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PaNceeo Ieda Maria Alves Professora de Lingua Portuguesa na Universidade de Sao Paulo NEQOLOGISMO Criacao lexical Direcdo Benjamin Abdala Junior Samira Youssef Campedelli Preparacao de texto Sérgio Roberto Torres Edigdo de arte (miolo) Milton Takeda Divina Rocha Corte Composicaéo/Paginagao em video Maria Inés Rodrigues Eliana Aparecida Fernandes Santos Capa Ary Normanha Antonio Ubirajara Domiencio IMPRESSAO E ACABAMENTO Bartira Grafica e Editora Ltda ISBN 85 08 03617 5 2004 Todos os direitos reservados pela Editora Atica Rua Bardo de Iguape, 110 - CEP 01507-900 Caixa Postal 2937 — CEP 01065-970 So Paulo —- SP Tel.: OXX 11 3346-3000 - Fax: OXX 11 3277-4146 Intemet: http/Awww.atica.com.br e-mail: editora@ atica.com.br Sumario 1. Neologia e neologismo ____ SS Neologia na lingua portuguesa ss ft 5 2. Processos neoldgicos no portugués contemporaneo 8 3. Neologismos fonologicos —_____ dd Criagdéo onomatopaica __ 12 Recursos fonoldgicos 12 4. Neologismos sintaticos__-_ =» = sid Neologismos formados por derivacao prefixal 14 Derivacao prefixal 14 Mudanéa*defurigado: O25 thes ON ORAS TI QB Substantivacao de prefixos___._—= —= si Transferéncia de significado para prefixos 26 Oposicdo entre prefixos sa Prefixos e economia discursiva ______ 28 Neologismos formados por derivacao sufixal 29 Derivacgao sufixal 29 Sufixos nominais ob ncideh bb otnemitnse 99 Sufixos verbais 34 Sufixo adverbial —.--— Concorréncia entre sufixos 35 A expressdo da pejoratividade ____ 37 Novos sufixos 39 Derivacado parassintética ____._________ 40 Neologismos formados por composigéo _________ 41 Composicao subordinativa —_.__ 41 Composi¢do coordenativa 44 Composi¢ao satirica 46 Convergéncia entre derivacdo e composigaéo ____ 48 Composigao entre bases nao-auténomas Seay Composigao sintagmatica 50 Composi¢do sintagmatica nos vocabulos técnicos 54 Composicao por siglas ou acronimica ___ 56 Derivados de siglas 58 5. Conversao 60 6. Neologismos semanticos ___-____—s»#2: 7. Outros processos 68 Truncagao 68 Palavra-valise 69 Reduplicacao 70 Derivacao regressiva 1 8. Neologismos por empréstimo 12 Estrangeirismo 72 Traducao do estrangeirismo 76 Integracdo do neologismo por empréstimo _______ 77 Decalque 79 Aspectos morfossintaticos dos neologismos por empréstimo 80 Classe gramatical 80 Género e numero 81 9. Sentimento de neologia 83 Insercao do neologismo no diciondrio _____ 84 10. Consideragées finais 86 11. Vocabulario critico 88 12. Bibliografia comentada 91 Trabalhos tedricos 92 Alguns trabalhos praticos ____~—=s«S9 Estudos sobre teoria lexical ___ 93 Neologia e neologismo O acervo lexical de todas as linguas vivas se renova. Enquanto algumas palavras deixam de ser utilizadas e tor- nam-se arcaicas, uma grande quantidade de unidades léxi- cas € criada pelos falantes de uma comunidade lingiiistica. Ao processo de criagdo lexical da-se o nome de neolo- gia. O elemento resultante, a nova palavra, é denominado neologismo. O neologismo pode ser formado por mecanismos oriun- dos da propria lingua, os processos autdéctones, ou por itens léxicos provenientes de outros sistemas lingiiisticos. Na lin- gua portuguesa, os dois recursos tém sido amplamente em- pregados, diacrénica e sincronicamente. Neologia na lingua portuguesa O estudo da historia da lingua portuguesa nos revela que o léxico portugués, basicamente de origem latina, tem ampliado seu acervo por meio de mecanismos oriundos do latim, a derivagdo e a composi¢ao. Além desses recursos, que utilizam elementos da pr6- pria lingua, o idioma portugués tem herdado unidades 1éxi- cas de outros sistemas lingiiisticos desde 0 inicio de sua for- magao: empréstimos provenientes de contatos intimos entre a comunidade de fala portuguesa e