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ROBERT CHARROUX

Arquivos De Outros Mundos

Título original: Archives des autres mondes


Tradução de Pedro Debrigode
Primeira edição de julho, 1985
© Éditions Robert Laffont, S. A., 1977
© 1982, PRAÇA & JANES EDITORES, S. A.
Printed in Spain — Impresso na Espanha

ÍNDICE

Prólogo 2

PRÍMI-HISTÓRIA 6
Capítulo primeiro3
Capítulo II 23
Capítulo III 33
Capítulo IV 43
Capítulo V 51
Capítulo VI Destino não encontrado!
Capítulo VII Destino não encontrado!
SUPRANORMAL 86
Capítulo VIII 86
Capítulo IX 98
Capítulo X Destino não encontrado!
INICIAÇÃO 99
Capítulo XI 112
Capítulo XII Destino não encontrado!
Capítulo XIII 140
Capítulo XIV 149
Capítulo XV 162
APOCALIPSE 140
Capítulo XVI 164
Capítulo XVII 164
O ESTRANHO 190
Capítulo XVIII 190
O DIÁRIO LUMINOSO DO CÉU 194
Capítulo XIX 194
Capítulo XX 200
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O homem honrado é aquele que luta contra o esnobismo do embrutecimento,
do conformismo e do inconformismo, contra as religiões, as instituições, as
falsas liberações e os valores duvidosos impostos pelas máfias político-
religiosas.
O homem honrado é aquele que, com freqüência, se encontra muito só.
É necessário desmitificar a História dos homens tal como nos foi contada pelas
conjuras de contra-verdade.

Prólogo

Os sinais luminosos que se crêem ver no céu, os textos insólitos gravados nos
pampas do Peru, do Chile e sobre as colinas da Inglaterra não são os típicos
enigmas que suscitam nossa curiosidade.
Conheces o imenso geoglifo, uma roda perfeitamente circular de vinte rádios
perfeitamente retos, que se vê do avião quando se sobrevoa a região de Béziers?
Ouviste falar da misteriosa cidade de Brion enterrada sob as cepas de Santo-
Estefânio, na Gironda, das cidades subterrâneas de Naours, de Besse-en-
Chandesse, da cidade submersa de Rochebonne perto do vulcão que ameaça
surgir no litoral da ilha de Yeu?
Conheces:
— As medicines wheels (rodas curadoras) do Canadá?
—O museu secreto de Jaime Gutiérrez, em Bogotá, análogo ao de doutor
Cabrera?
— O enigmático povo cariba que, antes de abandonar nosso planeta, operava
cirurgicamente ao estilo dos curandeiros filipinos?
— O efeito Girard: Torcer uma barra de aço só por meio do pensamento?
— Os universos da anti-física, onde tudo é possível: Voar, levitar, passar através
das paredes, desdobrar-se, etc.?
— O gerador de azar: Um pedaço de matéria mais inteligente que um sábio
catedrático?
Queres penetrar mais adiante nos meandros do labirinto esotérico?
Leste o mais iniciático, o mais formoso conto cósmico imaginado pelo Velho do
deserto de Kuch: O feiticeiro da cidade de Luz?
Queres saber por que a França é cem vezes mais poderosa que URSS e Estados
Unidos no plano atômico? E como poderia aniquilar as duas super potências?
Queres ter a certeza, as provas de que a biblioteca pré-histórica do doutor
Cabrera é tão autêntica como a impostura daqueles que a contestam?
Robert Charroux fez pra ti uma relação dos últimos mistérios conhecidos de
nosso globo, as últimas mensagens deixadas pelos Antepassados Superiores
cuja civilização precedeu à nossa.
Poucos especialistas viram e interpretaram todo o insólito que Robert Charroux
descobriu, não garimpando nas obras de seus colegas ou mediante compilação,
senão indo ao próprio sítio, como de costume.
E, nos arquivos de outros mundos, nos convida a saborear essas investigações
dedicadas a todos os amantes do misterioso e do ignoto.
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YVETTE ARGAUD
PRÍMI-HISTÓRIA

Capítulo Primeiro

AS CIDADES ENTERRADAS DA FRANÇA, BÉLGICA E LUXEMBURGO

O mistério está em toda parte, desde o coração da galáxia ao centro ainda


inviolado de nosso planeta. Está aqui mesmo onde nos encontramos, com
universos interpenetrantes, não apreensíveis para a maioria de nós, nos rodeia
sobre a terra e nos submerge no mar com os reinos invisíveis, e as cidades
enterradas, engolidas.
Os homens têm olvidado com freqüência, seus nomes, mas as ruínas recobertas
pela água, as algas, as ervas marítimas ou a areia movediça da ribeira, exalam
sempre, como em reminiscência, lembranças e imagens que recolhem as
tradições.

AS CIDADES SUBMERSAS DE BORDÉUS

«Faz 1.500 anos, diz nosso amigo-correspondente Guy Laclau*, antes dum
cataclismo que transtornou a região sudoeste de França, o estuário da Gironda
apresentava uma geografia muito distinta da que conhecemos».
A costa era muito recortada, salpicada de numerosas ilhas e, ali onde se
encontra o estuário, se estendiam planícies pantanosas e malsãs.
Os povoados estavam construídos sobre as terras altas ou sobre os alicerces
rochosos nas proximidades da trilha pré-histórica Mediterrâneo-Oceano que
conduzia aos locais do sílex, do sal e depois ao cobre ou ao estanho.
Bordéus, capital dos bituriges vivisci, com o nome de Burdigala, tomava já um
grande auge como o demonstram os relatos do astrônomo grego Cláudio
Ptolomeu e as medidas das estradas da tábua de Peutinger.**
Quanto aos bituriges vivisci, se consideravam os reis do mundo celta, e
praticavam, segundo se diz, o azougamento com prata e enviavam o estanho
bretão às regiões meridionais.
Por conseguinte era perfeitamente lógico que cidades-etapas se situassem todas
ao largo das vias terrestres e marítimas Burdigala-Royan pra remontar
seguidamente até Saintes, Rochefort, Chátelaillon, La Rochelle, Les Sables-
d'Olonne, Nantes, Le Baule e o país de Armor.
Duas dessas cidades deixaram lembrança duradoura, apesar de que em nossos
dias se encontram enterradas pela areia e o lodo da Gironda: As cidades de
Brion e Pampeluna.

A CIDADE DE BRION

 Essai sur deux ports antiques de vestuaire de la Girónde (Ensaio sobre dois antigos costumes de
vestuário da Gironda), de Guy Laclau, segundo os arquivos da Sociedade arqueológica de Bordéus.
 A tábua de Peutinger, que está datada do século XV, é um valioso mapa-itinerário do império romano,

devido ao geógrafo-antiquário alemão Conrado Peutinger (1465-1547).


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A cidade-mercado de Brion, mencionada no século II de nossa era, estava
construída na altura do pântano seco de Vertheuil, entre Lesparre-Médoc e
Saint-Laurent, a 5km do estuário.
O Boletim da sociedade arqueológica de Bordéus, partindo de mapas antigos,
revela que na parte central do lugar mencionado se viam ruínas conhecidas pelo
nome de cidade de Brion.
Leo Drouyn, em 1853, reconheceu os muros construídos com pequena
ferramenta e lavrado na cidadela de Brion, mas outros arqueólogos vêem neles
um teatro romano remontando ao Alto Império (séculos I e II).
É possível que a cidade de Brion tenha sido elevada entre Cadourne e Santo-
Estefânio, 2km ou 3km mais ao nordeste, onde foi posta a descoberto no século
XIX uma fortaleza que é, provavelmente, a de Leo Drouyn.
Brion possuía um porto sobre o rio Gironda, já que foi nele, em 848, onde os
normandos atracaram seus navios pra ir tomar Bordéus por via terrestre.
Até Cadourne e São-Germano-d'Esteuil, se encontraram restos de aglomeração,
de ossamentas humanas e de importantes vestígios romanos.

A SENHORITA DE BRION

Certamente, lendas, sem fundamento mas muito bonitas pra ser contadas,
foram inventadas sobre a cidade de Brion e têm, ao o menos, o mérito de
perpetuar a lembrança dum porto antanho importante e relegado, pouco a
pouco, ao interior das terras pelos despejos de aluvião.
Há um bom número de séculos Brion via o curso do rio se afastar pouco a
pouco de suas muralhas.
Naquele tempo um honrado mercador morreu deixando uma sucessão bastante
embrulhada e dívidas que obrigaram Elina, sua filha única, a vender o armazém
e as diversas terras que formavam parte da herança.
O credor aproveitou a inexperiência de sua devedora pra recuperar dez vezes o
que havia emprestado mas lhe deixou, simulando magnanimidade, uma estreita
faixa de pântano que se estendia ao largo do rio durante mais duma hora de
posta de cavalo: Duas mil toesas (4km).
— Filha minha, eis aqui terrenos que representam um excelente ponto de caça.
— Disse a sua jovem vítima — Os patos e as galinholas abundam chegada a
temporada!
Elina não compreendeu a ironia* do comentário já que demasiada preocupação
habitava sua formosa cabeça.
Dissemos que a jovem era bonita, muito bonita?
No entanto teve que ganhar a vida, duramente, trabalhando aqui e ali, se
contentando a miúdo em cear com sopa de pão. E os moços de Brion não lhe
prestavam atenção, dado o muito pobre que era.
Contemplando a água do Gironda deslizar até o mar, se comprazia, às vezes, em
sonhar:

Galinhola significa, também, cabeça de paturi (pessoa muito tonta ou distraída), perua. Paturi é uma
espécie de pequenos patos de arribação.
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— Ah! Se eu fosse rica algum belo rapaz da cidade se daria conta, seguramente,
de que sou bonita sob meu cabelo mal penteado e meu caparazão1 de barro.
Elina, que vivia numa cabana edificada em sua marisma, ia cada vez menos à
beira do rio, cujas ribeiras fugiam até o sol nascente a uma incrível velocidade.
Antanho a cabana estava a algumas toesas do Gironda. Agora distava mais de
50 pérticas de arpende*, o qual era uma boa ganga para a jovem que já não
chafurdava na lama ao ter consolidado as terras.
Passaram alguns anos.
Elina estava, então, em plena beleza, já que havia podido arrendar terras pra
vinhedos e pra pasto, havia feito construir uma casinha e, não habitando já um
feudo de barro e charco, podia se dedicar a se assear muito cuidadosamente.
E o Gironda retrocedia, retrocedia incessantemente, até o ponto que um dia
Elina não pôde ver os limites de sua propriedade. Se havia convertido no partido
mais rico de Brion.
Em tal condição se permitiu ao luxo de se casar com o capitão da fortaleza,
voltar a comprar a casa de seu pai e levar à ruína o credor desonesto.
Uma vez Deus havia recompensado a virtude!
Deus ou a Natureza benfeitora.
Ou, mais exatamente, os caprichos do vento e das correntes do rio. Mas o certo
é que a cidade de Brion era, antanho, um porto que agora dormita sob as ricas
terras do Medoque, muito perto dos vinhedos de Santo-Estefânio, um dos mais
reputados da França.

DOZE CIDADES SEPULTADAS NO SUDOESTE

Sobre a outra ribeira do Gironda a via romana de Burdigala se divide em Saint-


Ciers em direção a Santonum, Saintes, e a Novioregum que, se presume, é a
antecessora de Royan.
«O hino militar dos babinotes, a 2km de Saint-Ciers, lembra que Trajano fez
reparar a estrada no ano 98», escreveu Guy Laclau.
Nesse lugar, muito provavelmente no sítio denominado Pas-d'Ozelle, se erigia,
antanho, a cidade de Pampeluna, rival de Brion e, como ela, situada, então, a 1
légua (4km) do rio.
Pampeluna foi misteriosamente destruída quando da guerra dos Cem anos,
segundo se disse, e seus vestígios desapareceram sob o aluvião ou foram
arrasados pela lâmina e relha dos arados.
Uma capela subsistiu até o século passado2. Um lavrador teria desenterrado um
altar... subterrâneos sulcariam o subsolo: A lenda há muito tempo devora a
lembrança de Pampeluna.
Uma instigante questão aos historiadores locais: O que era Noviomagus e onde
se situava essa cidade antiga assinalada por Ptolomeu no século II sobre a
latitude e a longitude de Santonum?
Seria, acaso, Saintes?

1 Antiga armadura de cavalo


 A pértica de arpende media, aproximadamente, 6,5m.
2 O século XIX

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Os historiadores Galy-Aché, Leo Drouyn e Claude Masse identificam
Noviomagus com a cidade de Brion mas nosso colega Robert Colle** é mais
prudente quando escreve: «Cidades romanas certo é que desapareceram
totalmente: Onde encontraríamos, agora, Noviomagus, a Novioregum do
itinerário de Antonino e o Portus Santorum?»
Seria, acaso, o Fá, Royan, os terraplanos de Tolón, a enseada da ilha de Aix ou,
mais provavelmente, a desembocadura do Seudre?
Tomando por referência a Robert Colle, podemos situar, aproximadamente, uma
dezena de cidades antigas enterradas no Sudoeste:
— Virson, submersa no mar ou sepultada na região de Aigrefeuille-d'Aunis.
— Montlion, perto de Bédenac.
— Gana ou Gériot, em Suzac na desembocadura do Gironda.
— Tamnum ou Lamnum na tábua de Peutinger, no Fá-de-Barzan.
— Olipe, enterrada perto de Soulac, na altura da bóia das olivas.
— Nossa-senhora-de-Buze, perto da Tremblade, cuja igreja estava enterrada em
1565, posto que o cronista Elie Vinet entrou nela fazendo uma abertura no teto,
já que o resto do edifício se encontrava sob a areia.
O altar de Nossa-senhora-de-Buze foi levado à igreja da Tremblade. Em 1968 a
cidade e sua igreja já não eram mais que uma lembrança apagada pela areia da
duna.

O SINO SOB O MAR EM CHATELAILLON

Montmélian se erigia, antanho, sobre o pedregal das Mannes, entre a ponta de


Chátelaillon, Fouras e a ilha de Aix. no século XV se podia chegar até lá a pé na
baixamar. Sua ruína emerge hoje quando se apresentam as grandes marés.
Era, sem dúvida, uma antiga Mediolanum dos celtas (Ianwn: terra santa =
campo-santo).
Fortaleza defendida por catorze poderosas torres, Montmélian desapareceu
completamente no transcurso das tempestades de 1709.
Robert Colle escreveu que no momento «em que a igreja se desmoronou na
Casse-au-Prieur, o sino estava tão ajustadamente encaixado entre duas rochas
do Petit-Coivre que não pôde ser atirado».
Ainda se a poderia ver quando a água estava clara, e a lenda pretende que soe
quando se aproxima tempestade.
O cartógrafo Masse, em seu Mémoires, relata o seguinte sobre a antiga
Chátelaillon:
Júlio César fez construir ali uma cidade e uma fortaleza ocupada, então, por
uma guarnição. A cidade foi chamada por seu nome, Castrum Julii, e se
menciona num mapa de 1152 que outros a chamavam Castrum Aquüarum ou
Chateau-d'Aiglon. Mas se sustenta que o verdadeiro nome com que foi
designada fora o de Castrum Aquile porque os romanos arvoravam ali suas
águias.

Contes et légendes d'Aunis et de Saintonge (Contos e lendas de Aunis e de Saintonge), de Robert Colle,
edições Rupella, A Rochela, 1965.
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Em 1680 se viam, ainda, vestígios das torres, das muralhas e dos fossos que
limitavam a cidade pelo lado de terra.
Em 1688 vi os vestígios duma grande torre do lado norte, os duma cortina
militar e de outra torre com muros de ótima alvenaria.
Existem indícios aparentes de que o castelo era a entrada da ilha e que o porto
estava do lado do mar a Oeste. Do lado de terra havia, ainda, nove casas sobre
o borda dos fossos e uma pequena igreja distante, aproximadamente, 100
toesas da costa (200m).
»Uma igreja existia, antanho, no castelo, ao lado do mar, posto que o senhor
barão de Chátel-Aillon disse a pessoas fidedignas que um camponês lhe
comentou que seu avô se havia casado na igreja que estava perto da ilha de
Aix».

A MISTERIOSA ANCHOINE

Devemos a Jean-Louis Peyraut de Saintes uma interessante documentação,


segundo François-Lucien A-bruyére* sobre a cidade de Anchoine ou Anchoisne
que existia, antanho, perto do atual Royan.
Anchoisne era um porto construído por marinheiros fenícios na região dos
Santons e seu nome procederia de seu chefe, Sanchoniate.
A cidade foi, mais tarde, ocupada pelos cimérios (antigo povo das ribeiras do
mar Negro).
Por causa da penetração romana os habitantes de Anchoisne fizeram uma
invocação, diz a lenda, a uma sacerdotisa de Teutates, enamorada dum
galhardo mancebo que rechaçava suas insinuações, já que amava uma rival
chamada Silvana.
Para satisfazer sua vingança a sacerdotisa persuadiu o povo de que o deus, em
pagamento a seu bom trabalho, exigia um sacrifício humano (o qual era
contrário aos princípios religiosos dos celtas).
Como era de esperar, Silvana foi designada ao holocausto e a imolaram sobre
um dólmen, o que irritou tanto ao bom Teutates que submergiu Anchoisne sob
o mar.
Essa lenda simbólica relata, muito provavelmente, eventos de caráter ecológico:
O bosque (silva) destruído em proveito dum porto, as dunas de areia que não
estando mais contidas pelas raízes das árvores foram minadas pelo mar. E,
finalmente, o porto, a cidade inteira, engolidos pelo oceano.
J.L. Peyraut situa Anchoisne sob Royan.
O historiador Robert Colle toma por referência os Atinóles d'Aquitaine (1646):
«Uma cidade de Anchoisne ou de Anseune teria existido na época de Carlos
Magno, que perseguindo os sarracenos e seu príncipe Eigoland, teria se
apoderado dela no ano 800 e dado a Garin».
A crônica menciona que os mouros, após ser expulsos da ilha de Olerón pelo
imperador da barba florida, foram buscar refúgio em Anseune, mas esse
acontecimento não está comprovado pela História.

A la recherche de la Saintonge (Busca a Saintonge), de Francois-Lucien La-bruyére, editado pelo autor.


Essa lenda já foi relatada em 1898 em Une gerbe de légendes, de Avore.
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O engenheiro Claude Masse informa que no princípio do século XVIII descobriu
os vestígios de Ensoigne, antanho cidade importante, situada sobre a costa
norte na desembocadura do Garona.
Graças a uma tempestade que transtornou o litoral de duna, viu vestígios de
fosso e resto de telha e de ladrilho.
O lugar estava situado, aproximadamente, a 2km a sudoeste do castelo de
Saint-Palais, o qual colocaria Anchóme em pleno mar.
Cabe pensar que Masse cometeu um lapso e deveria escrever corretamente
noroeste colocando, desse modo, a cidade desaparecida num lugar possível: Ao
sul dos bosques dos Combots, até a Grande-Côte.
Camilo Julião situava Anchoine no vale do Seudre, perto da Tremblade, e o
cavaleiro de Longueville, em 1747, opinava em pró do bosque da Coubre ou a
ribeira do Musdeloup.
Há de fazer ressaltar que, diante de Ronce-les-Bains (diante de Marennes), se
chamam fundos de Anchoisne uns bancos de areia do litoral.
Robert Colle destaca, ainda, no florilégio das cidades enterradas, o nome de
Lussac, na Gironda, e acrescentaremos a Ville d'Asnois, no sul do departamento
de Vienne onde, na ocasião do recuo de água, foram postos a descoberto
importantes calçamentos de rua.
HERBADILLA COMO SODOMA!

Os historiadores não estão de acordo em situar Herbadüla, a antiga capital gala


do país de Herbauges, no Bas-Poatu.
Como a cidade de Ys, como Sodoma, Herbadilla teria sido sepultada (no lago de
Grand-Lieu?).
No século IV toda a comarca entre Loire e Sévre Niortaise era chamada pagus
Herbadilla, o país de Herbauges.
Como, quase todas as religiões, o cristianismo estabeleceu sua notoriedade
sobre falsos milagres e falsos santos cuja autoridade impressionava, antanho, a
pobre gente.
O bom são Martim é a exceção da regra: Não conseguiu converter os habitantes
de Herbadilla e, desanimado ante suas burlas, abandonou a cidade pedindo a
Deus que os castigasse por sua barbárie.
Apenas havia dado alguns passos fora da cidade quando a terra se entreabriu
repentinamente e o mar, alçando suas ondas, cobriu os remates das altas
muralhas e dos templos da cidade, engolida mais rapidamente do que se possa
expressar com palavra.
Ante essa visão o santo homem, acometido por profunda dor, decidiu
abandonar o mundo e se retirar a um vasto deserto...» que encontrou em
Vertou, junto à ilha de Olonne!
Na Histoire des sables-d'Olonne, tomo 1-1975, se lê que a cidade desaparecida
de Bélébat poderia estar situada perto de Olonne, onde a fotografia aérea revela
traçados de cidade.
Para o historiador local Cyrille Delaire não cabe dúvida que as ruínas de Bélébat
estão sob a areia no fundo do antigo estuário do rio Raniette, em São-Vicente-
sul-Jard, perto do museu Georges-Clemenceau.

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Mais ao norte, no Loire atlântico, se fala de Es-coublac, povoado olvidado e
recoberto pelas dunas, perto da Baule.
Em Anjou o povoado de Arcy teria sido submerso pelo Loire e sua lembrança
estaria perpetuada pelo nome duma aldeia próxima: Gué-d'Arcy, no município
de São-Martinho-de-La-Place, no Saumurois.
Outra cidade igualmente sepultada, diz a lenda, foi a de Conquereuil, ao sul-
sudeste de Redon.

A ILHA DE YEU DESAPARECERÁ...

Os habitantes do Poatu falam de novo de Roche-bonne e de sua cidade


enterrada sobre a meseta rochosa, submersa em nossos dias, mas que, antanho
se unia à Chaume (Les Sables-d'Olonne) pela ilha de Yeu e os rochedos das
Barges.
Louis Papy, em sua obra Entre Loire et Gironde, relata que, com ocasião duma
época glacial, o mar se retirou muito longe e seu nível desceu até menos de
50m. Acrescenta:
«Foi o período da famosa Atlântida que ficou submersa quando o gelo se fundiu.
O mar voltou a ocupar uma parte de seu antigo espaço e da Atlântida subsistiu
somente uma ilhota que os navegantes da Idade Média, Garcie Ferrande o
assinala em seu Grana Routier, pretendem ter conhecido sob o nome de ilha de
Orcânia. Entre o atual continente e a ilha de Yeu a terra se desmoronou
deixando como testemunho as pegadas da calçada gigante do Pont-d'Yeu, perto
de Nossa-senhora-dos-Montes, que o mar descobre, ainda, na maré mais
baixa».
A cidade enterrada de Rochebonne está sobre uma meseta profunda de 200m
com um abrupto alcantilado que desce até 3.000m. É um refúgio pra peixe,
muito cobiçado pelos pescadores marítimos de Sables apesar das violentas
correntes que ali causam estrago.
É nesse lugar quando, em 26 de fevereiro de 1976, um barca da armada
nacional observou um curioso fenômeno: Durante um mar revolto uma
superfície calma, de 50m a 80m de diâmetro, se desenhava por sua
transparência azul clara.
Peixes mortos flutuavam na superfície e, no centro da zona, se distinguia
nitidamente uma poderosa coluna de bolha que parecia proceder dum fundo de
3.000m.
Localização: 46° 39’ 00" N e 05° 28' 20" O, ou seja, a uns 25km ao oeste-sul de
Yeu.
Se pensa que essa fase gasosa do fenômeno poderia anunciar o próximo
nascimento dum vulcão submarino ou duma linha de cicatriz de fratura
terrestre.
Não é mais que uma hipótese mas inquieta os habitantes da ilha já que uma
tradição diz: Quando Rochebonne reaparecer a ilha de Yeu desaparecerá!

VIEUX-POATIÊ E O MENIR COM INSCRIÇÃO

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Sobre a mesma latitude, mas mais a leste, a 5km oeste-sudoeste de
Chátellerault, entre Naintré e o rio Vienne, outra cidade desaparecida expõe um
enigma histórico: Vieux-Poatiê.
Nesse lugar, há cerca de 2.000 anos, se elevava uma cidade importante como o
atesta o resto do que era um anfiteatro numa aglomeração galo-romana.
Era a altura do Poatiê galo?
A cidade estava, ainda, habitada no ano 742, data na qual os dois filhos de
Carlos Martel, Pepino e Carlos Magno, repartiram entre si o império franco.
Se vêem, ainda, vestígios de casas e uma muito alta fachada de muralha de
pequena envergadura lavrada com arcadas e uma porta monumental, com uma
altura de 6m a 7m.
A uns 200m um valioso menir realça a antiguidade céltica do lugar e possui
uma das raras inscrições galas que se têm conservado.
Se lê a frase seguinte gravada na pedra: Ratn-brivation Fronty Tarbeilnios iev,
que significa: «Tarbelino consagrou perto da ponte este monumento a Frontus».
Desgraçadamente os anos apagam as lembranças mais emotivas. Raros são os
que vão ver o menir e ninguém sabe, já, se Vieux-Poatiê, a cidade olvidada, foi a
primeira capital do Poatu.

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YS, A CIDADE SUBMERSA

Há séculos e séculos as lendas, inclusive com base histórica, não se preocupam


com a exatidão das datas,* a poderosa cidade de Ys ou de Is, em Bretanha,
alinhava suas altas muralhas à borda do oceano mas, provavelmente, a um nível
inferior ao das grandes marés.
Por esse motivo, um dique monumental com uma eclusa com portas de bronze
a protegia da invasão da água.
Uma frota fundeada no porto e no interior das muralhas, cem cobertura de casa,
de palácio e de templo se dourava ao sol do Ocidente.
Sim, era uma formosa cidade, tão formosa que, por despeito, Lutécia3 havia
trocado seu nome pelo de Par-Is (igual a Is). É o que diz a tradição.
Gradlon, primeiro rei da Cornualha, enquanto soberano e guardião da cidade,
levava, noite e dia, suspensa por uma correntinha no pescoço, uma chave de
ouro dentada e gravada com arabesco misterioso que abria e cerrava as portas
de bronze, defesas eficazes contra o perigo do oceano**.
Em resumo, embora rodeada de perigo, Ys teria sido uma cidade feliz se, como
no Paraíso, a Serpente e Eva não tivessem vindo trazer o fermento de
dissolução.
E dissolução é exatamente a palavra, porque em memória dalgum armoricano
(bretão) jamais criatura dissoluta, perversa pôde rivalizar com a bela e sedutora
Dahut, filha do rei.
De fato, essa maravilhosa princesa, segundo uma tradição cristã, descendia de
Lilite, a querida do bom Adão (outros dizem sua virtuosa esposa...).
Seu prazer favorito no dia, segundo outras fontes, era buscar inspiração na
landa onde pululam os menires faliformes.
Porque, em todos os tempos, Armor foi colocada sob o signo do amor carnal e
da virilidade.
Se nossas bonitas bretãs do século XX têm o sangue ardente e são atrativas,
sua muito antiga terra de pedra com cúpula e de menir não é alheia a isso.*
E Dahut se impregnava, durante o dia, dos eflúvios eróticos da landa pra se
liberar, sábia e perfidamente, durante a noite.

A CIDADE DE EN-BAS

 A imersão de Ys remonta ao final da idade de Bronze, há 4.000 anos, ou ao século IV ou V de nossa era.
Alguns opinam que a lenda evoca a desaparição da Atlântida.
3 Antigo nome de Paris
 La Bretagne des druides, des bardes et des légendes (A Bretanha dos druidas, dos bardos e das

lendas), de Alexandre Goichon. Edições O. L. Aubert, Saint-Brieuc, 1930.


 É preciso estabelecer uma relação de influência entre os homens dos megalitos, o altar de pedra em

forma de taça vulvar e os menires esculpidos pra representar falos. A arte sagrada dum povo é
representativa de seu pensamento, de sua aspiração, de sua inibição e de sua libido. A relacionar também
aos cultos eróticos de Khajuraho e de Konarak, na Índia, da África negra, e ao culto à castidade entre os
cristãos e os judeus.
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Se aceita, mais geralmente outra versão, que é a dos escritos tradicionais muito
antigos.** O rei Grad Ion teria encontrado nos países do norte uma rainha de
maravilhosa beleza: Malgwen, rainha do mar, que trouxera consigo até a
Cornualha.
Durante a travessia, a bordo do barco, Malgwen, antes de morrer de parto,
parira a pequena Dahut.
O rei depositou todo seu amor na princesa e, a pedido dela, fez construir pra ela
a grande cidade de Ys, cujo alicerce se encontrava nitidamente sob do nível do
oceano.
Ys era, pois, segundo a expressão de Jean Markale, uma cidade de En-Bas (de
Baixo) e Dahut podia se engalanar com o título de Rainha do Mar.
As sereias, oceânides e outras criaturas do reino marinho jamais tiveram muita
reputação de castidade, mas Dahut, mais que elas, mais que Messalina, se
distinguia por sua sede de luxúria e convertera toda a cidade à vida de
desenfreio e de orgia.
Em cada noite um criado musculoso lhe trazia, pra servir a seu prazer real, um
belo moço eleito na alta sociedade ou entre o povo.
O amante devia acudir mascarado pra preservar sua identidade, segundo lhe
diziam, e Dahut se encarregava, seguidamente, de lhe proporcionar a mais
louca, a mais perversa, a mais inesquecível noite de amor.
Pouco antes da aurora o criado musculoso vinha tomar a seu cargo o
companheiro de prazer de sua ama e, no momento de lhe recolocar a máscara,
atuava tão torpemente e com tanta brutalidade que o desgraçado caía morto,
estrangulado, a seus pés!
Só faltava, em seguida, atirar o cadáver ao abismo dos montes de Arrez, perto
de Huelgoat.***
De fato, Dahut era uma criatura do Destino engendrada pra que se realizassem
os escuros desígnios dos quais o homem não tem consciência e estava escrito
que, nascida sobre a água, regressaria a seu elemento natural porque sua mãe
era, provavelmente, uma oceânide.
Essa é a razão pela qual, numa noite de festa, enquanto o vinho esquentou sua
imaginação, Dahut experimentou o desejo imperioso, independente de sua
vontade, de fazer de Ys uma cidade verdadeiramente submarina.
Desse modo, como sua mãe, a bela Malgwen, se converteria em Rainha do Mar
e teria por reino e capital uma cidade incomparável.

DAHUT ABRIU AS PORTAS DE BRONZE

Depois daquela festa em que todo mundo bebera mais que de costume Dahut
entrou suavemente, descalça, ao quarto de seu pai e lhe furtou as chaves das
quais dependia a proteção da cidade.

 O eminente erudito Jean Markale, em seu livro Les celtes (Os celtas), edições Payot, 106, Bd. São
Germano, Paris, 1969, cita Le lai de Graelent-Meur (O poema de Graelent-Meur), de Marie de France, Le
mystére de saint Gwénnolé (O mistério de são Güenole) (século XVI) e A vie des saints bretons (A vida dos
santos bretões), de padre Alberto o Grande (século XVIII) que contaram a lenda introduzindo nela a
temática cristã habitual em seu tempo.
 A princesa de Ys, diz a tradição, tinha um castelo na borda do precipício. Era o castelo Ghibel, cuja

ruína desapareceu no século XIX.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Hersart da Villemarqué, narrou a continuação nos termos seguintes:
O rei dorme, dorme o rei. Mas um grito se elevou na planície. A água foi solta. A
cidade está submersa!
— Senhor, levantes. A cavalo. E longe de aqui. O mar transbordado rompeu os
diques!
Maldita seja a branca jovem que abriu, depois do festim, a porta do poço da
cidade de Ys, essa barreira do mar...*
Gradlon, que ignorava tudo referente à causa do desastre, encilhou seu cavalo
Morvach, subiu sua filha à grupa e galopou em direção a terra firme.
Furioso e mais rápido, o oceano o perseguiu e suas ondas lamberam os cascos
do animal e, depois, as botas do ginete.
A cidade, após ele, com seus palácios suntuosos e suas naves inumeráveis, não
era mais que uma horrível solidão eriçada de ondulação espumosa. O rei fugiu
na noite...
— Mais depressa, pai meu! — Gritou Dahut, repentinamente aterrorizada — Mais
depressa. O mar nos alcançará!
Mas Morvach não pôde galopar mais rápido e a água subiu até seu peito.
Então uma voz terrível se deixou ouvir:
— Rei Gradlon, se não queres perecer agora, abandones o demônio que levas na
grupa porque é ele quem abriu as portas de bronze!
— Mais depressa, pai! — Suplicou Dahut.
Mas seu destino deve se cumprir. Suas mãos se desprenderam e caiu ela nas
ondas que, satisfeitas, se apaziguaram.
Os habitantes de Poulvid (Douarnenez) ensinam, hoje, o lugar onde a impudica
desapareceu na água.
Tudo se consumou, tudo voltou à ordem: O rei pôde se apear em terra firme
armoricana. Ys já não é mais que uma lenda ou um reino submerso do qual é
Dahut a soberana.
— Ela não morreu. — Dizem os pescadores bretões quando relatam a lenda na
noite junto ao fogo do lar.
Se convertera numa morgana, uma sereia do mar, de beleza fascinante e fatal.
Aquele que tem olho pra ver a avista nos meio-dias ensolarados, penteando seu
largo cabelo dourado no vão das ondas ou sobre o escolho.
Aquele que tem ouvido pra ouvir percebe, nas noites de tempestade, sua
chamada apaixonada ascender desde a treva dos arrecifes.
Aqueles que cedem a seu convite dormem pra sempre em seu mortal abraço.
Pescadores dizem que, nas noites sem lua, ouvem os sinos de Ys tocando a
morto na cidade submersa.

ATLANT-IS?

Se localiza a altura da cidade de Ys em vinte ou trinta lugares. Às vezes no mar,


às vezes sobre as ribeiras, inclusive no interior das terras, o que demonstra que
o reino sepultado se estendia sobre vasta área.
O menir da Thiemblaye, comuna de Saint-Samson-sur-Rance (Côtes-du-Nord), é um dos três tampões do
Inferno e uma das três chaves do mar. Se se girar o menir se produzirá um dilúvio.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Quiçá desde Groenlândia até as ilhas Canárias e desde Espanha até Terranova!
Nessa opção Ys teria sido a capital de Atlant-Is, o que não é desatino.
Pensamos que uma sucessão de mitos se superpuseram pra se converter na
lenda que conhecemos.
Certo é que existiu a Atlântida, cremos firmemente nisso, mas é mais certo
ainda que há 12.000 anos maremotos, extensos desabamentos de terreno,
cheias ou vazantes do mar modificaram consideravelmente o perfil das costas
atlânticas.
É certo que Brouage, no Charente-Marítimo, era um porto no século XVII e que o
mar, mais antigamente, submergia as comarcas de Aunis, a Saintonge e o Sob-
Poatu.
Se vê sobre a ilhota de Er-Lanic, no golfo de Morbiã, perto de Gavrinis, um duplo
cromeleche do qual uma parte está imersa, o que é uma clara prova de que faz
uns 5.000 ou 6.000 anos, o Atlântico tinha um nível muito menos elevado.
Inversamente, ao capricho da geodinâmica, se crê saber que várias vezes o mar
se retirou até descobrir, ademais da meseta de Rochebonne, a Grã-Bretanha e a
Gália que estavam unidas por terra há 10.000 anos.*
Em resumo, esses acontecimentos, esses dramas apocalíticos que se produziam
a intervalos cíclicos impressionaram tanto a imaginação que a lembrança ficou
indelével mas emaranhada em afundamentos marítimos e transbordamentos
terrestres.
Segundo a crença geral a cidade de Ys está situada na baía de Audierne, entre
Plozevet e Saint-Guénolé, ou na baía de Douarnenez no litoral de Cap-Sizun.
Segundo os habitantes de Peumérit, se teria submergido perto desse povoado,
numa espécie de enorme pantanal.
A situam também em Pouldreuzic, entre Lesvidy e a baía de Audierne; na baía
dos Defuntos, na laguna de Laoual; em Cléden-Cap-Sizun; em Trouger onde
uma grande quantidade de construções antigas foi posta a descoberto e onde se
mostra uma velha muralha chamada Moguer-Guer-a-Is.

PASSEIO NAS RUAS DE YS!

Em 1884 P. Parize, professor no instituto de Mor-laix, publicou um artigo


intitulado A variação do nível do solo da Bretanha, onde constavam declarações
de mergulhadores que o capitão Guérin, da ilha de Batz, empregava pra pôr a
flutuar barcos na água bretã. Declaravam:
«Se podia passear nas ruas da velha cidade ainda assinaladas por fachadas de
muro derrubado. Se encontravam também alamedas traçadas na base dos
troncos enegrecidos».
Um deles afirmou vira uma escada muito elevada e ainda sólida subindo a uma
dezena de braças do fundo do mar.*
São dignos de crédito esses relatos? Cabe a dúvida.
Em fevereiro de 1923 um maremoto descobriu sobre a praia de Tresmalaouen,
ao noroeste de Douarnenez, várias centenas de árvores: Carvalho, bétula, olmo,

Parece mais que Rochebonne ficou sepultada por desabamento do terreno.


Relatado pela revista L'ere d'aquarius (A era de aquário), 29, rua des Jeüneurs, 75002 Paris, de autoria
de Yves Tanneau.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
meio fossilizados e todos tombados, com as ramas até terra firme e as raízes
dirigidas mar adentro.
Se encontraram também os blocos de cimento, em calhaus unidos com
argamassa, de trinta casas situadas entre a ponta de Lanévry e a ponta de Pen-
Karec.
Merece ser observado também que a 2km ao sul de Tresmalaouen, se estende a
praia do povo de Ris que, em bretão, se chama Ker-Ris (ou Ker-Is), o qual é
igualmente a denominação local prà cidade de Ys.
Antanho a capital do rei Gradlon era Carhaix, que se pronunciava Kerais ou Ker-
a-Is. Havendo adquirido terras até Douarnenez, as denominou Douar-an-Nénez
(as terras da ilha), sendo tomada a ilha como lugar de referência, naturalmente
(?).
»Os indígenas em relação com o pessoal do rei chamaram ao lugar Ker-A-Is,
apelo que não foi homologado pela administração. E, naturalmente, Ker-A-Is
ficou submersa».

QUANDO YS SURGIR PARIS PERECERÁ

Cremos haver escutado dizer ao escritor Pierre-Jakez Helias que existia também
uma cidade de Ys em Lanhelin (llle-et-Vilaine). Nos cafés do povo se conta a
lenda dessa cidade chamada das bonitas peles porque estava habitada por
mulheres transparentes.
Quando bebiam vinho se lhes via descer pela garganta.**
Desde logo às lendas de cidades submersas iam sido enxertados mitos morais e
religiosos: Castigo do céu aos habitantes por sua impiedade, seu egoísmo ou
sua maldade.
É a história de Sodoma e de Gomorra que começa, a menos que o final da
Atlântida ou da cidade de Ys não tenha inspirado o das duas cidades da
Palestina.
O mesmo mito é reencontrado com Vinheta submersa no mar Báltico, não longe
da ilha alemã de Wollin, perto do estuário do Oder.
Com boa vista se poderiam distinguir os telhados e campanários de Vinheta no
fundo d’água e, no domingo na manhã, com bom ouvido, se podiam escutar os
sinos de suas igrejas!
Os habitantes teriam sido castigados por sua avareza e sua impiedade. No
entanto, não podem morrer e sua cidade é eterna!
A cada cem anos, durante a noite, emerge dágua e revive em todo seu
esplendor durante uma hora. Depois regressa ao abismo durante um século.
Vinheta poderia ser liberada do castigo que a afeta se um mercador da cidade,
ao reaparecer sobre a água, recebesse uma moeda em troca duma mercadoria.
A mesma interpolação cristã*** tem lugar com Ys: Havendo aferrado o galo-
veleta dum campanário com sua âncora, um pescador mergulhou ao mar para
soltar e assistiu uma missa.

 Essa lenda pertence também à tradição de Bresse. Na aldeia de Trois-Demoiselles, perto de Saint-
Germain-du-Bois (Saóne-et-Loire) viviam três garotas de maravilhosa beleza. Quando bebiam vinho tinto
se via baixar pela garganta, cuja pele era fina e transparente como gaze.
 O mito é idêntico à lenda da cidade submersa do lago de Issarles

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
No momento da oferenda o pobre homem, não tendo moeda encima, nada deu
e voltou à superfície da água.
Se pudesse ter dado o menor óbolo, a cidade de Ys teria emergido, o que teria
sido uma grande desgraça!
Com efeito, uma profecia diz: Quando Ys surgir Paris perecerá.
Com o transcurso dos anos o mito de Ys se converteu em símbolo de difamação
da sociedade e dos cultos a nossos antepassados em benefício ao cristianismo,
enquanto que em sua origem ilustrava a luta incessante dos homens contra o
mar e do mar contra os homens.
Estrabão diz que os címbrios atiravam venábulos contra as ondas durante as
festas rituais.
Aristóteles relata que os celtas não temiam os tremores de terra nem as ondas
invasoras, senão unicamente que o céu lhes caísse sobre a cabeça!
Não cabe dúvida que esses ritos e sentimentos têm relação com os grandes
acontecimentos geofísicos geradores de afundamento e de destruição de cidade.

