por um colapso. Essa organizagao HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO 44 i " -se da idéia de “queda”. E a queda que dg sano biasia. canon Poulan prefira outras palavras, usa uma vee “queda", na frase: “da quase paralisacao dos anos 1912-14, chegamog auma produgio relativamente abundante de dezesseis filmes em 1917, para haver uma brusca queda no ano seguinte, com uma mediocre reagao até 1922” (grifo meu). A idéia de degradacio talvez Permeie g texto em filigrana. Por exemplo, comentando filmes x locali it no segundo perfodo, ou seja, depois do fim da Bela Epoca, Paulo Emilio escreve: “Apesar do interesse documental, ressentiam-se 888 fitas da pressa nas filmagens de histérias que nao podiam esperar para no perder a oportunidade”. — Nao conhecemos esses filmes desaparecidos, mas probabili pensar que suas qualidades técnicag “ou 2 deixassem at. Porém, o que surpreendé € que filmes sualmente igualmente filmados na pressa dos acontecimentos, mas enquadrados na Bela Epoca, sejam apresentados sem Tessalvas Aparentemente néo ha muitos motivos Para acreditar que os criminais anteriores a 1912 fossem melhores do que os Posteriores. O que me parece justificar a ressalva é que estes ultimos sao Posteriores 4 queda, €, portanto, marcados por alguma negatividade, enquanto os primeites pertencem a Idade de Ouro. Pode se ver af algo como uma laténcia, e nao uma intengdo sistemdtica, j4 que outros criminais pertencentes a este mesmo segundo periodo e baseados em crimes imaginérios sio tidos como possivelmente “muito Mais elaborados”. As €pocas da Periodizacao, predominantemente Construidas por colapsos, ¢ a idéia de queda se coadunam com a Idade de Ouro e a utopia. A periodizacao da histéria do cinema brasileiro estabelecida por Paulo Emilio divide-se em cinco €pocas: 1896-1912, 1912-1922, 1923 1933, 1933-1949 e 1950-1966. iii Aperiodizacao é um dos métodos classicos de escrever a do cinema, mas em autores como Sadoul e outros verifica-se Ha i um certo paralelismo entre a histéria do cinema, quer mun —— cou periods nacional, e grandes datas da ral do século XX, snérle dH ft se ire get da histéria nacional. Assim, o terceiro tomo da ele — raver i é dividi m dois vol * une cinéma, de Sadoul (1947), é dividido e we imeitoeic® ee guerre”; “II - La premiére guerre mondiale”; 0 P' » ymtitu : = t la guerte do quarto tomo intitula-se “Le cinéma pendan ta JEAN-CLAUDE BERNARDET FE 45 caphuilo interessant é sem dtivida 0 23° de Histoire d’un art: le cinema 1949): “O cinema falado americano, 1928-1941”, no qual a data ini éuma referéncia nitidamente cinematografica (Giger doen ee final remete tanto ao Cidaddo Kane como a Pearl ae a periodizagao da Histoire du cinema, de Bardéche e Brasillach cas mescla referéncias_cinematogréficas.com outras oriundas da hist6i social: o cinema mudo é dividido em quatro capitulos: “Os pines passos do cinema, 1895-1908”, “O cinema de antes da guerra”, “O cinema durante a guerra” e “Nascimento do cinema como arte, 1919- 1944”; e os quatro capitulos do cinema falado sao: “Os inicios do cinema falado (1929-1934)”, “O segundo antes da guerra (1934-1940)”, “A Segunda Guerra Mundial” e “O fim do falado” (sic). , Paulo Emilio nao recorre a este critério e desvincula totalmente asua periodizacao de uma prévia ordenagao da historia brasileira no lO XX, procurando na exclusiva matéria cinem ica os arranjos temporais do cinema brasileiro. Nao passa de uma coincidéncia 0 aparecimento tas célebres na estruturacao temporal: 1922 nao é justificado pela Semana de Arte Moderna ou pelo Centenario da Independéncia, nem 1950 pela eleicao de Gettilio Vargas. Ao mesmo tempo em que esta atitude revela independéncia do historiador, podemos nos perguntar se nao