outros povos (influéncia celta, fenicia, basca, barbara, arabe, africana e tupi) e em- préstimos culturais, fruto de relacdes sociais luso-brasilei- ras com outras sociedades (origem provencal, francesa, es- panhola e italiana). A influéncia francesa sobre 0 léxico portugués manifes- ta-se desde o século XVIII e foi muito marcante na primei- ra metade do século XX, tendo desencadeado, como conse- qiiéncia, uma atitude reacionaria por parte de jornalistas, escritores e gramaticos, conhecidos como ‘“‘puristas’’, que se insurgiram contra 0 emprego de tantos francesismos em nosso idioma. Contemporaneamente, é¢ sobretudo da lingua inglesa que 0 portugués tem recebido empréstimos, particularmen- te abundantes nos dominios técnico e cientifico. Sendo a lingua um patrim6nio de toda uma comunida- de lingtiistica, a todos os membros dessa sociedade é facul- tado o direito de criatividade léxica. No entanto, é através dos meios de comunicacéo de massa e de obras literarias que os neologismos recém-criados tém oportunidade de se- rem conhecidos e, eventualmente, de serem difundidos. Dentre os literatos brasileiros que tém enriquecido o acervo lexical da variante portuguesa falada no Brasil, po- demos citar os poetas simbolistas, o romancista Guimaraes Rosa, Os poetas Cassiano Ricardo e Carlos Drummond de Andrade ... A observagao sistematica da criatividade lexical ja es- ta sendo efetuada em relacdo ao portugués do velho conti- nente. Na Universidade Nova de Lisboa, lexicélogos vincu- lados ao Observatério de Neologismos do Portugués Con- tempordaneo, que tém suas atividades coordenadas pela pro- fessora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino, vém estudan- do as inovagGes léxicas da lingua portuguesa com base em corpora jornalisticos. A respeito do continente africano de fala portuguesa, temos conhecimento dos trabalhos sobre a neologia no por- tugués angolano e mogambicano que estado sendo realiza- dos por romanistas da Karl Marx Universitat, de Leipzig (Alemanha Oriental), particularmente Annette Endruschat, Os quais também se baseiam em dados jornalisticos. No portugués brasileiro, o estudo da criagao léxica es- ta ainda circunscrito a trabalhos académicos que, sob for- ma de teses e artigos (cf. ‘‘Bibliografia comentada’’), vém analisando a evolucdo lexical de nosso sistema lingiiistico por meio de corpora jornalisticos e literarios. 2 Processos neoldgicos no portugués contemporaneo Nas paginas a seguir, sao descritos os processos de for- macao neolégica no portugués brasileiro por meio de exem- plos extraidos da imprensa brasileira, considerada desde meados dos anos 70. A maioria dos neologismos citados concerne, intencio- nalmente, aos ultimos anos da década de 80, a fim de que este trabalho possa refletir a criagao lexical tal como ela se processa nos dias contemporaneos. Os exemplos referen- tes a década de 70 procuram retratar que certos mecanis- mos morfossintaticos, nao incluidos em gramaticas e dicio- narios, ja eram vivazes naquele periodo. As unidades léxicas neologicas apresentadas estado to- das contextualizadas e seguidas de suas referéncias: nome do jornal ou revista, data, pagina e coluna. A indicagaéo da coluna foi omitida somente nos casos em que 0 contex- to ocupa a pagina inteira. Recolhemos esses neologismos em periddicos e revistas de cardter tanto informativo co- mo de atualidades. Em trés periddicos coletamos o maior numero de exem- plos; Folha de S. Paulo (F)-SP, O Globo (Gl)-RJ e O Esta- do de 8, Paulo (E)-SP. Esta escolha nao foi arbitraria, pois, sendo esses os jornais brasileiros que atingem o maior numero de leitores, os elementos neoldgicos citados nessas fontes tém a possibilidade de serem lidos por um contingen- te bastante grande de receptores. Os