A LEXÓBIA DO REI-BRUXO

Em São-Miguel-en-Greve, cantão de Plestin-les-Gréves, nas Côtes-du-Nord, uma


cidade está sepultada na areia, na borda da baía sem profundidade chamada
Gréve-São-Miguel, a 2km d’água profunda da Mancha.
No mesmo lugar, a sul-sudoeste de Lannion, entre a capela de Saint-Efflam e
São-Miguel se estende a légua de Greve que margeia a estrada nacional 186.
Ali, o Grand Rocher, Roch'Karlés, eleva seus 80m de altura e recobre
(confundida, sem dúvida, com aquela da qual acabamos de falar) a cidade de
Lexóbia, que era governada por um rei-bruxo cujo cetro tinha o poder de
outorgar até mesmo os menores desejos.
Mas o mesmo que em Ys e em Vinheta, a ganância, o jogo, o desenfreio
perverteram a cidade de tal modo que Deus, como castigo, a submergiu sob as
ondas que, desde então, se retiraram mais ao norte.
Somente escapou ao desastre, escreveu Alexandre Goichon, um palácio
maravilhoso situado no vão do Grand Rocher onde está suspensa a vareta
mágica.
A cada ano, durante a noite de Natal, o penhasco se entreabriu no momento em
que ressoou no campanário de São-Miguel o primeiro toque da meia-noite.
»Se desejas penetrar ali, então não percas, nenhum segundo, porque a entrada
volta a se cerrar no instante em que ressoa o duodécimo toque».
Uma lenda citada pelo abade Cadic situa mar adentro de São-Miguel-en-Greve
uma cidade morta ou, melhor, fora do tempo.
No Rillan, em São-Brandão, não longe dali, os camponeses dizem que havia
noutros tempos uma cidade que foi desaparecida e destruída.
Em Planguenoual, no povo de Toutran, se elevava a poderosa Teutrônia. A
antiga Reginea do mapa de Peutinger estaria enterrada sob Erquy.
O antigo povo de Phéhérel se estendia, no século V, onde em nossos dias está o
mar e sua igreja, situada perto da ribeira, estava, então, no centro da
aglomeração.
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Sob o burgo de Corseul, ao sul-sudeste de Saint-Malo, há uma cidade
subterrânea cujas casas são de ouro e onde o Diabo se dá à grande vida.*

OUTRAS CIDADES ENTERRADAS DE FRANÇA

Nossa nomenclatura é muito incompleta, não obstante pensamos que poderá,


eventualmente, servir pra traçar o mapa da França das cidades submersas,
enterradas ou assoreadas mencionadas pelos guias, as tradições ou a história.

HONDSCHOOTE (norte). A 1,5km da fronteira belga. Segundo o historiador


belga Paul de Santo-Hilário, essa cidade, chamada Hondescote, em 1069 estava
dez vezes mais povoada. Os vestígios que ali se encontram demonstram que a
região havia sido anteriormente recoberta pela água.

MERCKEGHEM (norte). 8km a noroeste de Watten. A antiga cidade de Eecke foi


submersa pelo mar no século V, numa só noite, diz a crônica. Os habitantes e o
gado pereceram quando os diques cederam. Só o campanário resistiu algum
tempo. Quando uma catástrofe está a ponto de arrebentar os sinos do povo
submerso tocam a morto.

 Mencionado pelo Bulletin de la société de mythologie française (Boletim da sociedade de mitologia


francesa) #12. Direção: 175, rua de Pontoise, 6000O Beauvais.
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Mapa da França das cidades submersas ou enterradas.

ARVILLE (Sarthe). A 27km ao nordeste de Vendóme, no lugar chamado La


Belliniére se estende uma cidade repleta de esplendor, que, antanho, chegava
até Oigny.
DAMVILLE (Eure). A 19km ao sul-sudoeste de Evreux. Segundo as afirmações
do iluminado Marcel Bruegghe: Cidade construída há 13.000 anos pelos celtas
com o propósito de legar às gerações futuras um testemunho de sua riqueza e
de sua civilização. Cemitério, circo, mercado, silo, museu, tesouros prodigiosos!
BELCINAC (Sena Marítimo). Antiga ilha que se estendia ao sul de Caudebec no
castelo de Vatteville. Um povo e um mosteiro eram ainda visíveis ali em 1336. A
ilha se afundou na água do Sena, reapareceu durante alguns dias em 1614 pra
desaparecer de novo pra sempre.

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
SÃO-PEDRO-DE-VARENGEVILLE (Sena Marítimo). Entre Ruão e Caudebec:
Cidade enterrada na aldeia da Fontaine, sobre um subterrâneo acondicionado
com nichos, pilares e banquetas.
BOSVIE (Sena Marítimo). Entre Brachy e Greuville: Cidade romana desaparecida
com numerosos tesouros.
SAINT-LAURENT (Sena Marítimo). Município de Gueures, cidade desaparecida
com sua igreja. O sino teria sido atirado a um poço.
AMIONS (Loire). A 26km ao sul de Roanne. A cidade, com seus habitantes
egoístas e malvados (o tema não varia muito!), foi enterrada pela magia duma
jovem senhora que, se supõe, era a Virgem. Ela perguntava sobre o caminho até
Souternon e ninguém se havia dignado indicar.
ORMONT. As Roches-des-Fées do Ormont, nos Vosgos, dominam a cidade de
Saint-Dié. São três enormes cubos de grés coroando uma gruta cuja abertura é
tão estreita que há que se deslizar por ela como um réptil. Depois a gruta se
alarga e se faz bastante ampla. Mais longe, mas a entrada está bloqueada, se
estende a cidade das Fadas, onde dormita toda uma população de bebês onde
cada um espera seu dia pra fazer sua aparição na vida. Volta a se encontrar aqui
o mito da mãe gestante e do estreito compartimento comunicando com a gruta
uterina.
BELLEY (Ain). Cidade submersa pelo lago de Bart.
PALADRU (Isére). A antiga cidade de Ars teria sido submersa no estanque da
Combe, perto do povoado de Versare e o povoado medieval de Colletiéres
(século XI). Está na água do lago Paladru.
ISSARLÉS. Lago de Ardéche, a 30km a vôo de pássaro ao sul-sudeste do Puy.
Profundidade 128m, altitude 1.000m. Produzido pelo desabamento no granito.
Há 2.000 anos Issarlés era uma cidade bela e florescente onde passou Jesus.
Pediu caridade mas ninguém lhe deu, nenhum vaso de água, nenhum pedaço
de pão. Abandonou, pois, a cidade mas, na última casa, uma mulher lhe
ofereceu pão e leite.
Jesus, com o coração cheio de rancor, lhe anunciou, então, que ia destruir
Issarlés, mas que ela poderia se salvar se se pusesse, imediatamente, em
marcha e não voltasse a cabeça no momento do cataclismo. A boa mulher se
voltou ao ouvir a água impetuosa alagando os habitantes e destruindo suas
casas e ficou ela convertida em rocha. Se trata, evidentemente, duma copia
cristã do afundamento da cidade de Ys e da destruição de Sodoma.
CIDADE-DE-DEUS (Bajos-Alpes). A leste de Sisteron, perto da estrada
Departamental 3, sobre o bancal4 chamado Les Planeaux, se teria elevado
antanho uma cidade denominada Teópolis, domínio dum certo Dardanus do
qual se lê o nome sobre a Pedra Escrita margeando a D3.
ROQUEBILLIÉRE (Alpes Marítimos). Povoado enterrado por um desprendimento
de terra em 1926.
DRAP (Alpes Marítimos). Povoado antigo destruído e enterrado por um tremor
de terra no século XVI.
CIMIEZ. Cemenelum, capital da província romana, está enterrada sob o bairro
residencial de Niza.

4 Bancal: Banco de remador


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
POMPONIANA. Município de Hyére. Povoado sepultado perto da praia da
Almanare. Se vêem, ainda, desde a estrada que vai de Tolón a Hyéres,
afloramentos de construção.
LA CIOTAT (Bocas do Ródano). Cidade submersa mar adentro ante o porto. Se
diz que um monstro marítimo a habita e, às vezes, chega à costa pra causar
estrago nos vinhedos.
BASILÉIA. Entre a ilha Maire (Bocas do Ródano) e a ilha do Planier: Cidade
neolítica do Veyron, a 13m de fundo, descoberta pelo mergulhador Pierre Vogel.*
UGERNUM. Cidade antiga da Gália Narbonense. Ugernum é mencionada junto
com Tarascão como situada sobre a estrada de Nimes a Aix. Localização
indeterminada.
FOS. Cidade submersa no litoral do porto.
MAGDELONNE (Hérault). A 10km ao sul de Mont-pellier, passando por Palavas.
Do antigo povoado, somente subsiste a catedral sobre uma granja de aluvião
entre o golfo de Leão e o estanque de Arnel.
ESTANQUE DE THAU (Hérault). Cidade enterrada perto do penhasco de
Roquerol sobre o estanque de Thau. Quando sopra a tempestade se ouvem
repicar as sinos da igreja.
LURDES (Altos Pirineus). Antanho, no lugar onde se encontra atualmente o lago
de Lurdes, havia uma cidade cujos habitantes se negaram a dar caridade ao
Bom Deus disfarçado de mendigo. Cheio de ressentimento o Senhor submergiu
a cidade da qual se vislumbraria, ainda, nos claros dias de verão, as coberturas
na profundidade.
CÓRSEGA
AGILA. Cidade fenícia que teria ocupado a altura do atual povoado de Santa-
Reparata-di-Balagna, ao sul da ilha Rousse.
ALERIA. Perto do estanque havia, antanho, uma cidade suntuosa que foi
destruída por uma grande tempestade suscitada por Deus.
AMPUGLIA. Ao norte de Bastia. A cidade antiga foi submersa por um
maremoto.
BIGUGLIA. O célebre astrônomo grego Cláudio Ptolomeu, em seu Geografia,
situava a cidade de Ctunium perto do estanque de Chiurlino. Uma tradição diz
que o castelo do conde Fabiano foi engolido pelo estanque como castigo à
maldade da condessa.
NICEAE. Na desembocadura do Fium'Alto, ao sul de Bastia. É ali que Ptolomeu
situava a cidade antiga de Niceae. Se encontram vestígios romanos.
ILHA DE CAVALO. A este de Bonifácio. Vestígios duma cidade romana.
POGGIO-DI-VENACO. Segundo uma tradição o chefe árabe Ugo teria construído
um palácio, hoje desaparecido, na altura do povoado. Outra tradição situa esse
palácio perto da igreja São João, rio abaixo de Corte.
TAINA ou TAMINA. Cidade desaparecida do cantão de Mas-Casavecchi.
TITIANOS. Cidade desaparecida situada sob o povoado de São João-Batista, a
sudeste de Sarténe.

POVOADOS SUBTERRÂNEOS

 Ler os detalhes da descoberta no enigma dos Andes, de Robert Charroux


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Os refúgios e refúgios-subterrâneos são muito numerosos em França. Se


contam a centenas.
Entre os mais importantes, citemos:
BESSE-EN-CHANDESSE. As Grutas de Jonas, em Besse-en-Chandese (Puy-de-
Dóme), a 36km de Issoire, com 60 salas e vários andares que foram habitados.
CORBÉS (Gard). A 9km de São-João-du-Gard. Caverna-cisterna pré-histórica
onde nossos longínquos antepassados vinham recolher água potável e, sem
dúvida, sagrada pra eles, que filtrava das estalactites. Se tem encontrado nela
grande quantidade de jarros adornados quebrados.
EU-LE TREPORT (Sena Marítimo). Subterrâneos acondicionados, talhados no
alcantilado com largura de 300m. Em sua proximidade, durante a guerra de
1939-1945, os alemães construíram uma verdadeira cidade subterrânea. As
ruas-galerias se estendiam sobre mais de 3km.
LAFFARE (Alto Loire). A 15km de Pradelles. Essas grutas formam seis salas e
foram habitadas antanho.
LIMOGES (Alta Vienne). O centro da cidade está construído sobre uma vasta
cidade subterrânea, distribuída em salas, em ruas e em praças de grande
dimensão.
NAOURS (Somme). A 15km de Doullens. Cidade subterrânea do princípio do
neolítico, a 33m sob terra. As galerias e as trinta ruas têm perto de 2km de
largura. Se encontram 250 salas, estábulos, praças públicas, armazéns, três
igrejas, poços e seis chaminés de aeração. Naours se pronuncia: Nór.
PROVINS (Sena e Mame). Grandes e numerosos subterrâneos-reservas com
celas laterais com chaminés e caídas em espiral. Uma das entradas principais
está na rua do Inferno. Esses subterrâneos, anteriores ao século XII, são
numerosos ao pé da colina suportando a velha cidade e no campo circundante.
Estão socavados numa terra cretácea. (Ver Archeologia 1973, #2.)
ROQUEDUR (Gard). A 7km de Suméne. Cinco grandes e magníficas cavernas
foram habitadas pelos homens da pré-história: A gruta Superior, a caverna das
Cascatas, a Sala das Ninfas, a Grande Sala Superior com a câmara dos Mortos e
o corredor dos Gourgs e, por último, a Grande Gruta com o corredor dos
Confetes e sua Sala das Maravilhas.
VILLENEUVE-DE-BERG (Ardéche). A 21km de Privas, nas Balmes de Montbrun,
se encontram cavernas, antanho habitadas, que formam andares sobre 20m de
altura.
CIDADES SEPULTADAS DE BÉLGICA*
OOSTDUINKERK. A 6km de Nieuport. Vestígios, sob a areia, do misterioso
povoado de Nieuwe-Yde, assolado pelo mar e sepultado no século XVII.
COXYDE. A 7km de Nieuport. Numerosos objetos atirados pelas grandes
tempestades indicam que ao largo das costas existia, nos primeiros séculos de
nossa era, uma cidade galo-romana.
OOSTKERK. A 2km de Damme. O povoado de Monnikerede está, atualmente,
sob a pradaria.
 Nossa documentação sobre as cidades desaparecidas da Bélgica e de Luxemburgo procede das obras
notáveis de nosso colega e amigo belga Paul de Saint-Hilaire. Ler desse autor: La Belgique mystérieuse
(Bélgica misteriosa) (1973); La Flandre mystérieuse (Flandre misteriosa) (1975); L'Ardenne mystérieuse
(Ardena misteriosa) (1976). Rossel Edition, 134, rua Real, 1000 Bruxelas e 73, rua d'Anjou, 75008 Paris.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
BLANKENDERGE. A noroeste de Brujas. O povoado de Scorphout, com sua
fortaleza, sua igreja e seu cemitério, está submerso a alguns quilômetros da
costa. O maremoto responsável pelo desastre se produziu em 1334.
BRUXELAS. Sob a praça Royale, a 12m de profundidade, se pode visitar, ainda
em nossos dias, a velha rua Isabela que fez perfurar a infanta em 1625 pra unir
seu palácio com a colegiata de Santa Gúdula, e os vestígios da capela dos
duques de Brabante.
Vasta rede subterrânea e catacumbas.

Mapa das cidades enterradas de Bélgica e de Luxemburgo.

CIDADES ENTERRADAS DE LUXEMBURGO

CHONVIANNE. Ao norte duma linha Sedã-Luxemburgo, perto de Tournay:


Povoado desaparecido.
CHARNET. A norte de Tournay, perto de Libramont: Povoado desaparecido.
CHERSIN. A 30km ao norte de Libramont, perto de Nassogne: Povoado
desaparecido.
ANLIER. A noroeste de Arlon. A cidade de Viel-Léglise, hoje desaparecida, era,
antanho, um lugar de peregrinação e se orgulhava de sua igreja de três naves e
de sua feira de pano. O sítio se denomina, ainda, Viel-Léglise.
BERDORF. A 30km ao nordeste de Luxemburgo. Cidade-refúgio na Roche-
Creuse (ou Hohllay), gruta de abóbadas gigantescas que pode albergar várias
centenas de pessoas.

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Capítulo II
A NASCA CHILENA

O globo terrestre é um grande livro de história e de geografia onde, há milhares


de milhões de anos, foram escritas aventuras prodigiosas que o tempo, os
dilúvios, as estações e as intempéries apagaram em mais de suas três quartas
partes.
Antanho, onde agora está o mar, havia terra. Ali, onde está o deserto, se
estendiam verdes pradarias. Ali, onde o calor é tórrido, reinava um frio glacial e
vice-versa.
O Sol é nosso Deus de vida mas foi, sem dúvida, com muita freqüência, um
Deus de morte ou de cataclismo.
Se seu calor irradiante é de maior ou menor intensidade, se se interpõem
nuvens galácticas, a Terra pode se incendiar ou se gelar, e civilizações humanas
podem ser destruídas, inteiramente, o que já aconteceu.*
Sem se remontar, parece, a cataclismos dessa índole, o grande livro do globo
terreno relata uma história ainda incompreendida, da qual as pedras do doutor
Cabrera e os traçados de Nasca são exemplos enigmáticos.

ESCRITURA DIRETAMENTE NO SOLO

Dissemos o que aprendemos sobre Nasca depois da haver trajeto, auscultado,


interrogado durante dez anos. Sem obter mais resultado que um ligeiro roçar!
Mas eis aqui que o problema se complica, se alarga à dimensão de todo o
continente americano: Há nascas desde as terras altas do Canadá até a ponta
de América do Sul, em 12.000km!
Se se buscasse bem, as encontraríamos também na África, Ásia, Malta,
Inglaterra e França, nos pedregais perfumados e secos do Languedoque.
Incluso, segundo se afirma, mas não está confirmado, sobre as terras
pedregosas do Maciço Central e do Périgord.
Quem as encontrará? Certamente não um investigador oficial, e ainda menos os
garimpeiros de idéias e de descobertas cuja única habilidade é a de saber se
aproveitar dos demais.
Nasca é assunto nosso, como se diz no estilo da televisão, mas rendamos
homenagem aos outros arqueólogos que também estudaram in situ os pampas
situados entre Ica e Nasca: O ianque Paul Kosok e a alemã Maria Reiche.
E porque Nasca é nosso assunto, estudaremos as outras mensagens escritas na
areia ou sobre a terra verde das colinas.
No Chile como no Peru, se encontram numerosos geoglifos, esses desenhos
traçados diretamente na terra, seja amontoando calhaus ou, ao contrário,
mediante a varredura da areia.
Pode ser efetuada uma comprovação: É a natureza do terreno que convida aos
homens à utilizar como piçarra.

Há numerosas interrupções na evolução dos homens: Não existe elo entre os símios e o homem, brusca
desaparição do neandertal, detenção inexplicada da civilização do período magdaleniense, etc.
23
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A Nasca do Peru, o pampa Colorado, principalmente, é, de fato, uma imensa
página branca de creta5, salpicada de oxidação, de pó e de calhau que lhe dão
aspecto grisáceo ou, mais exatamente, pardo-violeta.
Basta passar uma escova no pó superficial e então o substrato branco aparece e
pode servir de linha ou de desenho.
No Chile, às vezes, é o mesmo fenômeno que ocorre, outras vezes as cores lisas
do desenho são zonas purgadas ou, ao contrário, postas de relevo com calhaus
amontoados.
Em muitos lugares do Peru inscrições recentes são feitas com uma planta
chamada ichu que se arraiga superficialmente lá onde se a deposita, ou bem
com calhaus cuidadosamente dispostos.
O Candelabro dos Andes está desenhado mediante fossos na areia mole
(profundidade do eixo central: 0,60cm a 0,75cm, profundidade dos outros
ramos: 0,20cm a 0,30cm).
Na Inglaterra os traços são conseguidos liberando o solo cretáceo de sua casca
de erva e de terra superficial.
Que saibamos, exceto pros homens gigantes das colinas do Dorsete inglês,
desenhados por fossos ou sulcos na terra, os geoglifos de nosso globo estão
quase sempre motivados pela natureza branca do solo...
Em resumo, é o quadro branco o que provoca a escritura e não a escritura que
cria o quadro.
Daí pensar que os geoglifos não são mais que passa-tempo de pastores ou de
povos ociosos, não há mais que um passo.
Provavelmente é verdade, em determinados casos. Por exemplo, na Inglaterra:
Os cervos e os cavalos das colinas de Dorsete são ex-votos, representações
gratuitas, aduladoras, homenagens rendidas a animais particularmente
estimados.
Embora alguns tenham acreditado ver nisso uma representação mágica com
desejo de proliferação, de repovoamento ou esperança de boa caça.
Mas em todas as outras partes do globo os geoglifos têm uma explicação e os
do Chile lembram os sinais traçados ainda em nossos dias pelos ciganos e os
andarilhos pra assinalar os lugares de boa hospitalidade e aqueles que mais vale
excluir do roteiro de caminhada.

A NASCA DE ATACAMA

O deserto de Atacama, no Chile, se estende todo ao largo da costa do Pacífico


sobre a estreita faixa de estribação6 da cordilheira dos Andes, desde Copiapó até
além de Iquique a Calama, numa distância de 600km.
É muito semelhante ao deserto de Ica e a seus pampas rochosos de Villacuri,
dos Castelos, do Forninho, de Huayuri e de Colorada.
Aqui também, antanho, se estendia o vasto império dos incas, que começava na
Colômbia e se prolongava quase até a Patagônia ao largo da espinha dorsal da
cordilheira.

5 Carbonato terroso de cal


6 Estribação: Ramificação curta de montanhas que se destaca duma cordilheira
24
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Nesse deserto de areia e pedrisco, homens, há centenas e, sem dúvida, milhares
de anos, cultivavam a terra em toda parte onde encontrasse um ponto de água e
viviam ali, simplesmente, dificilmente, como os tuaregues no Saara, os mongóis
no deserto de Gobi, como o padre gustavo Le Paige de Bar em São Pedro de
Atacama.
Porque toda a Terra foi feita pra ser habitada, inclusive quando é hostil, ingrata
e perigosa.
E esses homens do deserto antigo enviavam súplica ou agradecimento ao céu
desenhando sobre as colinas símbolos, magias ou aquilo que mais
necessitavam: Algumas lhamas e alguns pássaros.
Mas o interesse principal da região residia em sua situação geográfica: Era um
lugar de passagem, a trilha norte-sul dos comerciantes pré-históricos que
asseguravam a exportação da coca, do milho, da lhama, da pele do altiplano até
os oásis do atual Chile.
Sua pista está, por outra parte, marcada por pequenos montículos de pedras
atiradas ou trazidas em oferenda pra assegurar uma boa viagem e a proteção
dos deuses.

O CURACA DE UNITAS

Um dos mais importantes geoglifos do Atacama é o curaca (bruxo ou inca) do


morro Unitas entre Tarapaca e Huara, um pouco acima da latitude de Iquique.
De, aproximadamente, 120m de longitude está toscamente representado pela
técnica do varrido ou rastrilhado e os olhos, o nariz e a boca estão desenhados
por empilhamento de pedra.
A cabeça parece ser um hexágono rematado por uma coroa ou um penteado de
quatro dentes ou plumas.
Dos rostos e das faces partem oito grandes linhas paralelas simbolizando, sem
dúvida, a natureza sagrada e solar da personagem.
O curaca sustenta na mão direita um instrumento que não podemos identificar
mas que poderia ser uma funda.
O braço esquerdo, dobrado, brande um machado.
Como é muito difícil ver o desenho e interpretar as linhas ou varridos meio
apagados, pra imaginar a atitude do curaca o mais exato é examinar uma boa
foto.
Convém fazer constar que as linhas e pistas dos geoglifos de Atacama e de
Nasca do Peru não são identificáveis de perto e que o são mais sobre foto que
sobre o próprio sítio.
Outro geoglifo, do morro Unitas, ainda mais dificilmente legível, parece
representar uma personagem portadora duma trompa e um humúnculo
recordando estranhamente certos detalhes insólitos das pedras de Ica, mas
também os homens com trompa de elefante que teriam sido gravados sobre
penhascos do Iunão, na China.
Estranha coincidência de desenhos tão particulares, separados entre si
20.000km, mas sobre os quais não se pode tirar conclusão razoável.

25
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A oeste do povoado de Tarapaca se vê um caos de penhascos sobre os quais
estão gravados, a cinzel, personagens estilizadas, serpentes, círculos, lhamas e
animais parecidos a tartaruga e a iguana.
Os arquitetos dos geoglifos eram, também, gravadores sobre pedra.

O GIGANTE DO LAGARTO

Num livro publicado em 1976* o arqueólogo chileno Lautaro Núñez Atencio dá o


inventário preciso, localizado e muito detalhado dos milhares de geoglifos que
marcam a antiga pista das caravanas do deserto. Desgraçadamente a qualidade
da edição deixa muito a desejar e as ilustrações fotográficas, em particular, são,
pelo menos, defeituosas.
Não obstante, a obra está escrita com inteligência e com o máximo afã de rigor
e é dum interesse primordial sobre um tema que, desafortunadamente, deixou
indiferentes os arqueólogos peruanos.**
Sobre a vertente ocidental do morro Unitas, se pode ver, muito mal já que está,
em parte, apagado, um gigante análogo ao curaca, cuja mão direita, alçada em
flecha, indica o Norte e a direção ao Peru.
O braço esquerdo iça um bastão ou um machado.
As cadeiras, como no curaca, estão providas de barras laterais sem significado
perceptível, e um sáurio, lagarto ou iguana, está traçado sobre o lado esquerdo.
Como no curaca, os olhos, a boca e a nariz do gigante do lagarto são pequenas
pilhas de pedra.
Se o geoglifo pretende representar um gigante seria interessante o relacionar
com aqueles invasores de muito alta estatura, chegados por mar sobre balsas
no começo do império dos incas, se dermos crédito às tradições mencionadas
pelo jesuíta Anello Oliva.
Thor Heyerdahl, ao ter demonstrado, com a expedição do Kon-Tiki, que a ilha de
Páscoa pode ter sido povoada pelos pré-incas, se pode pensar, também, que
uma raça gigante procedente da ilha de Páscoa pôde pelo mesmo, fazendo
caminho inverso, tomar terra no Peru ou no Chile com o desígnio de colonizar o
país.
Nesse sentido os gigantes dos geoglifos teriam sido desenhados pelos
autóctones em lembrança dum período histórico particularmente azarado.
Mas existiram os gigantes?
Nossa lógica cartesiana nos leva evidentemente a contestar com a negativa,
mas não temos o direito, honradamente, de fazer tábua rasa com os

 Geoglifos e tráfico de caravanas no deserto chileno, de Lautaro Núñez Atencio, professor no


departamento de arqueologia da universidade do Norte, em Antofagasta, é o melhor livro sobre os
geoglifos chilenos, e, sem dúvida, o único. Uma grande parte de nossa documentação se apóia nas
observações do professor Atencio, do engenheiro Hans Niemeyer e de nosso correspondente particular no
Chile, professor Jean-Pierre Bergoeing. Hans Niemeyer é autor de dois livros de grande erudição:
Petroglifos da cordilheira andina de Linares, em colaboração com Lotte Weisner. Edições universidade do
Chile, Santiago, 1971, e das pinturas rupestres da serra de Arica, Edições Jerônimo de Vivar, São Felipe,
Chile.
 Os geoglifos, linhas, pistas e outros desenhos, da Nasca do Peru foram revelados ao grande público, em

1949, por um libreto de Maria Reiche intitulado Mystery on the desert (Mistério no deserto), Editora Médica
Peruana, Azangaro 906, Lima. E em 1974 pelos livros O enigma dos Andes, de Robert Charroux e As pistas
de Nasca, de Simone Waisbard. editora Plaza & Janes. Coleção Outros Mundos.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
testemunhos e os indícios extremamente perturbadores dos quais voltaremos a
falar.
Sobre a vertente norte do morro Unitas um grupo de desenho reproduz formas
humanas retangulares com grandes cabeças mas sem perna (apagadas).
A técnica habitual de varredura do solo está reforçada pela colocação de pedras
planas recalcando a borda das figuras.

OS PASTORES DE BAIXADA

Sobre o borda sul da estrada que vai da Panamericana a Iquique, no quilômetro


34, se estende uma zona de geoglifos provavelmente mais recente que os
outros, sobre o sítio denominado baixada de Iquique. Os motivos mais
numerosos são cruzes que se interpenetram de modo a formar rombos, linhas
paralelas salpicadas de pequenos montículos pedregosos, de pássaros, de
lhamas, de flechas e de estrados de vários degraus.
Um pastor ou um guia de caravana, curiosamente estilizado, um túmulo de
pedra no meio do rosto, sustenta em cada mão uma chama e um grande
pássaro.
Uma espécie de fresco meio apagado representa animais cujas cabeças e patas
foram parcialmente destruídas pela erosão. Ainda assim é vagamente visível
uma fileira de pastores de pernas curtas. De modo mais nítido, sobre cor
simples, se vêem homens de grande corpulência, a cabeça coberta com chapéu
de aba larga. Um deles empunha um bastão.
Certos desenhos foram restaurados recentemente pelos autóctones ou por
arqueólogos aficionados, o que evitou, sem dúvida, o esmaecimento definitivo.
No lugar chamado Alto Barranco, sobre a vertente da cordilheira da costa, os
geoglifos representam caravanas de lhamas guardadas ou conduzidas por
pastores.
Esses desenhos são análogos aos do Alto Huanillos que se enriquece, por
acréscimo, com rombos e um condor de asas abertas.
Em toda parte, igualmente, proliferam os círculos, as flechas de direção e
escadas traçadas com pedra.
O professor Lautaro Núñez Atencio pensa que esses geoglifos e sinais marcam a
trilha pré-histórica das caravanas de mercadores.
Sobre o lugar denominado Soronal-1 estão representados em figuras: Um
homem com seu bastão, personagens das quais já não se distingue mais que a
metade inferior do corpo e uma grande lhama.

AS LHAMAS DE TILIVICHE

O professor Hans Niemeyer Fernández, de Santiago de Chile, quem, nos disse o


padre gustavo le Paige, é o melhor especialista dos petroglifo do deserto de
Atacama, confirma a similaridade de técnica dos geoglifos de Peru e de Chile.
«Estão desenhados sobre a vertente das colinas mediante dois procedimentos:
Desescombro da superfície escura até a obtenção dum fundo claro fazendo
contraste ou por acúmulo de pedras escuras sobre uma colina de cor clara».

27
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Sobre a ladeira da falha de Tiliviche, muito perto da estrada Panamericana, se
vê, em débil relevo, um grande friso representando lhamas e alpacas como
filmadas em pleno movimento e de perfil.
De fato, é necessário, ademais duma boa luz rasante, se colocar sobre a colina
oposta à falha pra distinguir nitidamente os detalhes.
No meio do rebanho parece se reconhecer um homem com os braços
separados. Outro, sem dúvida o pastor, esgrime uma huaraca (funda), abaixo e
à esquerda.
No meio das lhamas um felino, talvez um puma, corre em sentido contrário aos
outros animais.

O MORRO DESENHADO DE PINTADOS

A colina mais ricamente decorada de Atacama é o morro Pintados, a 6km do


povoado do mesmo nome: Pintados, pequena estação ferroviária, a sudeste do
Iquique, sobre a vertente ocidental da pampa de Tamarugal.
É o maior conjunto geoglífico conhecido e se estende sobre vários hectares.
Se destacam, principalmente, retângulos, quadrados de 8,20m de lado, rombos
talhados em escada, círculos, semicírculos cortados nitidamente sobre o
diâmetro equatorial e servindo de quadro a representações difíceis de identificar.
Se vêem também flechas, cruzes de Malta, pássaros, lhamas, vicunhas e
homens de largo chapéu.
As duas combinações técnicas, varredura e acúmulo, são utilizadas prà
reprodução dos desenhos.
Sua antiguidade é, certamente, muito grande, embora, determinados motivos,
tais como a cruz de Malta, fazem pensar que poderiam ser mais recentes que o
curaca ou as lhamas de Tiliviche.
Um dos motivos principais é um rebanho de lhama cujas cabeças estão
apagadas, guardado por um pastor armado de bastão.
Um felino está inscrito num círculo. Representações de pássaros são invisíveis
na proximidade da instalação mineira de Pintados.
Toda a zona na proximidade de Tarapaca, na província de Iquique e até
Antofagasta, é duma incrível riqueza em geoglifo dessa índole mas sua
antigüidade não parece superar o primeiro milênio de nossa era. Por
interessantes que sejam pros arqueólogos, estão longe de continuar o enigma
fascinante dos traçados do pampa peruano de Nasca.

A NASCA DE AREQUIPA

Remontando ao norte, a muito importante zona arqueológica de Arequipa


estabelece a transição entre os geoglifos de Atacama e os de Nasca. O
arqueólogo Linares Málaga é seu grande descobridor e guia de bom grau
aqueles a quem interessa o tema, como a nosso amigo Daniel Dézé, de Lião,
que nos informa sobre sua viagem a Touro Morto, no centro do lugar.
Touro Morto está a 100km a vôo de pássaro a noroeste de Arequipa (160km na
estrada). Seu acesso resulta fácil graças a várias linhas de ônibus.

28
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A zona arqueológica se estende 5km por cima do vale do rio Majes num
mosaico desértico de dunas e penhascos escarpados, representando cenas de
dança, pesca, personagens, lhamas e linhas geométricas.
Touro Morto ostenta, provavelmente, o recorde dessas pedras gravadas que
alcançam o número de várias dezenas de milhares.
Do alto da montanha se pode ver um imenso 8 traçado sobre as pendentes e
nossa correspondente e amiga, a senhora Bridget Butterworth, localizou, desde
um avião, vários geoglifos semelhantes aos de Nasca.
Mas a maior descoberta de Linares Málaga é a tapeçaria do pampa de Siguas na
borda da Sul-Panamericana, a uma e meia hora de carro desde Arequipa.
Se distingue o geoglifo duma colina próxima que domina o vale e, com boa luz
rasante, os desenhos aparecem muito nítidos com uma espécie de grecas
bordadas de debruns duplos.
O centro da tapeçaria, mais exatamente um tapete, é um grande retângulo de
30m de comprimento por oito ou dez de largura.
A dimensão do geoglifo é de 60m X 30m. A técnica utilizada é a do sulco largo
de 0,30cm a 0,60cm. com profundidade de 5cm a 10cm.
Estudada pela universidade nacional de São Agostinho, de Arequipa (UNSA), o
tapete de Siguas está catalogado como um caso único de geoglifo,
fundamentalmente diferente dos de Nasca.
Sua orientação, ao fundo do vale, é norte-sul. Isto é, está dirigido até Cuzco.
UNS PAPÉIS PRECIOSOS

Nunca se elucidou o mistério do Candelabro dos Andes, das múmias de cabelo


vermelho de Paracas e de seu tipo alheio à região.*
Igualmente, haveria de explicar por quê as pedras gravadas de doutor Cabrera,
com suas representações de astrônomos, botânicos, médicos parteiros e de
cirurgiões de enxerto de coração, foram depositadas no rio Ica, em Ocucaje.
O Candelabro, as múmias, as pedras de doutor Cabrera e as pistas de Nasca se
situam na mesma zona do Peru meridional, nos lindes do oceano Pacífico e da
cordilheira dos Andes.
Um manuscrito do padre Anello Oliva, traduzido em 1957 por H. Ternaux
Compans, deixa constância duma tradição inca que poderia proporcionar certa
luz na história secreta do Peru.
A obra do padre Oliva, que era jesuíta, leva a data de 1631 e está revestida de
todas as aprovações dos chefes de sua ordem.
Seu título é: Vida dos homens ilustres da companhia de Jesus do Peru, mas
relações históricas e proto-históricas completam, felizmente, as de Garcilaso da
Vega que, não se recalca suficientemente, tinha dezessete anos em 1547
quando saiu do Peru e somente escreveu seu Comentários reais no final da vida,
até 1565.

Quanto ao Candelabro dos Andes, as múmias de Paracas e as pedras gravadas de Ica, se remeter a O
enigma dos Andes, de Robert Charroux. Há que fazer constar que o Candelabro dos Andes, esse geoglifo
de sulco, como o tapete de Siguas, também está orientado, norte-sul, contrariamente ao que havíamos
escrito no enigma dos Andes. Fomos induzidos a erro por uma bússola avariada.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
É importante fazer finca-pé em que Garcilaso da Vega, filho dum ilustre capitão
espanhol e duma princesa inca, tomou deliberadamente o partido dos
antepassados de sua mãe e cala sobre tudo o que é desfavorável aos incas.
Não ocorre o mesmo com o pai Oliva, que não teme descrever tudo o que vê e
contar tudo o que ouve dizer sobre o passado fabuloso daqueles aos quais
chama os ingas.
Tudo induz a pensar — escreveu — que os ingas eram uma raça estrangeira.
A miúdo se faz referência, inclusive em Garcilaso, a uma língua particular que
somente era falada e compreendida pelos membros da família imperial...
Para assegurar seu domínio, os ingas haviam feito um trabalho admirável: Era a
construção de duas grandes estradas que se estendiam toda ao largo de duas
cadeias de montanha. Uma, que se chamava a trilha dos ingas, se estendia
desde Pastos até Chile, num trajeto de 900 léguas (3600km). Tinha 24 pés
(7,8m) de largura e a cada 4 léguas (16km) se encontravam vastos edifícios
chamados tambos. Continham grande provisão de víver, de roupa e de tudo o
que podia ser necessário. A cada meia légua (2km) se colocavam sentinelas que
transmitiam as mensagens dum a outro correndo com grande rapidez.
»A outra estrada tinha 25 pés (8,12m) de largura e estava flanqueada, a cada
lado, por um muro elevado. Corria através das planícies, desde Piura até Chile,
onde se reunia com a outra».
Depois de haver falado do reinado dos incas, padre Oliva se estendeu sobre o
fundador do império, Manco Capac, e entrou, então, numa continuação
assombrosa e fecunda em revelação.
Não pude encontrar, nalgum historiador, informação sobre o origem de Manco
Capac, quando alguns papéis que me entregou doutor Barthélemy Cervants,
cônego da santa igreja de Charcas, caíram em minhas mãos.
«Foram escritos a tenor dos relatos de Catari, que ocupara a função de
quipocamaio (leitor de quipos ou quipus, cordões de nós que faziam as vezes de
livros ou de memorando) junto aos últimos ingas, função herdada de seus
antepassados, descendentes de Ylla que, como já foi dito mais acima, foi o
inventor dos quipos..».

AS REVELAÇÕES DE CATARI, O QUIPOCAMAIO

«Catari relata, pois, que depois do dilúvio universal, que os índios tinham um
perfeito labirinto e ao qual chamavam pachacuti. Os primeiros homens que
chegaram à América, seja adrede ou empurrados por uma tempestade,
abordaram Caracas, onde se multiplicaram e se espalharam em todo o Peru...»
Os incas, convertidos em soberanos do Peru, descendem dum cacique
denominado Tumbe ou Tumba.
Otoya, um dos dois filhos do cacique, cruel e bêbado, escapou duma
conspiração e se entregou a toda classe de exações que somente foram
cessadas com a chegada duma tropa de gigantes.
Esses o fizeram prisioneiro e supliciaram seus súditos com maus tratos.
»Não traziam mulher com eles e se entregavam ao crime contra natura, de modo
que Deus, irritado, os fez perecer sob o fogo do céu... A tradição relata que
esses gigantes haviam vindo sobre balsas formadas por grossas peças de
madeira e que eram tão grandes que a cabeça dum homem comum lhes
30
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
chegava apenas aos joelhos. Escavaram poços muito profundos que se vêem
ainda hoje na ponta Santa Elena e que estão cheios de água potável. Se
encontra, ainda, nesse lugar ossamentas humanas duma estatura prodigiosa, e
dentes que pesam até 14 onças (430g!). Eram tão enormes que eu custaria
acreditar se não tivesse visto (sic). É provável que esses gigantes eram da
mesma raça que aqueles que desembarcaram na Nova Espanha (México) e dos
quais se descobrem, ainda, ossamentas no distrito de Tlascala».
Esses invasores, dos quais nos fala o padre Oliva, teriam alguma relação com os
gigantes da ilha de Páscoa,* tão estimados por Francis Mazière e que são, de
certo modo, seus filhos espirituais?
Se postulou a hipótese de que os incas poderiam ser os descobridores e os
invasores de determinadas ilhas do Pacífico. Embora seja pouco provável, nos
parece interessante mencionar essas observações de Anello Oliva.
Sabemos que a autenticidade dos gigantes antigos está fortemente posta em
dúvida. O motivo é devido ao exagero dos relatos tradicionais como aquele em
que a estatura dum homem alcança apenas as joelhos do gigante.
Se tivesse existido uma personagem tão imensa, teria medido de 7m a 8m de
altura, o que é dificilmente crível.
Não obstante, há que ter em conta diversos fatores que demonstram que
homens de muito alta estatura viveram nos tempos antigos.
— Todas as tradições mencionam gigantes.
— O recorde em 1977 é de 2,70m pro americano Robert Wadlow.
— O padre Oliva parece sincero quando fala dos dentes de 14 onças (0,4kg).
Resta saber se eram de homem ou de animal!
Podemos testemunhar um feito que seria facilmente comprovável se nos países
da América do Sul fosse possível obter algo, o que seja, com simplicidade e
facilidade.
Vimos no templete-museu de Tiahuanaco, em 1969, sobre uma estante, uma
série de crânios que vão desde o Cro-Magnon até um crânio gigante que, de
memória, nos parece que deve medir entre 30cm e 40cm de altura.
Em nossos dias esses crânios se encontram no museu arqueológico de La Paz,
mas nos foi impossível, apesar de numerosas diligências, obter fotografia.
A existência de gigantes no antigo império dos incas, se fosse demonstrada,
permitiria considerar novas hipótese sobre os problemas de Nasca, as pedras do
doutor Cabrera e as múmias de Paracas.
«A tradição conservada pelos quipocamaios relata também que, quando a
destruição dos gigantes, se avistou no céu um jovem duma beleza prodigiosa
que lançava contra eles a chama que os destruiu. É provável que fora algum
anjo do céu».

ENDEREÇO: LAGO TITICACA...

Nos inteiramos, pelo padre Oliva, de que os incas eram uma raça estrangeira no
Peru.
Catari, o quipocamaio, nos abre outros horizontes quando escreve:

 A fantástica ilha de Páscoa, de Francis Mazière, editora Plaza & Janes. Coleção A volta ao mundo em 80
livros.
31
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Manco (o primeiro inca), assustado pela tempestade, resolveu não ir mais longe
de Ica e não penetrar dali ao interior das terras...
Seus companheiros o descobriram mais tarde numa espaçosa caverna do lago
Titicaca, escavada pela mão humana.
As paredes estavam recobertas de ornamento de ouro e de prata, e não dava
acesso além duma porta muito estreita...
»Para se reconhecer, os companheiros de Manco se perfuraram os lóbulos das
orelhas e se penduraram grossos aros duma espécie de junco chamado aotora
(aotora = totora = junco). Essa prática parece haver dado origem à casta dos
orelhões)».
Manco saiu, numa manhã, da caverna, na alvorada, com uma roupa feita de
placas de ouro e não teve dificuldade em se fazer reconhecer como rei. «Foi
assim que fundou a monarquia dos ingas».
Tal é o relato de Anello Oliva.
Em certo sentido pode orientar as especulações a propósito de Nasca pelo fato
de que Manco chegou até Ica pra reconhecer seu futuro reino, limitado, então,
pelas pistas e linhas do pampa de Nasca.
Tinham por missão esses traçados deter magicamente a marcha conquistadora
de Manco ou bem, ao contrário, o guiar até as ribeiras do lago Titicaca onde
devia concluir sua missão e seu destino de futuro inca?
É uma hipótese que merece ser estudada, tanto mais que ninguém, até hoje, se
ocupou do tema. Não cremos que Manco tenha detido sua exploração em Ica
pra se dirigir obliquamente até o lago Titicaca onde, finalmente, se deteve.
A Cordilheira dos Andes é um obstáculo que não se desafia impunemente, e
teve ele de descer até Nasca e Arequipa onde encontrou na montanha uma falha
que conduzia a Puno, na borda do lago, e a Chinchillapi (a 140km a sudeste)
onde se encontram as cavernas com pinturas de Mazo Cruz, de Kelkatani e de
Pizaoma.
Lá encontrou os santuários dos mais antigos povos andinos: Os kollas
fundadores do mundo que reinavam há 10.000, anos depois de ter chegado,
não da costa, como se supunha, mas do norte!
De todo modo é necessário recalcar que os gravados rupestres do lago Titicaca,
se bem que aparentados aos do deserto de Atacama, não têm semelhança com
os geoglifos do pampa.
Então, o que seria Nasca? Barreira mágica pra deter Manco ou outro invasor ou
painel de endereço devendo guiar um ou outro até o lago sagrado do futuro
império?