seria também a expressdo de um distanciamento entre a historia cinematografica e a historia social. Tanto mais que cfeio que Paulo io teria apreciado maior proximidade entre cinema e sociedade. E com alguma melancolia que escreve: Durante o perfodo que estamos focalizando [1933-1949], foi a vida nacional sacudida por episddios politicos ‘dramaticos: golpe integralista, golpe de Getiilio Vargas, golpe ‘o na Segunda Guerra rou nossa ficgao comunista, golpe i contra Getiilio Vargas, nossa participagae Mundial... Mas s6 esse ultimo acontecimento inspi cinematogréfica (...)- Algumas objecées podem ser feitas A periodizacao elaborada por Paulo Emilio. Por exemplo, a primeira época - 1896-1912 ~~ integra a Bela Epoca, é seguida por outra 1912-1922 - considerada astant negativa se comparada com a anterior: HISTORIOGRAFIACLASSICADO CINEMA BRASILEIRO, 46 © fato de termos facilmente enumerado cerca de vinte novos cineastas pode levar a crer que foi grande a florescéncia de filmes de fico no periodo do cinema brasileiro que ora focalizamos (...). Esta segunda época do cinema brasileiro est bem longe da importancia e do brilho da primeira, Ora, tais afirmagoes podem ser aceitdveis para a “ser accitéveis para a prodyes carioa, sigs forma alguma para a paulsta, Erm BAC ooo fico, ag eeimetra es — SPER ACO, Enquanto a se; ~ partir de T915 pe conheceu um surto relativamente ine a intenso, gfagas sobretudo as atividades dos italianos. De modo 7 1912 nao é relevante para a producao paulista, e tampeiien ats a Da primeira €poca (1896-1912) constam Momentos diver, i 1822 que nao parecem dar uma unidade de significagio a este eo) mana anos: 1896 € 0 inicio da exibigio cinematogréfica; 1898, jg o “nascimento”; seguem dez anos de letargia da exibicio : oe ose a partir de 1907-1908, verifica-se uma consolidacio do Hi exibigdo e inicia-se a Bela Epoca e sua’ “singular vitalidade”- ie & a interrupcao da produc&o em 1912, E dificil ver alguma minene, unidade, de significacio dominante Para_0 periodo. Oa . 1907 1908-1911 formariam, ao contrario, momentos one » 20 contrario, momentos opostos, beriodo-encerra-sé com a interrupcao da producin. aparentemente sao critérios de producio que decidem do princhiocd fim das er No entanto, esta primeira época, embora fechada con um criterio ‘ le Produgao, é aberta por um critério de exibicgdo, sendo que tal critério ndo ser4 retomado em nenhum outro momento da periodizacao. E se este fosse um critério a ser seguido, a época niose encerraria em 1912, que representa ao contrario um momento ée consolidacao da exibicao—do filme importado, jas € justamente a exibigao do filme importado que a inaugurou. A opgio pela iat IROE ch ede ee eS hei 1896 sé pode ter outra origem que nao a sistematica do ne “Panorama” deve ter sido encomendado pela Editora Rapes al para integrar, juntamente com fotografias, um élbum a Speatast? como brinde e vendido em livrarias. Isso em 1966, e ai festa! entdo os setenta anos do “cinema brasileiro”: meen 1998.04e anos. Mais tarde, os oitenta anos seriam celebrados em © fav - jetido em do texto explica também que 0 autor nao se tenha d JEAN-CLAUDE BERNARDET 47 metodoldgicas: ym texto relativamente curto, de leitura fluente, devia seduzir 0 leitor leigo e « convencé-lo da existéncia e interesse do cinema rasilei Cea ee eestio dos critérios, da adequacao da periodizagio a produgio carioca e paulista, assim como outros problemas foram discutidos com o proprio Paulo Emilio, que concordou com as objecoes que lhe foram feitas. No entanto, ndo sao essas as questées, no fundo de ordem técnica, que quero abordar aqui. De fato, as questdes técnicas apontam para imperfeigdes do sistema — no caso, a periodizagao — mas néo questionam o proprio