demais periddicos men- cionados circulam também em capitais do pais: Didrio de Pernambuco (DP)-PE, Jornal do Brasil (JB)-RJ e A Tarde (T)-BA. Uma parte dos itens lexicais referidos esta registrada nas revistas informativas Isto E/Senhor (IE) e Veja (Ve). Outros exemplos foram colhidos em Desfile (De), Manche- te (Ma) e Visdo (Vi). Além dessas abreviaturas referentes a jornais e revistas, servimo-nos de outras formas abreviadas: cad. (caderno); cf. (conferir); cap. (capitulo); subtit. (subtitulo); supl. (su- plemento); f/f. (titulo). Nos jornais e revistas analisados, os elementos neoldgi- cos foram buscados nas colunas referentes a assuntos de carater informativo — politica nacional e internacional, co- lunismo social, reportagens policiais, educagao, artes... — e nas linguagens técnicas banalizadas, ou seja, nos voca- buldrios técnicos dirigidos a ndo-especialistas e que, com freqiiéncia eventual ou constante (por meio de cadernos es- peciais), fazem parte de algumas revistas e jornais: espor- tes, agricultura, informatica, turismo... Como as criagdes neolégicas empregadas nos meios de comunicacao de massa brasileiros séo muito constantes e de variada natureza, tornou-se necessaria a realizacgao de algumas op¢des. Em razao dessa necessidade, ha uma énfa- se, intencional, aos mecanismos neolégicos que evidenciam mudangas de cardter morfoldgico ainda nao reconhecidas por gramaticos e lexicdgrafos da lingua portuguesa. Por is- so, 0 item do capitulo 4 referente a prefixacdo apresenta um grande numero de exemplos. E importante ressaltar que nem todos os prefixos e os sufixos formadores de unidades neoldgicas estao representa- dos neste trabalho, que visa apenas a revelar os mais produ- 10 tivos processos de formac&o de novas palavras no portu- gués brasileiro. Assim, os prefixos e os sufixos citados séo Os que se apresentam como os mais fecundos na produgao de novos itens léxicos ou os que manifestam peculiaridades ainda pouco conhecidas. Em relagéo ao valor semAntico, procuramos apresentar a funcdo significativa mais usual de cada elemento afixal. Tampouco retratamos, no capitu- lo 4, no item referente 4 composicao, todas as possibilida- des que esse mecanismo de formagao de palavras manifes- ta na imprensa brasileira de nossos dias. A necessidade de opcdo explica também o tratamento desigual atribuido aos processos neoldgicos: os mecanismos de criatividade lexical mais freqiientes na imprensa brasilei- ra, de acordo com os trabalhos que temos realizado, sao Os que mereceram mais atencdo e foram tratados mais lon- gamente. Conseqiientemente, recursos pouco produtivos, como a neologia fonoldgica, por exemplo, foram estuda- dos de forma mais superficial. Em razao da ndo-existéncia de bancos de dados lexi- cais relativos ao portugués brasileiro, os quais nos possibili- tariam verificar as eventuais ocorréncias de uma unidade léxica, consideramos como neoldgicos os itens lexicais nao registrados no Novo diciondrio da lingua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2. ed., Rio de Janei- ro, Nova Fronteira, 1986), que chamaremos de Novo Auré- lio. Este é, sem duvida, o mais completo e 0 mais usado diciondrio da lingua portuguesa falada no Brasil. 