32
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Capítulo III
NASCAS DA AMÉRICA DO NORTE E DA EUROPA

Apenas esse bípede incômodo, vaidoso e inteligente que é o homem teve a idéia
de se expressar de outro modo além da dança, voz, dente e punho. Começou a
garatujar sobre a terra e sobre a rocha.
Sua primeira escola foi a Natureza, seu primeiro mestre o céu e sua primeira
piçarra o solo.
As escrituras mais antigas que se conhecem são traços, espirais e círculos
gravados sobre as paredes lisas das cavernas.
Houve, seguramente, outras mostras mas não chegaram até nós.
Esses testemunhos antigos, primários ou, às vezes, muito elaborados se
encontram em toda parte do mundo onde a civilização não lacerou, arrasou,
assassinou o passado.

OS MIMBRES DE BLYTHE

Em homenagem à Natureza e pra agradecer suas dádivas: Animais, plantas,


rios, mel, etc., os índios pré-históricos mimbres, do Novo México (Estados
Unidos) representavam sobre obras de olaria, peixe, flor, pássaro.
Para se dirigir mais diretamente aos deuses, ou talvez pra deixar uma rubrica,
uma pegada ou uma marca de posse do terreno, tiveram, como os povos de
Nasca, e do mesmo modo, a idéia de gravar sobre a areia.
No deserto, perto de Blythe, Califórnia, se pode ver, sobretudo a sobrevoando,
uma efígie humana de mais de 56m de longitude e representações animais de
estilo muito tosco.
Como em Nasca e sobre o Candelabro dos Andes, vândalos montados em jipe
ou em moto deixaram suas pegadas e tem assolaram o lugar.
O mimbre de Blythe foi desenhado varrendo as oxidações do solo e eliminando
as pedras escuras de modo a fazer ressaltar a personagem.*

OS GEOGLIFOS PINTADOS DOS NAVAJOS

Na mesma região os índios navajos, ilhados em suas terras áridas, traçaram,


certamente, antanho, geoglifos de grande dimensão que desapareceram
varridos pelo vento. Não obstante, o costume se perpetuou em menor escala
mas segundo técnica mais artística.
Quando um navajo está enfermo sua família vai ao bruxo da tribo pra que
conjure o malefício e expulse os maus espíritos do corpo do paciente.
Então são traçados sobre o solo desenhos, não mediante varrido ou acúmulo de
pedra, senão ao modo dum quadro pintado, dispondo sobre o solo cores
minerais e vegetais finamente pulverizados.

 O geoglifo é, por definição, gravado sobre o solo, por conseguinte em vão (geo: terra e gliphé:
cinzelagem). Sem embargo, demos a palavra, de acordo com a maioria do público, à imprensa, às revistas
e aos arqueólogos, sobre o sentido de traçado, desenho, gravado ou não, executado sobre o solo.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O motivo é realizado por várias pessoas, de modo muito destro, como uma
mandala hindu.**
Essa mandala, tanto se é redonda, quadrada ou ovalada, está pintada no
sentido do curso do Sol e os cores ficam dispostas numa ordem ritual.
Colocadas num casca de cortiça são distribuídas com arte e podem representar
linhas, figurações animais, geometrias ou sinais de exorcismo.
Quando a mandala está terminada se coloca o enfermo no centro. O bruxo e os
assistentes se entregam a encantamentos rituais a base de cânticos e danças
mágicas.
Seguidamente o enfermo é devolvido a seu hogan (choça de terra ressecada) e o
bruxo espalha o desenho na areia.
Se foi reproduzido num hogan, a habitação é destruída e seus vestígios
enterrados.
Certos geoglifos pintados são dedicados às forças naturais, às plantas, aos
animais ou aos deuses. Então, se lhes deixa perdurar tanto tempo quanto os
preservem o vento e a intempérie.

A RODA MEDICINAL DA MONTANHA DOS GRANDES CORNOS

Em Estados Unidos, no estado de Uaiomem, e no Canadá, principalmente nas


províncias de Alberta e de Sascacheuã, povos antigos, ao não dispor de deserto
de areia pra gravar nele verdadeiros geoglifos, utilizam a técnica das pedras
transportadas.
A dizer verdade, essa técnica é também praticada no Peru sobre as colinas que
margeiam a estrada Panamericana, de Lima a Paracas, e se relaciona com os
procedimentos pré-célticos: Cromeleches, menires, alinhamentos, recintos
megalíticos.
Os desenhos representam personagens muito estilizadas, círculos, tartarugas,
túmulos de pedra (quernes) ou, com maior freqüência, círculos duplos com raio.
Os arqueólogos deram a esses últimos o nome de medicine wheels (rodas
medicinais) ou cosmic wheels (rodas cósmicas).
Sem grande certeza se lhes atribui aos antigos índios cheienes, chochones,
arapajos, corvos, etc. Mas a tradição quer que, antanho, um povo pequeno
habitasse em grutas, sob essas rodas de pedra.
Os índios corvos da comarca dizem que as cosmic wheels existem desde tempo
imemorial e que sempre as viram.
Os que as edificaram não conheciam o fogo, asseguram, e as rodas são à
imagem do Sol e dos astros.
A roda medicinal da montanha Bighorn (grandes cornos), em Uaiomem, é uma
das mais bonitas. Está construída sobre uma meseta rochosa a quase 3.000m
de altura, o qual a coloca, relativamente, a amparo do vandalismo turístico.
Tem 24m de diâmetro e conta 28 raios e seis quernes dispostos desigualmente
ao redor da circunferência.

Na Índia a mandala é um esquema geométrico sagrado em cores simbólicas reproduzindo uma
cosmogonia ou um caminho iniciático, segundo um formulário que somente o bruxo conhece.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Se pensa que o conjunto poderia ser um calendário astronômico ou uma espécie
de centro cósmico onde se produziriam intercâmbios benéficos entre o Céu e a
Terra.
Seria uma clínica pré-histórica, como opinam os esotéricos sobre os
alinhamentos megalíticos de Bretanha, e daí seu nome de medicine wheels,
rodas medicinais, que lhes dá um sentido e poder terapêuticos presumidos.
É uma explicação possível mas, sem dúvida, há que pensar que esse calendário
servia, também, pra fixar as horas e os dias favoráveis pra determinadas
cerimônias rituais.
O templo de Estonerrenge, na Inglaterra, tinha destinação idêntica e, como as
rodas medicinais, estava orientado com pedras ilhadas ou disposições de
monolitos pra indicar os solstícios e os lugares por onde assomam as estrelas
mais brilhantes do céu: Vênus, Sírio, Rigel, Aldebarã.

UMA CÓPIA DE STONEHENGE?

As coincidências com Stonehenge são tão numerosas, pois a roda de Bighorn


Mountain é, em certo modo, uma projeção plana do monumento inglês, que
arqueólogos têm considerado a possibilidade duma migração dos celtas à
América do Norte.
É uma hipótese revolucionária mas que já nos era familiar, posto que há muito
tempo* temos a quase certeza de que os antigos povos da América procediam,
em sua maioria, da Europa e que eram pré-celtas e, mais tarde, celtas.
É o que assegura o Popol Vu dos maias quichés em termos sem ambigüidade e
o que permite supor a invasão dos Tuatha Dé Danann à Irlanda há mais de dois
mil anos.
As tradições dos iroqueses, dos hurões e dos leni-lenapes, recolhidas nos
Ármales dos jesuítas, dizem igualmente que os antigos Iniciadores na América
do Norte eram homens brancos, barbudos, de olhos azuis, procedentes do lado
onde se levanta o Sol, atravessaram o oceano em barcos de pedra sobre os
quais cresciam árvores (barcos com mastro).
Seriam esses migrantes europeus os que teriam marcado sua marcha de
nômades com milhares de círculos de pedra tendo de 5 pés a 30 pés (1,6m a
9,7m) de diâmetro.
Esses cromeleches são chamados pelos ianques os círculos de tepees (tendas
ou vivendas dos índios) e se encontram em todas as grandes planícies e sobre
as vertentes7 das montanhas desde o Canadá até o Texas.*
Existem centenas sobre a vertente oriental das montanhas Rochosas, mais em
forma de querne8 (túmulo de pedra) rodeados por círculos de 30m a 60m de
diâmetro, que, como no caso da roda de Bighorn, têm 28 raios que
correspondem ao número de dias dum mês lunar.

 Ler Le livre du mystérieux inconnu (O livro do misterioso desconhecido), Robert Charroux, editora
Laffont, Capítulo VI. A civilização dos celtas é a mãe de todas as civilizações: Túmulos, pirâmides e
outeiros funerários. A mulher branca dos leni-lenapés. Os mexicanos vieram da Europa. Os ameríndios têm
antepassados europeus, etc.
7 Conjunto de montanhas laterais, que derivam dela e que são, geralmente, mais baixas
 É a opinião de John A. Eddy num artigo publicado em National Geographic de janeiro de 1977
8 Cairn: monte de pedras

35
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

A RODA DE MAJORVILLE

A roda medicinal de Majorville em Alberta, Canadá, é maior que a da montanha


Bighorn e seu centro é um querne de tamanho imponente. Sua construção se
remontaria a 4.000 ou 5.000 anos, o qual nos levaria ao período em que os pré-
celtas da Europa descobriram a América.
A roda da montanha Moose, nas montanhas de Sascacheuã, com um diâmetro
de 60m, está sobre uma cume, a modo dum posto de observação.
Se pensa que, antanho, as rodas medicinais ocupavam todos os cumes
importantes e marcavam uma via que permite ser localizada desde muito longe.
Quando os raios eram pouco numerosos estavam dirigidos até outras rodas,
como pra assinalar a trilha a seguir pelas tribos migratórias.
A roda da montanha Moose não tem mais que quatro grandes raios aparentes
terminados em pequenos quernes em forma de poços mas devia de ter seis em
sua origem.
Seu eixo central é um importante túmulo de pedra rodeado por um círculo de
pedra.
O raio mais largo está orientado até o este e o solstício de verão. Outros raios
indicam o lugar de Sírio, de Rigel ou de Aldebarã, o qual demonstra, claramente,
o destino astronômico do monumento.
Não obstante, na América do Norte abundam tanto os desenhos antropomorfos
e zoomorfos traçados com pedras que estamos obrigados a crer que esses
geoglifos eram também mandalas mágicas e evocações às forças da Natureza.

AVEBÚRIA E O TEMPLO ALADO DE BARROW

Denominamos geoglifo tudo o que está desenhado sobre o solo, seja em baixo
ou alto relevo, se tendo adotado essa denominação a propósito de Nasca.
Em realidade, Nasca é melhor um desenho que um glifo, e as rodas mágicas de
América não são gravadas, senão construídas.
O homem é um arquiteto e um geômetra e sua civilização está, principalmente,
representada pelo que desenha ou edifica sobre o solo. Em resumo: O que fica
quando quase tudo desapareceu! Nossos antepassados sempre tiveram a
preocupação de se expressar escavando linhas de fossos ou, ao contrário,
alçando taludes.
Avebúria, o grande centro céltico da Inglaterra, está delimitado por um valado
circular de 470m de diâmetro que é um imenso e profundo fosso (glifo).
O templo alado de Barrow, no Lincolnshire é, à vez, um hieroglifo e um geoglifo
formado por taludes e fossos, com um círculo central de 70m de diâmetro e
asas duma centena de metros de largo.
Esses geoglifos, e existem muitos mais, são parentes próximos, com suas
alamedas em forma de serpente, das antigas construções tumulares dos
montículo builders.
Por outra parte, a edificação dum talude ou dum túmulo implica, como
contrapartida, a escavação dum fosso, tanto é assim que o estudo das

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
diferentes nascas não poderia se dissociar da dos morros funerários, dos
montículos, dos salientes e ressaltados.
Stonehenge, como quase todos os monumentos megalíticos, é um templo em
relevo inscrito num geoglifo.

FOSSO, TERTRE, CROMELECHE, PIRÂMIDE E GEOGLIFO

A nasca da Inglaterra, que está representada por fossos, efígies de gigantes e


imagens de animais, parece constituir o elo duma cadeia que, começando na
antiga Céltida européia, se prolonga através do oceano, primeiro até o Canadá,
depois Estados Unidos, México, Colômbia, Peru e Chile.
Em seu arranque, se encontra o fosso (geoglifo) e sua contrapartida, o talude ou
tertre (túmulo funerário), em toda parte onde habitaram os celtas e seus
predecessores árias.
Com Stonehenge, Avebúria e os fossos pré-históricos, se encontra a construção
emergente: Templos, túmulos, dolmens e a escritura em relevo, alamedas de
pedra, alinhamentos de menir, recintos megalíticos, cromeleches, quernes e,
mais tarde, recintos galos.
Passado o Atlântico, se entra no país dos Tertres onde eram originários os
Tuatha Dé Danann, invasores e civilizadores dos celtas.
De feito, o país dos Tertres se estende até o México e, inclusive, até o Peru.
O fosso na América do Norte adquire uma importância considerável e o túmulo
se multiplica se convertendo em montículo e pedestal de terra suportando um
templo.
Robert Claiborne em Les premiers américains (Os primeiros americanos)*
apresenta o plano duma cidade fortificada do estado ianque de Ilinóis: Cahokia,
que prosperava a este de São Luís, entre os anos 900 e 1100 de nossa era.
Cahokia, reconstituída com ajuda de documentos e comprovações arqueológicas
é, exatamente, Chichén Itzá ou qualquer outro centro maia do México.
Ademais das casas, se vê, construído no ápice dum tertre de grava, o templo ao
que se acessa por uma escada monumental, como em Palenque, em Chichén
Itzá, em Caaba, em Uchmal.
O tertre construído em andares sobre uma superfície de 6ha, precisa a lenda da
ilustração que dá, ainda, os detalhes seguintes a propósito dum enterro:
«A procissão franqueia outros montículos de cerimônias que possuem a forma
dum terrapleno, duma plataforma, duma série de terraços. O cortejo se detém
ante o tertre dos sacrifícios. Ali a esposa e os familiares do chefe serão imolados
e depois sepultados com o defunto no montículo funerário de forma cônica que
está no outro lado da avenida.
»Atrás do tertre funerário...»
Acrescentamos que o texto fala também de quatro outros montículos situados
no exterior das muralhas e, por último, dum observatório «utilizado pra calcular
a data mais favorável pra semeadura».
Muito curioso. E quanta coincidência!
Com efeito, esses tertres pululavam, antanho, na Europa. Esses templos sobre
pedestais (impropriamente denominado pirâmides), encontrados, igualmente,
 Edições Time-Life International. Coleção As origens do homem.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
aos milhares, em México, ao mesmo tempo que as construções piramidais
típicas, idênticas quase, de Plouezoch (Finisterra), Cahokia (Estados Unidos),
Monte Albano, Teotiuacão (México), Rumicucho (Equador), Moche, Macho-
Picho, Kenko (Peru) e nos povoados incas da região de Nasca (e na própria
Nasca).*
E, nesses mesmos lugares, padronizamos, também, nossos misteriosos
geoglifos gravados ou, perdão pelo barbarismo, traçados em relevo, dolmens
(México, Colômbia), menires, recintos megalíticos (La Venta, Iucatão...). Em
resumo: Toda continuidade coerente, todos os elos duma cadeia que estaríamos
tentados em qualificar de pré-céltica.
Essa similaridade de caracteres é a que pode nos ajudar a compreender Nasca,
posto que os geoglifos estão entrelaçados ao conjunto.
Na Inglaterra há perto de cem geoglifos.
A NASCA DA INGLATERRA

Aproximadamente sobre 200km, desde o condado de Sussex ao Devão mas,


principalmente, sobre as colinas de Dorsete, o sul da Inglaterra está marcado de
geoglifos com representações diversas, sobretudo animais e humanas.
Os geoglifos antropomorfos começam perto de Eastbourne com o Grande
Homem de Wilmington (80m) e terminam a norte de Dorchester com o Gigante
da Maça de Cerne Abbas (55m).
São desenhos imensos contornados por fossos que se estendem cerca de 1
hectare. Se lhes pode comparar, salvo na capa de erva verde, aos sulcos de
Siguas, perto de Arequipa.
O gigante de Cerne Abbas esgrime uma maça. O de Wilmington, mais pacífico,
tem um bastão na mão.
Sua origem é quase desconhecida mas se supõe que Cerne Abbas ilustra a
lenda dum Hércules local, enquanto que em Wilmington se trataria dum pastor
vigiando os prados onde pastam rebanhos de ovelhas e manadas de vacas.
Que razão obscura impulsionou aos antigos grandes bretões a gravar essas
personagens. Quiçá o desejo de perpetuar uma lenda, em Dorsete. Quiçás uma
certa magia protetora, no Sussex?
Mas os desenhos mais numerosos e mais interessantes, já que se identificam
com as pistas de Nasca, são as representações de cervos, de cavalos e de
motivos heráldicos que abundam sobre as colinas do Dorsete.
Sua técnica é exata: O substrato, como nos pampas do Peru, sendo de calcáreo
muito branco sob uma delgada capa de erva, basta desmatar o solo pra obter
um traçado.
Ao se oxidar ou se sujar o solo, se fixou, há anos, determinados desenhos
filtrando cimento sobre as superfícies postas em evidência.
Os geoglifos de cavalo, em Uffington, em Westbury, em Hambledon, são as
mensagens de admiração e de respeito deixadas pelos povos antigos, embora
também se diga que remontariam à época do rei Alfredo o Grande (século IX)
que expulsou da Grã-Bretanha os daneses.

 O mame em ruína de Toui Tonga, Polinésia; o de Papara, Taiti; as aras de holocausto, entre os antigos
judeus; tal qual que os zigurates na Assíria-Babilônia, eram construções piramidais de piso.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Os cervos parecem mais recentes. Alguns são, inclusive, deste século.
Simbolizam, à vez, a paixão dos ingleses pela caça e a crença na virtude
redentora atribuída ao animal-imagem de Cristo e a seu poder redentor.
Há uma dezena de geoglifos de cavalo e muitos mais de cervos e de motivos
diversos e recentes que chegam à lenda, como sobre as colinas do Peru.
Aqui e ali uma lembrança atávica impulsionou os autóctones a escrever
mensagens gravadas mas seria necessário fuçar na profundeza do inconsciente
pra discernir o motivo que os fez agir.
Deve se deixar constância dum dado, sem dúvida, de grande importância: A
Nasca da Inglaterra está, «exatamente, sobre a mesma latitude que a Nasca do
Canadá. A linha inglesa dos geoglifos parece marcar a trilha tomada faz já de
5.000 a 10.000 anos pelas tribos de nossa Europa pra ir povoar a América.

AS NASCAS DE FRANÇA

O homem evoluído é um escritor-arquiteto que confia aos geoglifos a expressão


de sua cultura, de seu trabalho, de sua ocupação e dos feitos mais importantes
de sua existência.
Visto desde o céu, em avião, seu trabalho é um admirável mosaico de bosque,
de plantação e de pasto do agricultor; de cubo, de paralelepípedo, de círculo, de
reta, de curva ou de linha sinuosa no caso do arquiteto; de cidade, de povo, de
monumento, de jardim ou de humildes casebres àqueles que trabalham pra
construir, se hospedar ou tornar agradáveis os sítios onde habitam.
Porque, de fato, nossos fossos, sulcos, caminhos e rios são geoglifos naturais
ou artificiais que expressam uma mensagem do homem ou da Natureza.

A RODA DE ENSERUNE

Muito conhecida pelos habitantes do Hérault, mas ignorada pela maioria dos
franceses, a roda de Enserune é, provavelmente, o único geoglifo da França.
Vista de avião ou do mirante situado sobre uma colina antiga, se apresenta
como uma imensa e perfeita roda cujos vinte raios se reúnem no centro.
Nosso amigo Max Seguy, de Béziers, que conhece bem o lugar, diz que esse
desenho se parece a uma torta partida geometricamente.
De fato, os raios da roda, cujo diâmetro deve se aproximar dos 4km ou 5km, são
fossos de drenagem separando os vinhedos e os campos de diversos
proprietários.
O conjunto, chamado roda de Enserune ou de Montady, se estende a 6km de
Béziers, entre as estradas que vão, duma parte a Capestang e de outra parte a
Narbona.
Nossa documentação, que nos foi fornecida por Henry Nohet, secretário da
prefeitura de Montady, aponta os detalhes sobre a história do geoglifo, que a
tradição remonta à época dos romanos.

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O abade Ginieis descobriu nos arquivos de sua paróquia a carta constitutiva
outorgada em 13 de fevereiro de 1247 pelo arcebispo de Narbona, concedendo a
três senhores da periferia e a um notário de Béziers «o poder e as facilidades pra
secar o estancado de Montady e de transbordar sua água no de Capestang que
pertencia ao mencionado arcebispo».
O estancado não era, então, senão um lago infecto cuja água estancada era
muito malsã.
O ata menciona as disposições seguintes:
«Te dou e aos teus, presentes e a chegar, a faculdade de fazer emanar a água
do estancado pela terra de monsenhor, nos terrenos de Nissan e de Pohilhes
pertencendo a meu mencionado senhor. Te permito também construir túneis,
calçadas, fossos, poços, e as fazer passar nas terras, honras, possessões dos
homens, cavaleiros ou outros que as detenham a título de enfiteuse
(arrendagem a largo prazo) do mencionado monsenhor..».
A obra foi começada no ano 1250 e terminada antes de 1270.
Segue uma larga descrição do túnel em aqueduto de 1.364,33m que passa a
29,10m sob a cresta da montanha e a 16m sob o leito do canal.

AS MISTERIOSAS ESTRELAS DE CLOYES

Em 1957 o instituto geográfico nacional tirou fotos aéreas na região situada a


60km de Chartres, até Cloyes-sur-Loire.
Com estupefação os geógrafos comprovaram sobre os negativos manchas
claras em forma de estrela de 9 braços, alinhados sobre um eixo norte-sul e
distantes de 300m a 400m umas das outras.
Cada braço tinha 4 pontos e as estrelas, dum diâmetro de 35m, tinham, após
exame, uma luminosidade muito variável.
Fenômeno ainda mais intrigante: Os levantamentos anteriores a 1957 não
revelaram pegada dos desenhos.
Empíricos deduziram, imediatamente, que se tratava de mensagens impressas
por extraterrenos. Mais racionalistas, físicos se pronunciaram por resíduo
radiativo.
Mas quem teria podido se divertir nos dispor assim e naquele lugar?
O mistério perdura sobre a origem desses geoglifos brancos e irradiantes mas a
tese que prevalece é a de sondagens efetuadas por uma empresa de geofísica
(CGG), não se sabe com qual finalidade.
Um enigma a esclarecer!

OS TRAÇADOS DE ECKWERSHEIM
Na margem dos geoglifos mas, talvez, em relação seu misterioso ignoto, é
interessante assinalar os enigmáticos traçados de Eckwersheim, pequeno
povoado de 800 habitantes no baixo Reno.*
Durante a noite de Natal de 1975 caiu neve e, na manhã seguinte, alguém
observou, estupefato, um sulco contínuo, com largura aproximada de 10cm,
que começava na porta do jardim de sua casa, bifurcava até a horta

 Comunicado de Les dernières nouvelles d'Alsace (As últimas notícias da Alsácia), de 27-12-1975.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
contornando as árvores e as cercas-vivas, prosseguindo sobre uma pequena
taipa de 50cm e se perdia repentinamente.
As bordas do sulco estavam cortadas nitidamente como com instrumento
cortante.
Outros traçados idênticos atravessavam as ruas, com grande retidão ou se
convertiam em circunferências perfeitas.
Não havia claro início, nem final detectável... Que animal teria sido o autor. Que
fenômeno poderia explicar?
Igual como em Nasca, tampouco os naturais de Eckwersheim puderam
adivinhar o enigma desses geoglifos!

TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO DO MISTÉRIO DE NASCA

Parece muito difícil, se não impossível, dar explicação às pistas e às linhas de


Nasca.
As conhecemos bem: As de Villacuri (as menos freqüentadas), dos Castelos, de
Huayrui e (as mais densas), as da pampa Colorada, pelas ter sobrevoado com
freqüência e ter gasto nelas nossas alpargatas durante uns dez anos.

NASCA DE UM PÓLO A OUTRO

Ademais, reunimos documentação importante sobre os geoglifos ou traçados de


natureza análoga que se podem encontrar no Canadá (Medicine Wheels, Indian
Boulder effigies), em Estados Unidos (geoglifos dos desertos de Colorado e de
Novo México), no Peru (Nasca, naturalmente, mas também Geoglifos de Touro
Morto e de Siguas, até Arequipa), na Inglaterra (geoglifos das colinas do Dorsete
e desenhos traçados em sulco no sul e o sudoeste de Londres, etc).
Realizamos películas (pessoais) desses modos de expressão, no Peru e na
Inglaterra, e possuímos em nossa fototeca fotos de todos os geoglifos acima
mencionados.
Apesar de tudo não podemos apresentar sobre o tema mais que uma hipótese.
Algumas observações adquirem certeza:
— A Nasca do Peru não é obra dum só homem ou de alguns pastores ociosos.
Há milhares de desenhos. Sua conformação, com freqüência perfeita, sua
superfície, sua longitude implicam um trabalho em massa ou, ao menos, a
tarefa duma etnia ou dum povo.
Seu distanciamento das zonas habitáveis (25km a 40km) parece demonstrar o
caráter necessário ou sagrado desses geoglifos.
Foi necessário que uma etnia viesse habitar o pampa desértico, o qual supõe um
deslocamento considerável de homens e de meios de subsistência.
— Os geoglifos foram executados com grande esmero.
Do que se deduz uma impressão de respeito e dalgo sagrado.

CÉREBROS ORGANIZADOS DE OUTRA MANEIRA

— Sua execução exigia uma grande destreza em geometria e em técnica.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Ao se dar a circunstância de que as montanhas e os morros estão demasiado
apartados pra ter servido de observatório ou de centro de comando, há de
admitir que os desenhistas utilizavam:
— planos com escala de reprodução dos desenhos,
— ou possibilidade fantástica de visão e de memória que lhes permitiam
prosseguir um desenho sem esquecer a escala de proporção e as partes já
traçadas.
Em resumo, essa gente teria tido um condicionamento mental lhes permitindo
situar sempre exatamente o momento presente de seu traçado.
Pros ameríndios o tempo tinha um significado, um valor e uma densidade que
escapam a nossos conceitos cerebrais, como lhes escapa o sistema dos
desenhos prodigiosamente emaranhados gravados sobre os calhaus da gruta de
Lussac-les-Cháteaux (Vienne) pelos homens do período magdaleniense.
Eliminamos a primeira hipótese, reprodução a grande escala, e retemos, pruma
explicação aparte, o condicionamento cerebral particular.
— O pampa de Nasca é um imenso quadro branco gípseo, recoberto de óxido e
de pedra parda. O passo dum homem deixa uma pegada grisácea. Vários
passos no mesmo sítio rompem a delgada capa parda e descobrem o substrato
branco.
Esse fenômeno deve ter solicitado imperiosamente a atenção dos habitantes da
região e lhes dar o desejo de escrever sobre esse quadro branco-pardo.
— Se se admite que a existência do quadro motivou o desejo de escritura,
devemos pensar que o tema a tratar: Desenhos geométricos, zoomorfos,
antropomorfos, etc., ocupa lugar de importância secundária.

CALENDÁRIO ASTRONÔMICO? NÃO!

A partir dessas considerações, aleatórias mas aceitáveis, precisamos imaginar


as razões, as idéias que puderam germinar no cérebro dos homens de Nasca.
Fazer um calendário astronômico?
Estudamos bem Nasca: As linhas e as pistas vão a toda direção possível e sobre
onde escolher pra decidir um enfoque de Sírio, de Vênus, de Marte ou de
Aldebarã!
E um calendário servindo pra quê e pra quem numa região desabitada?
Consideremos, pois, outras explicações. Obra gratuita. Fórmulas mágicas pra
guiar a alma ou a vida no mundo dos mortos. Mensagem destinada a ser vista
desde o céu pelos deuses. Ex-voto. Captação. Representação do céu?
A essas hipóteses, já muito numerosas, há de acrescentar outra: Realização
pictórica de inspiração em massa, sem espírito individual, como é o vôo
oscilante de determinados grupos de pássaro. Obra-mestra dum inconsciente
coletivo realizando uma obscura tarefa geométrica, como as aranhas tecendo
sua admirável teia?
É provável que um dos termos dessa nomenclatura beire ou represente a
verdadeira intenção!

TÉCNICA DOS TRAÇADOS

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Os desenhos e os grafites são, geralmente, formados com pedra ou com pilhas
da planta itchu.
No Chile se retira a oxidação parda do solo pra deixar aparecer zona branca ou,
ao contrário, se amontoam calhaus pardos sobre uma colina de cor clara
(informe de Hans Niemeyer F.).
Em Estados Unidos acontece o mesmo que em Nasca.
No Canadá os geoglifos estão traçados com pedras de cor clara dispostas sobre
um fundo mais escuro.
Na Inglaterra se retira a capa verde herbácea ou das colinas pra deixar aparecer
o substrato cretáceo.
No Chile se encontram geoglifos representando cruzes de Malta, estrelas, sóis, o
qual permite supor uma preocupação com o sagrado, com o culto.
Esses desenhos são, provavelmente, posteriores aos geoglifos de Nasca.
Possivelmente são, inclusive, relativamente recentes, o qual apresenta, por esse
mesmo motivo, grande interesse, já que, esclarecendo a intenção recente, se
têm uma possibilidade de captar a intenção antiga.

TEMPOS CÓSMICOS E CARTA A PAPAI NOEL

Temos muito em conta o caráter cósmico das antigas civilizações e a posse,


suposta ou real, de cada indivíduo à continuidade universal.
Temos uma tendência a propender até um chamado aos povos do espaço (os
deuses de nossos antepassados, os extraterrenos de nossos contemporâneos),
entidades reais ou supostas nas quais, como os cristãos do século XX, tinham fé
todos os povos do mundo antigo.
Para resumir e concluir este estudo, retemos quatro pontos que, nos parecem,
devem entrar consideração pra esclarecer o enigma de Nasca:
— Tentação do substrato da pampa: Piçarra de aula colegial.
— Tendências mentais particulares.
— Espírito de massa e inconsciente coletivo.
— Ex-voto e chamado aos deuses.

A BATALHA DE ICA

Depois de publicar nO enigma dos Andes, em 1974, revelações aportadas pelas


pedras gravadas do doutor Cabrera, de Ica, periódicos, a televisão e pseudo-
arqueólogos puseram em dúvida a autenticidade da descoberta e nos
envolveram na controvérsia.
Os capítulos seguintes são uma resposta a esses detratores.

Capítulo IV
OS ARGUMENTOS DOS DETRATORES

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

A Conjura se desencadeou com raiva contra a maravilhosa descoberta de Ica!


Tinha que se vingar do humilhante reconhecimento por sua parte da
autenticidade de Glozel!
Ah, iam a gozar com Ica!
Por conseguinte, era necessário demonstrar que doutor Cabrera era um
ingênuo, Charroux um falso arqueólogo e as pedras de Ica o recente resultado
duma farsa monumental!
Sim, monumental porque, com 20.000 pedras gravadas se podia quase
construir uma igreja!
A imprensa do Peru entrou em contenda imediatamente.
Ó! Mas não A Prensa, não O Dominical, não O Comércio, senão as revistas do
tipo das que, na França, decretam, a cada semana, que tal chefe de estado
morrerá de câncer, que tal princesa se casará com um vaqueiro do Texas...

A CONJURA DOS IMPOSTORES

O ata de acusação pode ser resumida nesses termos:


― Todas as pedras de doutor Cabrera foram fabricadas pelos huaqueiros de
Ocucaje e, principalmente, pelo senhor Basílio Uchuya e a senhora Irma de
Aparcana.
Na revista Correo* de Lima um incerto senhor Ravines iniciou uma guerra sem
quartel contra o descoberta, fazendo ostentação de seu conhecimento de
arqueologia.
Pra melhor sustentar sua impugnação e demonstrar sua cultura, o jornalista
extraiu do fundo de seus arquivos A fraude arqueológica, de dom João
Bartolomé Beringer e estabeleceu um paralelo com as pedras de Ica.
Eis aqui o que escreveu em Correo #4.267:
― Os três primeiros capítulos onde, com deliciosa ingenuidade que, de inocente
se converte em exasperante, esse senhor Charroux nos conta a história das
pedras, são o melhor exemplo.
― O erro é tão manifesto e as conclusões tão ridículas que não é difícil encontrar
nas pedras de doutor Cabrera, uma vulgar paródia de outras pedras: As do
doutor Beringer. Esse dom João Bartolomé Beringer, catedrático de história
natural na universidade de Vurtesburgo, acometido pela febre do colecionismo,
dedicou quarenta anos de sua vida recolhendo fósseis nas pedreiras de seu país
e conseguiu reunir um número considerável, nos que figuravam as formas mais
estranhas: Rãs copulando, aranhas apanhando moscas, pássaros insólitos,
insetos extravagantes, animais de espécie desconhecida e também o Sol, a Lua
e as estrelas.
― O entusiasmo de Beringer foi tal que perdeu todo senso comum. E sem
assimilar que muitas dessas pedras não tinham justificativa, publicou suas
descobertas num precioso infólio e, descobrindo, mais tarde, que fora enganado
por seus alunos, que fabricavam essas peças, coberto de ridículo, tentou
recuperar todos os exemplares de seu livro pros destruir.
Que cultura tem o senhor Ravines!
 Correio, de 25-1-1975, página 13, coluna 4.
44
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Grande é sua competência no tema de fraude em arqueologia e de superstição
em literatura!
Pois bem, com o que expõe há mais que suficiente pro mandar aos tribunais por
difamação... Se doutor Beringer não tivesse morrido há duzentos anos!
O senhor Ravines é um ignorante.
Eis a prova: Doutor Beringer nunca colecionou pedra verdadeira nem falsa!

COLHIDOS COM AS MÃOS NA MASSA!

De fato, senhor Ravines, tiveste razão ao exumar o assunto de Vurtesburgo,


porque esse explicará parcialmente o de Ica.
O evocaremos brevemente e nosso relato será muito distinto do seu, o qual
significa que haverá entre ambos a diferença que separa a verdade da mentira.
É verdade que houve em 1725 um caso de fraude arqueológica em Vurtesburgo,
cidade da Baviera, mas nem de perto nem de longe professor Beringer esteve
envolvido: Era o decano da faculdade de medicina da universidade franconiana
de Vurtesburgo onde foi apresentada a tese do colecionador de pedra.
O protagonista, falsário segundo Ravines, se chamava Georges Louis Hueber, de
Herbinópolis,* bacharel em filosofia, estudante de medicina, e o caso se situa
sob o reinado do príncipe-bispo Cristóvão Francisco, duque da Francônia.
Hueber não era um revolucionário dos pés à cabeça mas foi subjugado por suas
descobertas e, sem dúvida, não se mostrou demasiado severo no sentido crítico,
já que se assegura que três irmãos, dos quais o maior não tinha mais que
dezessete anos, lhe enganaram reiteradas vezes fabricando outros falsos,
ajudados e estimulados, há de se dizer tudo, pelos próprios colegas do
arqueólogo,
Mas, temos de concluir, a boa fé de Hueber de Herbinópolis nunca foi posta em
dúvida.
Cândido mas honesto, acabou reconhecendo ter sido enganado e retirou sua
tese de circulação.

CONFUNDIU O PIREU COM UM HOMEM

Não obstante, se encontraram alguns exemplares redigidos em latim.


Reproduzimos o prólogo:
Primeira dissertação físico-histórica seguida de corolários médicos,
apresentados sob a autoridade e com o consentimento da ilustre faculdade de
medicina da universidade franconiana de Vurtesburgo, sob a presidência do
muito nobre, muito ilustre e muito sábio mestre Jean Barthélémy Beringer,
doutor em filosofia, doutor em medicina, decano, etc. Tese submetida, depois
dos exames ordinários, por Georges Louis Hueber de Herbinópolis, Bacharel em
filosofia, estudante de medicina.

 Herbinópolis é o nome latino de Vurtesburgo.


45
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
»O costumeiro paraninfo da faculdade, em... de maio de 1726.»*
A tese não foi aprovada pela faculdade de Vurtesburgo. Doutor Beringer e seus
assessores fizeram compreender ao bom Hueber que havia sido vítima dum
engano.
O tal Ravines confundiu o Pireu com um homem... e o juiz do tribunal com o
acusado.

MÁ-FÉ E IGNORÂNCIA

Desgraçadamente a imprensa, chamada sensacionalista, de Lima soube atrair a


seu círculo outros depreciadores de maior ou menor envergadura.
Foi primeiro um propalador de boa-nova, um tal B. L., que se encarregou de
semear aqui e acolá, na França, as traduções desfavoráveis à biblioteca pré-
histórica de Ica!
A senhora W... declarou no periódico suíço 24 HEBDO: «As pedras de Ica são
falsas, e disponho de prova escrita... doutor Cabrera é procurado pela polícia..».
Numa retificação publicada em 9 de junho explicou, com embaraço, que «as
pessoas procuradas e interrogadas pela polícia eram mestiços e não doutor
Cabrera», como ela mesma dissera!
Essas elucubrações careceriam de importância se não tivessem obtido qualidade
de juízo por personalidades aparentemente mais dignas de crédito.
A senhora Maria Reiche, que teve o mérito, depois de Paul Kosok e antes de nós
mesmos, de descobrir as pistas de Nasca, sem dúvida, enojada por ter passado
dez vezes ante a gliptoteca de Ica sem haver farejado nem visto as maravilhosas
pedras, teria declarado, segundo Mundial, #6, de 23-1-1975, que o que
escreveu Charroux é ficção científica e não merece crédito ante os cientistas.**
O caso da senhora Rosa Fung, diretora do museu de arqueologia da
universidade de São Marcos, de Lima, está mais matizado:
«A teoria de Charroux sobre as pedras gravadas de Ica não tem fundamento
nem valor científico».
A senhora Fung tem perfeito direito a emitir esse juízo e talvez tenha razão, mas
o que nos desconcerta é a continuação dessas declarações, também
reproduzidas por Mundial, #6.

A INSÓLITA ARQUEOLOGIA DA SENHORA FUNG

«Não existe, teria dito a diretora do museu São Marcos, associação (?) sobre os
sítios nos quais se diz ter descoberto as pedras gravadas. Não se sabe, sequer,
quais são esses sítios nem de que estão compostos geologicamente, o que é
muito importante pra estabelecer a antiguidade de uma descoberta

 Esse texto figura nas obras seguintes: Les fraudes em archéologie préhistorique (As fraudes em
arqueologia pré-histórica), de Veyson de Padenne; Les faux em préhistoire (As falsificações em pré-
história), Boletim da Sociedade Pré-histórica da França; Archeology and false antiquities (Arqueologia e
falsas antigüidades), de R. Munro, Londres, 1905 etc.
 Maria Reiche disse, igualmente, em sua entrevista: «Doutor Cabrera não permite que se pegue uma

pedra e que se a examine de perto». O que é uma contra-verdade!


46
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
arqueológica, quando se pode utilizar o C-14 como é o caso com as pedras
gravadas... Tudo isso não é mais que lenda e fantasia».
Todos os alunos do sexto curso no instituto sabem ou deveriam saber que a
peritagem de datação pelo procedimento do carbono (hoje em dia em desuso, já
que é extremamente suspeito) só se pode fazer sobre organismo vivo ou que o
foi, sobre os quais se calcula o fenômeno de perda de C-14 (a metade em 5.568
anos), e não se faz, em absoluto, sobre pedra!
Essa é arqueologia de primeiro ano!
A senhora Fung, inclusive, acrescenta:
― Não se sabe quais são esses sítios...
Tu, senhora... não sabes, mas cinqüenta, cem arqueólogos sabem onde estão
situados, posto que efetuaram registros e escavações e que publicaram livros e
tese sobre suas descobertas, os quais, precisamente, eram pedras gravadas! E é
necessário que agora saibas, por mediação nossa, o que os não cientistas
ignoram: Essas pedras, das quais ignoravas a existência em 1975, eram
encontradas, colecionadas, conhecidas há séculos!

NÃO CONHECER, NEM POR ASSOMO!

Mais adiante voltaremos a tratar do jesuíta que efetuou a peritagem das pedras
em 1926. Mas como a senhora Fung pôde ignorar o museu arqueológico de
Carlos Belli, membro correspondente de várias sociedades científicas da
América e professor no colégio nacional?*
Esse museu foi aberto em Ica em 7 de dezembro de 1940 e se podiam ver nele
numerosas pedras descobertas em Ocucaje em 1909!
Querida senhora Fung, ignoravas a escavação de Carlos Belli, que, como outros,
nunca havia ido a Ica nem à pampa de Nasca e também ignoravas o livro de
Hans Dietrich-Disselhof e de Sigwald Linné: L'Amérique précolombienne (A
América pré-colombiana)** onde se fala abundantemente das tumbas e dos
calhaus gravados de Ocucaje!
Desgraçadamente, se somente possuis rudimentos apagados de arqueologia, te
consoles pensando que alguns pré-historiadores do CNRS não estão mais
chocados que tu.***
Um deles, o mais ignorante, o mais presunçoso, disse que nossas descobertas
de Ica, que nossos relatos sobre Nasca eram como no caso Glozel, uma clássica
impostura!
Impostor quando se diz, segundo as datações por termoluminescência
efetuados pelo comissariado francês de energia atômica, que Glozel é
perfeitamente autêntico?

 E autor do segredo das Nascas, editado em 1950 pela sociedade dos americanistas de Paris.
 Editado por Albin Michel, Paris, 1961
 Desde logo, só atacamos uma determinada categoria de pré-historiadores do CNRS, aqueles que datam

o império inca do século XIII! e descrevem as pistas de Nasca feitas de pedras alinhadas... Sentimos o
mais profundo respeito aos verdadeiros arqueólogos tais como os senhores Taleb ou Coppens...
47
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Impostor quando, depois de cinqüenta, cem arqueólogos, qualificados, depois
de quatro séculos de escavação e de dezenas de livros publicados, se
apresentam as pedras de Ica ao grande público?