sistema. Gostaria, aqui, de discutir a prépria viabilidade de_ uma periodizagao do cinema brasileiro. ——Giardemos 0 fato de que as produces carioca e paulista nao seguem um ritmo paralelo nas duas primeiras décadas do século. Consideremos também o seguinte: “Outra caracteristica da pujanga deste terceito periodo (1923-1933) sao focos de criacéo em pontos diversificados do territério além de Rio de Janeiro e Sao Paulo”, a saber, os “ciclos regionais”. Sao citados Pouso Alegre, Guaranésia, Cataguases, Campinas, Recife, etc. Que os “ciclos” tenham relevancia iestes anos isolados por Paulo Emilio, nao resta diivida. A dtivida é se tais ciclos caracterizam apenas este perfodo. De fato, na época anterior, Paulo Emilio dera destaque ao surto de producao de Pelotas e se referira a um filme realizado em Petrépolis. Além disso, consultando a “Filmografia brasileira” (Guia, 1985), constatamos a existéncia de filmagens, entre 1912 e 1922, em Barbacena, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Juiz de Fora, Fortaleza, Maceié, Manaus, Porto Alegre, Pouso Alegre, Recife, Salvador, Sao Luis do Maranh4o e Uruguaiana. Trata-sé~ asvezes de um pequeno documentario apenas; outras, de uma produgao um pouco mais encorpada. A isso podemos acrescentar que, apesar de concentracao carioca e paulista ter dominado a producao brasileira, a existéncia de producao fora deste eixo tem sido uma constante, com Momentos mais ou menos intensos. Que tenha havido momentos intensos entre 1922 e 1933, é certo, como houve antes (Pelotas), como haverd depois: basta pensar no surto baiano na virada dos anos 1950-60, que foi um dos Pontos de partida do Cinema Novo; no surto de produgao €m Super 8 em Porto Alegre, nos anos 1970; ou, nos anos 1980, em rto Alegre ainda, a intensidade da produgao de filmes de curta- Metragem de ficcdo. Essa expansaio da produgio pelo territério em HISTORIOGRARA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO a8 it jo. E ent vem uma primeira pergunta: & a ena periodizagko do “cinema brasileiro” com abrangéneia nacional? Voltaremos a questo. _ Verifiquemos outro problema levantado pela Periodizacao de Paulo Emilio. Na abertura de sua segunda época, ele se refere a tres filmes criminais que datam de 1913: O caso dos caixotes, © crime de Paula Matos e O crime dos banhados, sendo os dois Primeiros Catiocas ¢ 0 terceiro de Pelotas. A estes titulos poderiamos acrescentar, dentro desta segunda época, Um crime misterioso (1919), 0 crime de Cravinh (1919), Um crime no parque Paulista (1921), sendoo primeito de me e os demais de Sao Paulo. Tanto os filmes citados por Paulo Emig como os outros basearam-se em crimes ocorridos pouco antes 2 realizacao dos filmes. De O caso dos caixotes, Paulo Emilio coment, que o filme “focaliza o assassinato do industrial Adolfo Freire por Ate Henriques, nomes que encontravam muito eco na imaginacio Popalay” De O crime dos banhados, diz tratar-se de uma ficcdo, “mas aio bod se iludir 0 puiblico com esses e outros disfarces diante de um episés que lhe era extremamente familiar; foi, Sem diivida, devido a tal reconhecimento que o filme teve assegurada uma longa Carreira”, Esses comentarios (semelhantes aos feitos aos filmes crimings da Bela Epoca), acrescidos do fato que estes filmes encenam crimes eais, marcam uma continuidade em Telacao aos criminais do periods érios colocar alguns filmes criminais na primeira & outros ‘a segunda, se todo: obedecem a uma modalidade de lugao semelhante (inspiragéo em crimes reais) ¢ propdem uma produgao semelhante (inspi idéntica relacdo com os espectadores, a julgar pelo que est escrito texto de Paul io. Se deslocarmos o fim da primeira época para, “digamos, 1913, coma finalidade de nela incluir os criminais pees