3 Neologismos fonoldgicos A neologia essencialmente fonoldégica supde a criacao de um item léxico cujo significante seja totalmente inédito, isto é, tenha sido criado sem base em nenhuma palavra ja existente. Este fato é extremamente raro em todas as lin- guas. Um exemplo bastante citado de criacdo inédita, a uni- dade iéxica gds, tem sido interpretado como oriundo do éti- mo grego khaos. Na verdade, nfo basta que um significante esteja de acordo com o sistema de uma lingua para que ele se torne um elemento integrante do léxico desse idioma. E 0 préprio mecanismo da comunicagéo que impede a vivacidade da neologia fonoldgica, a fim de garantir a eficdcia da mensa- gem. A unidade léxica tem carater neoldgico a medida que € interpretada pelo receptor. Um significante original, nao conforme ao sistema de uma lingua, provavelmente nao se- ra decodificado e, nesse caso, a comunicagao nao serd efe- tuada. Sendo de carater social, ha uma resisténcia coletiva a toda inovagao lingilistica, pois a lingua constitui um patri- ménio comum a todos os falantes de uma comunidade lin- giifstica. Essa afirmacao nao significa que a lingua nao evo- 12 lua ou que nao exista criagao lingiiistica: no caso do léxi- co, a evolucao se processa por meio de varios recursos, que serdo mostrados nos capitulos seguintes, e que levam em considera¢ao a existéncia de significantes ja criados. Criacgao onomatopaica A criagéo onomatopaica esta calcada em significantes inéditos. Entretanto, sabemos que a formacao de palavras onomatopaicas nao é totalmente arbitraria, jd que ela se ba- seia numa relagao, ainda que imprecisa, entre a unidade lé- xica criada e certos ruidos ou gritos. A onomatopéia procu- ra reproduzir um som, o que impossibilita que seu significan- te seja imotivado. Trata-se de um processo bastante produti- vo em certas linguagens, como nas historias em quadrinhos. Recursos fonolégicos A neologia fonoldgica constitui um mecanismo de cria- cao de palavras extremamente raro. Alguns recursos fonolé- gicos, no entanto, podem ser usados com 0 intuito de pro- vocarem alterac6es no item lexical. Nocontexto abaixo, a unidade léxica substantival fchur- ma (. Nao é ainda muito produtivo, embora seu empre- 3 E. C. Pereira (Gramdtica expositiva. 13. ed. Sao Paulo, Nacional, 1958. p. 196) reconhece o carater prefixal de quase-. 22 go esteja se tornando mais constante nos ultimos anos, ao integrar itens lexicais neoldgicos com bases substantivas (42) e adjetivas: (42) ‘*[...] do ator C. Vereza, interpretando um quase-suici- da num questionamento sobre o que significa o existir, L...]” (Ma, 06-02-88: 76, c. 1). Em unidades léxicas prefixadas com semi-, observa- mos que as bases substantivas (43), adjetivas (44) e partici- piais recebem, como quase-, 0 valor semantico de ‘‘proxi- midade’’. Semi-, porém, denota mais explicitamente o seu significado, pois exprime ‘‘metade’’, ‘“‘parte mediana de al- guma coisa’’: (43) ‘‘O semi-fracasso do ultimo filme nao deve abaté-lo, © mesmo valendo para uma candidatura Quayle’ (F, 26-08-88: E-4, c. 6); (44) “‘Direito de greve restrito, semi-restrito ou irrestrito, o mundo aprendeu a lidar com esses conflitos ha mui- to tempo’ (IE, 24-08-88: 29, c. 1). Além dos morfemas prefixais j4 mencionados, varios outros também constituem neologismos no portugués con- temporaneo. Re-, por exemplo, apresenta-se com bastante constan- cia na imprensa brasileira e atribui a palavra-base (de natu- reza nominal ou verbal), principalmente, o significado de “‘repeticao’’. Em auto-, que também se prefixa a bases do- tadas de diferente natureza morfoldgica, o valor sem4nti- co observado é o de ‘‘espontaneidade, intencionalidade’’: (45) ‘‘[...] o dr. R. Mathias explica que originalmente as seringas sao esterilizadas através de raios gama, mas em lotes de milhGes de unidades, e nao eram reesterili- zadas, porque derretiam com o calor’’ (base partici- pial) (E, 09-02-89: 11, c. 3); (46)"O filme retrata a propria condicdo de Tarkovski. E 4 auto-escultura do exilado com saudade do passado ¢ da terra natal’’ (base substantiva) (E, 25-01-89, cad. ai.