O LIVRO DO PROFESSOR PEZZIA ASSERETO

Em 1961 o professor Alexandre Pezzia Assereto, conservador do museu de Ica,


escreveu as seguintes linhas num livro editado em 1968:*
«No vale de Ica, desde o ano 1961, vêm aparecendo no mercado grande número
de pedras gravadas que se manifestam como um novo vestígio artístico
elaborado pelos artistas pré-colombianos iquenhos» (página 95. Título: Pedras
gravadas de Ocucaje e Callango).
O senhor Alexandre Pezzia prossegue expondo:
É interessante fazer notar que as pedras das quais falamos intrigam aos
arqueólogos. Apareceram primeiro em 1960.** São encontradas...
particularmente nos sedimentos ocultos sob a vertente das colinas das fazendas
Ocucaje e Callango, no vale do rio Ica (à entrada das pistas).
»A importância dessas pedras fica enfatizada pela riqueza de seus desenhos e
de seu simbolismo, remontando à época do progresso cultural pré-colombiano
de Ica».
Eis aqui o que põe ponto final aos extravios incríveis da máfia de contestação,
de ignorância e de má-fé!

OS HUAQUEIROS9 ATERRORIZADOS

Resulta evidente que os jornalistas de Mundial, cujo talento é mais que


duvidoso, não ficaram orgulhosos em seu amor próprio profissional quando,
depois de haver posto à luz as pistas de Nasca e o Candelabro dos Andes,
revelamos uma descoberta de imenso alcance, incalculável que, uma vez mais,
estivera ante seu nariz sem que percebessem.
Por despeito, e se guiando pelas indicações de nosso livro, se dirigiram a
Ocucaje, onde foram solicitados desde todas as casas para lhes vender pedra.
Uma testemunha peruana que não podemos nomear para evitar grave ameaça,
represália e talvez cadeia, nos informou sobre os métodos utilizados.
— Donde procedem essas pedras? — Perguntaram os investigadores.
— As encontramos nas colmas...
— As encontram também em tumbas. Sois huaqueiros e sabem que esse delito
é severamente castigado pela lei?

 Ica e o Peru pré-colombiano. Tomo I, Arqueologia da província de Ica. Empresa editora livraria imprensa
Ojeda, SA, Ica, Peru, 12 de março de 1968.
 Erro de professor Pezzia. Ao que sabemos, as pedras gravadas de Ica fizeram sua aparição antes do

século XVIII.
9 Huaqueiro: Saqueador de tumba

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
E teve lugar o jogo sutil de ameaça e de promessa entre os jornalistas astutos e
sem escrúpulo e os pobres camponeses assustados.
Se lhes persuadiu a declarar que todas as pedras procedentes de Ocucaje
haviam sido gravadas por eles. Mas se insistiu muito sobre esse ponto: Todas
as pedras!
Se uma só fosse autêntica, quer dizer, encontrada... o sistema de defesa já não
servia. Era, então, um comércio ilícito e malversação de patrimônio pré-histórico!
Aos cárceres, vamos! E os cárceres de Peru não são, particularmente, atrativos.
Um trabalhador agrícola, Basílio Uchuya, e uma camponesa, Irma de Aparcana,
por um punhado de sóis* reconheceram e admitiram tudo o que se quis: Haviam
gravado todas as pedras de doutor Cabrera, inclusive as que encontrara o
próprio doutor Cabrera e as encontradas antes de que ambos, Basílio e Irma,
nascessem!
Os jornalistas se mostraram magnânimos: Prometeram a impunidade a Basílio
com a condição de que aceitasse gravar ante eles uma pedra falsa!
Mundial publicou nove fotos que mostram o semblante ansioso e assustado do
pobre-diabo. Nove fotos farsa, como se diz no estilo periodístico, já que Basílio
não tinha oficina de gravação nem pedra de reserva nem ferramenta de
gravador. Nada que pudesse testemunhar uma verdadeira atividade de
gravador!
Nem sequer o amontoado de resíduo de pedra, de desperdício, resto de erro e
outras evidências que tivessem demonstrado que, efetivamente, havia
trabalhado sobre centenas de pedras.
E as nove fotos, reproduziam sempre a mesma pedra.
Naquele dia, em Ocucaje, não haviam duas pedras supostamente falsas!

BASÍLIO, O HOMEM QUE DEVORA O TEMPO

Na assombrosa confissão que lhe forçaram a escrever, Basílio declarou que em


dez anos gravou todas as pedras que compõem o museu de doutor Cabrera,
que se lhe havia apresentado sob a identidade de doutor Sotil. Resultava pois,
matematicamente, que o huaqueiro havia gravado durante dez anos, mil pedras
por ano, ou seja três pedras por dia ou, com maior exatidão: Quatro ou cinco, se
descontamos os domingos, dias de festa e de descanso obrigatório.
Como, por outra parte, declara a Mundial que havia gravado as pedras durante
oito ou nove anos somente, como ademais se passa a maior parte de seu tempo
trabalhando como camponês, temos de calcular na condição mais favorável à
mentira, que Basílio ia buscar as pedras no rio Ica, trabalhava no cultivo rural,
observava os descansos e festas costumeiros e, apesar a tudo, encontrava, não
obstante, tempo necessário pra gravar a cada dia de cinco a dez pedras
(calculamos sobre oito anos)!
Muito bem: Colocado ante a tessitura de gravar uma só, de 30cm de diâmetro,
com um desenho fácil, primário, demorou dois dias pra concluir!
E o que produziu era tão ridículo, estava tão apartado dos magníficos temas das
pedras de Ica que ele mesmo expressou publicamente sua vergonha!

 Os jornalistas do Mundial confessam, em sua reportagem, que pagaram a Irma Gutiérrez de Aparcana
(página 42, coluna 2).
49
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— Me obrigaram. — Disse.
Se estimam em 50.000, aproximadamente, os cantos rodados disseminados no
mundo inteiro, recolhidos pelos arqueólogos, ocultos nos museus particulares,
principalmente em Estados Unidos, onde Hamilton C. Foreman possui 2.000.
Se Basílio gravou as 11.000 pedras de doutor Cabrera, quem gravou as 39.000
restantes?
Fica bem claro, pra toda mente idônea, que Basílio e Irma mentiram!
Essa história fantástica, elaborada por jornalistas sem escrúpulo, dos quais
alguns são vis plagiários, procede duma maquinação pura e simples, e o
havíamos previsto no prólogo de nosso livro O enigma dos Andes:
«Hoje certificamos que as declarações de Basílio Uchuya e de Irma de Aparcana
são embustes, que a revista Mundial publicou falsos documentos e trucou a
verdade pra desacreditar uma descoberta que seus jornalistas não conseguiram
por falta de talento e boa vista».

A SENHORA UCHUYA CANTA DE PLANO

Cremos que o leitor já está a par das características dessa sombria história e, no
entanto, não expusemos, ainda, os argumentos contundentes que rebentarão a
verdade sobre o caso de Ica.
Um deles é, no entanto, publicado pelo próprio Mundial mas não há pior cego
que aquele que não quer ver.
Reproduzimos textualmente a declaração efetuada na página 43 da revista, pela
senhora Uchuya, a própria esposa do principal falsário:
Há alguns dias meu marido e a senhora de Aparcana foram trasladados pela
polícia pra que declarassem se as pedras eram falsas ou autênticas. Quer dizer,
se as haviam gravado ou apenas encontrado.
«Então meu esposo disse à polícia que todas as pedras que havia vendido a
doutor Cabrera haviam sido feitas por ele. Que não as havia desenterrado de
algum lugar. A senhora Irma de Aparcana disse igualmente o mesmo».
A coisa já ficava resolvida: As pedras haviam sido encontradas nas tumbas e
então Irma e Basílio iam à cadeia ou haviam sido gravadas por eles... e o caso
ficava concluso!
Que responderias de se te encontrasses em tal situação?
O governador civil de Ica, o engenheiro Enrique Egoaguirre, cavaleiro culto, bom,
humano, compreendera perfeitamente a situação e, apesar de pressões oficiosas
de gente mal intencionada, decretou um embargo.
— Os camponeses de Ocucaje — disse — são gente humilde que ganham a vida
vendendo objetos.
Nos limitamos a suas declarações, sem mais.

A EMISSÃO APÓSTROFES

Assim estavam as coisas quando apareceu O enigma dos Andes, em novembro


de 1974.

50
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Dizemos com orgulho e gratidão: A totalidade, sem exceção, de nossos leitores
e amigos, sempre acreditou, e com razão, na autenticidade das pedras de Ica e
na garantia que representávamos pra eles.
Sobretudo depois da emissão Apóstrofes, na Cadeia 2, em 28 de novembro de
1975, em cujo transcurso, J. P. Adam, autor dum livro sobre a impostura em
arqueologia, declarou que sua obra estava, sobretudo, dirigida contra Robert
Charroux.
Aos que estranhavam nossa ausência no debate Bernard Pivot declarou que
fôramos convidados mas que não havíamos querido acudir.
Esse era tão inexato como os extravios de J. P. Adam sobre Nasca, as pedras de
Ica, Glozel, a ilha de Páscoa, etc.
Esse assombroso arqueólogo, destrutor de engano, encurralado em suas
trincheiras, teve que admitir, ante milhões de telespectadores, que emitia juízo
sobre coisas que jamais vira, posto que não fora a Nasca nem a Ica nem a
Glozel nem à ilha de Páscoa!
— Nem a Montignac-Lascaux, a ver as célebres grutas, porque estão proibidas
ao público!
Marcel Julien, diretor de Antena 2, nos prometera em cinco cartas com titulares
da televisão francesa publicar uma retificação. Sem dúvida, então, fez essa
promessa com boa-fé... mas, finalmente, nada publicou...
Por sua parte, France-Soir e Le Monde fizeram ouvidos moucos pra publicar
uma resposta que somente podíamos impor por via judicial.
O mais virulento, Le Canard Enchainé, não aceitou nosso desafio: Cinqüenta
milhões de francos antigos* de que aportasse a sombra duma prova a suas
afirmações!
Não nos resta remédio além de sorrir, embora um tanto acremente.

Capítulo V
A CONJURA MENTIU: EIS AQUI AS PROVAS

Nos empenhamos em apresentar, na totalidade, os reproches expressados pela


conjura maligna.
Eis aqui a outra vertente do problema, aquela na que, como resposta aos
Ravines, Lelong, Adam, jornalistas de Mundial e a suas alegações falazes,
trucados, apresentamos opiniões, peritagens e declarações efetuadas por
pessoas honradas e habilitadas pra julgar.

1626: PEDRAS GRAVADAS DO RIO ICA!

Essa ridícula controvérsia jamais existiria se os contestatários estivessem


providos duma cultura sequer superficial.
É lastimoso comprovar que a senhora Maria Reiche e que a senhora Rosa Fung
hajam ignorado que as pedras gravadas de Ica eram conhecidas, pelo menos,
desde 1626.

E, no entanto, se tratava de cinqüenta milhões em benefício do instituto Pasteur e da investigação sobre
o câncer.
51
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Foi, de fato, nessa data, quando o jesuíta espanhol Pedro Simão menciona em
seu livro Notícias historiales (notícias 4 e 5) o que chama as pedras gravadas de
Ica. O texto está na Biblioteca Nacional onde todo mundo pode consultar.
Inclusive uma tradição afirma que frei Pedro Simão gravou, ele mesmo, algumas
pedras introduzindo nelas temas religiosos.**
Há cerca dum século personalidades peruanas possuem pedras procedentes do
vale do rio Ica e vários museus têm em sua coleção 800 pedras.
As do museu de Ica e do museu da Aeronáutica do Peru são as mais
importantes mas as mais numerosas são propriedade de arqueólogos que
efetuaram escavações frutuosas com os huaqueiros de Ocucaje.

MUITO CONHECIDAS NO SÉCULO XIX

A existência e descoberta dessas pedras remonta, pois, a 1626 e, sem dúvida, a


muito antes.
Eis aqui como, a nosso entendimento, se pode traçar o inventário cronológico de
sua descoberta, o qual porá fora da questão ao bom de Basílio Uchuya, posto
que não havia nascido quando, já, eram encontradas nas tumbas de Ocucaje.
Desde princípio deste século10 arqueólogos e colecionadores peruanos fazem
escavação sem caráter oficial, posto que a lei peruana que protege os sítios
arqueológicos não foi ainda votada ou, se foi, é absolutamente inoperante.
Assim em 1909 o arqueólogo Carlos Belli, em colaboração com huaqueiros (o
fato é atestado por seu próprio filho) efetuou uma longa série de sondagem no
vale de Nasca e no rio Ica.
O doutor peruano Julio C. Tello afirma que conhece a existência das pedras por
seu pai, que tinha essa informação por ter ouvido de seu avô, o qual faz
remontar o assunto a meados do século XIX!
Eis aqui os nomes de personalidades da região de Ica que, de 1960 a 1966,
encontraram pedras gravadas: Professor Hermán Buse,* Carlos Soldi, doutor
Santiago Qüiroz, doutor César Almeida, Jaime do Solar, etc.**
O arqueólogo William Duncan Strong, descobriu em 1933, perto de Ocucaje, no
vale de Ica, tumbas chamadas paracas, de fossas exatas e estreitas que estão
recobertas por calhaus fluviais redondos ou por manchas de terra.
Em 1961 e em agosto de 1966 professor Agurto Calvo, reitor da universidade
nacional de engenharia, escavou em Ocucaje e descobriu em tumbas pré-
colombianas numerosas pedras gravadas as quais começou a colecionar.
Prosseguiu exploração no setor de Toma Luz, da fazenda Callango, no vale de
Ica.

 De fato, se dermos crédito a uma tradição dificilmente controlável mas que confirmam uns indícios e os
temas religiosos tratados sobre algumas pedras, o padre Simão havia conhecido muito no santuário
secreto do morro de Ocucaje. Inclusive o teria até inventariado em parte, mas sem revelar sua existência
e significado. Por extremo zelo devoto e tal como fizeram os clérigos medievais, teria, segundo se diz,
interpolado a mensagem dos Antepassados Superiores intercalando na gliptoteca algumas pedras
gravadas representando o pecado original, a Natividade, a fuga ao Egito e a paixão de Jesus!
10 O século 20

 Hermán Buse falou das pedras de Ica em seu livro Introductions au Pérou (Introduções no Peru), Lima,
1965.
 Mencionados pela Prensa, de 5 de fevereiro de 1975
52
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Em 1966 os professores Alexandre Pezzia Assereto e Agusto Calvo escavaram
no morro Uhle, do setor da Banda, da fazenda Ocucaje e encontram pedras
gravadas.
«Essa descoberta, escreveu professor Pezzia, proporcionou a afirmação da
autenticidade desses vestígios e o honra de ser o primeiro descobridor pertence
ao senhor Agusto Calvo, que relatou esse acontecimento no suplemento do
periódico El Comercio, de Lima, de 11 de dezembro de 1966, sob o título As
pedras mágicas de Ocucaje... Essa tumba, às quais já nos referimos, do
cemitério Max-Uhle, foi totalmente destruída pelos saqueadores de tumba».
Em 1968 professor Pezzia Assereto, que é diretor do museu de Ica, publicou as
linhas mencionadas anteriormente e a relação das numerosas escavações e
descobertas efetuadas em Ocucaje e em Callango, num livro intitulado Ica e o
Peru pré-colombiano, tomo I, Arqueologia da província de Ica, editado pela
Imprenta Ojeda, SA, Ica, Peru, em 12 de março de 1968.
Reproduzimos mais acima duas páginas do livro com desenhos das descobertas
e de algumas pedras.***
As tumbas de Ocucaje e de Callango e as pedras gravadas encontradas nelas,
segundo as estimativas oficiais, teriam 2.300 anos de antiguidade (época de
Paracas). As pedras gravadas do morro de Ica são, provavelmente, muito mais
antigas.

DOUTOR CABRERA ENTRA EM JOGO

1966-1973: Doutor Cabrera compreendeu a importância das pedras e juntou


uma coleção que chegou a reunir aproximadamente 11.000 pedras. Sem
dúvida, encontrou bastante nas tumbas de Ocucaje (nunca dirá! Não é prudente
confessar que se viola sepultura, embora sejam do ano 2000 antes de nossa
era), mas compra muitas dos saqueadores.
Última Hora, de 2-9-1971, declarou que a descoberta das pedras de Ica deram a
volta ao mundo mas ainda não é conhecida no Peru.
O artigo do periódico, intitulado «Em Ica há pedras estranhas que são um
enigma», assinala a existência de gravuras representando seqüências de
intervenções cirúrgicas e de transplante de órgão, que doutor Cabrera tem a
intenção de apresentar com tema dum Congresso internacional de medicina.
Se trata, evidentemente, de transplante de coração e do transplante de cérebro,
dos quais publicamos as fotos no enigma dos Andes.
É importante frisar que naquela data, 2 de setembro de 1971, houvesse sido
possível considerar, pra evitar o fenômeno do rejeição, a transfusão de sangue
de mulher gestante, procedimento do que os cirurgiões só mencionaram no
início de 1975, depois da aparição de nosso livro.

 Numerosos autores, desgraçadamente ignorados pelos pseudoarqueólogos, falaram das pedras do rio
Ica e alguns se estenderam amplamente sobre as escavações feitas em Ocucaje. Eis aqui obras de
consulta: L'Amérique précolombienne (A América pré-colombiana), de Hans-Dietrich Disselhof e Sigwald
Linne (página 152), Paris, Albin Michel. Paracas, Nasca and Tiahuanacoid cultural relationship in South
Coastal Peru, Memoirs of Society of American Archaelogy (Paracas, Nasca e relação cultural tiauanacóide
no litoral sul do Peru, Memórias da Sociedade de Arqueologia Americana), 13 Salt Lake City, 1957
(estudos sobre uns meses de escavação em Ocucaje). Ica e o Peru pré-colombiano, Alexandre Pezzia
Assereto, Ica, 1968. Ver também Álbum histórico da civilização nasca, Peru, Edições de Bronze, Lima,
1921, de Carlos Belli. O Segredo das Nascas, de Próspero L. Belli, (1950), etc.
53
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
De El Dominical, de 27-8-1971, sob o título «O segredo das 11.000 pedras.
Possibilidade dum cataclismo arqueológico?»:
«É difícil admitir tais coisas que sobrepujam nossa imaginação. Mas isso é
possível, posto que aqui, diante de nossos olhos, estão as pedras e porque se
podem fabricar uma, duas, três, quarenta, mas não onze mil!»
1973: Entrevista de Robert Charroux e doutor Cabrera.
O assunto é ainda ignorado, salvo pelos iniciados. É certo que alguns
arqueólogos conhecem as pedras de Ocucaje e de Ica, mas somente quatro
homens captam o caráter fantástico, único, da descoberta: Doutor Cabrera,
Robert Charroux, coronel Ornar Chioino Carranza e engenheiro Borit. Ninguém
mais*.
Doutor Cabrera e Robert Charroux decidem revelar as pedras de Ica, primeiro na
França e na Europa.
De El Comércio, do 17-3-1974:
Por ele, depois de ter analisado detalhadamente os argumentos pró e contra a
autenticidade das pedras, chegamos à conclusão de que, efetivamente, toda a
história é estranha ou ilógica mas nenhum dos argumentos opostos à
autenticidade das pedras resultou convincente.
«Consideramos que o ilógico (pelo menos aparente) do conteúdo das pedras é
melhor uma prova a favor da autenticidade que o contrário».
Em 12 de março de 1974 Robert Charroux foi ao Peru em companhia de seu
editor Robert Laffont e de seu diretor de coleção Francis Mazière pra serem
testemunhas da realidade da existência das pedras.
Robert Charroux e doutor Cabrera sabem que haverá uma forte oposição da
parte da conjura maligna.
Francis Mazière ficou fascinado e convencido.
Robert Laffont está muito interessado mas o problema da autenticidade não é,
declarou, de sua incumbência.
Na Prensa do 4 de janeiro de 1975, com má vontade, doutora Maria Reiche
modificou suas precedentes declarações:
«Não duvido que hajam pedras autênticas e que merecem estudo mas a maior
parte é confusa. Há coisas confusas que não correspondem à realidade».

ATESTADOS OFICIAIS DE ANTIGUIDADE

Se lê em A Prensa do 5-2-1975:
A primeira conclusão, após o exame dessas pedras e a confrontação dos objetos
considerados autênticos com aqueles feitos pelos Uchuya, foi que a comparação
não era possível. Os símbolos das primeiras são extremamente complicados
com relação ao caráter tosco daqueles que se gravam atualmente.
Muitas pessoas colecionaram, há muito tempo, pedras gravadas de Ica e dão fé
da autenticidade.
Doutor Hércules Bendezú, aderindo às apreciações de doutor Nimio Antezana,
de Ica, assegura que, se existe pedra falsa, não se pode negar a autenticidade

Indiquemos, não obstante, que a revista belga Bufoi, 13 Berkenlaan, 2610 Wilrijk-Amberes, reproduziu,
no #32, um artigo de Gordon Steven sobre as pedras de Ica.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
milenar da maior parte. O advogado iquenho11 afirma que teve a oportunidade
de ver os mencionados glifos em primeira vez, em Nasca, há mais de quinze
anos (portanto, até 1958).
«Declarou, igualmente, não conhecer pessoalmente senhor Cabrera Darquea
mas que a tarefa de investigação do doutor devem ser objeto de respeito...»
Senhora Zenaida Galegos, professora e arqueóloga, compartilha a mesma
opinião. Diz: «Atualmente, através de todo Ica, se fala e se especula sobre as
pedras e mais particularmente sobre a imensa coleção do doutor Cabrera
Darquea quem, por se haver dedicado a ele por completo, foi vítima de
numerosos comentários desfavoráveis... É quase uma tradição humana tratar de
louco o homem que mantêm tese revolucionária».
Doutor Julio C. Tello afirmou que as pedras são conhecidas desde tempos
imemoriais. Seus pais e seus avós já lhe haviam falado delas.
É um fato bem conhecido que, há muitos anos, os doutores Nimio Antezana,
Hércules Bendezú, os professores Edda Flores, Yolanda Velázquez, Gonzalo
Maurial e os universitários Absalón Díaz, Paulino Palluqui e Octavio Elias,
encontraram pedras gravadas em Ocucaje, as conservam em sua coleção e as
consideram perfeitamente autênticas.
Por último, convém, sobretudo, reter a opinião altamente autorizada de coronel
Ornar Chioino Carranza, conservador do museu da aeronáutica do Peru, quem
declarou, substancialmente, que a confusão não é possível entre as
elucubrações torpes e grotescas de Basílio e de Irma e os magníficos gravados
das pedras de doutor Cabrera.
«A coleção — disse — é incontestavelmente autêntica, com a exceção, talvez,
mas não está demonstrado, de algumas escassas pedras que tivessem podido
se deslizar no conjunto».

UMA SITUAÇÃO COMPLICADA

Tudo o que antecede resolve o problema da autenticidade das pedras. Mas, por
que doutor Cabrera não atacou judicialmente os habitantes de Ocucaje por
difamação?
Poderia dizer: Essas pessoas mentem. Sabem, pertinentemente, que as pedras
são verdadeiras, posto que as recolheram ou encontraram em tumba!
Se o dissesse, poria de novo sobre o tapete o caso: Um processo seria aberto, o
conjunto das pedras seria reconhecido como autêntico, os saqueadores iriam à
cárcere,* mas não deixariam de denunciar doutor Cabrera como cúmplice: Ele
também havia escavado nas necrópole! E ademais, não há comprado objetos...
roubados?

11Iquenho: Natural de Ica


 Porque todos os camponeses de Ocucaje escavam nos cemitérios antigos das colinas circundantes e
todos encontram, nalgumas horas, onde os arqueólogos oficiais, patenteados, condecorados, fracassam
em 90%. Podemos dar um testemunho formal: Em todas as casas aonde fomos com Francis Mazière, Yvan
(nosso motorista) e Yvette Charroux, os habitantes possuíam pedra e, a miúdo, olaria admiráveis, cuja
autenticidade, à primeira vista, não deixava dúvida. Como, tampouco, oferecia dúvida de autenticidade
das pedras gravadas gris amareladas, pesando 600kg ou mais, que atapetam os pátios ou quintais das
casas. Essas grandes pedras gravadas desapareceram na ocasião de nossa viagem a Ocucaje em 1976.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Então, o que fazer? Optar pela verdade, a autenticidade e a cadeia. Ou deixar
triunfar, no momento, os energúmenos da impugnação, deixar desacreditar as
pedras e dormir tranqüilamente na cama própria?
Esta é, a nosso entender, a situação na que se debate doutor Cabrera,
infortunado grande descobridor. Como Schliemann, como Émile Fradin, como
Waldemar Julsrud.
Ficou muito evidente que a participação nas escavações que colocamos no ativo
do doutor Cabrera não é mais que simples hipótese! Sob preço algum, inclusive
o da verdade, quereríamos enviar à cadeia de Lima nosso amigo Javier Cabrera
Darquea, nem tampouco à boa gente de Ocucaje!
Situação complicada também pra nós.
A verdade nua, plena e integral é, às vezes, muito difícil e perigoso expor.
Dentro de alguns anos... quiçá. No momento somente podemos rogar
encarecidamente ao leitor que nos creia: As pedras de Ica são autênticas (com
exclusão dos vários horrores gravados por Irma e Basílio). Senhora Fung, assim
como senhor Adam, mentem ou ignoram os rudimentos da pré-história.
Aos demais não convém recordar nome nem acusação. Seria lhes fazer um
honra muito grande.

OUTRA GLIPTOTECA EM BOGOTÁ!


O DISCO GENÉTICO DE JAIME GUTIÉRREZ LEGA

Foi necessário encontrar centenas de celacantos. Foi necessário descobrir


Lascaux depois de Altamira pra convencer pré-historiadores desatualizados da
fragilidade de sua arbitrariedade.
Ocorrerá o mesmo com os Antepassados Superiores: Legaram a nosso século a
gliptoteca de doutor Cabrera e eis que um arqueólogo, selvagem, por suposto, já
que é um autêntico descobridor, encontrou outra na Colômbia!
Adivinham o que diz a conjura?
Que é falsa, certamente!
Isso quase equivale a um certificado de autenticidade!

O AMERICANO TERIA A RÃ COMO ANTEPASSADO

Jaime Gutiérrez Lega, industrial diplomado, é, fisicamente, totalmente o


contrário de doutor Cabrera: Os olhos claros e tímidos, a frente alta e
ligeiramente calva, o rosto quase oculto por uma espessa barba negra.
Mas, igual a nosso amigo de Ica, é um arqueólogo culto. Tem cinco filhos e uma
esposa tão assombrosamente bonita como a senhora Cabrera.
O suficiente pra lhe fazer olvidar muita injustiça e decepção.
Sua casa, no K-9 B, 12648, em Bogotá, verdadeiro retiro rural, oculta um
santuário: O despacho, com uma biblioteca que parece uma cordilheira de
volumes.
É aí onde Jaime Gutiérrez prossegue seus trabalhos, sobre a origem do homem,
a partir da escavação que efetuou na região Muizca, a 120km a noroeste e
nordeste de Bogotá nas províncias de Cundinamarca e de Boyacá.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
No entanto, como a doutor Cabrera, são os huaqueiros que lhe venderam a
maior parte das pedras que constituem seu maravilhoso museu secreto.
As que exumou estavam entre 0,40cm e 0,60cm de profundidade sob a capa
vegetal, as outras procedem de tumbas, como em Ocucaje, e acompanhavam
sepulturas humanas.
São os desenhos dessas pedras as que permitiram a Jaime Gutiérrez
estabelecer estranha teoria sobre a filiação animal do homem ou, pelo menos,
sobre o filo vinculando determinada raça humana à rã.
É uma tese extraordinária, certamente, mas não estranha aos biólogos, dados
os muitos denominadores comuns que se encontram nas duas espécies.
Se sabe, por exemplo, pelo teste de Brouha, que pela afinidade genética entre
ela e a rã é possível determinar se uma mulher está gestante.* Por acréscimo
existe uma notável analogia de forma e de evolução no feto duma e de outra.
Por último, recordemos que a tese oficialmente admitida sobre a longa história,
tão complexa, dos seres vivos, faz derivar aos vertebrados, por conseguinte ao
homem, dos crosopterígios que viviam há 300 milhões de anos, com, como
único sobrevivente conhecido, o celacanto.
Que descendamos dum batráquio não é mais fantástico em si que descender
dum peixe.**

O LEGADO DE UMA CIVILIZAÇÃO DESCONHECIDA

Em resumo, as gravuras dessas pedras tenderiam a demonstrar que, segundo


os antigos índios americanos, sua origem, por mutação sucessiva, remontaria à
rã.
J. Gutiérrez chegou a essa conclusão estudando o maravilhoso disco genético
que descobriu e que descreve, paralelamente, a metamorfose do girino e do
espermatozóide humano.
Decifrar o documento não é tão fácil como o do transplante do coração que
aparece nas pedras de Ica, embora parece ser certo, de fato, como assegura o
jovem sábio colombiano, que uma civilização desconhecida, do norte de Bogotá,
tivera a intenção de nos legar seu conhecimento ou sua tradição sobre a
evolução biológica de sua raça.
Também, neste caso, incumbe aos biólogos se pronunciar mas, o mesmo que
os pré-historiadores do Peru, os pontífices colombianos julgaram mais cômodo
nada estudar e pôr em questão o ensino do disco genético.
No entanto, alguns, menos obstinados, concedem certo crédito à tese de Jaime
Gutiérrez.

 Pra saber se uma mulher está gestante se procede, freqüentemente, o teste chamado de Brouha, que
consiste em injetar urina de mulher a uma rã ou a uma coelha. Por lapaquebradomia (apertura da parede
abdominal) se comprova, nos ovários do animal, se há formação de quisto sanguíneo, o qual daria prova
de prenhez. Mais cientificamente, em nossos dias, se experimenta um teste bioquímico com os prolanes:
Hormônios gonadotropos ou prolanes, hormônios produzidos pela hipófise que excitarão as funções
hormonais das glândulas sexuais.
 Os biólogos oficiais reconhecem que, nalgumas semanas, o girino relata a história da vida, inclusive a do

homem.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

A CIÊNCIA FANTÁSTICA DOS ANTEPASSADOS SUPERIORES

O disco genético é de pedra lidita e mede 22cm de diâmetro, as outras pedras


gravadas têm de 1cm a 50cm, com densidade de 3g/cm3.
A coleção chega, atualmente, a 76 exemplares e certos museus colombianos
possuem alguns.
Segundo Jaime Gutiérrez, o dilúvio universal (chamado de Bochica) ocorreu na
zona Cundinamarca-Boyacá e obrigou os descendentes do filo rã (a raça
amarela) a emigrar até a atual China.
Sua fusão com o filo mono (a raça negra) esparramado no mundo, teria
produzido a raça branca.
Jaime Gutiérrez exporá sua teoria no livro que escreve e que será continuado
por um monge beneditino.
As primeiras manifestações da vida — explicou — ocorreram na água original da
Terra recém-nascida.
»Se escolhêssemos, entre os anfíbios, o mais sensível à mutação, a rã é a que
oferece a melhor oportunidade de êxito, já que suporta metamorfoses
excepcionais em seu ciclo vital».
Não é essa nova visão da evolução do vivo que choca os cientistas, e sim a
conseqüência da descoberta.
Implica, de fato, que os antigos habitantes da Colômbia, como os do próximo
Peru, pra conhecer o espermatozóide, o óvulo e o processo de desenvolvimento
do embrião tinham que dispor de instrumentos análogos ao microscópio
eletrônico. E, ademais, possuir incrível conhecimento de genética, já que, salvo
possível erro, o disco genético reproduziria também imagens de genes e de
cromossomos!
Eis de volta a questão do mistério dos Antepassados Superiores que nos teriam
precedido sobre a Terra e que, antes de desaparecer, procuraram nos deixar um
testemunho de sua ciência.
O arqueólogo holandês van Derhamen, pelo processo do carbono 14,
experimentado sobre as ossamentas encontradas nas tumbas, determinou uma
antigüidade de 10.000 a 12.000 anos.
Há 30.000 anos a savana de Bogotá era um lago. O material arqueológico
encontrado se situa acima do nível da água.
A gliptoteca de Jaime Gutiérrez, de qualquer modo, valoriza a de doutor
Cabrera, assim como as 35.000 figurinhas encontradas no México por
Waldemar Julsrud, seja qual for a explicação que os pré-historiadores do futuro
dêem a essas descobertas.

Capítulo VI
A TORRENTE DESCOBRE A GLIPTOTECA

Após efetuar a defesa das pedras (dentro da medida de nossas informações),


agora revelaremos como foram encontradas as mais interessantes: As de doutor
Cabrera.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
São autênticas. Não cabe dúvida e o demonstramos, mas o que, com razão,
intriga os arqueólogos é sua aparição relativamente tardia.

O RIO ICA MUDA DE CURSO

O periódico mais importante do Peru, A Prensa, revelou como puderam ser


descobertas tantas pedras no pequeno vale do rio Ica.
Depois de ter recalcado que era impossível confundir os torpes rascunhos de
Basílio Uchuya com as gravuras autênticas da coleção Cabrera, A Prensa
prossegue expondo:*
Começaram a encontrar as pedras, maciçamente, há uns quinze anos, quando
uma espécie de desvio do rio Ica fez afluir água sobre as terras virgens da zona
de Ocucaje.
»Encontraram então, grande quantidade de pedra gravada. Seguidamente, os
huaqueiros (saqueadores de tumba, caçadores de tesouro) afluíram para
negociar e, mais recentemente, falsificaram algumas. Esses últimos são os
responsáveis pela confusão e incerteza».
Essas declarações não são gratuitas! Representam o que havia escrito
precedentemente o pré-historiador Hermán Buse que se referia ao fato «de que,
em 1961, o transbordamento do rio Ica permitira a descoberta, na zona de
Ocucaje, duma quantidade de pedra que, depois, havia sido objeto de comércio
pelos huaqueiros que as haviam encontrado».
Durante o primeiro congresso de arqueologia andina, em Lima, 1972, Hermán
Buse escreveu no periódico El Comercio que o congresso devia se pronunciar
sobre a autenticidade das pedras de Ica porque determinadas declarações
lançavam dúvida sobre a maravilhosa coleção de doutor Cabrera.
Acrescentava:
«Dez mil falsificações? Muitas adquiridas por alguns sóis. Que nos expliquem o
preço irrisório dado por um trabalho tão delicado, tão complicado, tão difícil!
Uns homens respeitáveis crêem nelas, em sua legítima e certificada
autenticidade. Por isso, ante a opinião dos profanos, parece estranho que
arqueólogos profissionais as rechacem rotundamente».
Certamente o congresso peruano se desinteressou da questão! O hotel era
confortável, a vitualha suculenta, o vinho generoso... Se, além disso, fosse
necessário se ocupar de arqueologia, o mundo que fique ao revés!

A GANGA DOS CAMPONESES!

Eis a chave do enigma: Em 1961 o rio Ica abandonou o curso normal e foi
solapar os morros do povoado de Ocucaje.
A água arrastou a areia dessas colinas desérticas e pôs a nu uma necrópole ou,
mais exatamente, um santuário, onde um povo desconhecido depositou seu
arquivo pré-histórico. Mais de 10.000 pedras recobrem o solo: Basta se agachar
pra recolher.

 La Prensa, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1975. Artigo: O enigma das pedras.


59
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O povo de Ocucaje está na cercania (aproximadamente 1km) e os habitantes
não tardam a notar a presença daquelas pedras negras ou grises, todas
gravadas com desenhos fantásticos.
Transportam essas pedras misteriosas até suas pobres moradas, a miúdo com
grande esforço, já que algumas pesam 400kg, 600kg e mais! As depositam
contra as paredes, nas bodegas escuras que franqueiam seus aposentos,
inclusive as deixam na praça do povo.
Quem lhes roubaria esses vestígios enigmáticos?
Nunca um turista se aventurou em Ocucaje, que está perdido entre o pampa de
Hornillo e o pampa de Huayuri.
A maioria dos habitantes de Ica ignora esse povo sem interesse, como ignoram,
também, a arqueologia. Uma ciência que por eles pouco se interessa e as
pedras permaneceriam muito tempo nos pátios das casas, sob o sol que as
branqueia dia após dia, se doutor Cabrera não as tivesse, enfim, descoberto.

DOUTOR CABRERA COMPROU 11.000 PEDRAS

No entanto, em Ica, há uma inteligêntsia, uma elite que se interessa por outras
coisas além da tagarelice e do futebol: Professores, altos funcionários e, entre
eles, um homem de cultura extraordinária e refinada: Doutor Javier Cabrera
Darquea.
Era o misterioso Doutor Sotil quem ia, segundo se diz, efetuar escavação com os
huaqueiros nas necrópoles secretas de Ocucaje? O que importa?!
Foi, em todo caso, aquele que se aproximou do povo, viu milhares de pedras e
compreendeu, imediatamente, toda sua importância. Tinha de salvar aquele
patrimônio nacional ameaçado de destruição ou de êxodo até Estados Unidos ou
ocidente europeu.*
Constituirá, não por espírito de lucro, a mais fabulosa coleção de pedra gravada
conhecida na história da arqueologia.
Nosso amigo é um ardente patriota e quer que seu país, o Peru, tenha o honra
de possuir essa maravilhosa herança de nossos Antepassados Superiores.
Quer dar a Ica, como já fez Carlos Belli, um museu ao qual já encontrou o nome:
Museu Gliptolítico. Criará sua coleção com seu dinheiro, com seu esforço, sua
investigação, sua inteligência.
«Quero que meu livro seja editado no Peru. — Nos declarou numa carta — Sou
um cientista pesquisador, mas antes de tudo sou peruano e renuncio
voluntariamente, de bom grau, a meus interesses pessoais pra servir à causa
revolucionária e nacionalista do Peru».
Conseqüentemente, com seus honorários de cirurgião, Javier Cabrera comprou,
de 1966 a 1974, as aproximadamente 11.000 pedras com gravuras
interessantes que haviam atapetado o leito do rio Ica.
Deixou aos huaqueiros só as pedras com gravuras triviais, as que compramos
em 1974 e 1976, as que jaziam nos pátios e serviam de poleiro aos patos!

Os sítios e os museus do Peru são, literalmente, saqueados pelos antiquários e mercenários europeus.
Um exemplo: O museu de Paracas foi vendido, clandestinamente, por inteiro, a um comprador belga ou
holandês.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
MINA ESGOTADA: PEDRAS FALSAS

Tudo tem um final, sobretudo as melhores coisas. Chegou o dia em que, depois
de recolher de 10.000 a 13.000 pedras no vale do rio (cifra fantástica), os
huaqueiros não encontraram mais.
Ficavam as tumbas mas era necessário detectar sua altura, escavar, e o
rendimento era infinitamente menor!
Por outra parte, parece ser que somente as pedras do santuário arrasado pela
água levavam as mensagens-gravuras refletindo a civilização e os
conhecimentos dos Grandes Antepassados desconhecidos... Em resumo: Logo
já nada havia pra vender a doutor Cabrera.
Golpe duro a esses camponeses que habitavam um solo ingrato, árido, região
onde a possibilidade de trabalho é quase nula. Foi, então, quando Basílio
Uchuya e Irma de Aparcana tiveram a idéia, muito simples, um automatismo
social natural reunido ao instinto de conservação, de gravar pedras falsas.
Não entrava em seu propósito causar prejuízo a alguém, ainda menos agravar a
fama histórica e pré-histórica de seu país. Aos camponeses de Ocucaje, gravar
pedras representava somente uns quilos de pão, lata de conserva, vinho de Ica,
tecido pra vestuário e ferramenta de uso doméstico.
Irma e Basílio puseram mão à obra: Fracasso total. Não venderam uma só pedra
gravada!
Doutor Cabrera se pôs a rir quando lhe ensinaram suas elucubrações: Era como
se quisessem fazer passar um abrigo de pele de coelho por visão!12
Nunca chegando turista a Ocucaje as falsas pedras, pouco numerosas, ficaram
em poder dos cândidos falsários.

BASÍLIO NÃO TINHA PEDRA FALSA EM MARÇO DE 1974

É quase seguro que, com data de primeiro de janeiro de 1975, Basílio e Irma não
haviam gravado mais que uma dezena de pedras, das quais nenhuma
encontrou comprador.
Fomos a Ocucaje em março de 1974 com a finalidade de comprovar se, como o
deixavam entender vago rumor, os camponeses gravavam ou tinham a
possibilidade de falsificar.
Para tirar dúvida oferecemos grande quantidade (na ordem de 200.000 sóis) à
senhora Uchuya e a alguns habitantes de Ocucaje, que riram e, com toda boa-fé
asseguraram que a oferta era magnífica mas que ninguém no povo era capaz de
realizar o trabalho solicitado.
Compramos pedra na casa de Basílio e nalgumas outras.
No dia seguinte de nossa visita, quinta-feira, 14 de março, Basílio foi ao hotel
Turistas, de Ica, nos visitar. Nos fez chamar por um camareiro e, na cercania do
hotel, após um maciço de arbusto, se ocultando, desempacotou uma dezena de
pedras negras.
Compramos algumas mas nossas maletas estavam já pesadamente carregadas.

12 Mustela vison. Carnívoro de pequeno tamanho, corpo alongado, focinho arredondado, patas curtas e
orelhas arredondadas e pequenas. O corpo é de cor uniforme com pêlo castanho muito escuro, quase
preto, exceto o queixo e garganta brancos. Muito valorizado pra produção de casaco de pele.
61
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Naquela data nenhuma pedra gravada se vendia em Ica e toda a cidade ignorava
que pudessem existir, exceto alguns arqueólogos cultos, tais como doutor
Cabrera e professor Pezzia.

MUNDIAL RETRATA SEMPRE A MESMA PEDRA!

Em seu notável livro editado em 1976 e intitulado A Mensagem das Pedras


gravadas de Ica* doutor Cabrera defende sua reputação com argumentos de
grande lealdade e uma nobreza de pensamento e de estilo que impõem estima e
admiração.
Com muita pertinência faz observar que para demonstrar a pseudo-impostura
de Ocucaje, a revista Mundial publicou quinze fotos de Basílio Uchuya com suas
pseudo-falsas obras.
Muito bem. Fenômeno estranho: Esse falsário que teria gravado 11.000 pedras,
não pôde ser retratado mais que com uma pedra traficada, sempre a mesma
(que representa a gravura lamentável duma espécie de monstro muito
estilizado!)
Por que os muito honestos jornalistas de Mundial não retrataram Basílio com
duas, dez, cem pedras?... Ele, que teria gravado dezenas de milhares!
Sim. Por quê?
A resposta é evidente!
Não se retrata um falsificador de dinheiro com uma só nota de Banco nem um
buscador de seta com uma só seta!
Os fotógrafos não retrataram mais que uma pedra falsa porque não havia outra
em Ocucaje!