a 1910, a data de 1912 perderd sua fungao de fronteira entre - épocas. O que se verifica aqui é um género, ou este ore aes : a enquadra em tal periodizacao, e talvez precise et prépria, Ainda mais se considerarmos que, nesta me me a Paulo Emilio se referir4 a outros filmes Se edith doesuee®® baseados em crimes reais, mas Se que ofl sit Rosa que se desfolha. Ainda mais se consideratmos @" i i indrios 01 quer apresentando crimes imaginario: ‘en Ai @nero (como Na mera variagéio dentro do gén' JEAN-CLAUDE BERNARDET 49 paseados em fatos e pessoas existentes (Luicio Flavio, o passageiro da agonia) prossegue até praticamente a atualidade. Outro exemplo: Paulo Emilio < assinala que, 1 na terceira época, “pasce a companhia Cinédia”. Ora, alguns dos maiores sucessos da Cinédia, Al6, Alb, Brasil! eAlé, Alé, Carnavall!, estio alocados no perfodo seguinte. Isto porque escolheu-se como fim da terceira €poca a data de 1933, 0 que possibilita juntar no final do perfodo os “classicos” do cinema mudo, jA que Ganga bruta é de 1933. Também é de 1933, a primeira produgao de sucesso da Cinédia, A voz do carnaval, que da inicio a linha das comédias musicais que a produtora viria a lancar logo depois. Com este corte temporal, A voz do carnaval fica num periodo e as comédias musicais seguintes, num outro. Desta época, a quarta, constam a fundagao da Atlantida e seus primeiros sucessos, sendo que grande parte de sua producdo de sucesso encontra-se na quinta época, que congrega também a Vera Cruz, o cinema “independente” dos anos 50 e o Cinema Novo. - Pela inadequacio desta periodizacao, quer aos ritmos diferenciados dos varios pontos de producao espalhados pelo territério, quer a um género, quer a uma forma de produgdo (as “grandes” companhias), levanta-se a questdo de saber se é possivel uma periodizacao geral para o cinema brasileiro, tomado como uma totalidade, que dé conta de todos os elementos que ela integra. E possivel elencar, numa linha de continuidade cronolégica, todos os elementos Julgados necessdrios para constituir quer a periodizagao quer a “histéria do cinema brasileiro”, e seccionar essa linha em fatias temporais que tenham uma significagéo dominante intrinseca bem como uma significacdo para os diversos elementos que a compéem? Ou, ao contrdrio, nao deverfamos rechacar 0 corte cronolégico Vertical, "e trabalhar horizontalmente com filoes que apresentariam Tinos diferenciados e tentar estabelecer entre eles relacdes, sem querer eneaixd-los em unidades temporais consideradas validas para todos os filoes?}O techaco de uma periodizaco baseada numa linha cronoldgica Com cortes temporais verticais jd tinha sido proposto no Brasil antes de Paulo Emilio escrever o “Panorama”. Tal atitude fora tomada por um Snsaista que nao era (nem um pouco) historiador e nao soube ou nao se bares em explorar a idéia: Glauber Rocha em Revisdio critica do ma brasileiro, Cito: . autor” (..), 4 histéria do cinema nao oe “tudo e sonore”, fiel que foe a aivicice a pelas imagens puras” “ pelas imagens sonoras”. A historia do cinema, e os que “falam tem de ser vista, de Lumiere a Jean Rouch, “cit a comercial” e“cinema de autor”. Naohé limitagies ‘ou de cor para autores como Mélias, Bisenstein, Dreyer, de or aherty, Rosselini, Bergman, Visconti, Antonioni, Resnais, veer ou Truffaut (... Nao ha, na permanéncia de filmes como Acossado ou Potemkin, limitagbes temporais: seria a mesma coisa que dividir a historia da literatura em antes e depois de Gutemberg (Rocha, 1963). g 3 ¢ 3 3 Embora este texto esteja sujeito a contestacoes, inclusive referéncia a Gutemberg, um elemento metodoldgico a destacar ¢ queo tradicional e infalivel corte vertical do advento do som, presente em praticamente todas as histérias