$,; 6.1). EE ae) Também com freqiiéncia apresenta-se o prefixo neo-, que, anteposto a bases nominais, deriva neologismos deno- tadores de ‘‘novidade’’, ‘‘idéias novas’’: (47) ‘‘Certamente influenciarao 0 neo-humor da neopublici- dade que comecou com o Pes Wes. Novas aventuras’’ (bases substantivas) (F, 17-01-89: E-5, c. 1). Mudanga de funcao Costumam afirmar as gramaticas que os elementos pre- fixais, ao contrario dos sufixais, caracterizam-se pela nao- alteracao da classe gramatical das bases a que se associam. Entretanto, varios exemplos atestam que um prefixo, uni- do a uma base substantiva, pode atribuir-lhe fungao adjeti- va e mesmo adverbial. A funcao adjetiva € comumente verificada com o pre- fixo anti- seguido de nome substantivo. Este fato foi revela- do por Hampeys‘, que, ao trabalhar com um corpus consti- tuido por jornais cariocas editados em 1960, citou alguns casos em que o prefixo anti-, anteposto a um substantivo, atribui-lhe fungao adjetiva: ‘‘o rebelde anti-Castro’’, ‘‘o candidato anti-Janio’’, ‘‘luta antipetrdleo...’’ (p. 68-9). Esse processo manifesta-se com muita produtividade no portugués contempordneo e os exemplos sao numerosos: (48) ‘‘Os pedestres também vao ficar muito felizes com o carro, ele vem da fabrica de acordo com as normas an- tipoluigao exigidas na Europa’’ (Vi, 22-11-76: 87); (49) “‘[...] suspenséo levemente relaxada, mais estdvel e mais macia, volante de direcdo e coluna antichoque; [...]” (Ve, 29-06-77: 119, c. 2); (50) ‘Ja esta sendo comercializada por alguns veterindrios a primeira coleira anti-pulgas ultra-sonora fabricada no Brasil’’ (F, 08-01-89: G-11, c. 1). 4 Hampeys, Z. Para o estudo da linguagem da imprensa brasileira contem- poranea. Revista Brasileira de Filologia, 6: 51-114, 1961. 24 Como se observa nos contextos (48) e (50), o neologis- mo formado por substantivo e prefixo anti- nem sempre funciona com todas as caracteristicas adjetivais, pois perma- nece invaridvel mesmo quando o substantivo apresenta mar- cas de pluralidade (48) ou, de maneira contraria, flexiona no plural ainda que o substantivo determinado seja empre- gado no singular (50). Em alguns casos, contudo, o elemen- to prefixado por anti- acompanha o numero do substanti- vo a que se refere: (51) “‘O ministro, importante contato nas operagées antidro- gas dos EUA na Bolivia, chefia o érgaéo que dirige a policia nacional, [...]’’ (E, 14-12-86: 16, c. 2); (52) ‘‘Um guarda viu as malas, avisou a policia e, num ins- tante, a rua estava cercada e isolada por duzentos poli- ciais antimotins, [...]’’ (Ve, 07-05-86: 63, c. 1). A fungao adjetival manifestada por anti-, seguido de substantivo, esta sendo percebida pelos falantes brasileiros, pois, observando-se o contexto: (53) “‘Comissdo para acordo antiinflacdo sai terca (tit). A comissao técnica empresarial que vai negociar 0 acor- do antiinflaciondrio com os trabalhadores [...]’’ (F, 16-10-88: B-6, c. 1), pode-se constatar que a alternancia entre o substantivo an- tiinflagao e 0 adjetivo antiinflaciondrio, ja dicionarizado, é empregada com naturalidade. Outros prefixos, além de anti-, atribuem fung¢ao adjeti- val ao substantivo a que se justapdem. Tal fato morfossinta- tico tem ocorrido com os elementos prefixais extra-, inter-, pos-, pré-, pré- e sem-: (54) ‘Um acontecimento extrapauta concentra as atengdes dos bispos: o agravamento da doenga do presidente elei- to, T. Neves, [...]’’ (F, 14-04-85: 16, c. 5); (55) ‘Nao é s6 fazer com que o transporte inter-bairros se- ja mais freqiiente e atenda melhor a populacao, [...]’’ (GI, 20-11-88: 22, c. 3); (56) ‘““Mumunhas e morosidade podem levar 0 processo a solugdo pdés-carnaval’’ (Ma, 30-01-88: 101, c. 3); 25 (57) ‘Nos comicios pré-plebiscito, [...] ele compareceu, cul dadosamente vestido com sua indumentiria de civil, [...”? (IE, 12-10-88: 63, c. 3); (58) ‘‘Manifestacao pro-hidrelétrica retine dez mil em Alta mira” (tit.) (F, 21-02-89: C-3); (59) ‘*Cerca de 400 pessoas foram feridas no confronto en- tre a Brigada Militar e as 500 familias sem-terra, [...]"’ (JB, 13-03-89: 1, c. 6). A fungao plenamente adjetiva nem sempre se manifes- ta nos itens léxicos neolégicos formados com os prefixos mencionados. Da mesma maneira que verificamos em rela- cao a anti-, pode ou nao haver identidade quanto a catego- ria do numero entre um substantivo e o substantivo prefixa- do por extra-, inter-, pds-, pré-, pré- e sem-. E 0 que cons- tatamos nos contextos (55), (57), (59) e (60): (60) ‘‘[...] chegando-se ao cimulo de divulgar noticias pés- pacto, que na realidade nao existiram: [...]’’ (Gl, 13-11,88: 41, c. 1). Além de valor adjetival, o derivado prefixal cuja base é um substantivo ou um sintagma nominal pode atuar com caracteristicas adverbiais. No exemplo abaixo, o prefixo pré-, associado a um substantivo, funciona sintaticamente como um sintagma adverbial ao derivar a unidade lexical neoldgica pré-atentado: (61) ‘‘O New York Times, de ontem, pré-atentado, conta- va outra historia, [...]’’ (F, 03-04-86: 25, c. 6). A mesma fungao é desempenhada por pds-, ao prefixar-se ao sintagma anos 60: (62) ‘*A cancao de protesto brasileiro, pdés-anos 60, passa necessariamente pelas favelas cariocas e pela voz do sambista Bezerra da Silva’ (IE, 01-06-88: 5, c. 3). Substantivacao de prefixos Alguns prefixos sofrem um processo de nominalizagio quando, empregados independentemente de qualquer base, 26 exercem funcao substantival. E o que se observa, por exem- plo, com os prefixos super- € vice-: (63) ‘‘Na verdade, o esperado choque entre o desenvolvi- mento do material de defesa empregado pelos dois su- pers acabou nao acontecendo no golfo de Sirta’’ (E, 28-03-86: 5, c. 1); (64) ‘“‘Ontem ele fez campanha em Santo Amaro e depois participou de um encontro com cerca de trezentos vere- adores do partido, incluindo também alguns prefeitos e vices, [...]’’ (E, 27-08-86: 5, c. 1), que chegam a receber a marca do plural. Em alguns contextos, a substantivacao € tao plenamen- te sentida pelo falante, a ponto de o prefixo substantivado — micros e minis — passar a atuar como base e formar unidades léxicas pelo processo de derivacdo prefixal: (65) ‘Os minicomputadores, responsaveis pelo début da in- dustria nacional de informatica do Pais e pela alavan- cagem da reserva de mercado, estaéo com seus dias con- tados. E o que antecipa o Pres. da Elebra Computado- res, M. D. Ripper, que vé nos supermicros e supermi- nis seus substitutos naturais, [...]’’ (Gl, 05-12-88: 15, c. 1). Transferéncia de significado para prefixos Comportamento interessante manifestam alguns prefi- xos. Antepostos a uma base, atribuem-lhe um significado; algum tempo depois, passam a concorrer com tal elemen- to ao serem empregados isoladamente em fung4o substanti- va €com 0 valor semantico do item léxico ao qual se prefi- xaram: (66) ‘‘Acordo antiinflagéo. Uma tentativa de evitar a hi- per’? (tit.) (F, 06-11-88: B-6); (67) “‘[...] outros micros que entrem em contato com 0 com- putador adoentado, por via telefénica ou por disque- tes piratas, também recebem ordem de copiar o progra- ma invasor’’ (IE, 17-02-88: 61, c. 1); 27 (68) ‘‘Brandalise: Constituigéo nao discrimina ‘miuiltis'’’ (tit.) (GI, 27-11-88: 43, c. 4-6). Assim, hiper, micros e muiltis perderam parcialmente © sig- nificado prefixal primitivo e adquiriram a fungao semanti- ca desempenhada pelos substantivos hiperinflagdo, micro- computadores e multinacionais, respectivamente, dos quais constituem uma forma reduzida. Além do emprego substantival e auténomo do prefi- xo, a transferéncia de fun¢ao semantica ocasiona a atuacao do elemento prefixal como componente de uma formagao composta. Os neologismos substantivais microcurso (

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