DINOSSAURO + ÔNIBUS + GARRAFA DE COCA-CAUDA

No entanto, segundo a aparência dos fatos, Ocucaje teria que ter transbordado
de pedras traficadas, de oficinas de gravura, de armazéns de depósito.
Eis, de fato, o que revela doutor Cabrera em seu livro, capítulo IV, página 124 e
seguintes:
«Apesar de minha insistência para que fossem estudadas e protegidas as pedras
de Ica, a máfia da mentira encontrou uma álibi para se amparar: Atualmente se
pode gravar pedra e se conseguiu que os camponeses gravem outras em
presença de pessoas neófitas na matéria, de modo a que possam certificar que
todas as pedras gravadas de Ica são de recente fabricação..».
Doutor Cabrera assegura que os camponeses, sendo incapazes de fazer gravura
apresentável, utilizam autênticas pedras gravadas, sobre as quais traçam suas
iniciais, datas e acrescentam desenhos de objetos atuais e, às vezes, lendas.

 Edições Inti-Sol, avenida Inca-Garcilaso de la Vega, #1342-B, Lima, Peru.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Resultam, então, miscelâneas insólitas. Por exemplo, um dinossauro junto a um
ônibus ou uma garrafa (de Coca-Cauda).
Mediante esse sistema os camponeses de Ocucaje fazem supor que todos os
glifos autênticos são de recente fabricação...

DATAÇÕES ARRISCADAS

Pessoalmente, não cremos que no estado atual da ciência se possa datar pedra
gravada mas devemos mencionar no expediente do assunto as provas que
foram efetuadas nesse sentido.
O químico e mineralogista Maurice Hochschild, de Pisco, afirmou que «a
oxidação natural das pedras que se produz pelo envelhecimento dos minerais,
cobre do mesmo modo as incisões e a superfície não gravada» (relatado pelo
Comércio do 17-3-74).
O estudo da matéria das pedras, realizado na faculdade das minas, de Lima,
indica que se trata de andesita fortemente carbonizada procedente das capas de
correntes vulcânicas correspondendo ao mesozóico (Era secundária), típicas da
região (80 a 130 milhões de anos).
Dureza do núcleo: 4. Dureza da capa exterior: 3. Então pedra que pode ser
facilmente entalhada por qualquer objeto duro e, principalmente, pela obsidiana.
As pedras, aponta a peritagem, estão envoltas por uma fina pátina de oxidação
natural que cobre as incisões das gravuras, fato que permite deduzir sua
antiguidade.
Nos censuraram ter datado os desenhos em 60 milhões de anos, o que é
inexato. Insinuamos sob forma de hipótese a data máxima de 40.000 anos. Mas
está comprovado que determinadas pedras não têm mais que alguns séculos ou
alguns milênios.
Não temos certeza sobre seu grau de antiguidade. Pretendemos somente
testemunhar que não são recentes e, por conseguinte, que são autenticamente
antigas.

UM NOVO CASO GLOZEL

Assim estão as coisas. Essa é a verdade sobre o caso Ica.


Ardilosos, astutos, prudentes, os conjurados da pré-história francesa ignoram
as pedras de doutor Cabrera.
Não as viram nem sopesaram nem farejaram nem submetido a peritagem nem
estudado... Somente sabem que são falsas!
Certo é que poderiam ir a Ica, investigar. Demonstrar o bom fundamento de
sua opinião? Nem falar!
Proceder peritagem seria demonstrar a autenticidade! Então ficariam muito
mal...
Esperando o veredito do futuro repetimos nossa declaração de 1974:
«Qualificamos de mentiroso e impostor a quem quer que pretenda que as pedras
de Ica são falsas».
Um novo assunto Glozel está sobre o tapete.

63
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A Conjura perderá prestígio. Mas quando?

Capítulo VII
O ESOTERISMO DAS PEDRAS E DOS MENIRES

Se se possuem algumas luzes sobre os dolmens e os cromeleches, se é muito


mais evasivo em relação aos menires.
O menir, diz o dicionário Larousse (do bretão men=pedra e hir=larga) é um
monumento megalítico formado por uma pedra alçada.
Se lhe supõe comemorativo de acontecimento ou edifício dedicado ao culto.
Existem perto de 5.000 menires na Bretanha, dos quais 2.935 formam os
célebres alinhamentos de Carnaque.
Os menires são lápides sepulcrais, marcos, acumuladores de energia telúrica,
nomes em pé, ou outra coisa? Isso é o que poderia revelar o verdadeira
destinação do monumento se se conhecesse, mas os primeiros ocupantes do
Ocidente e, depois, os celtas, não nos tem deixado esclarecimento sobre esse
tema.*
Os menires eram objeto de culto e passavam por conter um poder mágico: É a
única certeza que temos.

A CARRETA INVENTADA ANTES DO CAVALO!

Menir significa: Pedra larga. Não é totalmente seguro que men signifique pedra.
Men, man, memez em inglês, em germânico e em céltico significam: Homem e
montanha, que somos tentados ao relacionar com emana (grande, em
sânscrito), com Manu o sábio herói do dilúvio hindu, com Manannan, o mago-
feiticeiro da ilha de Man, umbigo do mundo, com Mannus, o primeiro homem
na mitologia germânica, com emana, o poder das estátuas da ilha de Páscoa.
O menir, na tradição, participa estreitamente da montanha, do poder, de Deus e
do primeiro homem da criação.
Na arqueologia clássica, o dólmen passa por ser mais antigo que o menir.
Mas é um costume dos pré-historiadores oficiais decretar que a porretada
existiu antes do porrete, o rio antes do vale, o tremor de terra antes da Terra e a
bicicleta antes da roda!
Desse modo nos ensinam que a idade do bronze (cobre e estanho) é anterior à
idade do ferro, e que os andaimes, por exemplo em Lascaux, existiu antes da
parede!
Sobre tais bases os pré-historiadores declaram que o dólmen, formado por três,
quatro ou cinco menires suportando uma mesa de pedra, é mais antigo que o
menir!
Se fazendo eco do ponto de vista oficial, o jornalista cientista H. de Saint-
Blanquat, numa revista especializada,* depois de escrever que já não existe
 A religião da Gália, escreveu P. Saint-Yves, é um palimpsesto onda escritura romana deixa ler, com
grande esforço, algo sobre as crenças de nossos antepassados. Os nomes dos deuses celtas eram
secretos. Os conhecidos são, na verdade, apenas pseudônimos. No entanto, se sabe que os megalitos
eram chamados pedras de sobrevivência.
 Sciences et avenir (Ciências e futuro), #342, agosto de 1975.

64
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
mistério nos megalitos prossegue com essas linhas não menos assombrosas:
«Se tem a certeza de que os menires foram elevados numa época em que se
construíam também os dolmens.
«Mas nenhuma prova existe de que esses menires tenham sido erigidos antes
do -3000».
O mesmo especialista concede -4.400 a -4.600 anos, ou seja, uma antiguidade
de 6.000 a 6.600 anos aos dolmens do Poatu, da Normandia, da Bretanha, de
Portugal e da Escócia!
É verdade que abade Breuil, que não acreditava nas casas dos homens pré-
históricos e em seu labirinto de cimento, escreveu a propósito do forno pra cozer
da Coumba do Pré-Neuf em Noaillé (Correze):
«Os vãos... foram cuidadosamente guarnecidos com pedras menores mantidas
por uma massa de terra argilocalcárea e areia», a qual, salvo erro, é,
precisamente, o cimento usado pelos pedreiros.**
Sejamos sérios, por favor: O menir é mais antigo que o dólmen, posto que é
necessário utilizar menires pra construir um dólmen!
E cai por seu peso, pra todo homem dotado de lucidez, que a pedra levantada
(menir), em todos os países do mundo, remonta à mesma data das primeiras
tumbas que foram edificadas.***

OS CELTAS: 2.500 OU 5.000 ANOS

Se os megalitos são, particularmente, abundantes na Irlanda e na Bretanha, é


porque esses países estavam muito afastados das trilhas freqüentadas pelas
migrações de todo tipo.
O pré-historiador H. Hubert* opina que a invasão ao Ocidente pelos celtas pode
ter sido causada por recuos do mar ou, quiçá, por algum invento náutico, já
que eram, indubitavelmente, navegantes.
Os celtas não são uma raça mas um povo ou um grupo de povos «distintos dos
greco-latinos, dos germanos, dos balto-eslavos, dos iberos e dos lígures» com
os quais têm, no entanto, numerosos pontos comuns.
H. Hubert os dividiu em quatro grupos: Goideles, pietos, bretões (incluídos os
galos) e belgas.
Provavelmente se afastariam do tronco indo-europeu no Oriente.
Os primeiros elementos que penetraram na Gália, e talvez, também, na
Espanha, são, se diz, os pictões do Poatu, aparentados aos pictos de Escócia.
Se estabeleceram no Ocidente na idade do bronze, o que resultou extremamente
vago, já que os pré-historiadores estão tão pouco seguros de sua ciência que
estendem a idade do bronze desde -2.000 anos (Altine-Depe, Turcomênia) a
-8.000 anos (Medzamor, Armênia soviética).

 Les hommes de la pierre ancienne (Os homens da pedra antiga) (paleolítico e mesolítico), H. Breuil e R.
Lantier. Edições Payot, Paris.
 Em todos os povoados antigos se rodeava a tumba com um círculo de pedras que tinham por missão

fixar o espírito do morto. Em nossos dias as tumbas são, todavia, rodeadas de pedras rematadas por uma
lousa.
 Les celtes et l'expansion céltique jusqu'a l'époque de La Tène (Os celtas e a expansão céltica até a época

de La Tène ). Edições Albin Michel, Paris, 1950.


65
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Tomemos uma data média. 3.000 e, digamos que os celtas têm uma
antigüidade de 5.000 anos, que excede a decretada em altas esferas: 2.500 a
3.000 anos somente!
É certo que a cepa permaneceu mais pura na Irlanda e na Bretanha mas, pelo
menos no que concerne a nosso país, se os mais importantes centros de
megalito subsistiram no país de Amor (Bretanha), parece que os principais
santuários foram edificados noutros sítios: Em Chartres, em Loudun, em Saint
Benoit-sul-Loire, no monte São-Miguel, em Autun, nos Vosgos e em Marselha.

DATAÇÃO DOS MEGALITOS

Segundo a cronologia adotada pelos meios oficiais, a civilização dos dolmens


remontaria ao tempo do invento da agricultura, há 7.000 anos.
Os megalitos mais antigos, de acordo com essa cronologia, se situariam assim
no tempo:
— Poatu — Normandia — Bretanha — Portugal — Escócia: 6.000 a 6.700 anos
— Dólmen da ilha Gaignog em Landéda (Finisterra): 5.850 anos
— Bougon (Deux-Sévres): 5.850 anos
— Plouezoch (29.N. Finisterre): 5.500 anos.
— Síria — Líbano — Palestina: 5.200 anos. — Dolmens do Cáucaso: 5.000 anos
— New-Grange, na Irlanda: 4.500 anos
— Carnaque: 4.000 anos
— Estonerrenge: 4.000 anos
— Dolmens do Maciço Central: 4.000 anos
— Índia — Paquistão — Irã — Filitosa: 3.500 anos
— África do Norte: 3.000 anos
— Japão — Coréia — Manchúria — Índia — Ásia — Oceania: 2.000 anos, pelo
menos
Essa datação dos dolmens e monumentos megalíticos é, talvez, exata mas
temos boa razão pra crer que os menires são, notavelmente, mais antigos.
Seja o que for e, contrariamente ao ensino oficial, pretendemos que os celtas
foram construtores de monumento megalítico, ao menos em seu período tardio,
e estão indissoluvelmente ligados por sua história e crença aos menires e aos
dolmens.

O HOMEM VERTICAL, A MÃO E O GRAFITE

A história do menir não pode se dissociar da do penhasco do qual saiu e da


grande aventura humana.
Não está demonstrado que o berço do homem seja nossa Terra, filha do Sol,
mas pensamos que nossos antepassados mais prováveis viram o dia sobre
nosso solo, em tempos imemoriais.
Nessa hipótese, a data mais importante da humanidade foi seu acesso à posição
vertical que condicionou o desenvolvimento do cérebro, da inteligência e
permitiu a evolução até uma civilização elaborada.

66
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O homem vertical teve a grande oportunidade de liberar as mãos (a menos que
essa liberação adquirida anteriormente não tenha motivado sua nova posição).
Certo é que seu pensamento já existia mas se pode dizer que se afirmou com a
destreza de sua mão que podia colher e criar.
A palavra mão, escreveu Dimitri Panine, é, talvez, a mais antiga do mundo e da
língua original, já que a mão foi, em definitivo, a primeira ferramenta e quase o
primeiro pensamento do homem original.
É interessante vincular essa idéia ao menir erguido que servirá pra suportar o
pensamento do homem, inclusive não formulado, inclusive abstrato.
No princípio o homem vertical, por simples impulso mecânico, talvez, como no
menino de nossos dias, traçou com seu dedo um risco no solo. Foi o primeiro
geoglifo e, depois, com um calhau rude, rabiscou sobre uma rocha mole, e
foram os primeiros grafites.
Os traçados primordiais que deviam culminar no símbolo e na escrita foram,
sem dúvida, o risco horizontal, o risco vertical, a quadrícula e, enfim, o círculo.*
O esboço duma civilização acabava de nascer: O homem já tinha,
sucessivamente, a sua disposição os quatro elementos essenciais: O
pensamento, a mão, a pedra e o traçado.
A água e a argila lhe haviam dado a vida, a pedra ia lhe dar o arranque da
civilização com o betel,13 o kudurru,14 a baliza, o menir, o pilar, o obelisco.

 Se encontram em numerosas cavernas marcas de mãos ou de pés que são signos de posse, mas a arte
mural mais antiga está representada por meandros, uns entrelaçados e arabescos macarrônicos (espirais),
como dizia o abade Breuil, traçados sobre a argila ou sobre rocha, com os dedos. Se encontram essas
raspaduras digitais nas grutas de Gargas, de Baume-Latrone, de Ganties-Montespan. As marcas de mãos
são freqüentes em Altamira, Castelo, La Pasiega, na España. Nas grutas de Gargas, Trois-Fréres, Portel,
Pech-Merle, Rocamadour, Font-de-Gaume, etc., na França. Existem marcas de pés na argila da gruta de
Niaux, e gravadas na pedra da Roche-aux-Fras, na ilha de Yeu, e na Roche-aux-pieds, de Lanslevillard
(Sabóia).
13 Betel, betilo - Segundo Bochart (1730-1794) essa palavra é fenícia e significa pedra esférica ou

arredondada

14

Kudurru, também chamada Melisipak


A organização do mundo divino refletia a organização política da sociedade. Há uma hierarquia, no topo da
qual está Anu, o deus do firmamento, e Enlil, o deus do ar-atmosfera. Anu e Enlil são os deuses supremos,
reis do céu e da terra. No mundo divino, a realeza é compartilhada, como aparece na iconografia e em
pedras kudurru, que mostram os limites geográficos no segundo milênio.
67
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

O PEDERNAL

Em todos os tempos, os homens acreditaram que o pedernal ou sílex ou silicato


de alumínio continha o fogo do céu e o princípio-vital. E é curioso comprovar
que nunca alguma estátua foi talhada em sílex,** sem dúvida porque é um
material duma extremada dureza, mas também, quiçá, por medo de ver a
estátua se animar com sentimento homicida contra o sacrílego que a esculpiu.
Os celtas colocavam, religiosamente, pedras de pedernal, talhadas ou não, sob
os dolmens. Era uma maneira de proporcionar vida ao templo e aos manes dos
antepassados, talvez pra fixar o espírito dos mortos.
Entre os drávidas e em numerosos outros povos a pedra tinha, também, essa
propriedade de fixar os espíritos bons ou maus. Por esse motivo se rodeava a
tumba dos mortos com um círculo de pedras, com a finalidade de aprisionar os
fantasmas e os ressuscitados.
«Em distintos sítios se atira uma pedra sobre o caminho de regresso, depois de
haver inumado um morto. Desse modo a pedra obstrui o espírito do morto,
criando um fantasma que se fixa nessa pedra e se volta, assim, impotente pra
inquietar os vivos.» (J. Boulnois.)

PEDRA E ÁGUA DA VIDA

Na Bíblia, a terra e o céu foram criados primeiro em potência de manifestação


formal, escreveu J. Boulnois.
A terra e o céu sendo a Água, miticamente separadas por Deus depois da
criação da luz, em água inferior (terra e oceano) e água superior (céu).
«Somente a água inferior produz, por uma espécie de corporificação, a
substância formal, individualizada, sensível, da terra e da água. É necessário,
pois, compreender pela Água, uma espécie de substância primordial».
Pois bem, segundo a tese de professor Louis Kervran, terra e água são
sinônimo, o calcáreo engendrando a água e, sem dúvida, vice-versa, pelo
processo de sedimentação e de infiltração.*
O princípio-vital está, portanto, tão intimamente ligado à pedra andrógina
(argila) como à água.
É certo que, na lenda cristã, primária e fundamentalmente destinada ao erro
pelo fato de que Deus é diferente do universo e ausente da matéria, o primeiro
homem, Adão, foi feito de argila morta, que o Criador animou com seu alento.
Mas a maior parte das outras tradições respeitam mais a linha científica e
atestam que a pedra ou argila possui vida, sendo, inclusive, fonte de vida em
igualdade com a água.

 Os homens da pré-história não tiveram reparo em moldar a argila e em esculpir toscamente a pedra
com forma humana com finalidade religiosa mas não talharam o sílex, exceto pra converter em utensílio
cotidiano. Parece que o tabu da estatura antropomorfa tenha nascido com a tomada de consciência do
divino.
 O grande iniciado alemão Jakob Boheme (1575-1624) dizia: «Uma pedra não é, no entanto, mais que
água.» No que concerne à tese de Louis Kervran, ler O livro dos mundos esquecidos, de Robert Charroux,
capítulo XII: A água-mãe e o elixir da imortalidade, a polywater, etc. Publicado por esta editora.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Na Índia do sul e no Ceilão, país dos tamis dravídicos, uma pedra informe
assinala, às vezes, a entrada ou o centro do povoado.
É regada ritualmente a cada dia e se a chama pedra umbilical ou pedra da vida,
o que nada teria de extraordinário, já que esse costume é quase universal, se a
pedra umbilical não tivesse uma particularidade notável e, inclusive, mágica:
Caiu do céu!
Tudo o que vem do país dos deuses é sagrado, por isso os aerolitos ou
meteoritos gozaram de grande veneração entre os povos da Antigüidade,
principalmente quando essas pedras caídas do céu eram tectitas: Pedras
hialinas de cor negra.

PEDRAS CELESTES, NEGRAS OU VERDES

No Peru os incas construíram o templo do Sol do lago Titicaca, tendo, como


primeiro elemento, uma pedra negra procedente do céu.
Cealcoquim, cidade mítica de Honduras, devia sua fortuna e seu poderio a uma
pedra negra trazida por uma mulher branca de beleza incomparável que, tal
como um anjo, descera das nuvens.
As lendas andinas falam também da pedra negra de Ancovilca, único vestígio
duma cidade edificada no fundo dum lago e que um tremor de terra fez
desaparecer.
Em Meca, os muçulmanos veneram uma pedra negra, a Hadjar-el-Asuad
(Hadjers'ul-Esswed) encravada no ângulo leste da Caaba, o santuário da grande
mesquita.
É considerada prenda da aliança que Deus fez com os homens na pessoa de
Adão, que a levou ao abandonar o paraíso terreno mas outra tradição assegura
que foi o anjo Gabriel quem a entregou a Abrão.
A Hadjar-el-Asuad era, muito provavelmente, um meteorito e foi um dos mais
antigos ídolos do Hadjaz.
Os escritores de Bizâncio, escreveu E. Saillens, estão de acordo em dizer que a
pedra representava a Anaíta, quer dizer, Astartéia, a estrela da manhã.*
Quando apareceu Maomé, o templo em que se lhe rendia homenagem estava,
assim como o betilo15, rodeado de pedras e de imagens sagradas representando
as 360 tribos do deserto.
O profeta fez desaparecer as imagens mas não se atreveu a tocar essa decana e,
desde então, o dia de Vênus, sexta-feira, ficou como dia sagrado.
Entre os celtas uma pedra verde misteriosa era, quiçá, também de natureza
meteorítica: La Calláis. Perto dum milhar foram encontradas sob dolmens mas
não se sabe que poder ou virtude se supunha possuir.
Um enigma rodeia as pedras verdes que têm uma relação evidente com o
planeta Vênus.

 Os hebreus, renderam, antanho, culto a essa pedra negra que representava Meni, deusa da fortuna
(Isaías, LXV, 11). Meni era o planeta Vênus que os árabes denominam a Pequena Fortuna e os persas
Nanaia ou Anaíta, duma palavra armênia (II, Macabeus, I, 13, Estrabão XV, 733). Era também a divindade
árabe Emana adorada sob a forma duma pedra pelas tribos instaladas entre Meca e Medina (Corão, Lili,
19).
15 O termo betilo significa casa da divindade. Tipo de estátua muito estilizada, em pedra local, do período

nurágico.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
No templo de Chavim, Peru, se pode ver um grande monolito de serpente
chamado a pedra verde do mundo, que bastava remover, antanho, pra provocar
um dilúvio.
Esse monolito, segundo se dizia, procedia de Vênus, o mesmo que a pedra do
Santo-Graal, a esmeralda verde caída da fronte de Lúcifer.
Por outra parte, é curioso mencionar que os fungos psilocibos do México, país
do Deus venusiano Quetzalcoatle, têm a propriedade de fazer ver toda vida de
cor verde.

A PEDRA DE SAYWITE

A 3.600m de altura, no Peru, a 45km da cidade de Abancay, sobre uma


pendente da cordilheira que domina o rio Apurimaque, uma estranha pedra se
burla dos arqueólogos: A pedra de Saywite.
Mede 4,10m de longitude, 3,10m de largura por altura aproximada de 1,20m, e
sua superfície superior está esculpida com baixos-relevos que, a primeira vista,
parecem representar a maquete duma cidade incaica com plataformas, terraços,
templos, casas, ruas, nichos e... um notável sistema de drenagem de água, de
tal modo que a chuva nunca se estanca sobre o calcáreo e escapa até o exterior
mediante pendentes bem calculadas e pelo labirinto de canais.
Essa cidade em miniatura está povoada dalgumas personagens, sem dúvida,
simbólicas, já que são muito pouco numerosas, por quatro pumas orientados
até os pontos cardeais e se notam esboços de plantas.
Quanto ao suposto significado do monolito, oscila entre o monumento pra
oráculo e a maquete dum lugar sagrado que ficaria a descobrir na solidão da
cordilheiras dos Andes.
Os antigos povos anteriores aos quíchuas sempre tiveram a pedra em grande
veneração e, como os assírio-babilônios e os fenícios, faziam delas a morada
dos deuses.
Com grande incerteza pensamos que a pedra esculpida de Saywite é uma
imagem simbólica do mundo, da essência primitiva de Deus, do Vivente e das
civilizações representadas por uma cidade sagrada.

A COMPANHEIRA ASHERAT

A pedra e a água estão intimamente ligadas, seja pra fazer o manancial ou o


poço, seja pra designar a altura sagrada da igreja ou da catedral.
A igreja, a água e a pedra adotam o mesmo processo de sacralização que os
antigos relacionavam com uma cosmogênese venusiana.
Nas mais antigas mitologias se diz que a chegada de Istar ou de Astartéia a
nosso sistema solar provocou chuvas diluvianas e inundações.
Enki, deus do oceano primordial na mitologia assírio-babilônia, tinha por filha a
deusa Nina, a Dama da Água, identificada a Istar como a representante do
planeta Vênus.

70
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A mesma tradição assírio-babilônia faz essa deusa responsável pelo dilúvio
universal.
«O terror que se espalha no universo alcança os próprios deuses... Istar, mais
assustada, sem dúvida, que os demais grita como uma mulher em parto. Se
arrepende de ter apoiado, quiçá, inclusive, provocado a decisão dos deuses. Ela
não desejava um castigo tão terrível (Mythologie genérale (Mitologia geral), F.
Guiraud).»
Istar, na Fenícia, recebia o nome de Astart ou Asherat. Pois bem, Asherat-do-
mar, a Estrela-do-mar,* é a deusa dos rios e dos oceanos.
Um dos poemas traduzidos das tabuletas cuneiformes de Ras Shamra (Síria),
que remonta a 3.400 anos, poderia dar muito o que pensar aos franco-mações
ainda aferrados à fábula do templo de Salomão.
Baal, o maior dos deuses depois de El, e mais recente também. «Não temas —
dizem as tabuletas — recinto sagrado nem templo como é devido a um filho de
Asherat».
Por conseguinte, se lhe construirá um sem intervenção humana, como no caso
do templo de Jerusalém.
Asherat-do-Mar estava encarregada pelo deus El a dar autorização de construir,
e depois ela comunicou a Latpão, o deus que tem o dom da sabedoria, a ordem
de começar a obra...
«Eis aqui que Amat Asherat confecciona os ladrilhos. Uma casa será construída
pra Baal, em sua qualidade de deus, e um recinto sagrado por ser filho de
Asherat».
Baal trabalha, ele mesmo, na construção e derruba com sua serra-raio do céu os
cedros do Líbano.
Como se pode julgar, os próprios deuses não sentem repulsa em se converter
em carpinteiros ou pedreiros: Baal serra, Vênus confecciona ladrilho.
Eis aqui dois formosos e célebres Companheiros do Dever, dois honrados
franco-mações muito mais simpáticos que o tortuoso Salomão!
O templo de Jerusalém foi construído pelos fenícios no século -11. As tabuletas
de Ras Shamra do século 13 são, por conseguinte, se as datações são exatas,
duzentos anos mais antigas. No entanto, o caráter lendário, confuso,
inverossímil da tradição referida ao templo faria supor que as tabuletas fenícias
relatam os verdadeiros detalhes de sua edificação. Em nossa opinião Salomão
açambarcou exatamente uma construção fenícia como os hebreus
açambarcaram ao deus Jeová dos beduínos do deserto. *

VÊNUS, CHAVE DE OURO DO PASSADO

 Em seu livro notável e iniciático: Le pape des escargots (O papa dos escargôs) (escargô é um caracol
gigante apreciado na culinária francesa), Henri Vincenot recalca a estranheza da oração cristã Ave maris
stella cujo texto é: «Salve, estrela do mar, santa mãe de Deus, mãe permanecendo virgem, porta feliz do
céu, aceites a saudação dos lábios de Gabriel, e mudando o nome de Eva nos estabeleças na paz.» Apesar
de seu título humorístico, Le pape des escargots, de Henri Vincenot, edições Denoel, Paris, 1972, é um
livro de alta iniciação, particularmente no que concerne à igreja cristã druídica e ao simbolismo. Ademais,
esse livro-chave é uma obra-mestra, de leitura cativante.
 Ler O livro dos mundos esquecidos, de Robert Charroux. Editorial Plaza & Janes, capítulo XVIII A Bíblia foi

deturpada.
71
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Eis aqui, pois, a Asherat franco-maçônica, fabricante de ladrilho, e a Baal
construtor dum templo que, se não é o edifício antigo de Baalbek, seria, quiçá, o
de Jerusalém.**
Salomão nunca pôs a mão na massa... Asherat, ao contrário, amassava os
ladrilhos.
No Egito, onde não se espera encontrar mais que Ra, o deus Sol, o planeta
Vênus desempenha, também, um papel preponderante.
O iniciador Pta, cujo nome verdadeiro é Ptah-Sokar-Osíris, era um grande
construtor e tinha por emblema a medida codo.
Quanto a Atur, deusa do céu, se a chamava Afrodite entre os gregos. Dama de
Biblos entre os fenícios e rainha do Ocidente.
Era identificada ao planeta Vênus.
O lugar mais alto de Egito é, com Abidos, a imenso altura de Sacara onde se
encontram as tumbas dos reis desde a primeira dinastia, as mais antigas
mastabas (tumbas egípcias) e as mais antigas pirâmides (muito anteriores às de
Gizé). A mais venerável é a pirâmide de gradas do rei Djéser (3a dinastia)
chamada pirâmide de Sacara.
Pois bem, Sacara em egípcio significa: A pedra, o cometa, o planeta Vênus.
Quanta coincidência!
Que relação haveria, pois, entre Vênus, a pedra, a água, a chuva, o Peru, o
Próximo Oriente, Egito e, como veremos, com o menir e o betilo?
Se tomamos por referência as tradições, Deus, Adão, os anjos, os arcanjos e
Lúcifer habitavam, juntos, o céu e no mesmo lugar.
Se sabe que Lúcifer, expulso da morada de Deus, procedia de Vênus. Dele se
deve deduzir que Deus e os arcanjos não habitavam um céu simbólico, abstrato,
senão um planeta especialmente designado.
Leva a crer que a tradição judaico-cristã, a maçônica e as mitologias clássicas
estão fundadas sobre um imenso erro que torna incompreensível o passado dos
homens e das civilizações. É exatamente o que cremos!
aPra abrir as portas do saber utilizamos chaves das quais uma, a primeira, nos
chega diretamente de Vênus, não do planeta que se coze a fogo lento a 500ºC
entre Mercúrio e a Terra, mas Vênus-cometa que, antes de se converter em
planeta estabilizado no sistema solar, errava flamígero nas nuvens, em forma de
cornos de touro, com larga cauda incandescente que inflamava as selvas
tropicais e suscitava terríveis maremotos.
Com essa chave, igualmente muito estimada por Emmanuel Velikovsky,
encontramos explicação lógica, razoável, ao mistério das pedras negras ou
verdes, dos deuses que as habitavam e do segredo dos construtores antigos.
ASSASSINOS DE FADA E DE DAMA BRANCA

Henri Dontenville, a quem devemos, em grande parte, o despertar do


pensamento francês, ou, pra dizer mais apropriadamente, céltico, considera
evidente o animismo da Natureza.

Os hebreus, disse Oséias, adoravam um deus sob os carvalhos: Baal. Falando de sua mãe aos hebreus,
o Senhor disse: Oséias — Capítulo II, Versículo 13: — Me vingarei nela dos dias que consagrei a Baal...
Vers. 16: Em tal dia ela me chamará seu esposo e já não me chamará Baal.
72
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— Nunca está petrificada. — Escreveu — No intervalo das idades geológicas as
próprias rochas se movimentam e as fontes murmuram.
Se nossos antepassados dedicaram culto à pedra é porque a acreditavam
dotada de vida, duma alma, e é altamente provável que estavam com mais
razão que os materialistas de curto alcance e os cristãos supersticiosos que
crêem na matéria inerte.
Certamente, não concedemos crédito aos menires que crescem, às pedras que
giram sobre si mesmas ou que vão beber no rio durante a missa de Natal, mas
lendas estranhas transmitidas sobre esses temas ocultam, talvez no mais
recôndito, assombroso significado.
Os camponeses de outros tempos diziam que houve uma época em que as
pedras eram moles e podiam conservar a pegada dos pés.
Essas pegadas se encontram em toda parte: No Peru e, na França, onde são
atribuídas a Gargântua, ao Diabo, à Virgem, a Jesus, como é o caso na igreja
Santa Radegonda, em Poatiê, ou, não se sabe a que milagre, como no caso das
pedras amassadas de Amélie-les-Bains.
No Limusã, se assegurava que determinadas pedras eram habitadas por
animais. Se falava, nas noites nas veladas, da mandrágora (dragão) que saía na
noite dos pedregais de Frochet (Bussiére-Boffy, Alta-Vienne), dos lobos ou das
serpentes que tinham o poder sobrenatural de surgir da pedra em certas
ocasiões.
O menir de Cinturat, perto de Cieux, é capaz de se defender contra aqueles que
o querem violentar ou escalar.*
Milhares de pedras, de penhascos, de fontes, de árvores eram, antanho, objeto
de culto de nossos antepassados, que, desse modo, autenticamente, honravam
o verdadeiro Deus.
Com o advento do cristianismo a boa religião foi proscrita, perseguida e os
sectários de Jesus destruíram a maior parte dos monumentos, das árvores e
dos monolitos sagrados da Gália.
Em 681 e 682 os concílios de Toledo fulminam os veneratores lapidum. No ano
800 Carlos Magno, no Capitular de Francfort, ordenou a destruição das pedras,
das árvores e dos bosques sagrados.
Em mil anos de sacrilégio sistemático e de insidiosa propaganda, os gênios
benfeitores, as fadas e os deuses protetores do Ocidente foram substituídos
pelas sombrias divindades da Bíblia e os pseudosantos destrutores de nosso
patrimônio nacional.
Foi o impiedoso são Martim quem expulsou de nossas fontes e de nossos
bosques as fadas, as ninfas, as damas brancas e de nossos menires os gênios
que os habitavam.
A partir dessa intromissão o Ocidente ficou contaminado, pervertido, esvaziado
de seu sangue rico, leal e generoso.

QUANDO DEUS HABITAVA A PEDRA

À légendes et pierres curieuses du Limousin (Às lendas e pedras curiosas do Limusã), de Albert Pierres
Goursaud, boletim da sociedade de etnografia do Limusã, da Marche e das regiões vizinhas, C.R.D.P., 44,
cours Gay-Lussac, Limoges.
73
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Há dezenas de milhares de anos o homo habilis, assim supomos, depositava
pedras sobre as tumbas dos defuntos.
Em toda parte no mundo se encontram peças alçadas que foram chamadas
colunas ou betilos pelos fenícios, kudurrus pelos assírio-babilônios, balizas ou
pilares pelos índios e, mais antigamente: Menires pelos celtas.
A pedra negra, o meteorito e o sílex foram venerados, o mesmo que a montanha
que salvara os homens do dilúvio. Os antigos asseguravam que Deus habitava
as pedras ou os penhascos, e por ele estava proibido as talhar ou lhes dar forma
por temor a ferir a divindade que ali estava incorporada.
O betilo (do grego baitülos, hebreu bethel: casa de Deus) era particularmente
apreciado no Próximo Oriente, principalmente em Tiro, aonde foi transportado
um aerolito sagrado encontrado pela deusa Astartéia.
Em Pessinonte, na Galácia, a estátua de Cibele, mãe dos deuses, havia, segundo
se diz, caído do céu.
Na lenda hebraica a pedra de cabeceira de Jacó foi erigida em monumento e
chamada Casa de Deus num lugar que era primitivamente a cidade de Luz.*
Milhares de anos antes os povos que edificaram os menires antigos, os da
Escandinávia, França, Portugal e Grã-Bretanha, tinham a mesma crença e nunca
aplicaram a ferramenta sacrílega sobre a pedra bruta.
No entanto, numa época muito antiga, os homens do Cro-Magnon haviam
ousado esculpir a argila pra fazer umas Mater e a pedra pra lhe dar uma tosca
forma humana.
Nada além de tímida infração do tabu, e muito estranho à pedra, pois é
incontestável que, se o quisessem, os hábeis entalhadores de sílex poderiam
produzir uma estatuária.
Com modéstia se limitaram a expressar seu sentido artístico nos machados de
pedra polida que, por uma aberração que é de sua natureza, os pré-historiadores
tomam por ferramenta (não podem ser utilizados como tal), quando, na maior
parte dos casos, são ex-votos ou criações artísticas.
E depois, pouco a pouco, com o desenvolvimento intelectual, a idéia que os
Antigos tinham da divindade se ampliou e se começou a esculpir na rocha pra
dar a forma dum falo, símbolo de potência, de homem, de vida.
À medida que se baixa a escala de latitude e de antigüidade aparecem os
menires: Sem refinar no norte, toscamente talhados no maciço central, com
forma nitidamente fálica e humana na Córsega e cada vez mais elaborados ao
descer até o sul.
Os mais antigos são, pois, os menires de forma tosca. Os mais recentes são os
melhor talhados e os mais antropomorfos.

O HOMO HABILIS E OS FRANCO-MAÇONS

Um gigantesco passo foi dado desde o penhasco no qual o Homo sapiens dava
um traço no betilo-menir onde começou a expressar seus pensamentos
mediante a gravura e a escrita.
 Le monde souterrain (O mundo subterrâneo), de J.-P. Bayard, página 61. Edições Flammarion.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O pilar de Asoca, na Índia, como o kudurru assírio-babilônio, se converteu num
marco delimitando um território e, depois, sobre esse marco se inscreveram leis,
mandamentos e símbolos divinos.
Os fenícios nunca deixavam de erigir uma coluna que lhes representasse em
toda parte onde instalavam uma feitoria comercial.
Destino prodigioso da pedra: Piçarra colegial do homem pré-histórico, suporte
da primeira escrita e livro primitivo ao mesmo tempo que marco, poste
indicador, material de criação.
Ainda em nossos dias os marcos quilométricos marcam as pequenas estradas
rurais, resquício dum costume que remonta à noite do tempo.
As tábuas da Lei de Moisés, segundo a lenda, eram de pedra talhada.
Talvez se deva estabelecer uma relação entre Emmanuel, o Senhor, e manual,
mãos, mão, a mão.
O Senhor é a mão. O dedo de Deus é o símbolo da mão que construí?
Mais tarde os franco-maçons, herdeiros espirituais do Homo habilis e dos
entalhadores de betilo, consagrarão com a pedra cúbica o simbolismo magistral
que se relaciona com o penhasco talhado.

OS COMPANHEIROS, OS FRANCO-MAÇÕES, OS JUDEUS E A FADA


MELUSINA

Todo homem honrado conhece, e admira, aos Companheiros do Dever, essa


seita de trabalhadores fora do comum que perpétua, em nosso tempo de
deliqüescência, o amor ao trabalho bem feito.
Segundo a tradição, idem os franco-maçons, sua origem remontaria ao rei
Salomão e aos gênios, esses amáveis trasgos do bom demônio Asmodeu, que
construíram o templo de Jerusalém sem usar martelo nem machado nem
instrumento metálico «somente fazendo uso de determinada pedra que cortava
as outras pedras como o diamante corta o cristal».
Seu antepassado longínquo não seria o admirável Lúcifer, portador de luz, que
perdeu seu céu por amor aos homens e veio, entre eles, ostentando na frente,
como a quimera, uma pedra verde ou um carbúnculo altamente simbólico?
Porque os Iniciadores da tradição são, como o paraíso, sempre destinados ao
verde e aportam algo que permitirá construir a civilização dos homens.
Inclusive, os homenzinhos verdes dos pretensos discos voadores respondem a
este imperativo forjado pelo subconsciente coletivo em lembrança, talvez, da
longínqua aventura luciferina!
Melusina, a bela fada do Poatu, verde Astartéia da fonte de Sée (do saber),
trazia, também, pedras pra construir igrejas e castelos.
Raramente, quiçá nunca, Melusina é mencionada entre os antepassados
simbólicos dos Companheiros do Dever e se prefere o rei Salomão, que é o
protótipo, mesmo, do anti-companheiro, do anti-franco-maçon.
Porque Salomão era um semita, filho do deserto, da tenda e da vagabundagem
perpétua, um judeu errante sem lar nem lugar. Hoje aqui, manhã ali. Nada
edificando duradouro e não lançando mão da régua nem esquadro, nem do
compasso, nem do maço, nem do martelo, nem da escoda.

75
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O celta, ao contrário, é o homem de lar. Certo que é navegante, migrador
também, mas com sólida relação com a casa familiar, com o recinto herdado do
avô, com o odor da pátria, da província, do feudo.
E ambos, não obstante, foram fiéis à tradição, o judeu mais que o celta, mas
jamais um judeu construiu um palácio, uma catedral, talhou uma travessa,
plainou uma tábua, serrado um pé de mesa.
Melusina, que edificou dez e cem igrejas, castelos e fortins, é indubitavelmente
uma Companheira e uma franco-maçona construtora.
Era uma Nossa-Senhora e construía umas Nossa-senhora com agulha
maravilhosa e sem contrapeso, mas onde faltava, com freqüência, a última
pedra.
Como trabalhava na noite havia sempre um acontecimento fortuito: O canto do
galo anunciando o aurora, freqüentemente, e ela não tinha tempo suficiente pra
lançar ao ar o último montículo que havia rematado na construção. Por exemplo:
Em Celles-sul-Belle e em Niort. Essa última pedra faltante simbólica,* se não
figura entre os Companheiros do Dever, se encontra, às vezes, na bíblia hebraica
e entre os franco-maçons.
— São Mateus, XXI, 32: A pedra que foi rejeitada por aqueles que construíam se
converteu na pedra fundamental do ângulo.
— Isaías, XXVIII, 16: Eis aqui o que disse o Senhor Deus: «Colocarei como
cimentos de Sião uma pedra, uma pedra a toda prova, angular, preciosa, que
será um firme alicerce».
Em construção toda solidez do edifício repousa sobre as pedras angulares.
Curiosamente os franco-maçons, talvez por vinculação antiga à religião, tem
conservado em seu ritual a cerimônia da pedra rejeitada em primeiro lugar e que
se converte a continuação no montículo indispensável pra consolidar a
construção.

FALOS E PEDRAS-MÃE

A água, a pedra e a serpente: Três símbolos principais! Sem água, ponto de vida
(pelo menos no sistema biológico de nosso universo), no entanto, a tradição,
sem dúvida, por alguma razão, oculta, confunde a água da vida com a pedra da
vida e a mater.
A serpente guardiã do empíreo (a parte mais elevada do céu habitada pelos
deuses) se enrosca em torno da pedra genitora como se vê sobre os dois
menires do calvário de Doux (Deux-Sevres).
Essa serpente protetora do céu e dos deuses, e que faz pensar irresistivelmente
no espermatozóide, é o princípio atuante, ativo, representa a alma, o movimento
e é a força misteriosa da Terra-mãe (o cundaline, a quimera, a coluna vertebral-
corrente telúrica, a Veia do Dragão).
A pedra, como Eva, a do nome fendido por um V em forma de vulva, diria Henri
Vincenot, é nossa terra mãe, a matriz da humanidade.