do cinema, € aqui eliminado, ¢ a organizacao da matéria historica baseia-se em outros critérios: “cinema de autor” vs. “cinema comercial”. Como hé cinema que pode se; considerado “de autor” ou “comercial” no decorrer de toda a histérig do cinema, o principio basico da proposta de Glauber é a construcio de files que correm simultaneamente, fildes estes que sao montados nao com um critério temporal, mas pela qualidade que se lhes atribui Essa idéia nunca foi explorada pela historiografia cinematogréfica brasileira. A Revisdo é, por varios motivos, um livro de histéria bastante contestdvel, mas extraordindrio pela quantidade de problemas que coloca ao historiador. Décadas mais tarde, outro cineasta, Carlos Diegues, fara propos sem duvida diferente da de Glauber Rocha, mas que apresenta ce parentesco com ela, por negar os cortes verticais temporais € Leia trabalho sobre filées, que se desenvolvem simultaneamente, equeDieg chama de “linhas de coeréncia”. Segundo ele: por exemplo, ¢2 é a nova Vere ja velhe Podemos tracar “linhas de coeréncia” que va0. fundac&o da Cinédia, no final dos anos 1920, até an Cruz dos irmaos Khoury, nos anos 1960, pasando io empresa de Zampari, pela Maristela, Sonate fe Mosc outra que vai do projeto original da Atlantida 7 BERNARDET JEAN-CLAUDE et Fenelon), em 1941, até a fundagao da Difilm, em 1965, ou da Cooperativa Brasileira de Cineastas, no final dos anos 70: ou mais uma, que sai do projeto trazido por Alberto Cavalcanti, depois da Guerra, passa pelo Instituto Nacional do Cinema e termina na Embrafilme de hoje em dia (Diegues, 1988), Ameta de Diegues, nesta proposta motivada por uma teflexio sobre a Introduc¢do ao cinema brasileiro, de Alex Viany, nao é propriamente criticar uma periodizacao com cortes verticais temporais. O que critica € a nocao de “ciclo”. Embora esse conceito signifique geralmente “ciclo regional”, em oposi¢ao a producio cariocae paulista, existe uma certa tendéncia em pensar o cinema brasileiro sob forma de ciclos, isto é, nas palavras de Diegues, como “uma sucessio de esperancas e fracassos fechados sobre si mesmos”, Tal estruturacdo tora a producao cinematografica brasileira um eterno recomecar e bloqueia, ao limite, qualquer possibilidade de continuidade e, daf, qualquer possibilidade de tradicao. Parece-me valido estender a proposta de Diegues para o campo da metodologia historiogrdfica e receber as ‘linhas de coeréncia’ como uma oposi¢ao nao sé a nogio de ciclos, mas igualmente a uma periodizacao de cortes verticais. Ha, entretanto, no texto de Paulo Emilio, indfcios de que outras formas de periodizacao seriam posstveis. Por exemplo, apés ter concluido sua primeira época com “o colapso assinalado em 1911-12”, ele abrea época seguinte afirmando que “a continuidade do cinema brasileiro repousou inicialmente na atividade de alguns cinegrafistas”, enquanto fechara a época anterior falando de cinegrafistas que viriam “a assegurar um minimo de continuidade entre a época que se encerra em 1912ea seguinte”. O que pode se depreender dessas frases é que 0 corte de 1912 talvez seja menos radical do que afirma a periodizagdo, que outra ordenacao do material ¢ pensdvel. Por um lado, temos uma continuidade construida por meio do Prosseguimento das atividades de alguns cinegrafistas e, principalmente, des filmes criminais de 1913; por outro, uma ruptura, talvez nao tao Marcada pela interrup¢ao da producdo, do que pelo fato de que essa Producao que prossegue encontra acesso cada vez mais dificil ao Mercado. © mesmo material, dependendo dos fatores que se privilegia, & suscetivel de periodizacées diferentes — se periodizagao queremos. HISTORIOGRARA CLASSICA.DO CINEMA BRASILEIRG 52 Ainda neste mesmo sentido, encontramos na terceira