 A pedra faltante ou rejeitada simboliza o estado do erro na natureza humana, ao mesmo tempo que
rende homenagem à perfeição da divindade que, só, pode construir sem que falte algo, como o quebra-
cabeça que consiste numa tabela de números que só podem ser movidos, um a um, por faltar um.
76
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
As Rochas-das-Fadas do Ormont, perto de Saint-Dié, dominam uma gruta em
forma de vulva onde dormitam, diz a lenda, «toda uma população de bebês, que
espera o dia assinalado a cada um deles pelo Destino, pra fazer sua entrada na
vida».*
Pedras de crio, quer dizer, dando nascimento a menino ou facilitando sua
chegada ao mundo, se encontram quase em toda parte no mundo.
Nos Vosgos as rochas-mães são freqüentes. Se encontro a pedra Kerlinlin, em
Remiremont, as cavidades sagradas do monte Donon, a rocha da Motelotte
onde, diz o Boletim da sociedade de mitologia francesa, citando a Histoire et
Folkore du Donon, de Marie Klein Adam, as fadas haviam estabelecido uma
verdadeira milícia infantil.
Na Suíça são as cúpulas dos penhascos que passam por ter dado nascimento a
bebês.
Nas lendas célticas certos heróis, tais como o rei Conchobar, nasceram sobre a
pedra ou da pedra.
Tradicionalmente a pedra é vivente, pode crescer ou, ao contrário, se encolher e
penetrar sob terra e, por conseguinte, dar a luz.
Daí essa crença universal no poder fecundante das pedras em forma de falo, isto
é, dos menires.
Porque a pedra, por excelência, é o menir que ergue sua forma falóide da Suécia
ao Níger, do Extremo Oriente à América Central. E em toda parte no mundo, o
menir é honrado como Pai engendrador ou catalisador de engendragem.
Em numerosos lugares do sudoeste e de Bretanha, o rito dos deslizamentos
com o traseiro nu sobre certas pedras vulvóides ou falóides, dá a medida da
crença popular no poder fecundante da pedra.
Na Índia este rito é igualmente praticado e o era muito mais, antanho, em
Armênia e entre os lídios, em honra de Anaíta, a Vênus impudica.
Sob forma de menir fálico ela recebia o homenagem anual de milhares de sexos
femininos que acudiam a se esfregar contra a pedra pra adquirir a fertilidade ou
a segurança de ter filhos formosos.
As mais bonitas moças do Ásia Menor eram ritualmente consagradas a Anaíta e
deviam se entregar àqueles que vinham oferecer um sacrifício a ela.

O CADUCEU

A pedra, associada à água e à serpente, é um talismã de fertilidade. Essa


crença, na Índia, adquire um caráter particular num rito que explica o mistério
do caduceu.
Na região de Madras e da ilha de Ceilão, os drávidas, povo pré-ariano da Índia
do Sul, têm descendentes, os tamis, que colocam, ainda, pedras sagradas entre
as raízes duma figueira e dum lilás da Índia.
Essas pedras chamadas nagakkals estão esculpidas a imagem duma ou de
várias serpentes. A maior parte das vezes se trata de dois serpentes
entrelaçadas erguidas sobre suas caudas formando três argolas, a estilo do

Ver o #7 do Bulletin de la société de mytologie française (Boletim da sociedade de mitologia francesa),


60.000 Beauvais.
77
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
caduceu dos médicos, denominado caduceu de Mercúrio.* Às vezes as
serpentes, cobras, estão enroscadas em torno dum lingam, ou falo, que toca
uma figura feminina, em pé, nua, intumescidos os seios.**
Essa associação de árvore, de pedra e de serpente tem como meta assegurar o
êxito e a fertilidade do amor, o poder fecundante dependendo, sobretudo, da
pedra que... na crença de nossos antepassados, estava habitada por uma vida
pessoal ou dos seres defuntos.
O fato de colocar o nagakkal entre as raízes do arasu (figueira) e também do
vepu (lilás da Índia ou falso sicômoro), escreveu J. Boulnois, sugere o
aproximação sexual e mística das duas divindades: Siva e Visnu.
Essa cópula divina figurada engendra, por magia, a cópula mística das duas
árvores.
Mas essa pedra, onde foram gravadas as cobras macho e fêmea copulantes,
não teria eficiência se não permanecesse submersa vários meses na água dum
estanque sagrado ou no poço da casa.

NOSSO ANTECESSOR: A PEDRA

As mitologias mais antigas deixam constância de humanidades que foram


criadas com pedra.
Depois do Dilúvio, pra repovoar a Terra, Deucalião, o Noé grego, e sua esposa
Pirra, receberam este sábio conselho do oráculo de Delfos:
— Velai vossas cabeças, desprendei os cintos de vossos vestidos e lançai atrás
os ossos de vossa antiga antepassada.
Deucalião e Pirra tiveram a inteligência de compreender que a antepassada
antiga era a mãe dos homens, Géia.*
Ambos atiraram pedras sobre o ombro. A que atirava Deucalião se convertia em
homem, a de Pirra em mulher.
Hefestos, o hábil artesão do Olimpo, modelou a Pandora, a miss universo dos
antigos, com argila amassada em água.

 O caduceu dos médicos, denominado Hermes ou Mercúrio, não se originou da fábula grega e sim do
símbolo de cópula das cobras. Se observam nele os símbolos de Siva: O touro, a naga, o lingam (falo),
estão reunidos nos anéis do caduceu drávida de Moenjo-Daro e do caduceu sumério-acádio de Gudéia
(-3.000 anos). Se pode ver, também, o símbolo da árvore associado à divindade ou, melhor ainda, o
símbolo dos Iniciadores vindos sobre serpentes voadoras (ou dragões), que ensinaram aos homens a arte
de sanear. Nessa hipótese o dragão voador é o artefato interplanetário e as serpentes são os Iniciadores.
 J. Boulnois: Le caducée et a symbolique dravidienne indo-méditerranéenne de Varbre, de la pierre, du

serpent et de la dieuse mère (O caduceu e o simbolismo drávida indo-mediterrâneo da pedra, da serpente


e da deusa-mãe). Librairie d'Amérique et d'Orient, Adrien Maisonneuve, Paris, 1939. Esse livro é obra dum
escritor que se pode considerar grande iniciado.
 Por veneração a nossa madre, a Terra, em certos povoados a mulher pare agachada diretamente sobre o
solo. J. Boulnois indica que «um jarro procedente de Elã, mostra a uma mulher agachada encima do
homem, na relação sexual». Um gravado e numerosas cerâmicas peruanas representam essa posição e
levariam a pensar que era natural e, talvez, inclusive, habitual no casal da pré-história, mesmo que se
tenham encontrado gravados pré-históricos nos quais o homem e a mulher estão acoplados em pé. Se o
varão está prostrado sobre o solo, há que ver nele, provavelmente, o símbolo da Terra colocada sob o Céu,
ou a homenagem do primeiro homem a Géia. Mas é mais certo ainda que essa posição obedeça a razões
físicas e elétricas da Terra, ao ser o homem + e a mulher -.
78
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mitra, espírito da luz divina na religião masdeísta, veio ao mundo «saindo pouco
a pouco da pedra, sob uma árvore sagrada, na margem dum rio», e a rocha que
a pôs no mundo foi, depois, adorada sob a forma dum piramidião.16
Se pensava que a natureza de Mitra estava vinculada a uma técnica de
aquisição do fogo mediante o sílex.
Nas crenças hebraicas, gregas e japonesas os deuses se encarnam, às vezes, no
penhasco pra manter relação com os humanos.
Se lê na Odisséia (XIX, 163):
«Nos digas donde vens porque deves ser de nascimento fabuloso. Terás nascido
dum penhasco ou duma árvore?»
Os hebreus não sabem muito bem de que lado ficar. Jeová no penhasco, e as
doze tribos estavam simbolizadas por doze pedras imersas no Jordão.
Está escrito: «Abandonaste o penhasco que te engendrou e olvidaste o deus que
te formou (O Senhor é meu penhasco).»
Mas esta não era a opinião de Jeremias (II, 27) que condenava este paganismo.
De esse modo serão confundidos as gentes da casa de Israel que dizem à
madeira:
― És meu pai.
E à pedra:
― És tu quem me engendrou».
Segundo C. K. H. Iablokoff, Merea teria, como Deucalião, convertido pedras em
seres humanos e Mitra, nascida duma pedra, se uniu a uma pedra pra
engendrar seu filho que foi uma pedra.
Os iorubas da Guiné crêem que todo homem com muitos anos é uma grande
pedra. Os índios pareci, de Mato Grosso, dizem que Darukavaitere, o adão
brasileiro, era feito de terra.
F. H. Gaster escreveu que «a tribo árabe de Beni-sahr, no Moab, faz remontar
seu nome, não sem fantasia, a um antepassado muito remoto que teria sido um
penhasco ou sahr».
Na lenda grega, Pigmalião, célebre escultor, pra protestar contra o culto
indecente que as mulheres de Amatonte (Chipre) dedicavam a Vênus, resolveu
viver no celibato.
A deusa do amor, irritada, se vingou com muita elegância: Fez com que
Pigmalião se enamorasse perdidamente duma estátua representando uma
mulher maravilhosamente bela esculpida num bloco de mármore, a quem ele
chamava Galatéia.
Finalmente, convertido aos encantos do amor e, inclusive, aos das prostitutas
do templo de Amatonte, Pigmalião obteve o perdão de Vênus, que animou a
Galatéia: A estátua, convertida em criatura de carne e de vida, foi desposada
pelo escultor.
Dessa união, símbolo da potência criadora da arte sobre a matéria, nasceu um
filho, Pafo, que fundou a cidade de Pafos.

16 O obelisco foi a forma simbólica arquitetônica mais antiga do Egito. Consiste numa coluna
quadrangular alargada montada sobre uma pequena base ligeiramente maior que a dimensão da coluna,
cujos lados vão se reduzindo até chegar ao topo, terminando numa ponta piramidal chamada piramidião.
79
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Por suposto, é impossível dar vida humana a uma estátua, mas está em nosso
destino esculpir, talhar, desenhar e criar à imagem de Deus.**
O homem tende a povoar a Terra de estátua de pedra com o desígnio
inconsciente de se perpetuar, de se imortalizar.
Houve um tempo, diz uma lenda, em que todas as estátuas de nosso planeta se
animaram e entraram em luta contra os homens que as criaram.*
Se trata, evidentemente, dum símbolo implicando que um dia, sem dúvida,
próximo de nosso século XX, a criação do homem se voltará contra ele e o
aniquilará.

A PEDRA FALA: OS INICIADOS SABIAM

Antes de 1976 a ciência oficial, engalanada de branco, florida de vermelho e


bem paramentada em sua couraça de dogma, de lei e de teorema, pontificava17
sobre o acontecido e a acontecer e entregava capirote18 de orelhas de burro ou
diploma de conhecimento. Até que, subitamente, um imponderável engruvinhou
a enorme máquina cega: O fenômeno psi, isso é, os poderes do pensamento, da
vontade... Em resumo: Do misterioso ignoto que nos rodeia brincando, às vezes,
a nos enganar!
Uns pseudosábios (os verdadeiros sabiam há muito tempo) tiveram que
reconhecer que as plantas têm uma sensibilidade, uma inteligência e que a
matéria chamada inerte é sensível ao pensamento humano e que há imensa
possibilidade de intercâmbio psíquico e físico entre o humano e o mineral.
O que ensinavam os iniciados havia milênios, encontra, enfim, sua justificativa e
suas provas: A montanha sonha, a flor gosta de proporcionar seu aroma, a
pedra escuta e retém, o oceano tem certa consciência do maremoto que
desencadeia.
Por suposto, o esoterista está, agora, propenso a exagerar sua potência no jogo
psi e sua clarividência no misterioso ignoto. É a regra da natureza humana! Mas
poderá, abertamente, sem reserva, admirar a intuição e a revelação dos
iniciados da Antigüidade, inclusive se nos chegaram sob o véu da lenda.
Se acreditava, antanho, que as pedras falavam mas, sem dúvida, é necessário
ter ouvido pra ouvir, como é necessário ter olho pra ver o que não é perceptível
ao profano.
O colosso norte Mêmon, no Egito, estátua sentada do rei Amenófis III,
representava, na imaginação popular, o herói etíope Mêmon, caído, antanho,
nos campo troiano.

 No há sacrilégio em reproduzir a vida, ao contrário, está no programa do homem fazer filhos pra se
perpetuar na continuidade espaço-tempo. Esculpir uma estátua pode ser considerado uma homenagem a
Deus, uma imitação de sua criatura. Tudo está na invenção. Em compensação, confeccionar figurinha com
pretensão de vida é magia negra. Traficar os genes e as arquiteturas biológicas pra modificar o plano
duma espécie vivente é, também, magia negra, um crime, um pecado.
 Ao contrário, na mitologia egípcia, o deus Jonsu (O Navegante), exorcista e curandeiro, delegava seus

poderes a uma estátua onde encarnava seu duplo lhe dando a missão de ir ao reino levar a cura a seus
suplicantes.
17 Pontificar: Expor opinião em tom dogmático como sendo verdade inegável
18 Gorro cônico terminado em ponta, geralmente de cartão e coberto de tela, utilizado, especialmente,

pelos penitentes em procissão de Semana Santa.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Cada manhã, saudava com seu lamento a sua mãe a Aurora e as multidões
vinham desde muito longe pra ouvir os sons muito melodiosos que lançava ao
se levantar o Sol.
Em nossos dias, os inimigos do milagre dizem que o fenômeno era físico, e que
se devia aos bruscos mudanças de umidade e de calor que acompanham a
aparição do dia.

A SIDURITA INFALÍVEL

Num poema atribuído a Orfeu as pedras são de dois tipos: As olitas, ou pedras-
serpentes, e as siduritas, ou pedras-estrelas, que têm o dom da palavra,
segundo este relato estranho que demonstra uma vez mais, que os cientistas
investigadores teriam grande interesse em consultar os Antigos.**
Apolo deu a Orfeu uma pedra dotada da palavra, a sidurita infalível.
»Agradou aos outros mortais lhe dar o nome de Orelha Vivente. É uma pedra
redonda, bastante rude, compacta, negra, densa. Veias circulares parecidas a
rugas se extendem em todo lado na superfície».
Essa sidurita esteve a ponto de ser fatal a Heleno, filho de Príamo e adivinho
famoso, a quem a pedra falante que possuía lhe havia predito a ruína de Tróia,
sua própria pátria.
Ulisses obrigou o adivinho a revelar o porvir. Assim os gregos souberam que
Filocteto se apoderaria de Tróia.
Não obstante, Heleno, bem a par da aventura, se casou com a bela Andrômaca
e herdou o trono de Epiro.
A propósito da sidurita, o poema órfico diz:
Eis sabido que Heleno se absteve durante dez dias de ocupar o leito conjugal e
dos banhos públicos e que não se maculou com alimento animal. Lavando a
pedra doce num manancial, a cuidava como a um menino em fralda muito
limpos.
A saciando como a um deus com unção sagrada e azeite, convertia em animada
à pedra mediante cânticos poderosos.
Tu também, se queres ouvir uma voz divina, atues do mesmo modo pra obter
um canal de milagre em tua alma.
«Porque quando te puseres a fazer oscilar entre tuas mãos, de repente ela te
fará ouvir a voz dum recém-nascido..».
Este relato entraria plenamente no expediente dos contos inverossímeis se, em
junho de 1975, o físico soviético Resvi Tilssov, da universidade de Moscou, não
tivesse declarado, de modo muito formal, que duas pedras, pelo menos,
falavam: A ametista e a siderosa.
Pois bem, a siderosa, de fórmula FeOCO2, ou ferro espático atraível por ímã é,
exatamente, a sidurita dos Antigos.
Resvi Tilssov logrou fazer comunicar entre si siduritas ou ametistas distantes
entre si 200m.

Citado por Helena Blavatsky em seu A doutrina secreta, pelo filólogo Louis Michel James Delátre, e
Nostra, #167. É de advertir que a sidurita é o constituinte principal dos meteoritos e dos bólidos.
81
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
As pedras emitem onda, em determinados momentos, mas durante um tempo
muito breve, e são esses contatos que o físico chama linguagem, que decifrado
poderia causar algumas surpresas nos meios oficiais!
Segundo Gérard Gilles (Nostra Ep167), um tratado de física publicado no século
XVIII afirmava já que «a ametista fala a um ímã quando se lhe acerca a ele», o
qual sucede também com a turmalina de Ceilão.
Eusébio, bispo de Cesariana, nunca se separava de suas ofitas* que pronunciava
oráculos com voz tênue parecendo um silvo.
Sanchoniatão dizia dos betilos-menires, que eram pedras viventes e parlantes
mas o que teria pensado da galena, esse sulfato de chumbo (PbS), que, com
inteligência prodigiosa, detectava, em 1927, os sinais elétricos e os convertia em
som, palavra e música com a conivência dos carretéis auto-capacidade e dum
alto-falante?
Bem é verdade que os órgãos basálticos e que as pedras da Orelha de Dionísio,
em Siracusa, têm poderes análogos!
A pedra do Destino de Fál ou Coronation stone ou L'a Fail é uma pedra talhada
que mede, aproximadamente, 0,90m de comprimento, 0,30m de altura e 0,60m
de largura, na qual estão encravados dois anéis de ferro. Seria uma pedra sem
importância se, segundo um rito milenar, cada monarca da Inglaterra não
devesse, pra ser entronizado, se sentar sobre ela e a ouvir gritar, o que passa
por ser a prova da legitimidade do soberano sobre o reino da Irlanda.**
Uma lenda quer que ela seja o betel que sustentava a arca da aliança. Levada
por Jeremias após a destruição de Jerusalém, teria sido plantada sobre a colina
sagrada de Tara e em nossos dias está conservada na abadia de Westminster.
A pedra de Pta, numa tradição egípcia, servia à entronização dos faraós.

O NÚMERO ÁUREO DOS PITAGÓRICOS

Desse modo se estabelece uma ramificação lógica que, começando com a água
aminada, a água-mãe, surgida do calcário, prossegue com o penhasco, a piçarra
dos colegiais da pré-história, e no Próximo Oriente, com o betilo, morada dos
deuses venusianos e, no Ocidente, com o menir acumulador de energia.
Porque a pedra-menir, betilo ou coluna, é indissociável da vida, da potência viril
mas tem, ademais, estreita relação com a transmissão do labirinto e com as
representações mais sábias do gênio humano.
Os antigos tinham tal respeito pela divindade e pelo labirinto que divulgavam,
quase exclusivamente, sobre a pedra o que tinha valor sacro ou secreto.
Os pitagóricos gravavam seus símbolos e as cifras 1,618 e 3,1416 sobre
pedregulhos que levavam como colar.
Um desses símbolos era o número áureo, que é uma relação dos números entre
si. Por exemplo, pro retângulo seria a relação entre a soma de dois lados e a
longitude.

As ofitas de Eusébio eram, provavelmente, siduritas.


Le monde souterrain (o mundo subterrâneo), de Jean-Pierre Bayard, Edições Flammarion, Paris, 1961. A
Caaba, a pedra negra de Meca, que representava a Anaíta (Vênus) antes que fosse açambarcada pelos
muçulmanos, designava, nos primeiros tempos do Islã, mediante oscilações e uma voz, aos imãs
sucessores de Russém.
82
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

segundo Jacques Bert

pra Michel Ponge-Helmer

É o único número, disse o diretor do instituto de tecnologia preventiva, entre


todos os números imagináveis, que se multiplica por si mesmo quando lhe
acrescentam 1 e o único que se inverte consigo mesmo quando se lhe tira 1:*

x+1=x2  x2-x-1=0  x=

x-1=x-1  x2-x-1=0  x=

Para Jean-Pierre Bayard** a seção esotérica, ou relação do círculo com o


quadrado, dá o número do homem: 2,618, donde procede o número áureo.
Henri Vincenot*** expõe, muito claramente, como se encontra esse número:
O retângulo de proporção dois-um, têm uma diagonal igual à raiz quadrada de
cinco!
»Se se aumentar essa diagonal com uma largura de retângulo e se dividir por
dois se obtém 1,618 que é o número áureo».
Henri Vincenot, a quem a iniciação não é, simplesmente, assunto de abrir e
cerrar de olhos, de palavras ocas e de fórmulas abstrusas, acrescentou:

= (1 + 1,618) = (1,618 x 1,618) = 2,618

E essa última cifra multiplicada pela relação doze-dez, chamada relação de


Osíris, dá Pi = = 3,1416, constante universal, chave do círculo e da esfera.
ABRAXAS, PILHAS, DJEDS E VEIAS DO DRAGÃO

 Les siécles et les jours (os séculos e os dias). Horizon 1969, 14, Cours Lieu-taud, Marselha, capítulo II,
página 30. Na sucessão aritmética de Fibonnacci: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, etc., o
número de ouro é o limite da relação de dois termos sucessivos quando se vai aos termos cada vez
maiores. Se encontra em qualquer sucessão baseada nesse princípio. (Ler facettes, #38, página 9,
direção: B.P. 15. 95220 Herblay, França.) A sucessão de Fibonnacci é tal que cada termo é a soma dos
dois precedentes.

O número áureo é estritamente igual a Sua expressão numérica, irracional, começa por 1,618.
(Facettes, #29, página 9). Em alta iniciação se ensina que o número áureo não é uma aritmética mas está
determinado por intuição e relação harmoniosa entre o homem e o cosmo.
 Le monde souterrain (O mundo subterrâneo), de J.-P. Bayard, Edições Flammarion, 1961.
 Le pape des escargots (O papa dos escargôs), de Henri Vincenot, Edições Denoel, Paris, 1972, págs.
35-36.
83
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Sentenças e fórmulas mágicas estavam gravadas sobre as pedras gnósticas ou
basilidianas ou abraxas (amuletos) no século II de nossa era, quando Basilides
ensinava a doutrina dos gnósticos. Essas pedras eram o sanctasanctórum, o
tabernáculo da alta ciência. Quem soubesse ler suas gravuras era sábio e
companheiro de labirinto dos grandes iniciados.
Mais tarde a expressão suprema do saber e da sabedoria devia se cristalizar na
lendária pedra filosofal, graal dos alquimistas e dos cavaleiros da quimera.
Os menires da Bretanha, que conservam tão bem seu segredo, tinham um
destino muito concreto na geografia e na geologia.
Essa é a opinião do arqueólogo Jean Lody, de Rostrenen (Côtes-du-Nord), a
quem os menires eram os marcos duma rede viária primitiva que conduzia aos
sedimentos metalíferos que os povos antigos exploravam.
É uma tese interessante que Jean Lody apóia sobre observações sérias e
copiosa documentação.
É certo que a pedra alçada tem múltiplos significados que variaram com o
transcurso dos anos.
Se pode pensar, com boa razão, que os alinhamentos do Meneque, em
Carnaque, eram, para à mente de nossos antepassados, ao mesmo tempo
estelas funerárias ou de saudade, guerreiros defensores, observatórios
astronômicos* e pilhas conectadas diretamente sobre a serpente telúrica, a
quimera, geradora de fluxo vital revigorante.
O qual era também a função do djed egípcio e das Veias do Dragão dos
chineses.
O menir da ilha de Yeu, que nos fez conhecer doutor André Guillard, é,
incontestavelmente, símbolo fálico, acumulador de potência e de virilidade.

OS GUERREIROS DE FILITOSA

Na Córsega, em Palaggiu, assim como em Carnaque, os menires estão


ordenados e dispostos como guerreiros dotados de vida, suscetíveis de adquirir
o movimento e a possibilidade de atacar ou de defender em caso da altura estar
em perigo.
Não obstante, é em Filitosa, a sul de Ajácio, onde as teses da pilha acumuladora
de fluido vital e das efígies antropomorfas protetoras, induzem mais ao
convencimento.
Como na ilha de Páscoa com as estátuas gigantes.
Numa paragem magnífica um dos mais formosos da ilha da Beleza, Filitosa é
um lugar elevado onde os enamorados da Natureza e dos megalitos podem
sonhar com os tempos passados.

 Os estudos de professor Alexander Thom sobre Estonerrenge e Carnaque demonstrariam que esses
monumentos ou sítios eram observatórios astronômicos. Os alinhamentos do Menée, de Kermario e de
Kerlescant teriam sido conectados com o observatório lunar que constituíam o menir gigante de Er-Kroecht
(25m de altura) e pedras de mira. O conjunto teria permitido prever eclipses e determinar os solstícios. Os
investigadores do CNRS inclusive escreveram (La Recherche, #34) que os menires eram computadores!
Estamos longe de pensar que nossos antepassados eram ignorantes. Ao contrário, lutamos pra fazer
reconhecer sua existência e sua qualidade de Antecessores Superiores em determinados terrenos. Mas isso
de qualificar de computador um menir, há um degrau que não franqueamos!
84
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Com Stonehenge e Carnaque, Filitosa é um dos pólos da pré-história aonde o
homem curioso e culto deve acudir pra refletir sobre o problema obsedante das
pedras alçadas.
Sobre um morro rochoso se ergue a fortaleza flanqueada de estátuas-menires
que são, sem a menor dúvida, à vez falos e guerreiros encarregados de
assegurar uma proteção mágica.
Com seus dólmens, seus monumentos, seu recinto de menires e suas
fortificações, o oppidum de Filitosa atesta dum passado que se remonta de
3.500 a 5.000 anos, e que apresenta ainda muitos enigmas.
A altura foi descoberta por Charles-Antoine Césari que, com suas próprias
mãos, exumou a maior parte das estátuas e dos megalitos que podem agora ser
admirados.
Também a ele se deve o museu, cheio de vestígio e pedra lavrada como não
existe noutra parte.*
Carnaque é o menir informal onde ainda habita o deus e onde se armazena a
potência, considerada benéfica, da terra-mãe.
Filitosa, mais recente, mais suntuosa, assinala, em nosso ponto de vista, o final
do tempo megalítico e uma tomada de consciência onde a magia se enlaça
estranhamente com a arte antropomorfa, da qual o menir é representativo.**

OS PILARES DO CÉU

Tanto faz ser chamado betilo ou pedra alçada o menir sempre teve reputação
mágica, benéfica e, freqüentemente, divina.
Se lhe atribuem tantos poderes que já não se sabe qual lhe caracteriza e lhe dá
significado principal.
Então, ao tomar consciência da multiplicidade de funções possíveis que se lhe
atribuem, se adquire uma convicção que é, com certeza, a expressão da
verdade: Segundo as épocas e os lugares os menires tinham significados muito
claros.
Há tanta diferença entre o menir de Carnaque e o obelisco de Luxor como entre
um dólmen e uma catedral, entre uma lagarta e uma mariposa.
Para os esoteristas o menir é a Árvore sagrada, o eixo do mundo, o centro do
mundo habitado por Deus, a casa e a palavra de Deus. É também o deus
informal, o deus na pedra.
É o Pai vertical, doador de vida, o falo sagrado de todos os povos antigos.
Na Índia é o Lingam sagrado, substância vivente, inteligente e genitora.
Às vezes é o Antepassado, a pedra-mãe que dá a luz à humanidade.
Como pilar, o djed dos egípcios está carregado de influxo benfeitor porque, por
sua base, toca o lombo da quimera, trajeto nas correntes telúricas, e por sua
ponta é receptor das influências celestes.

 Filitosa está a 50km ao sul de Ajácio. Se tem fácil acesso em automóvel ao lugar onde há um
restaurante, um museu e um parque onde é agradável errar entre as estátuas armadas, os menires e os
vestígios ciclópicos.
 Na Sibéria, na região dos rios Ienissei e Abacã, estão eretos menires ou ídolos ou mulheres velhas

notavelmente esculpidos de rostos, representações animais e personagens providas de três olhos e de


largas orelhas! Esses menires têm uma antigüidade de 4.000 anos.
85
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Nesse sentido tem o papel de acumulador de ondas benéficas e de agulhas de
acupuntura.
Para os outros, o menir é um computador, elemento de olha astronômica.
Parece que os celtas o chamaram pilar no tempo em que os Dé Danann da
Irlanda venceram aos Fomoré em Moytura (a planície dos Pilares, isto é: dos
Menires).
E o termo pilar, esclarecido por um conto sumério, sugere uma explicação
fantástica que pôde perfeitamente germinar na mente fértil e apaixonada pelo
maravilhoso de nossos antepassados celtas.
Nesse conto o deus Kumarbi criou um gigantesco monstro de pedra com o
nome de Ullikummi que devia se elevar como um pilar crescendo sem cessar até
sacudir o teto do céu pra desalojar dali os maus deuses.
No final da história Ullikummi se converteu num guerreiro de pedra encarregado
de vigiar e proteger as cidades terrenas.*
Esse último destino, que corresponde exatamente ao das estátuas-menires de
Filitosa e também, se diz, aos alinhamentos de menir do Menee, em Carnaque,
faz crer que se trataria do primeiro: Os pilares dos celtas, elevados, seja pra
sacudir, seja pra sustentar o céu de Deus.
Os pilares de Stonehenge não suportam, diz Diodoro da Sicília, o grande templo
circular de Apolo?
O menir, ao crescer, na crença céltica ou pré-céltica, deveria, nessa hipótese, se
elevar até o céu.
Uma imagem simbólica, muito fascinante, acode, então, à mente: Os menires-
pilares que suportam sua chapa de pedra plana representariam o céu ao se
converter em dolmens.
Uma visão abreviada do cosmo!
Ficção analógica, dirão de novo os pontífices! Como se nossos remotos
antepassados tivessem tido o mau gosto e a estupidez de viver como nós, em
tempo chamados real, cuja expressão mais nauseabunda é, indubitavelmente,
na França, o escandaloso Pompidolium de Beaubourg, em Paris, cujos pilares de
metal suportam um dólmen atulhado da ciência maléfica de nosso século XX...

SUPRANORMAL

Capítulo VIII
NAS FRONTEIRAS DO INCRÍVEL

A ciência, tal como está concebida e é ensinada de modo oficial, está fundada
sobre princípios duvidosos que é necessário revisar.
Isso é o que admitem e declaram os físicos mais abertos às realidades da
experiência controlada.
Desde 1976, aqueles que, generosamente, são chamados os sábios, estão
invadidos por uma grande perplexidade: Já não sabem onde se encontram em

Les plus anciens contes de l'humanité (Os mais antigos contos da humanidade), de T. H. Gaster, página
114, Edições Payot, Paris.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
seus conhecimentos e, por pouco, fariam acender uma vela a são Antônio pra
que lhes fizesse voltar a encontrar suas certezas de antanho.
Uma coisa insignificante, um grão de areia, derruba sua magnífica arrogância. O
que é?
Exatamente: A ciência dos bruxos, dos espiritualistas, dos esoteristas, daqueles
de que se tem burlado tanto os chamando empíricos!
E, por uma inversão das coisas, se assiste esse curioso fenômeno: Os físicos
ficando mais empíricos que os empíricos, mais radiestesistas, mais curandeiros
que os curandeiros e mais crentes que os beatos de São-Nicolau-du-
Chardonnet.

OS CIRURGIÕES FILIPINOS: PSIQUISMO

O mais assombroso, o mais saboroso, o mais edificante do assunto é que a


mudança súbita de opinião científica mundial foi determinada, principalmente,
por charlatães da medicina: Os cirurgiões filipinos, e por um taumaturgo
fantasista mas autêntico: Uri Geller.
A dizer verdade, nada sabemos de concreto sobre o psicofísico Uri Geller, que
misturaria, segundo se diz, prestidigitação com autênticos fenômenos
paranormais.
No que concerne aos cirurgiões filipinos que havíamos apresentado desde
1973,* o problema foi esclarecido. Há 100% de trucagem. As curas eventuais e
escassas, como em Lurdes e como no caso da maioria dos curandeiros.
É certo que os cirurgiões das ilhas Filipinas curam certas dolências,
principalmente de caráter nervoso ou histérico.
Quiçá, inclusive, obtêm remissões ou melhoras em casos de câncer benigno,
embora nada o demonstre, mas sua ação é puramente psíquica e é o próprio
enfermo quem, inconscientemente, se cura.
Esse fenômeno não é novo! Muito ao contrário. É antigo como o mundo e
somente acabará com ele.
Uri Geller, ao negar a se deixar controlar pelos ilusionistas profissionais, põe
dúvida sobre a qualidade dos poderes psíquicos que realmente possui, na
opinião dos melhores especialistas.
Seja o que for, há de se reconhecer um mérito inegável: É ele quem, com suas
chaves torcidas por simples contato, reatualizou o problema dos poderes do
pensamento.

O PODER PSÍQUICO DOS CARIBA

É provável que o improvável se produza de vez em quando, dizia Aristóteles.


Entre os povos antigos ou chamados atrasados, o milagre, sem ser cotidiano,

 Os cirurgiões das ilhas Filipinas são hábeis charlatães que simulam extrair do corpo dos enfermos os
tumores o as infecções que o envenenam, afundando suas mãos nas carnes como si fossem tão fluidas
como a água. E sem deixar cicatriz. Na realidade esses ilusionistas utilizam vísceras e sangue animal pra
fazer crer numa verdadeira e milagrosa intervenção cirúrgica e o paciente, sugestionado, crédulo, cura, em
certos casos, ou fica persuadido que está. Ler O livro do passado misterioso, capítulo IX, Agpaoa, o passa-
parede.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
não estranhava demasiado e, inclusive, em nossos dias se assegura que, no
Tibete, iogues treinados no lung-gom (técnica dos brincos) podem, em estado
de transe, recorrer sem fadiga 500km seguidos a uma velocidade média de
17km/h!
Mas se deve desconfiar de tudo o que procede do Tibete!
Em seu livro Indaba my children (Meus filhos Indaba) o ex bruxo sul-africano
Vuzumazulu Mutwa fala da tribo santa dos Holy ones of Kariba (Os santos de
Cariba) cujos membros viviam completamente nus como os dujobores da
Ucrânia e do Canadá, no desfiladeiro de Cariba (sem dúvida, até Livingstone, na
Zâmbia).
Donde procediam? De que raça eram? Ninguém saberia dizer mas se sabe que
cultivavam até o extraordinário o poder de suas forças mentais.
Por a intercessão de sua faculdade cerebral — escreveu Mutwa — se
aventuravam nas mais perigosas operações cirúrgicas, chegando até a pôr a nu
os cérebros cujo tumor operavam.
Foram os primeiros em amputar membro sem empregar instrumento material,
unicamente por um fantástico desenvolvimento de vontade.
»E, um dia, os santos de Cariba desapareceram da África e da superfície da
Terra, sem deixar rastro e sem abandonar o desfiladeiro!»
O que parece querer dizer que seu próprio país se volatilizou na mudança de
configuração.

MODERAÇÃO NA PRETENSÃO DOS FÍSICOS

É o poder psi que some dos físicos num abismo de perplexidade.


O psi, do qual se ignora a essência e a natureza, seria, segundo se pensa, ondas
desconhecidas detentoras de poderes físicos, emitidas pelo pensamento ou pelo
desejo.
Talvez poderíamos dizer: Pela fé absoluta.
Há decênios a maioria dos sábios materialistas debochava dos empíricos,
ensalmadores, curandeiros, espiritualistas e outros taumaturgos cujas ações
milagrosas pertenciam, diziam eles, ao arsenal dos charlatães.
Os poderes dos iogues? Farsa!
A levitação, a materialização, a telecinesia, a psicocinesia:* Picuinhas sem
consistência destinadas a tolos!
Curar uma égua de sua cólica por telefone ou mediante determinada oração.
Dissipar, do mesmo modo, a fermentação gasosa das ovelhas que comeram
demasiado feno úmido?
Superstição. Superstição!
O certo é que os físicos honrados evitavam tomar posição, dado o muito que
lhes conturbavam manifestações incompreensíveis que desvirtuavam suas
previsões e, inclusive, seus experimentos mais elaborados.
Já em 1974 os investigadores Burton Richter, do laboratório de Stanford
(Califórnia), e Samuel Ting, prêmio Nobel de física em 1976, davam um passo
 Telecinesia: Deslocamento de objetos sem contato. Psicocinesia: Deslocamento de objetos pelo poder do
pensamento. A psicotrônica é a parapsicologia dos investigadores da Urs. Como se pode ver, essa nova
ciência tem já um vocabulário bastante bem provido!
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
no conjetural ao pôr em evidência partículas que batizaram psi e, logo
confundidas com o nome de gipsy.
Gipsy, ou também quarque encantado, seria a essência da matéria com poderes
muito pouco conhecidos, posto que essa partícula se inscreve ao lado dum
quarque (subpartícula) chamado alto, doutro sob e dum terceiro denominado
estranho.
Denominações efetivamente estranhas num vocabulário científico!
E, depois, Jean-Pierre Girard. Os pontífices pontificantes, perdendo sua
soberbia, se imobilizaram numa reserva prudente.
Porque com Jean-Pierre Girard a ciência oficial recebeu um rude golpe e tremeu
sobre suas bases que se acreditavam de bronze!

O EFEITO GIRARD

Um dos grandes artífices dessa revolução foi A União Racionalista, grupo de


materialistas ferozmente dedicados a negar a evidência, Deus e o Misterioso
Ignoto.
Tenazes, imprudentes, mediocremente informados acerca de tudo, esses
sectários, desaprovados pelos sábios, fizeram, finalmente, triunfar o paranormal
devido a sua má-fé e a suas torpes reações.*
É bem verdade que o campeão, Jean-Pierre Girard, ascendia no firmamento da
nova ciência, aureolado como um jovem deus, resplandecente de luz e de
cândida probidade.
Jean-Pierre Girard faz milagre, realiza o impossível, desmantela as leis
sacrossantas da ciência clássica: Ao olhar uma barra de aço a entorta, muda a
natureza dum metal, faz flutuar no espaço objetos relativamente pesados,
descompõe um computador eletrônico, torce as ponteiros dum relógio, mata
caldos de cultivo...
Tudo exatamente pelo poder do pensamento e sem tocar!
Ao contrário de Uri Geller, Jean-Pierre Girard faz essas demonstrações em
laboratórios científicos, ante jurados compostos por eminentes físicos, biólogos
renomados e ilusionistas incrédulos!
E sem tocar metal, objeto nem aparato.
Em resumo, os milagres se realizam em otimizada condição de segurança, de
regularidade e de controle. De maneira que elimina, perfeitamente, toda
possibilidade de fraude.
Então, os físicos já não crêem nem em seus olhos nem em seus livros nem em
suas leis nem em sua ciência.
E a maioria dos empíricos, técnicos do supra-normal e, às vezes, da impostura,
não se atrevem a proclamar seu triunfo de tão estupefatos que estão ao
comprovar que suas alegações gratuitas foram superadas por feitos
indiscutíveis!

 A conseqüência de declarações públicas nas quais ressalta demasiado visivelmente sua má-fé, os
racionalistas, compreendendo que estavam perdendo a pouca estima que ainda se lhes concedia, julgaram
oportuno mudar subitamente de opinião. Numa emissão sobre a parapsicologia, de 1 de julho de 1977,
pela Antena 2, doutor Alfredo Krantz, neuropsiquiatra, membro da União Racionalista mas erudito
honrado, reconhecia a autenticidade do fenômeno psi e dos experimentos de Jean-Pierre Girard.
89
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Somente, quiçá, os esoteristas sabem a que se ater: Conhecem o psi desde
sempre e pensam que o Apocalipse, como seu nome o indica, é a hora de
verdade e de revelação.
Nesse sentido J.-P. Girard poderia, muito bem, ser o anjo anunciador do fim do
mundo.
NÃO QUER TIRAR DINHEIRO DE SEU DOM

Jovem, trinta e quatro anos, moreno, magro, de estatura média, casado, sem
filho, o taumaturgo é chefe da promoção médica dum laboratório de produto
farmacêutico. Reconhece que possui um dom excepcional mas declara
rotundamente que não quer obter de dito dom algum benefício pecuniário e que
nunca se exibirá em espetáculo público.
No entanto não oculta que freqüentou ambientes da manipulação como
ilusionista aficionado. Declarou:
Quero somente ajudar ao desenvolvimento da ciência e estou a disposição dos
físicos que efetuem suas atividades nos laboratórios de investigação.
«Atuar em público é muito perigoso. Por dinheiro, quase todo mundo tem a
tentação de cometer fraude. Por conseguinte, prefiro me pôr a salvo de
tentação».
E quando lhe perguntaram a explicação dos fenômenos que produz, respondeu
com grande humildade:
«Não compreendo o que ocorre mas o que faço todo mundo poderá fazer algum
dia. Estou persuadido de que assim será. O essencial é captar as causas
desconhecidas..».
Jean-Pierre Girard, ex-pupilo da beneficência pública, teve infância bem mais
difícil, tanto mais por seus dons precoces de vidência e de percepção
supranormal lhe causavam muitas incômodos.
— Eis aqui uma multiplicação: 17 x 363... Igual a 6.171.
— Quem disse isso? — Perguntava o mestre — Outra vez Girard... sempre Girard,
claro. Como sabes que o resultado é 6.171 se ainda não fizeste a multiplicação?
— Não sei, senhor. Mas deve dar 6.171.
Outra vez, o mestre iniciava uma frase:
— Vejamos, hoje, estudaremos... á, sim... será...
— A batalha de Rocroy!
Era de novo o aluno Girard quem perturbava as funções mentais do bom
pedagogo, incapaz de assimilar como seu aluno podia adivinhar o futuro ou ler
seu pensamento.
Então, como um verdadeiro herói de liga racionalista, sucumbia ao argumentum
baculinum e aplicava uma surra ao jovem vidente, argüindo:
— És uma criatura do Diabo. Dês uma olhada na página de tua lição e
imediatamente a poderás recitar de memória!
Um cura de povo e um racionalista dos pés à cabeça não podem aceitar tais
prodígios sem atribuir ao Diabo ou a uma armadilha!

A PROVA ANTE VINTE MILHÕES DE TESTEMUNHAS

90
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Eis aqui o que milhões de telespectadores puderam ver na emissão da FR3
sobre o supranormal em primeiro de abril de 1977, às 20:30h.
Previamente registrado, submetido a prova, apalpado, auscultado. J.-P. Girard
se instalou ante uma mesa, vigiado por eminentes personalidades da ciência e
do ilusionismo, entre eles M. Philibert, diretor de investigação do CNRS,
professor na universidade Paris Sul e pelo cético prestidigitador Ranky.
Um meirinho tomava nota das diferentes fases da ceia.
Se apresentaram, se nossa memória é boa, seis barrotes de metal denominados
performantes procedentes dos oficinas onde se fabrica o Concorde.
Essas barras de ferro, de dimensão aproximada de corrimão redondo duma
escada metálica, haviam sido eleitas sem Jean-Pierre saber, que ignorava sua
natureza, dimensão e origem.
Haviam sido comprovadas sob uma força de 45 niutones,* o qual supera
notavelmente a que pode desenvolver um atleta profissional de peso e halter.
Pois bem, J.-P. Girard, sob o controle rigoroso dos câmaras, do meirinho, do
ilusionista, do físico e de 20 milhões de telespectadores não podia exercer
pressão sobre o material, senão somente o olhar e o roçar com a ponta dos
dedos.
Elegeu uma barra, seja por azar ou porque lhe pareceu mais simpática que as
outras, e a colocou ante ele.
Houve um intervalo de espera bem longo.
As testemunhas espiavam, vigiavam, espreitavam: O taumaturgo, muito sereno,
parecia esperar algo... Um sinal, uma advertência.
E logo se pôs a acariciar a barra, muito suavemente, com a ponta dos dedos,
como se acaricia o seio duma mulher com, parecia, o mesmo fervor, o mesmo
amor concentrado.
Cremos recordar que, segundo seu costume, falou mas sem resultar volúvel, e
as testemunhas mais sensíveis notaram claramente, mas sem o poder analisar,
que algo estava acontecendo ou ia acontecer.
O experimento se prolongou durante breves minutos e J.-P. Girard disse:
— Creio que está torcida!
Retrocedeu a seu cadeirão e aguardou o resultado do controle.
A barra foi examinada cuidadosamente pelos senhores Philibert e Ranky, e
apresentada em primeiro plano, de perfil, ante as câmaras.
Efetivamente, se entortou, muito claramente.
As testemunhas eram formais e fidedignas: Não houve trucagem possível e o
milagre se produziu sem poder ser explicado.
Ranky, o ilusionista, se bem que muito cético a princípio, confirmou
categoricamente a autenticidade do experimento.
— Não houve trucagem. Estou seguro!
É de ressaltar que Monsieur Ranky, criador do comitê de ilusionismo, é um
especialista em fraude dessa índole: Torce barrote de aço e vara de ferro
encerradas em ampolas de cristal.
Se trata de ilusionismo, por suposto, o que dá a seu testemunho todo seu
maravilhoso valor.

 O níuton é a força que comunica a uma massa de 1kg uma aceleração de 1m/s.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

TRANSMITE SEU PODER

J. P. Girard, por seu poder psi, fez levitar objetos, mudou a natureza dum metal,
freou o desenvolvimento dum caldo de cultivo,** entortou barras indeformáveis
por esforço muscular (em metalurgia essas barras são chamadas proveta) mas
pôde, também, transmitir sua faculdade.
É o que fez em 23 de março de 1977, das 14 às 15h, na rádio Montecarlo, onde
foi apresentado pelo professor Robert Tocquet, eminente experto em
parapsicologia.
Vários assistentes e o próprio Robert Tocquet puderam, como ele, entortar
várias varetas de metal.
O professor explicou os fatos nos seguintes termos, frisando que a transmissão
foi involuntária e não forçada por J.-P Girard:
«Eu estava diretamente a sua direita. Entortei uma vareta metálica a tocando
levemente, efetuando a flexão progressivamente e bem visível. A inflexão
definitiva era, aproximadamente, de 3cm. No transcurso da emissão alguns
rádio-ouvintes teriam, igualmente, produzido fenômenos análogos mas é
evidente que, dadas a circunstância, toda comprovação seria impossível».

DEFORMA UMA VARETA DENTRO DE UM TUBO SELADO

Robert Tocquet prosseguiu se fazendo fiador da autenticidade dum experimento


ainda mais fantástico:
Em presença do jornalista Albert Ducrocq, Jean-Pierre entortou varas metálicas
cerradas em tubos de cristal selados.
Eis o testemunho:
— Se pode analisar o fenômeno?
— Me inclino a pensar, mas não é mais que uma explicação temerária e
provisória, que, no efeito Girard, tudo sucede como se o cérebro fosse capaz de
enfocar sua energia sobre o objeto, como o laiser mas, provavelmente, não por
meio de radiação eletromagnética.
Dito de outro modo, não se trataria da ação duma força mecânica ou fisiológica
clássica e inventariada, senão, melhor, duma intrusão indireta do pensamento
ou da mente a nível de partícula atômica ou subatômica.
»Nesse sentido se pode pensar que a interação é própria de indivíduos
privilegiados que são, quiçá, mutantes arautos duma nova etapa na evolução da
humanidade».

Como a maioria dos médiuns, J.-P. Girard pode produzir efeitos negativos, mas muito raramente
positivos, como se o efeito psi pudesse destruir mas não criar.
92
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Eis aqui sobre o efeito Girard a opinião dum homem honesto que, por
acréscimo, é um eminente especialista do supranormal e autor de numerosas
obras que lhe conferem autoridade na matéria.*
Desse modo Jean-Pierre Girard realizou milagre de maneira reiterativa, burlou as
leis físicas estabelecidas, desconcertou os físicos e demonstrou, mediante o
experimento, que os fundamentos de nossa ciência não são mais que relativos
e, em todo caso, devem ser revisados.
O biólogo Gunther S. Stent, da universidade da Califórnia, não teme manifestar
que a ciência é empírica e retorna, quando não pode dar explicação, à noção de
alma de Descartes (Science et vie, #703, pág. 26).
— Existe erro nalguma parte! — Clamam os irredutíveis racionalistas que se
negam a crer no razoável pra opor a obstinação estúpida.
No entanto, tudo entra na linha científica, posto que J.-P. Girard fez seus
experimentos ante os comitês mais temíveis da ciência oficial da França,
Inglaterra, Dinamarca, Alemanha, Bélgica, Suíça, Estados Unidos e no
prestigioso instituto Estanforde, da Califórnia.

OUTRO MUNDO NO QUAL TUDO É POSSÍVEL

O pensamento e o espírito não estão submetidos às contingências do universo


tridimensional: Comprimento, largura e altura. Ao ser o supranormal do domínio
do pensamento ou do espírito os físicos acabaram compreendendo que sua
explicação devia recorrer a universos particulares.
A hipótese dos universos múltiplos ou paralelos é tão rica em possibilidade pra
explicar o paranormal que físicos, tais como John Barret Hasted, professor no
Birbeck College, de Londres, se aventuram de bom grau nessa via.
Essas teses revolucionárias são, agora, apoiadas por eminentes cientistas.
Hasted efetuou em laboratório, com a ajuda de meninos ingleses tão dotados
como o é J.-P. Girard, experimentos que lhe permitiram medir a tensão exercida
sobre a matéria, sem contato físico.
Se deveria concluir: Sem contato perceptível em nosso universo.
Os meninos tinham, respectivamente, doze e nove anos. O diagrama obtido
demonstrou que ondas físicas provocavam amplitudes como se a matéria
tivesse sido golpeada.
Os transes produzidos pelos médiuns têm grande analogia com este fenômeno.
Outra comprovação: Parece que o poder psi é uma força de torção e não de
translação.
Com esses meninos-médiuns foi muito difícil conseguir curvaturas de varas
metálicas colocadas em tubos de cristal perfeitamente selados (coisa que obtém

 Professor Tocquet, do instituto metapsíquico internacional, é autor de numerosas obras sobre o


misterioso ignoto, entre elas: Tout l'occullisme dévoilé. Médiuns, fakirs, voyantes (Todo o ocultismo
desvendado. Médiuns, faquires, videntes). Edições Amiot-Dumont, Paris. Les phénoménes da
métapsychique. Télékinésie. Ectoplasmie. Psycho-kinésie (Os fenômenos da metapsíquica. Telecinesia,
ectoplasmia, psicocinesia). Edições de l'Ermite, 2, rua de Londres, Paris. A vie dans a matière et dans le
cosmo (a vida na matéria e no cosmo). Edições du Seuil, 27, rua Jacó, Paris.
93
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
J. P. Girard) e, ao contrário, a dobragem se fazia fácil quando o tubo
apresentava uma abertura, mesmo diminuta.*
Por quê? Mistério!
Um scrunch (entrelaçado de clipes metálicos) foi obtido num vaso de cristal
perfurado com um buraco, o qual dá a essa proeza fantástica um matiz
inesperado de humor.
O scrunch de J.-B. Hasted foi realizado pelo menino Andrew G., de onze anos
de idade.
Geralmente, enquanto se efetuam esses fenomenais experimentos, se produzem
outras manifestações paranormais: Deslocamento de objetos pequenos
(psicocinesia), telepatia, transe, etc.
Com Uri Geller, autêntico médium quando quer, professor Hasted obteve uma
desaparição: Sem contato Geller teria feito desaparecer (no nada, noutro
universo?) a metade dum pedaço de vanádio encerrado numa cápsula
hermeticamente fechada.

UNIVERSOS PARALELOS E UNIVERSOS ABERRANTES

Durante o simpósio de Reims, J.-B. Hasted emitiu, entre outras hipótese, pra
explicar a dobragem dum metal, a dum deslizamento de planos entre os
monocristais que o constituem. A deformação paranormal poderia, também, diz,
se produzir por um transporte de átomos no túnel quântico.**
Nos encontramos aqui nas zonas duma física que é domínio dos especialistas,
embora nos pareça indispensável evocar sobriamente teorias que incidem com
os universos paralelos caros aos esoteristas.
Hasted respalda sua investigação sobre a teoria, mais ou menos admitida, dos
quanta, mas a hipótese mais fascinante recorre aos universos simultâneos
representados por um «conjunto de equações dinâmicas e de relação comutativa
entre os atuantes deste espaço singular»!
No espaço chamado de Hilbert, uma infinidade de dimensão faz supor a
existência teórica e simultânea de mundos que, praticamente, não devem se
comunicar entre si.
Não obstante, perturbações permitiriam interferência. Por exemplo, nas faixas
desses universos diferentes.
Para o físico de Witt, informou Hasted, a divisão do universo provoca a de nosso
próprio mundo e lhe dá mais que um dom de ubiqüidade: A natureza fantástica
de existir simultaneamente um número infinito de exemplares idênticos.
Neste sentido há milhares de milhões de Terras, de Franças, de Brigitte Bardot e
também de Giscard d'Estaing, de Mitterrand, e de Marcháis (101000, calculou
Hasted!).
Esses exemplares são independentes uns dos outros mas poderiam se
comunicar e, quem sabe, inclusive, se ajudar dum universo a outro.

 Os fenômenos são conseguidos dificilmente quando o buraco não tem mais que um milímetro de
diâmetro, e muito facilmente com uma abertura de 5mm.
 Pro professor Hans Bender, do instituto de parapsicologia de Friburgo de Brisgóvia, a energia necessária

pra dobrar uma vara metálica procederia, não do médium, senão do próprio objeto. O efeito túnel
concerne franquear uma barreira potencial por um elétron.
94
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas essa tese faz abstração dum sério obstáculo: Um deslocamento de objeto e
de energia entre dois mundos!
O que importa?! Nada é impossível aos físicos, e Davi Bohm imagina um tempo
característico durante o qual transições quânticas atômicas não radiativas
poderiam se produzir, pra explicar o milagre da transferência.*
J. B. Hasted, no limite, imagina** o universo como «uma função de ondas únicas
que englobaria miríades de estados estacionários» e este universo seria uma
«combinação linear de todos esses estados» com possibilidade de aparecer,
desaparecer, passar através do opaco, condensar energia e fazer passar dum
mundo a outro.
O físico inglês chegou, inclusive, a admitir a existência dos espíritos, tão
estimados pelos espiritistas, e dum além habitado por numerosas versões de
nós mesmos, assim como também pelos fantasmas de pessoas falecidas há
muito tempo.
Eis aqui algo que trará água ao moinho dos espiritistas.
Não o deploramos, senão ao contrário, mas observemos o caráter revolucionário
do supranormal voltado a entrar na moda graças a Uri Geller, a J.-P. Girard... e
aos curandeiros psíquicos.

SUBCONSCIENTE COLETIVO, ANTI-FÍSICA E CONSCIÊNCIA CÓSMICA

Conseqüentemente os esoteristas não divagavam, agora o sabemos, quando


evocavam fenômenos de telecinesia, de aparição-desaparição, de fantasma, de
remanência que, J.-B. Hasted, por sua parte, explicou sabiamente mediante
transições quânticas implicando as existência simultânea dum mesmo sujeito
num número infinito de universos.
Para ser mais claro, digamos que quando o J.-P. Girard de nosso universo está
persuadido de que uma vara de metal se entortará, outro J.-P. Girard, que existe
noutro mundo, aplica toda sua energia pra realizar o fenômeno.
O investigador metapsíquico Frédéric W. H. Myers pensa que pra compreender
o efeito psi há do imaginar como pertencendo a determinado espaço-tempo
denominado médio-psi ou metaetérico.
Émile Boirac, da Academia de Dijão, sugere a idéia dum subconsciente coletivo,
uma mãe-cepa universal (a mônada) que seria como o éter do universo e sua
memória acáchica.
Esse conceito se encontra na teoria dos cromossomos-memória* e do legado
genético a partir dum antepassado comum e único. «Vivemos na superfície de
 Para se pôr ao corrente, sugerimos a nossos leitores que leiam La parapsychologie devant a science (A
parapsicologia diante da ciência), Edições Berg-Belibaste, 28, rua Henrique Barbusse, 75005, Paris, que
expõe as conclusões do Encontro internacional de parapsicólogos organizado em Reimes, em 16 e 17 de
dezembro de 1975. Os firmantes são: Hans Bender, Rémy Chauvin, Olivier Costa de Beauregard, Jean
Kierfcens, André Dumas, Yvonne Duplessis, François Fabre, Nicole Gibrat, John Barret Hasted, Pierre Janin,
Hubert Larcher e Christian Moreau. A obra é do tipo chamado sério mas, de fato, ultrapassa a imaginação
mais transbordante dos empíricos que não deixarão de se inspirar nela pra disparatar! Ao lado de estudos
superiormente interessantes, se encontram crenças e ingenuidades que fazem sorrir.
 Cabe notar quantas vezes a palavra imaginar é usada, não somente por Hasted, mas também pelos

físicos em sua peleja com o Misterioso Ignoto. O que frisa até que ponto a imaginação é necessária pra
fazer avançar o labirinto.
 Le livre du mystérieux inconnu (O livro do misterioso desconhecido), de Robert Charroux, Os

Antecessores Superiores, capítulo IV, Os cromossomos-memórias.


95
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
nosso ser», dizia doutor Osty, e poderíamos acrescentar: Sobre a epiderme dum
himalaia celular cuja inteligência está repartida em todas as células.
As árvores entremeiam suas raízes nas trevas do solo e as ilhas se reúnem no
fundo do oceano.
Do mesmo modo, existe uma continuidade de consciência cósmica contra a
qual nossa individualidade somente levanta barreiras acidentais e onde nossos
espíritos estão submersos como numa água-mãe...», escreveu William James
em 1909.**
Essas considerações, essas reflexões dos metapsíquicos levam a pensar que o
efeito psi tem necessidade, pra se manifestar, dum meio metaetérico e da ajuda
do inconsciente coletivo, que parece menos convincente que as teses de
professor Hasted.
Nas fronteiras do compreensível professor Hans Bender considera que a
psicocinesia, ou ação desencadeada pela influência do espírito sobre a matéria,
é «uma descrição objetiva duma explicação subjetiva»!
Por último, Rémy Chauvin diz que «os físicos experimentam muita dificuldade
em renunciar a suas noções habituais de tempo e de espaço e que a anti-física
de Costa de Beauregard seria mais apta pra explicar o irracional que a física
tradicional».
Verdade é que o pretenso saber do qual estamos impregnados nos prepara mal
pra captar os universos aberrantes da anti-física e, quiçá, a antimatéria que
tentam fazer incursões em nosso mundo.

PENSAR EM MAO E COMEÇAR A VOAR

O doutor norte-americano Henry Ryder julga que a barreira pruma melhora dos
recordes em desporto é mais psicológica que fisiológica. Encontrei o caso de
Bob Beamon, que saltou em longitude 8,90m nos jogos olímpicos do México,
num estado de transe ou, pelo menos, de sobre-excitação devido a um clima
político explosivo.
Os negros desejavam demonstrar a supremacia de sua raça sobre a dos
brancos. Atletas negros foram excluídos dos jogos por provocações
intempestivas. Por isso Beamon teria passado a noite toda sem dormir e saltou
num estado psíquico muito particular, sobre-excitado pela cólera, a emoção e o
orgulho racista.
Entre os japoneses, ao contrário, é o misticismo o que estimula os atletas: Antes
do desjejum, uma hora de concentração sobre os ensinamentos de Buda.
O atleta cubano Juan Torena ganhou os 400m e os 800m dos jogos olímpicos
de Montreal em 1976, sustentado pelo pensamento de Fidel Castro!
O ditador cubano, em 1966, manifestava:
«Uns escritorzinhos [sic] disseram que nossos atletas não eram atletas, senão
militantes revolucionários.» É verdade!
O saltador em altura chinês Ni Chin-Chin franqueou a barra a 2,29m e Chuang
Tsé-tung é o melhor jogador de tênis de mesa porque estão sobre-eletrizados
pelo pensamento em Mao.

 Citado por André Dumas em La parapsychologie devant la science (A parapsicologia diante da ciência).
96
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
«As encontros do Grande Timoneiro nada têm a ver com bruxaria — declarou
Chuang Tse-tung — mas me submergem num banho regenerante e
revigorante».
Prescindo de treinador. — Disse Ni Chin-Chin — Trabalho no frio, na chuva mas
em comunhão com Mao e em meu silêncio interior.
Uma bomba pode cair, me é igual. Estou seguro de mim! Subo só ao combate,
segundo o princípio maoísta.
»É um arma que os ocidentais não conhecem, e é a mais poderosa.» *
Chama a atenção essa similaridade de juízo: «Estou seguro de mim», disse,
também, Jean-Pierre Girard.
Um se converte em campeão do mundo e o outro torce uma barra de metal
mediante o pensamento criador.
Resulta muito evidente que o que é verdade às raças negras e amarelas, aos
povos jovens e aos crentes do comunismo e do maoísmo, não o é, em absoluto,
à raça branca decadente e aos eleitores burgueses das democracias!
Antanho, Mimoun foi campeão olímpico de maratona pela honra azul, branca e
vermelha de nossa bandeira!
Em nossa época Roger Bambuk nunca baterá um recorde do mundo se
estimulando com o fluido de Giscard d'Estaing.

Recolhido por Guy Lagorce no periódico L'Equipe.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Capítulo IX
O GERADOR DE AZAR

Numerosas vezes demos nosso ponto de vista sobre a inteligência dos animais,
das plantas, do mineral e dos universos que povoam o infinito.
Tudo têm uma inteligência, desde o grão de areia até o cérebro dum engenheiro,
porque tudo é vida e a vida é inteligência.
O universo é um grande organismo do qual todas as parcelas são as células
interdependentes.
Então, como no corpo humano, como no mecanismo de fagocitose dos glóbulos
enfermos, como na teoria dos quanta de Planck, se produzem sinais,
mensagens, efeitos, incompreensões aos que os sábios, espontaneamente ou a
força, têm de se acomodar!
O efeito Girard é extraordinário.
Mais fantástico é, ainda, o efeito gerador aleatório!

O GERADOR ALEATÓRIO E O GATO

Um gerador aleatório é um dispositivo que emite sinais aleatórios (emitidos


segundo as leis do azar) a partir dum componente eletrônico ruidoso,** o qual é,
geralmente, de diodo Zener ou de transistor montado em diodo.
De fato, nossa mão, quando lançamos ao ar uma moeda, é um gerador aleatório
que nos dará algumas vezes cara e outras vezes coroa. Ou dez vezes coroa e
sete vezes cara, etc.
Mas se lançamos um milhão ou milhões de vezes a moeda, teríamos como
resultado tantas vezes cara como coroa ou, ao menos, uma diferença muito
pequena.
Um gerador eletrônico brincando sobre milhões de freqüências e de
possibilidades (até 40.000 vibrações por segundo) permite praticamente obter
tantas caras como coroas, o que confirma o cálculo da probabilidade.
Agora que, mal-e-mal, explicamos o aparato, o faremos funcionar.
Alternativamente, o gerador de azar enviará um impulso à direita e um impulso
à esquerda e dará uma luz aquecedora a duas lâmpadas de infra-vermelho.
Umas vezes a uma, outras vezes à outra. Suponhamos: 10 vezes à direita, 10
vezes à esquerda, 10-10 e sempre 10-10.
Coloquemos um frigorífico diante da lâmpada da esquerda.
O gerador dará sempre 10-10, 10 vezes dum lado, 10 vezes do outro.
Coloquemos um gato dentro do frigorífico.
Situação pouco confortável pra este friorento amigo do homem mas, então, se
produz um fenômeno estranho, inexplicado: Em lugar de 10-10, o gerador dará
11 impulsos à esquerda e 10 à direita: 11-10, 11-10, 11-10...
Quer dizer, onze vezes ao gato e dez vezes ao outro lado.
Tiremos o gato: O ritmo volta a ser de 10-10, 10-10.
Esse componente é um corpo radiativo. O gerador aleatório é, de certo modo, análogo ao contador
Gáiguer.
98
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Voltemos a pôr o gato: 11-10, 11-10.
Em lugar do gato coloquemos uma cenoura crua.
O ritmo volta a ser: 11-10, 11-10.
Com uma cenoura cozida: 10-10, 10-10.
Com um ovo incubado: 11-10, 11-10.
Se se faz cozer o ovo: 10-10, 10-10 indefinidamente.
Salvo possível erro de apreciação, se compreende facilmente que a matéria
vivente encerrada no frigorífico, o gato, a cenoura crua, o ovo incubado, tem
necessidade de calor pra sobreviver.
Mas quem dá ao aparato a ordem de atribuir um privilégio, um calor
suplementar, à matéria orgânica?

INTELIGÊNCIA DO AÇO, DA VIDA OU DO PENSAMENTO?

Dum modo enxuto, diremos que um gerador aleatório é um conjunto de peças


metálicas, fios, conexões, transistores, condensadores. Em resumo: De
materiais de aço, tungstênio, germânio, carbono, etc., aos quais não se lhes
concede, geralmente, vida nem inteligência nem espírito de decisão.
A luz elétrica de nosso dormitório é capaz de se diminuir a meia-luz ou se
apagar por si mesma quando dormimos? Seria difícil crer. E, no entanto, com o
gerador aleatório tudo parece acontecer segundo uma das hipótese seguintes:
— O experimentador influi no aparato por sua vontade, seu pensamento.
— O aparato, por sua própria vontade, decide dar mais calor à matéria vivente.
— O gato, a cenoura, o ovo influem no jogo de azar e lhe obrigam a dar mais
calor.*
Ou, também: Com a intervenção duma vontade e duma inteligência, quiçá
superiores a nosso universo.
Cabe imaginar uma espécie de ARN (ácido ribonucleico) mensageiro cósmico,
que daria poderes supranormais a seres de exceção dotados de complexos
cerebrais particulares e capazes de solicitar este ARN.
A transmissão dos poderes não procederia, sem dúvida, dum além hipotético,
senão melhor, dum universo paralelo onde a continuidade espaço-tempo não
recorre ao passado nem ao futuro.
Podem também se expor outras hipótese mas todas as explicações são de
ordem fantástica, incrível, sobretudo se se eliminar a primeira suposição ao fazer
funcionar o gerador fora de toda presença humana, um contador que serve de
árbitro.
Única dedução positiva: Tudo ocorre como se a matéria orgânica vivente, ao ter
necessidade de calor influísse no cálculo de probabilidade, quer dizer, o azar, e o
obrigasse a lhe dar um privilégio.

 Ler a propósito desses experimentos, La parapsychologie devant la science (A parapsicologia diante da


ciência), Edições Berg-Gélibaste, e Certaines choses que je ne m'explique pas (Certezas que não sei
explicar), de Rémy Chauvin, Edições Retz, Paris
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Conclusão de imenso alcance se se pensa que a evolução universal não é o que
opinavam Darwin e Jacques Monod,* senão um fenômeno no qual a matéria
orgânica se beneficia duma mais-valia com relação à matéria denominada inerte.
O qual daria ao desenvolvimento do Vivente uma oportunidade mais que ao
Inerte.
Daí uma evolução da Vida, tranqüilizadora, protegida, lhe permitindo não sumir
nalgum nada e não permanecer estancada.
Por suposto, não se trata aqui mais que de hipótese, mas que permitem roçar as
infinitas profundidades do desconhecido, da vida e do Deus-universo.
Os experimentos do gerador aleatório com o gato e os ovos foram realizados
pelo físico alemão Helmut Schmidt e o professor Rhine, da universidade Duke,
em Estados Unidos.

O AMOR QUE FAZ FLORESCER, O ÓDIO QUE FAZ MORRER

«Na física clássica ou antiga — não vacilou em escrever Rémy Chauvin** — a


identidade do experimentador não tinha incidência sobre o objeto do
experimento».
FeS+2HC1-FeCF+H2S (sulfato de ferro + ácido clorídrico = clorato ferroso +
hidrogênio sulfuroso), seja Durand, Dupont, Martin ou Gaultier quem proceda a
combinação.
Pois bem, segundo Helmut Schmidt, não é assim, já que existe uma interação
entre o experimentador e o objeto da experiência.
Seu pensamento pode perturbar e perturba o processo normal.
Onde, expõe Rémy Chauvin, a existência dum denominador comum entre o
nível atômico e as emissões do cérebro.
E eis nós aqui, em plena parapsicologia, onde o poder psi desempenhará seu
papel.
Por exemplo, se sabe que o feito de cultivar planta com amor determina um
floração mais esplendorosa, mais vivaz e mais aromático.
Na Escócia uma seita, por esse procedimento, obtém rosas de 12cm de
diâmetro, pepinos enormes, cenouras de peso inusitado.
Se sabe, também, que determinados jardineiros possuem dedos verdes e não só
têm êxito em toda semeadura, em todo enxerto, como colhem hortaliças
excepcionalmente grandes e saborosas.
Certo é que nessas empresas há, também, uma parte de tino mas, também, e
sobretudo, uma interação de sentimento ou de fé entre os jardineiros e as
plantas.

 Segundo Jacques Monod o azar e a necessidade seriam os fatores dominantes da evolução.


 Rémy Chauvin, biólogo, professor na Sorbona, é um sábio ilustrado que não teme estudar o enigma do
irracional. Denuncia a espantosa mediocridade dos livros dedicados ao estranho, ao fantástico, à epidemia
das intrusões de extraterrenos no menor mistério e, tem razão, fustiga a santarronice e o espírito primário
da união racionalista e, tem todavia mais razão, como a maioria dos escritores inteligentes e cultos,
concede certo favor à ciência poética, a qual, desde nosso ponto de vista, lhe faz extremamente simpático
e lhe acerca aos critérios de verdade. Se deve ler desse biólogo sem tapa: Certaines choses que je ne
m'explique pas (Certezas que não sei explicar). Edições Retz, Paris.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Doutor Jean Barry, de Bordéus, que estuda o mistério da mão verde no instituto
nacional agronômico, obteve resultado, mais demonstrativo ainda, com caixas
de Petri, onde se desenvolvem fungos parasitas.
Em seu laboratório os experimentadores tinham como instrução deter, mediante
o poder do pensamento, uma quarentena de caixas. Outras caixas-testemunha
não eram objeto de cuidado particular e os cultivos deviam se desenvolver nelas
normalmente.
Ninguém devia se aproximar das caixas menos de 1,50m, pois o fenômeno psi
devia se manifestar a distância.
Sobre 39 caixas submetidas ao psi, informou Rémy Chauvin, 33 tiveram
crescimento desacelerado, três crescimento acelerado e três desenvolvimento
idêntico ao das caixas-testemunha. Esse experimento, repetido várias vezes,
deu resultados igualmente convincentes.
Com amor, com ódio, se pode alterar a evolução dum experimento, duma
germinação, mas o mistério é maior ao ter em conta declaração de Jean-Pierre
Girard: Não é uma questão de vontade, de amor ou de mau-olhado, senão de
certeza interior. Isso é, de fé.

MAU-OLHADO, JETATURA E DEDOS VERDES

Rémy Chauvin e os físicos não nos perdoarão e nos acusarão de sumir no


empirismo. Mas como não evocar o mistério dos bruxos e dos jettatori
(lançadores de malefício). Vulgares e baixas superstições? Se julga
precipitadamente!
Antes dos experimentos de doutor Barry e de Helmut Schmidt se podia crer que
o mal-de-olho, ou mau-olhado, ou malefício lançado era imaginação e que seu
efeito nefasto não dependia mais que do auto-feitiço!
Mas sabendo que um ajudante de laboratório de Bordéus, que um químico, que
um simples aparato eletrônico, quiçá, perturbam experimentos, modificam a
regularidade da evolução natural, como não admitir interferências telepáticas,
eletromagnéticas ou químicas entre esses computadores ultra-aperfeiçoados
que são os homens?
— Te amo! E te banhas num banho de amor. E te sentes totalmente pleno de
bem-estar.
É absolutamente certo: A mulher amada irradia, reflete as ondas de amor que se
projetam sobre ela, e as que assimilam contribuem milagrosamente ao sustento
de sua beleza, de sua carne, de seu viço, de sua saúde e do bom funcionamento
de seu organismo:
— Te detesto! Te banhas numa cloaca de ódio, de maus pensamentos. E te
ressecarás e a boa fortuna se apartará de teu caminho.
No entanto, seres particularmente fortes, dinâmicos, podem conjurar o
malefício, quer dizer, a influência psicofísica dos maus pensamentos que se lhes
envia, e constituir uma couraça de proteção sobre a qual se rompem os influxos
maléficos.
Se assegura, inclusive, e é muito possível, que a série de ondas más emitidas
por um jettatore ou um bruxo, podem se voltar contra ele e lhe afetar
perigosamente.
É o choque de retorno, muito conhecido pelos magos.
101
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Existe, verdadeiramente, este choque? Cabe pensar, porque os que se entregam
à magia negra, os que emitem maus pensamentos não recolhidos têm,
geralmente, um destino dramático.
E, no entanto, não se diz que a malignidade conserva?
Quiçá! Mas como vinagre numa compota de picle. Sem vida nem felicidade.
Seja o que for, parece certo que os feitiços de doutor Barry, porque atua
verdadeiramente como jettatore, resultem positivos tanto no amor como na
hostilidade porque a planta, ao contrário do homem, não conhece a couraça
preservadora do malefício nem o sentido da maldade voluntária.
Se não, as montanhas desmoronadas, as selvas destruídas, as terras
envenenadas, os mares mortalmente contaminados, tivessem, faz tempo,
estrangulado o nefasto reinado humano.
A única particularidade certa do homem é que é capaz de odiar.

O IMPOSSÍVEL DEVE, ÀS VEZES, SER POSSÍVEL

Eis aqui a ciência oficial obrigada a se comprometer nas vias inseguras do


Misterioso Ignoto de que tanto se debochou há um século!
A dizer verdade, ficamos mais sensibilizados pelo gerador aleatório de Helmut
Schmidt que pela psicocinesia ou efeito psi que não suscitou em nós verdadeiro
assombro.
Mas que um instrumento metálico sinta compaixão por um ovo incubado ou por
uma cenoura, isso, sim, é novo!
Sim, desde logo, a sombra é propícia aos enamorados e aos velhacos; o mar e o
abismo aos desesperados; a erva ao ruminante e o nitrogênio às plantas mas
fica a demonstrar que esse favor procede duma inteligência voluntária e própria
da sombra, do mar, da erva, etc.
Embora não duvidássemos dessa inteligência voluntária difundida no imenso
oceano da consciência cósmica.
Mas se pode pedir a um prego que não perfure o pneumático da bicicleta.
Podemos, acariciando as rodas dum vagão de ferrovia, o fazer rodar sem
locomotiva e, quiçá, sem trilho, até um destino de nossa eleição?
No ponto em que se acha a nova ciência e a incerteza da mente, se pode
responder:
— Dizer que é possível seria aventurado mas se pode antecipar que não é
impossível!
Em todo caso tudo deve ser possível num certo universo e, inclusive, no nosso
deve acontecer, de vez em quando, que o impossível se realize.
Uma espécie de anti-física à Costa de Beauregard,* e que teria uma relação com
as ondas avançadas!
Mágicos e incompreensíveis encantamentos desses bruxos do Verbo e do
labirinto que são os sábios!

 Olivier Costa de Beauregard, diretor de investigação no CNRS, preconiza uma antifísica associada à física
eletrônica e que é, de certo modo, sua imagem invertida, ou melhor, virada. O explica resumidamente
assim: Uma piscina, pés que saem da água, uma saltadora que brota da água e vem pousar sobre o
trampolim (cinema invertido). É a antifísica, uma retrospectiva, uma retrodicção.
102
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas se um gerador aleatório pensa e se seu pensamento se converte em
criador, então em que se convertem as certezas em geologia, em biologia, em
matemática, etc.?
Uma cifra tem, talvez, sua individualidade, seu pensamento. Em certos casos
um 5 poderia se converter num 6 do mesmo modo que 1=3 no mistério da
Trindade?
Se o gerador, o gato ou uma potência desconhecida influi no azar, lhe obriga a
dar um privilégio do Vivente organizado, quer dizer, à matéria orgânica, é todo o
conceito darviniano da evolução o que está em jogo!
Pra resumir digamos que a evolução do Vivente se fez se beneficiando de favor e
complacências misteriosas que dariam, aparentemente, mais oportunidade à
vida, ao ritmo, ao movimento que ao estagnação ou à involução.

O AZAR ESTÁ TRUCADO EM SEU ARRANQUE

Por conseguinte, é necessário nos acostumarmos a admitir que todo


acontecimento que se desenvolve num meio de matéria orgânica é diferente do
que se produz num lugar esterilizado.
O ácido não ataca o cobre na selva do mesmo modo que no deserto. O plátano
será mais saboroso se a plataneira estiver na proximidade de casa habitada. A
tisana é mais benéfica se a tília cresceu em teu jardim e sob vossa tua amistosa.
A isso teria de acrescentar que um observador presente pode mudar, melhorar o
acontecimento mediante o efeito de seu pensamento consciente.
Disso se pode deduzir que a natureza orgânica vivente sobre o globo deve
modificar completamente todos os acontecimentos que se produzem.
A vida, em princípio, está contra a entropia e a degradação da energia, e o
comportamento dos indivíduos (pecado ou virtude) repercute em todo o cosmo
até o nível do elétron mais rudimentar, o qual, finalmente, teria, também, sua
infra-consciência.
De todo ele dimana que o universo é uma vasta consciência capaz de catalisar a
evolução, de condicionar, se não de criar, os acontecimentos, quiçá, inclusive,
por exemplo, a favor de ambientes particularmente favoráveis, de pré-fabricar
criações elaboradas que, noutro contexto, exigiriam milhões de anos pra se
manifestar.
Evocamos essas possibilidades a propósito do petrimundo de Fontainebleau, de
seus dois elefantes, de seus leões-marinhos, da coruja e de seus monstros de
pedra, das serpentes e dos lobos-marinhos de Marcauasse, das personagens,
dos objetos, dos castelos na rocha natural de Montpellier-le-Vieux e do Vale da
Lua, em La Paz.*

 O livro do passado misterioso, de Robert Charroux, capítulo XVII, Os museus do petrimundo, A gravidez
nervosa da Natureza, etc. Segundo essa tese, a Natureza do mundo pré-histórico no alba da criação se
teria posto a sonhar no amor. Seu fantástico inconsciente pariu, então, fetos e formas da futura criação: O
caos de pedra e as representações zoomorfas e antropomorfas de Fontainebleau e de Montpellier-le-Vieux
103
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Assim se pode pensar que a consciência ou consciências da Natureza não
deixará o homem se tornar muito perigoso.
Os influxos emissores misteriosos do Vivente natural devem ter em seu total um
impacto fantástico, o qual explicaria de modo racional que a Natureza possa se
vingar e destruir as civilizações.
Neste sentido o Vivente supõe e, sem dúvida, exige um privilégio do orgânico e
da matéria mais organizada sobre a matéria que o é menos.
A Vida supõe igualmente um plano pré-concebido que obriga, ao azar, a dar
preferência ao bebê sobre o ancião, à planta vigorosa sobre a que languesce.
Se é assim, a água que emana dum tubo perfeitamente vertical e que pode se
esparramar igualmente tanto num lado quanto noutro sobre uma superfície
perfeitamente plana, deveria eleger se estender sobre o lado habitado pela
matéria vivente orgânica dos homens, dos prados, dos bosques, mais que sobre
o lado constituído por um deserto de areia ou de matéria vivente debilmente
organizada e inteligente.
A própria vida supõe esse privilégio, esse desequilíbrio requerido que assegura o
movimento, a evolução. Se as oportunidades foram iguais ao equilíbrio e ao
desequilíbrio, a vida cessaria pela supressão do movimento. O azar estaria, pois,
trucado desde seu arranque.

FAZER FALAR O MISTERIOSO DESCONHECIDO

A um profano não é fácil fabricar um gerador aleatório.


No entanto, segundo o professor Yves Lignon, chefe do laboratório de
parapsicologia da universidade de Tuluse, o gerador com o que experimenta
custa menos de 100 francos.
Uns empíricos, se antecipando uma vez mais aos sábios, já tentaram comprovar
os influxos do azar e do Misterioso Desconhecido que emana de personagens
importantes ou de objetos denominados carregados.
Seria interessante, e nos propomos a fazer, chegar mais longe que Rhine e que
professor Schmidt, aplicando o experimento efetuado com o gato sobre
personalidades diversas ou num ambiente impregnado de sons, de cores, etc.
Por exemplo:
— Sobre um físico, vagabundo, sacerdote, ateu, ignorante, superdotado, doente
mental, virgem, puta, pessoa de caráter, um branco, negro, amarelo, etc.
— Numa igreja, cripta pagã, Lurdes, Foli-Berger, Poatu calcário, Bretanha
granítica, perto duma fonte, sobre o mar, etc.
— Com, dum lado, um ambiente perfumado e, doutro, uma letrina, uma planta
venenosa e uma planta medicinal, um ambiente musical ou de ruído, Granados
e Vincent Scotto, Chopin e o estrondo duma máquina de trinchar, um poema de
Villon e uma página da Bíblia, com uma relíquia e uma representação do Diabo,
com Buda e Jesus, etc.
Seria, acaso, possível que uma determinada nota musical, um cor, uma palavra,
uma impregnação solicitem o privilégio do azar tanto como o faz a matéria
orgânica?

104
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Somente experimentos podem responder de forma racional a essa pergunta
sobre a qual os esoteristas se pronunciaram já de modo positivo com a carga
que impregna o ambiente e os objetos familiares ou mágicos.

Capítulo X
O MISTERIOSO DESCONHECIDO E A DÚVIDA

Paralelamente ao Misterioso Desconhecido, cuja autenticidade está comprovada


pelos experimentos, existe outro sobre o qual é prudente manter reserva porque
falta elemento de apreciação ou porque os que se têm estão sujeitos a cautela.
E, ademais, é necessário dizer: O supranormal foi manchado, desacreditado por
médiuns truquistas, falsos milagreados e pela credulidade, desgraçadamente
muito disseminada nos ambientes do espiritualismo.
Poderia se acrescentar também: Pela habilidade dos charlatães e a ignorância
dos profanos.
Além do mais acontece, com freqüência, que ilusionistas profissionais, muito
honestos, sejam obrigados, por necessidade profissional, a encobrir o caráter
muito natural de seus truques e magias e deixar crer numa atuação do
supranormal num espetáculo ao qual sentimos admiração e estima, mas que
falseia o problema.

A VIDÊNCIA DOS IRMÃOS ISOLA

No fim do século 19 e início do 20 dois ilusionistas e prestidigitadores franceses,


os irmãos Isola, conheceram imensa glória que, durante muito tempo, foi
relacionada ao poder psi.
Por suposto, Émile e Vincent Isola (cujo verdadeiro sobrenome era Blida) eram
cidadãos muito honestos cuja única preocupação era fazer honra a seu oficio de
comediante e nunca tentaram enganar os cientistas sobre pretendidos poderes
sobrenaturais.
No entanto, se o tivessem podido fazer, tão genial era sua descoberta que se
fundava sobre um fenômeno científico então escassamente conhecido do
grande público.
Os irmãos Isola se apresentavam no cenário dum teatro ou, melhor ainda, sobre
a pista dum circo. Conseqüentemente em pleno centro do público.
Um dos dois tinha os olhos vendados por um grosso lenço que impedia a visão
e ouvir claramente. Era o médium.
O outro, o apresentador tagarela, tinha como missão o guiar, servir de
intermediário ante o público e falar à multidão entre a qual se faziam circular
várias listas telefônicas, a Bíblia ou um grosso volume dum autor conhecido: Os
miseráveis, de Victor Hugo ou Eugênia Grandet, de Balzaque.
O jogo consistia, ao público, em perguntar o nome, o endereço e o número
telefônico do abonado que figurava, por exemplo, na página 574 do guia, coluna
2, linha 51.
— Página 574, coluna 2, linha 51. — Repetia o médium — Vejamos... vejamos...
há toda uma lista de Chauvet. Na linha 51 a figura Chauvet L. Sem dúvida, Louis
Chauvet. Isso é tudo.
105
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— O endereço e o número do telefone. — Contestava a multidão.
— Não figuram na linha 51, senão na linha 52 e são: 26 bis, rua A Tour-
d'Auvergne, distrito 9, telefone Trudaine 8888.
A multidão controlava. Tudo era exato e uma ovação premiava os irmãos Isola.
— Podes ler a partir da linha 2 do versículo 9, do capítulo 54 de Isaías?
— Perfeitamente! Esperai que me concentre. Á!, eis: Tempos de Noé. Como
juraste a Noé não espalhar mais sobre a terra a água do dilúvio, do mesmo
modo juraste não montar em cólera contra vós, e não lhes fazer mais
recriminação.
E o Isola-comparsa comentava:
— Por conseguinte, não temeis, não perecereis afogados. Sobretudo os que
estão no anfiteatro e galinheiro!
Às vezes o Isola-médium colocava os pingos sobre os I!
— A linha 14 de tal livro? Começa por: «Podes... etc.», mas o P maiúsculo foi mal
impresso e parece um K!
Caminhando aqui e ali na pista, sempre diante do público pra que ouvisse
melhor as respostas, os Isola, o mesmo que Uri Geller e J.-P. Girard, ilusionistas
como eles (embora aficionados), passavam entre a multidão pra realizar
milagres parapsicológicos.
— E ocorre o mesmo em nossos dias! — Asseguram os racionalistas raivosos —
Um dia desmascararemos J.-P. Girard e descobriremos seu truque!
Nada é impossível em certos universos, incluindo que a verdade seja uma
mentira mas, de qualquer maneira, se pode penetrar no mundo onde o
impossível é possível!
O truque dos irmãos Isola?
Muito exato e não discernível pelo público: A venda dos olhos ocultava uma
placa de escuta telefônica desde onde um fio muito fino descia até os sapatos,
cujas solas estavam providas duma larga placa de cobre.
Em quatro ou cinco lugares do tapete felpudo da pista (ou do cenário), se
dispuseram transmissores eletrônicos sobre os quais o compadre conduzia ao
médium de modo que transmissores e placas das solas entrassem em contato.
Os transmissores estavam conectados por cabos com os bastidores onde um
terceiro comparsa, segundo as petições do público, telefonava tranqüilamente
as respostas ao pseudomédium.