época ym comentério curioso a respeito do filme Rosas de Nossa Senhora: é uma “fita religiosa — outra constante na histéria do cinema brasileiro» Podemos nos perguntar se essa “constante” nao viria de alguma for questionar em algum nivel os cortes da Periodizacio, ma surpreendente no é tanto a“constante”, quanto 0 fato de ser uma’ Mais constante. Embora 0 texto nao mencione as outras, essa fra Sutra? entrever matérias histéricas que podem nio se encai: ade Se deix, entre os cortes da periodizagao. war adequadaments Encontramos também, dessa vez. em relacio a Humber referéncias sugestivas. Fala-se na “fase de Cataguases”,e Ho que “a préxima etapa de Humberto Mauro sera no ia Tanto a fase de Cataguases como a ida ao Rio de ' ‘ 5 i integrados na segunda época, o que deixa entrever que, alé aneiro esta, €pocas recortadas pela periodizac&o, ha outros movinens das des de ter sua pr Opria periodizacdo, nic necessatiaments NtOS suscerive a periodizagao geral. Convém notar que os termos “f; a neidente com sao exclusivos de Mauro; embora as fatias oes * SaRe nip ae temporais sej; como “épocas” nos subtitulos, Pa i am design » Paulo Emilio usa “per is eriodo” coms sinénimo, mas também “fase”. aé como “primeira fase”. Essas reves, me us = sis por minima que seja, mas que vaza de uma época am Constante” e “outras”, a fases da carreira de iia vem, ‘noe aplicagao diversificada dos termos “época”, “perfodo” 4 m sean Permitem pensar que, além da periodizacio geral, con esos ae Periodizagdes podem ser construidos. Essas poucas indieagessugeen uma riqueza € sutilidade de construgo que foram abafadas pe periodizacao maior, geral, do cinema brasileiro como uma totaidade O que me parece compreensivel, porque no esta realmente clarooqee a periodizacao periodiza. Tal afirmacao pode parecer capciosa, pois o titulo anunca u# Panorama do “cinema brasileiro”, e no desenvolver do texto ao expressdes tais como “época do cinema brasileiro”, “period? on nacional” ou “periodo do cinema brasileiro”. Po : us? brasileiro” que se periodiza. No entanto, pode haver Cm ca passa da primeira para a segunda época, marcando ie pau pelo “colapso” e assinalando uma “minima continulea®t » afirma: ‘Mauro, BU din.ge le Janeirg {yBAN-CLAUDE BERNARDET 53 Nao foi, entretanto, realizando filmes de enredo que esses profissionais [os cinegrafistas que asseguraram uma minima continuidade] conseguiram ganhar a vida: tanto Anténio Leal (...) como Paulino e Alberto Botelho dedicaram-se sobretudo aos documentarios e jornais cinematograficos. Um pouco mais tarde, encontramos referéncia a “terceira época do filme brasileiro de enredo”. Essa tltima referéncia me soa quase como um lapso. Embora se afirme que a periodizagao é do “cinema brasileiro”, 0 que norteia o trabalho é basicamente o filme de ficcao. Mas esse recorte, subjacente e atuante, nao podia ser explicitado. Reconhecer tal recorte destruiria a periodizacao tnica, deixaria aberturas para outros recortes e, portanto, outras periodizagées, e prejudicaria a unidade “cinema brasileiro”, que se decomporia em varios fildes. A inspiragao nacionalista do texto levava busca de uma totalidade, e, portanto, sé podia se opor a uma fragmentagao da unidade “cinema brasileiro”, por um lado. Por outro, o texto visa justamente a que leitores leigos e desinformados venham a se convencer da existéncia deste “cinema brasileiro”. De modo que me parece que o “Panorama do cinema brasileiro” acaba se construindo com uma estrutura forte e dominante, composta por “cinema brasileiro” e a periodizago tinica, e laténcias por meio das quais pode-se questionar a estrutura principal, e que apontam para uma diversificagao da metodologia.

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