O EFEITO QUÍRLIAN

Nem tudo é verdade em parapsicologia e nem tudo é falso em ilusionismo.


De fato, nada é exato, e sabemos, por experiência pessoal (alguns dos quais
foram efetuados com professor Tocquet), que um bom ilusionista, pra ter êxito,
deve ser também um pouco médium.
Era, por exemplo, o caso de Tugan's, um virtuoso do cumberlandismo* que,
esquentando bem, entrava em cheio no supranormal e até vidência e verdadeira
adivinhação.

Cumberlandismo: Registro das reações inconscientes do sujeito mediante contato com o pulso. O
médium que utiliza esse procedimento deve ter uma sensibilidade supranormal.
106
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
No que concerne ao efeito Quírlian, os argumentos são diversos e contraditórios.
A favor:
O aparato funciona como um campo intenso de alta freqüência e permite
comprovar:
1. A intensidade e a dimensão dos halos bioplásticos.
2. O estado físico da pessoa ou do objeto submetido a prova.
3. Os centros do medo, da dor, a localização dos centros nervosos da
acupuntura.
Seria um verdadeiro detector da vida reconhecido pela doutora Telma Moss, da
universidade dos Anjos (L'autre monde (O outro mundo), 7, rua Decres, 75014,
Paris).
O aparato Quírlian produz curiosos penachos luminosos, principalmente em
torno das mãos, orelhas, cabeça. Nos converte como num matorral ardente. O
efeito se parece às descargas luminosas dos fogos de santelmo, e os espectros
e auras obtidos seriam de natureza eletrostática. (Lucien Barnier, Nostra, #162,
Faubourg Santo-Honório, Paris.)
Para o jornalista Jacques Bergier, o efeito Quírlian, descoberto até 1950 pelo
técnico eletrônico russo Sermión Kirlian, «demonstra de modo científico a
existência da aura».
Já, no século XIV, Paracelso ensinava que a força vital não está prisioneira do
corpo, senão que irradia em torno a ele como uma esfera luminosa que algumas
pessoas sensíveis podem distinguir.
Contra:
Os físicos conhecem, há tempos, o efeito Quírlian cuja explicação não oferece
mistério, segundo a revista Science et vie (Ciência e vida), números 619 e 678.
Eis aqui como qualquer pessoa o pode obter com pouco gasto:
Dispor de duas placas metálicas e as unir mediante um transformador a bateria
de 6 voltes. O transformador dará uma voltagem de 25.000 a 30.000 voltes.
Num quarto escuro, colocar uma película sensível entre placas metálicas.
Colocar a mão sobre o aparato (ou numa folha, uma raiz de árvore ou qualquer
matéria orgânica viva). Se produz em torno dos dedos uma radiação débil mas
visível a olho nu, registrável pela emulsão sensível e que basta revelar como
uma película de máquina fotográfica. As diferenças de intensidade de radiação
são produzidas pelos diferentes efeitos de suor, de umidade, de pressão, etc.
Mas, esse etcétera não está muito claro, já que não explica todos os efeitos
registrados. Nem muito menos!
Em resumo, o objeto provido com um aparato chamado Quírlian é um eletrodo
que receberá um fluxo de elétrons denominado, em física, efeito Coroa.
Esse efeito foi descoberto em 1777 pelo físico alemão Georg Christoph
Lichtenberg, fixado sobre daguerreótipo em 1851 e estudado em 1930 pelo
grande físico Nicolau Tesla.

A MULHER QUE ENCOLHE

107
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O periódico A Prensa, de Lima, acrescenta ao expediente do Ignoto o incrível
caso da senhora Balbina Villanueva Contreras, nascida no povoado de
Huacabamba, distrito de Parcoy, província de Pataz, de 34 anos de idade, que,
atendida no hospital Leão Prado, de Huamachuco, está afetada por uma
dolência que reduz de modo insólito sua estatura corporal, enquanto o
desenvolvimento mental permanece normal.
Em medicina se conhece muito bem a acondroplasia, doença caracterizada pelo
alongamento dos ossos (no sentido do gigantismo), mas, ao contrário, até então
nunca se registrou um fenômeno inverso.
Como, por exemplo, explicar que o perímetro ósseo do crânio diminua, que uma
tíbia ou um fêmur encolha?
No entanto A Prensa, espécie de Le Figaro de Lima, é um periódico sério e os
detalhes que proporciona são perturbadores.
A redução física de Balbina seria evidente, principalmente na cabeça e nas
mãos, que se parecem agora, diz a informação, às dum menino de sete anos.
Se notou, também, que o timbre de voz da enferma se tornava infantil e
dificultoso.
Após solicitar informação a nossos correspondentes peruanos comprovamos
que essa incrível história é verdadeira.

OS TÚMULOS DE WIDDEN HILL

O periódico inglês The Sunday, de 4 de maio de 1975* relata uma estranha


história que não dá nem permite explicação.
O granjeiro Peter Lippiatt, da fazenda Widden Hill, em Horton, perto de Chipping
Sodbury (Glocéster), notou, um dia, num grande campo de 100 acres onde
havia semeado cevada, uma multidão, várias centenas, de minúsculos túmulos
de pedras.
Algumas pedras tinham o tamanho duma avelã, outras duma noz.
As pedras cônicas mediam, aproximadamente, 15cm de diâmetro e 5cm de
altura, não implicavam prejuízo à semeadura mas Lippiatt, não conseguindo
encontrar uma explicação lógica, consultou especialistas.
Richard Maslen, oficial regional de informação de Southwest, disse:
— Pássaros ou outros animais são, quiçá, responsáveis por esse fenômeno mas
não vi, até agora, algo semelhante.
A opinião de Trings Herts, do museu de história natural:
— Nenhum pássaro conhecido dispõe assim pedras sem finalidade
compreensível.
Os investigadores de Houth Kensington emitiram o mesmo juízo no que
concerne aos mamíferos (toupeiras, ratos) e os insetos ou aranhas que
construem túmulos mas não passam, habitualmente, de 4cm a 5cm de
diâmetro e 2cm de altura.

A COBRA MILENAR DOS INICIADOS


O artigo que nos foi remetido por um leitor de Bear Cross (Dorsete) está recortado de tal modo que não
se pode ler mais que o inicio do titular do periódico: The Sunday. Pode ser o Sunday Times, do Sunday
Express, do Sunday Mirror ou do Sunday Telegraph.
108
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Em manuscritos deixados pelo químico Jean Hellot (16854766), membro da


academia científica de Paris, da sociedade Real de Londres, e conservados pela
biblioteca municipal de Caen, se encontram dois estranhos relatos.
Eis aqui o primeiro:
Um engenheiro dedicado a preparar a altura duma nova ponte, não longe de
Paris, em 1760, ordenou que se removesse um penhasco proeminente de mais
de 30 pés de diâmetro (9,7m) e de forma ovalada. Era mais fácil o quebrar que
lhe fazer abandonar o sítio.
Então começou a ser despedaçado. Exatamente no centro do bloco de pedra se
descobriu um habitáculo contendo uma cobra muito grande. Tinha o espessura
dum punho e estava recolhida nove vezes sobre si mesma, em espiral. Exposta
ao ar o animal não suportou e morreu em cinco minutos.
O contorno e o fundo de seu refúgio eram perfeitamente lisos. Sua cor diferia
somente do resto da pedra.
Apesar de exame mais meticuloso foi impossível encontrar buraco.
»Não cabe imaginar por onde a cobra penetrou na cavidade nem por onde
respirava nem como seu corpo pôde crescer numa cavidade tão reduzida».
Segundo relato:
«Jean Hellot conta também o caso dum cidadão de Ruão, chamado Le Fére,
que, no século XVII, respondia dormindo a todas as perguntas que lhe faziam e
em todas as línguas, inclusive grego e hindi».
A história da grande cobra parece incrível em nossos dias e, no entanto, quando
se sabe que sapos podem viver durante anos, pelo menos, e quiçá decênios,
como a cobra de Hellot, na opacidade dum bloco calcário,* devemos ter mais
reserva no juízo.
Depois dos experimentos realizados e logrados pelo geólogo inglês Buckland,
em 1825, se sabe que sapos podem viver ou sobreviver durante anos, em
blocos de calcário ou de arenisca silícea hermeticamente cerrados, por
conseguinte sem ar, salvo o que poderia segregar a pedra, mas graças à água-
mãe produzida, segundo cremos, pela transmutação do calcário ou sob a ação
das pústulas acidificantes do batráquio.

A INICIAÇÃO DA COBRA

Esses experimentos, essas observações, parecem estranhos a um geólogo,


físico e a um biólogo mas a um esoterista estão impregnados duma riqueza
transtornante que leva longe, muito longe, no labirinto da iniciação.
A água-mãe que nutre, dizemos, o sapo e a cobra, buscada há séculos pelos
alquimistas, foi posta em evidência pelos químicos russos e ianques com o
nome de polywater.**
Seria uma água da imortalidade, que ferve até os 600°C e congela a -40°C.

 Ler nosso estudo sobre esse tema em O Livro dos mundos esquecidos, op. cit. Capítulo XII: A água-mãe
e o elixir de imortalidade. O sapo dos livros mágicos. O sapo iniciado.
 A polywater, encontrada em 1962 por B. V. Deryagin e N. Fedakin, da Academia de Ciência de Moscou,

foi acreditada, a princípio, pelo conjunto dos físicos e dos químicos, e controvertida depois.
109
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Opinamos que os aminoácidos genitores da matéria orgânica tiveram
nascimento na água-mãe da Terra original.
Essa água da vida é, muito particularmente, necessária ao menino no ventre da
mãe, como é indispensável ao surgimento e manutenção de toda vida
organizada.
Brama neutro, o Senhor que existe por si mesmo na cosmogonia indiana,
começou a criação fazendo emanar a água de seu pensamento.
Inclusive na Bíblia judaico-cristã, «o espírito de Deus era levado sobre a água»
(Gênese I, 2), como o ovo primordial nas outras mitologias, e em toda parte,
também aqui entra em jogo uma história de serpente.
Em todos os tempos os homens buscaram a água da imortalidade. Os da pré-
história nas grutas porosas de Saint-Privat (Gard) ou nos refúgios sob rocha das
Eyzies, e, mais tarde, na Índia com Alexandre Magno, na América com Cristóvão
Colombo e Ponce de Leão.
Jesus começou a viver como Cristo quando João lhe verteu a água do Jordão
na cabeça.
O batismo, esotericamente, tem esse significado magistral.
Vida, imortalidade = água, serpente.
Os antigos acreditavam que a serpente nunca morria.
— Porque muda de pele! — Disseram os escritores profanos.
Hoje podemos retificar:
— Os antigos não eram ignorantes até esse ponto. Sabiam que a serpente muda
de pele, certamente, mas também sabiam que, como o sapo, podia viver longo
tempo desafiando a experiência vital dos homens.
É à luz dessa crença esotérica que se deve julgar o relato do químico Jean
Hellot.

A MENINA MÁGICA E O PSI ELÉTRICO PRÓPRIO DO CARÁTER

Não pensamos, nem por um segundo, que J. P. Girard possa fazer armadilha
em seus experimentos.
Não temos o direito de suspeitar de sua boa-fé nem da inteligência e sagacidade
dos que o controlam.
Então: Se o poder psi existe, verdadeiramente, e se é posto em evidência e
autenticado em nosso século19 de materialismo exaltado, então a ciência se
inclinará a outros horizontes e a outras esperanças que não sejam as de ver a
humanidade destruída por uma explosão atômica.
Com essa expectativa nos é necessário inventariar o Misterioso Ignoto
reabilitado, mas evitando cair numa credulidade que seria negativa pra nossos
objetivos.
Há de crer que Rita Celadin, a menina mágica de Pávia, de dez anos de idade,
quando cruza os braços no salão de sua mãe, faz brilhar, repentinamente, a luz
elétrica nas lâmpadas?
Noutras salas olha fixamente o interruptor durante alguns segundos e as
lâmpadas se acendem.

19 O século 20
110
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mediante a mesma magia desconhecida faz dançar o piano, brincar o aparador,
ocasiona avaria elétrica e corte de água corrente.
É necessário ter em conta os dez anos de Rita e, sem dúvida, o início de sua
puberdade, duas condições que desempenham um papel determinante na maior
parte dos fenômenos supranormais.
Em Rosenheim, Baviera, uma menina da mesma idade que Rita, perturbava,
sem tocar, a rede telefônica de sua casa. Milhares de manifestações, em
condições análogas ou idênticas, foram registradas no mundo inteiro.
Os fenômenos de anti-física não se produzem, parece, senão com um
catalisador ou, melhor, com uma fonte de energia transcendente que, em geral,
é uma moça em crise de puberdade ou um garoto irritadiço, hiper nervoso ou
que padece acumulação fantástica do poder psi, ou seja, de energia elétrica com
super voltagem geradora de descarga psi-elétrica.
Essa energia consciente, suscetível de ser dirigida, mandada a distância, é o que
explicaria a psicocinesia.

O PROFETA DA CATÁSTROFE DE TENERIFE

E o que pensar do jovem profeta ianque Le Fried, de dezenove anos de idade,


que predisse com seis dias de antecipação a terrível catástrofe de Tenerife?
Le Fried, estudante da universidade de Durham, na Carolina do Norte, redigira,
em 21 de março de 1977, em presença de seus professores, o seguinte texto:
Na segunda-feira próxima, na primeira página do News and Observer Times, de
Raleigh, se lerá:
583 mortos na colisão de dois 747
A maior catástrofe da história da aviação
E tudo foi exato: Data, modelo dos aviões e natureza do acidente (colisão, o qual
é muito pouco freqüente), salvo um pequeno detalhe: Em lugar de 583, houve
579 vítimas, cifra oficializada em abril, mas que, desgraçadamente, foi, sem
dúvida, ultrapassada depois.*
A propósito da premonição e do supranormal, André Bretão declarava, há meio
século:
— Tudo induz a crer que existe certo ponto do espírito desde o qual a vida e a
morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o
incomunicável, o alto e o baixo, cessam de ser percebidos como contraditórios.
E, em seu Letter aux voyantes (Carta às videntes), escrita em 1925, o sumo
pontífice do surrealismo escreveu essas linhas incrivelmente proféticas:
— Há quem pretenda que a guerra lhe ensinou algo. Está, de qualquer maneira,
menos adiantados que eu, que sei o que nos reserva o ano 1939.

TE LEVANTES E ANDES!

 No domingo, 27 de março de 1977, sobre a pista do aeroporto de Tenerife, dois bóingues 747, um
ianque, o outro holandês, colidiram. Houve 579 vítimas. É provável que a cifra dada por Lee Fried esteja
mais próxima da verdade, ao se ter podido ter falecimento nos dias seguintes.
111
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Quando o espírito se equivoca de universo deve suceder que o corpo escapa
também, parcialmente, às leis da física clássica com o fenômeno de
reembasamento das faculdades normais.
Imaginemos uma casa na beira dum rio sobre o qual foi estendida uma viga de
madeira que pode suportar um peso de 50kg.
E não 10g a mais!
Imaginemos que, havendo franqueado essa ponte, uma menina corre perigo de
se afogar no outro lado do rio.
A mãe assiste o drama que está a ponto de se desencadear.
Pesando 55 kg nunca tentou passar sobre a viga. Sabe que se romperia sob um
peso excedente de 5kg.
Mas impulsada pelo intenso desejo de salvar sua filhinha, galvanizada, posta
em transe pela intensidade de sua angústia mas também de sua fé (É
necessário que eu a salve. Estou segura de que a salvarei!), a mãe se equilibra
sobre a viga, a atravessa sem que se rompa e salva a menina.
Crês que seja possível esse milagre:
— A viga que suporta 55kg em vez de 50kg, ou:
— A mãe, num determinado estado agravitacional, não pesando mais que 50 kg
em vez de 55kg?
Crês que outra mãe — tratamos sobre o Misterioso Ignoto do sentimento
maternal — impotente, imobilizada sobre um cadeirão pelo reumatismo, e vendo
logo aparecer, a alguns passos de si, o filho bem-amado, desaparecido na
última guerra, essa mãe levada ao ápice duma felicidade inefável, insensata,
inesperada, possa, de repente, se levantar, abandonar seu cadeirão, olvidar sua
invalidez e se precipitar até o aparecido?
Em 1975, numa garagem, pra salvar seu filho preste a ser esmagado por um
automóvel, uma mãe levantou o pesado veículo... e caiu, seguidamente, em
síncope!
Num acesso de furor os dementes podem arvorar objetos que em situação
normal nem poderiam despegar do solo.
As possuídas do Diabo estão igualmente nesse caso e é sabido que as
convulsionárias do cemitério Saint-Médard, em 1727, se entregaram, perto da
tumba do diácono Paris, a cenas nas quais o milagre ocorria emparelhado com a
insensatez.
Mulheres se faziam crucificar sem sofrer, outras pediam que as espancassem a
golpes de pau o mais violentamente possível... e, aparte alguns galos (e não
sempre!) saíam intatas dessas mortificações!
Fora de transe uma simples bofetada as levaria ao hospital. Mas nem as
pauladas nem o martírio podem contra a fé!
Crês que seja necessário crer àqueles que crêem intensamente?
Os universos paralelos aportam certa resposta a essa pergunta.

INICIAÇÃO

Capítulo XI
O IMAGINÁRIO E A ILUMINAÇÃO

112
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

A iniciação não se aprende em classe ex cátedra.


É a meta, jamais alcançada, duma lenta e difícil busca num labirinto onde
abundam as saídas ocultas, os atoleiros, e é mediante experimento, estudo
laborioso, honesto, e extravio continuo, que o adepto chega a adquirir
determinada luz da qual nunca saberá sua natureza profunda nem sua
autenticidade.
Porque a verdade não pode ser alcançada.
É como querer adivinhar a Deus, os arcanos supremos, o extremo do infinito. É
como querer alcançar o absoluto.
Então o adepto deve operar por suas mãos e por seu espírito, se deixar penetrar
pelo invisível e, sobretudo: Fazer trabalhar a imaginação.
Mas, como gosta de repetir Christia Sylf, é necessário imaginar de verdade.

HERDAR DE SEU PAI E IMAGINAR O ACERTADO

Um de nossos grandes pensadores, Filipe Lavastine, assegura que a imaginação


é o passo inicial ao labirinto.
Expõe que Deus se imaginou através do homem e através de toda coisa e o
homem herda Deus como herda seu pai e com todo seu sabor primordial.*
Não pensar por imagem é ter perdido a própria linguagem do significado, é cair
ao nível do verbalismo.
Porque, pra Filipe Lavastine, a imagem, a criação de imagens, a imaginação
numa palavra, são mais ricas, mais significativas que o verbo-maia, do que se
sabe que é apenas comunicável.
O homem não é uma idéia, nenhum construtor de material — acrescenta
Lavastine — e, afinal de conta, o gênero humano agonizará ao redor das
fábricas, das máquinas que construem laboratórios, e nas bibliotecas, bosques
inteiros arrasados pra elaborar o papel, que armazena as idéias ocas e vãs. E pra
legar isso a quem?
— Deus não o quererá!
«Tudo o que foi criado de grande, de sublime, de sobre-humano foi imaginado e
somente criado no imaginário».
Homero inventou 90% da Odisséia, Rabelais imaginou Gargântua e Pantagruel,

 Herdar Deus e herdar seu pai (sem a proposição de) significa se voltar Deus, se voltar a seu pai. É dar a
mesma identidade a Deus e ao homem, ao pai e ao filho. Sobre outro plano, é ter o mesmo tempo, o
mesmo espaço, a mesmo origem, o mesmo destino, a mesma essência, o mesmo código genético.
Aprofundando, Ph. Lavastine sugere que o universo é um vasto sonho, povoado de imaginação. No
transcurso desse sonho Deus se imagina no homem e nos acontecimentos como o que dorme se imagina
em seus fantasmas.
113
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Sylf pariu, espiritualmente, a cidade de Kobor Tigan's* mas todos imaginaram
verdadeiro.
O verdadeiro em seu universo ou nalgum outro que não conhecemos e onde
suscitam suas personagens, como Merlim o mago, mostrador de imagem, fazia
nascer castelos, exércitos, bosques e ninfetas pela onipotência de seu
pensamento criador.
Como dom Quixote suscitava aventura, dulcinéias e gigantes e como Deus
imaginou o universo, ou melhor: Os universos múltiplos que desconcertam a
lógica e fazem que a mentira seja verdadeira e que a verdade seja mentira.**
Porque, finalmente, tudo se confirma, se reúne, converge, coincide: As imagens
do mundo e as imagens inventadas por físicos, poetas e dormentes.

O GRANDE SOL ORIGINAL

Quase devemos parafrasear o Gênese ou o discurso de Petit Jean dos litigantes


de Racine pra tentar uma explicação do supranormal dos esoteristas e dos
universos paralelos: De fato, tudo começa com a criação do mundo.***
No princípio foi a Luz, dizem as mitologias, e esse conceito foi reiterado não
somente pelos cosmólogos contemporâneos, senão também pelos astrônomos,
tais como George Antony Gamov e Roland Omnés.
Por luz, há de entender radiação eletromagnética sob forma de radiação térmica.
Segundo se lê numa revista científica:***
— Foi na noite sem fim uma bola de luz cuja sufocante reverberação se estendia
em calor através de todo o espaço. A temperatura era da ordem de vários
milhares de graus.
Se vos parece bem, chamemos a essa bola um sol.
Os fótons, ou grãos de luz, às vezes corpúsculos e ondas, emanando desse
magma, tinham uma energia imensurável e, segundo opiniões, uma
temperatura de 100 mil milhões20 de graus.
A energia dos fótons, — prossegue a revista — esses grãos de luz que estão
associados a toda radiação eletromagnética, é tal que seu encontro (com as
partículas elementares de hidrogênio e de hélio) produz um par partícula-
antipartícula».
É, de certo modo, uma explicação da criação do universo mediante o grande
bangue original tão a gosto de Martin Ryle, de Alian Sandage e de G. A. Gamov.

 Ler de Christia Sylf: Kobor Tigan's ou le régne des géants (Kobor Tigan's ou o reino dos gigantes),
Edições Robert Laffont, Paris. A um nível nitidamente menos elevado, quando faz vinte anos os pré-
historiadores acreditavam na Antigüidade do Homem de Montbron, na autenticidade do ecantropo de
Piltdown, um precioso apelativo pra uma brincadeira de estudantes de medicina, nas cavernas, únicos
habitáculos dos homens pré-históricos, e em antepassados com só uma antigüidade de 800.000 anos,
afirmávamos, sem prova material senão pela lógica e imaginação que esses decretos oficiais eram
errôneos e que, principalmente, a antigüidade do homem se remontava a milhões e milhões de anos!
 Deus sonha o mundo mais que o imagina.
 Pessoalmente, não concedemos crédito a uma criação do universo e pensamos que é eterno e existiu

sempre.
 Nos mundos da antimatéria, Science et vie (Ciência e vida), #672, página 58.
20 Ver, no final do livro, nota sobre a diferença de nomenclatura numérica entre Américas e Europa.

114
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Conseqüentemente, a luz, supostamente pré-original, engendra uma criação
material: As partículas de natureza oposta: O próton-antipróton, o nêutron-
antinêutron e o elétron-pósitron.
Partículas e antipartículas reagem entre si pra provocar uma transição de fase
ao interior da radiação cósmica», significa que, de certo modo, se converterão
em isômeras, no gênero muito aproximativo: Água e gelo.
Partículas e antipartículas, às vezes, se disseminarão e outras vezes (com maior
freqüência) se reagruparão no cosmo, de modo que matéria e antimatéria
correm o risco de reconstituir a Luz original, o que resultaria numa dupla
transmutação puramente negativa.
Afortunadamente, elementos dispersos na imensidão cósmica escapam a essas
novas interações e constituirão mundos e antimundos, galáxias e antigaláxias.
O Grande Sol original de luz se metamorfoseou parcialmente em universo ao
produzir, ao mesmo tempo, fantásticos campos radiativos.
Por estranho que possa parecer aos empíricos, a maioria dos físicos crêem, de
pés juntos, na existência da antimatéria e dos anti-mundos. Ou seja, num ou em
universos paralelos.*
Por definição o antimundo seria constituído de antipartículas, opostas,
provavelmente de modo simétrico, às partículas de nosso universo, o que
equivaleria a dizer que esse antimundo poderia ser a imagem invertida do
nosso.
O que entre nós é visível, espesso, impermeável, duro, luminoso, pesado,
quente ou escuro, seria no anti-universo, invisível, delgado, permeável, mole,
escuro, leve, frio ou luminoso, etc.
Aqui se trata de simples especulação intelectual porque, como poderíamos
imaginar um anti-universo com anti-galáxias, anti-estrelas, anti-planetas, anti-
homens, anti-mulheres, anti-árvores, anti-rios e anti-montanhas?
No entanto, segundo determinados físicos, esse mundo absurdo, incrível,
impensável, conseqüentemente fantástico, existiria, embora pareça impossível!
Os ocultistas se manifestam:
— Então, esse mundo, do Diabo se se considera que Deus está conosco, ou de
Deus se se crê que Satã leva a batuta, não é esse Outro-mundo do que falam as
mitologias. Ou então esse universo paralelo que, ao interferir, às vezes, com o
nosso, explicaria as desaparições misteriosas, a levitação, a vidência, os ufos e o
supranormal em geral?
É, de certa forma, o que pensam os físicos a propósito de J.-P. Girard.

A TRANSFERÊNCIA MUNDO-ANTIMUNDO

O Grande Sol, dessa vez original, esse Grande Cérebro primevo e total que
continha em potência os universos, os seres e as coisas da criação pode ser, em
certa medida, assimilado ao cérebro humano?
Os esoteristas, a quem a palavra de Hermes Trimegisto e dos grandes iniciados
é uma garantia mais segura de labirinto que as hipóteses dos cientistas,

 O físico sueco Oscar Klein supõe um universo original já formado dum mundo e dum antimundo
separados por um escudo protetor: O ambiplasma. O físico russo Sajarov e o estoniano Gustavo Naan
também imaginam universos de matéria e de antimatéria parecidas mas inversas.
115
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
admitem como postulado de fé que o que está acima é como o que está abaixo,
que o que está em Deus está igualmente no mais ínfimo grão de areia.
Ademais, como o diz Ph. Lavastine: Herdamos Deus!
Nessa ótica o cérebro humano teria propriedades e poderes análogos àqueles do
Grande Cérebro primevo.
É certo que não sabemos utilizar esses poderes mas não há dúvida de que os
possuímos.
Quando um homem está iluminado* por uma crença intensa o milagre está a
seu alcance: A mãe adivinha o perigo, o santo levita, caminha sobre a água,
cura doenças consideradas incuráveis, o sábio descobre, o paralítico anda e o
cego recupera a vista.
Não se diz que a fé pode mover montanha, entortar uma vara de metal?
Ao se relacionar, geralmente, o milagroso com a fé, se pode pensar, em forma
de hipótese de trabalho, que fenômenos singulares nascidos no cérebro,
engendram um universo antiparticular análogo ao que foi engendrado pela
iluminação original.
Nessa condição o corpo físico do iluminado passaria dentro doutro mundo.
Pensamos também no fenômeno de ubiqüidade observado sobre as partículas
que se colocam sobre órbitas mais excêntricas quando se lhes aporta um fluxo
suplementar de energia.
Ao contrário, é admitido, em física nuclear, que partículas e antipartículas
podem entrar em combinação, desaparecer como matéria e reaparecer como
radiação eletromagnética. Quer dizer, em grande parte, como luz.
Em resumo: O vai-vem de nosso universo noutro (do mundo ao antimundo)
estaria vinculado a uma espécie de transmutação de nossas partículas materiais
constitutivas em antipartículas, se produzindo o fenômeno à nível da vida
psíquica, a qual não é governada pelas leis do universo do consciente.
O agente eficiente do mecanismo e sua razão residiria numa zona desconhecida
de nosso cérebro e teria como catalisador, senão como determinante, um
potencial de energia-fé.
A transferência de mundo a antimundo assegurada pelo repetidor luz no jogo
dos físicos, sempre foi assimilada, pelos esoteristas, à iluminação.
Coincidência estranha ou labirinto empírico?

PARA DESCOBRIR UM NOVO MUNDO

Pra não dar pábulo à controvérsia dos cientistas sabichões, frisamos,


novamente, que essa tese é um jogo intelectual baseado em elementos tomados
emprestados do jogo incerto dos físicos.

Não dissociamos a iluminação da esquizofrenia e das interações que pode ter nossa organização psíquica
com o modo arcaico de pensar (o pensamento primitivo do feto). Em todos esses casos extremos, o legado
genético (os cromossomos-memória) intervém ressuscitando os grandes sentimentos que impressionaram
os homens dos tempos muito antigos: Medo aos cataclismos, beatitude numa espécie de paraíso primitivo
no qual tudo era possível. Nesse processo fenomenal, o espaço-tempo e suas conclusões lógicas adquirem
um valor particular não perceptível por nossas mentes condicionadas. Certos povoados primitivos e,
principalmente, os aborígines australianos que estão, todavia, vinculados com o tempo do sonho
continuam vivendo nesse sistema de irrealidade.
116
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O homem, curioso por natureza, tenta explicar o que a razão dos lógicos não
pode.
As hipóteses de George Gamov permitem certa aproximação à percepção dos
universos paralelos mas não a compreensão dos fenômenos mais freqüentes
tais como: Visão, alucinação, levitação, milagre, etc., onde o inverossímil não
abandona mais que parcialmente nosso universo cotidiano.
Filipe Lavastine se compraz em dizer que o homem é sábio na medida em que é
saboroso, sápido (do latim, sápidas).
Muito bem, os latinos, pra designar um imbecil diziam que era insapidus
(insípido).
O que é gráfico pertence à mesma linguagem do significado e o imaginário tem
mil vezes mais significado e é mais certo que o estudo demonstrado,
comprovado, controlado pelos irrisórios critérios científicos.*
Mas, apesar dos cientistas, o homem tem necessidade de sonhar pra se realizar
plenamente num universo íntimo, imaginário.
Se realizar é um neologismo significativo: Desenvolver toda sua medida, dar
corpo a suas imagens-desejos, a sua ambição, se converter no que se deseja ser
de grande ou de sublime e não o que se é que, em geral, se considera pequeno,
ridículo e injusto.
Sem o imaginário a aventura humana seria inviável.
Impossível se olhar num espelho, ver com a verdade do objetivo fotográfico, a
esposa, os filhos, a casa, julgar a própria obra, o comportamento, a situação, o
porvir, a saúde, a perspectiva de vida, etc., sem misturar nele a esperança, a
inteligência e a qualidade.
Impossível não imaginar, esperar um manhã melhor, um êxito, um futuro
agradável e tranqüilizador.
Senão, seria a desesperança, quiçá o suicídio.
O homem não pode aceitar a vida estritamente presente e estancada.
O imaginário pertence à essência da vida, a seu dinamismo e à evolução natural.
O ritmo, o vivo, estão, fundamentalmente, em previsão imaginária do instante
seguinte.
O presente é atual, o futuro é sempre aleatório.
Poderíamos viver sem o futuro?
Com esse estado de espírito o mecânico sonha ser Ford ou Bugatti. A balconista
sonha ser estrela. O infradotado, dono do mundo.
Sem esses sonhos a vida se converteria num pesadelo. Com esses sonhos
foram conquistados reinos, estabelecidos impérios, descobertos mundos.
Graças a ele Schliemann desenterrou Tróia, Cristóvão Colombo chegou à
América e doutor Cabrera encontrou as fantásticas pedras de Ica.
Sua necessidade é tão vital que certos indivíduos chegam até a substituir a
realidade cotidiana pela irrealidade imaginada.
Foi o caso de todos os dom-quixotes da história e dos aventureiros que se
perderam nas selvas virgens da Amazônia ou nos bosques insólitos da busca ao
Graal.

 A dança é a maior das artes porque é imagem e continuidade espaço-tempo.


117
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

O IMAGINÁRIO É MAIS NECESSÁRIO QUE A CIÊNCIA

Todo homem sonha em se converter no que não é, em adquirir o que mais lhe
falta.
Sua individualidade é tripla: O que são, o que crêem ser, o que quiseram ser,
mas, de fato, sua aventura humana evolui sempre em dois planos: Algumas
vezes na irrealidade cotidiana (trabalho, metrô, aperitivo, Mao, macio, cama,
visão benévola do eu). Outras vezes na irrealidade do imaginário (sonhos,
imagens-desejos, aspirações políticas).
Porque o que se chama realidade cotidiana é uma farsa tanto no plano físico
como no plano mental.
A realidade das cores, das formas, dos odores, dos sons, é, como se sabe,
função de nossa percepção precária e de nossa interpretação presumida. O
daltônico não distingue o vermelho do verde; Brigitte Bardot é um cânone de
beleza ou uma mulherzinha bem formada; tal odor é agradável a A.,
nauseabundo a B. e o jaz, segundo os critérios, é uma música ou um barafunda
de decibéis.
Assim mesmo o homem gosta de se julgar formoso, inteligente e bom, mesmo
sendo horrível, tolo e maligno. Em resumo, vivemos numa irrealidade cotidiana
que nos comprazemos em qualificar de realidade.
Na irrealidade do imaginário,* se nos atrevemos a empregar este pleonasmo, ou
irrealidade do interior, participa outro universo, ideal com a maior freqüência (de
pesadelo, às vezes), onde nos deleitamos porque cremos em todas suas peças
ou porque corresponde a nossas imagens-desejos.
Ninguém melhor que o admirável Cervantes soube dar a imagem vibrante da
irrealidade plural e dos universos particulares por ela engendrados.

DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA

Por uma campina muito real, há alguns séculos, cavalgava ao passo do mais
lamentável cavalo do mundo o maior dos cavaleiros errantes que nasceu sob o
céu da Espanha: Dom Quixote da Mancha.
Nutrido com as aventuras de Reinaldo de Montaubano, de Amadis de Gaula, de
Palmerim da Inglaterra, de dom Galaor, e dos Cavaleiros da Távola Redonda,

 Se pode dizer a irrealidade do imaginário porque o imaginativo é tão real (e irreal) como o cotidiano.
118
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
dom Quixote não punha em dúvida, nem por um instante, que seria seu igual,
senão superior.**
Era, em seu pensamento, uma verdade que surgia da evidência.
Sob esse ponto de vista seu pobre e esquelético rocim, Rocinante, era o mais
fogoso dos cavalos de batalha, o digno Bucéfalo do Alexandre dos paladinos.
Outra evidência pra dom Quixote: Nalguma parte, no final daquele caminho
empoeirado, queimado pelo sol do meio-dia, ia encontrar o Bosque pleno de
aventura e, provavelmente, uma bela jovem de longo cabelo dourado, prisioneira
num torreão.
Um príncipe malvado a perseguia e a loura heroína, inclinada sobre as ameias
da alta torre, o chamava, a ele, dom Quixote da Mancha, com toda a força de
seu desespero.
Na grande instabilidade e flutuação da Lua, do Sol e dos astros, essa Verdade,
fruto da ilusão, habitava no bom cavaleiro e o confortava em sua missão.
Mais vale dizer de imediato que dom Quixote vivia, digamos, 60% no universo
cotidiano, chamado real: O caminho era, sem dúvida, um caminho, o sol era
ardente, a couraça pesada e embaraçosa. E 40% no universo imaginário dos
lances de cavalaria.
A seu lado Sancho Pança representava a multidão, o mundo comum.
Definitivamente: 90% de realidade e 10% de imaginário.
Porque, de qualquer maneira, o bom rústico tinha, também, suas imagens-
desejos, sua imaginação!
Não lhe havia prometido dom Quixote lhe dar uma ilha pra governar? E quando
havia oportunidade lhe recordava a promessa.
Pra acompanhar o Louco sublime não lhe era, também, necessário, sua dose,
sua pitada de loucura e de esperança nalgum ideal?

A DONZELA E OS MOINHOS DE VENTO

 Os heróis dos livros de cavalaria que dom Quixote toma por modelo são os que se encontram nas
novelas de:
— Feliciano de Silva (século XVI): Crônica dos valorosos cavaleiros dom Florisel de Nicéia e o valoroso
Anaxarte. (Sevilha, 1546.)
— Huon de Vilanova (ou um trovador do século XIII): Renaud de Montauban ou a lenda dos quatro filhos
Aymon.
— Vasco de Lobeira, escritor português de língua espanhola, um dos autores de numerosas novelas de
cavalaria, entre eles Amadis de Gaula, chamado o Cavaleiro do Leão, ou o Cavaleiro da Verde Espada.
— Anônimo: O Poema de Meu Cid.
— Roberto de Boron, Geoffroy de Monmouth e, principalmente, Robert Wace (autor do Brut) que
imaginaram as novelas da Távola redonda.
— Chrétien de Troyes: Le chevalier au Lion (O cavaleiro em Lião) (homem-unicórnio da rainha Genebra).
— Melquior Pfeizing: Aventuras perigosas do louvável, piedoso e muito renomado herói e cavaleiro
Tuerdank (Carlos o Temerário, duque da Borgonha, que foi uma espécie de dom-quixote e que, como ele,
se equivocou sobre seu tempo. Foi um dos últimos cavaleiros com Francisco I e Henrique IV).
Mencionaremos que, em 1654, foi escrito um livro contra a Cavalaria e contra dom Quixote, por dom
Jerônimo de São Pedro. Seus heróis eram o Cavaleiro do Leão (Jesus) e o Cavaleiro da Serpente (Lúcifer).
O livro está dividido em raízes: Raiz da rosa fragrante. Os capítulos são Folhas da rosa ou Maravilhas. O
título da terceira parte do livro, que jamais foi escrita, devia ser: Flor da rosa odorífera. O livro foi proibido
pelo Index expurgatorias em 1667!
119
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Eis que Sancho Pança, pensando que já passava do meio-dia e que um almoço
lhe cairia muito bem, percebeu, na lonjura, trinta ou quarenta moinhos.
— Senhor, — exclamou — lá vejo moinhos de vento!
E Sancho Pança não mentia:
— Vejas perfeitamente, com teus olhos, ali, no final do caminho, autênticos
moinhos de vento.
Dom Quixote ficou, então, imerso no mais profundo de suas quiméricas
aventuras: A donzela da alta torre lhe suplica que a libere. Ouve suas chamadas
e já não está, senão muito vagamente, a caminho da Mancha. Em resumo, 70%
dele está no bosque da aventura e somente 30% cavalga com Sancho Pança.
Ante as exclamações de seu escudeiro, alça os olhos até o horizonte e protesta
com veemência:
— Sofres alucinação, meu pobre Sancho! O que crês que são moinhos de vento
são, nem mais nem menos, gigantes. Gigantes que se querem me desviar de
minha aventura mas não o conseguirão.
E dom Quixote não mente. Vê, de fato, gigantes. Vê seus corpos maciços, seus
largos braços de 2 léguas (8km) de largura.
De fato, Sancho Pança, pleno do bom senso dos ignorantes, vivia, quase
permanentemente, em sua irrealidade cotidiana, comum, enquanto seu amo, em
transe como Lugue, Gilgamés, Sigurde e Lancelote do Lago, evoluía com a
máxima freqüência nas paragens doutro universo sem, por isso, abandonar
fisicamente o dos homens.
No século XIII, quando um cavaleiro da Távola Redonda saía buscando aventura
ou o Graal, perambulava 50% num mundo geográfico que era a Pequena ou a
Grã-Bretanha, e o restante de seu universo estava em seu pensamento, em sua
imaginação e em sua fé no encanto que lhe permitiria penetrar no Bosque
perigoso.

QUANDO O CRENTE VACILA EM SUA FÉ...

Quando o potencial de sua irrealidade do imaginário ficava maior que o da


irrealidade cotidiana, se produzia um fenômeno análogo ao das supernovas:
Esse potencial se vertia no cotidiano, provocando substituições de lugar, de
tempo e de acontecimento.
Provavelmente, com estalido de calor e de luz: O cavaleiro se convertia em
iluminado. Entrava no Bosque das aventuras, via o castelo misterioso, o ponte
invisível. Podia cavalgar sobre a água do lago ou penetrar por ele, atravessar
muros grossos, realizar proezas inauditas e, quiçá, perceber o Graal.
Se produziam, então, efeitos físicos que teriam sido desconcertantes na
irrealidade cotidiana: Levitação, deslocamento no espaço-tempo, vidência,
permeabilidade da matéria, etc.
Talvez houvesse ubiqüidade, ao permanecer o cavaleiro completamente
prisioneiro de seu universo cotidiano e penetrando totalmente* ou parcialmente
nesse mundo antiparticular, cuja existência é presumida e natureza
desconhecida.

 É o caso das partículas singulares descritas pelo professor Bernard d'Espagnat, do Colégio de França.
120
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Isso é o que imagina J.-B. Hasted com seu universo que é uma função de ondas
únicas onde poderiam existir numerosas versões de nós mesmos.*
Esse fenômeno, que poderia ser produzido sem ubiqüidade, daria explicação às
desaparições totalmente incompreensíveis relatadas nas mitologias, nas lendas
e até na atualidade do século XX, e também às faculdades psi de J.-P. Girard.
Explicaria também a invisibilidade, a imponderabilidade, o passo do + ao –, do
criado conhecido ao nada imaginário, a perda das qualidades inerentes à
natureza do cotidiano, por exemplo, a anulação da gravidade que desemboca na
levitação das que foram testemunhas pessoas cuja boa-fé é difícil negar.
É possível esse tipo de milagre?
As tentativas de explicação não são mais que hipótese fantásticas e vãs, ou
mais se aproximam, em certos aspectos, a uma verdade difícil de crer e
impossível de delimitar?
Seja o que for, tais especulações, que irritam os racionalistas, são sempre bem
acolhidas pelos investigadores e são benéficas àqueles que repelem os tanteios,
o ostracismo e os malefícios duma ciência satânica cujo resultado mais claro no
final deste século XX foi o de mergulhar o mundo na insegurança, medo e
desespero.
Cada vez mais o homem honrado repudia essa ciência que é amoral, perigosa,
sacrílega e fastidiosa. O sonho, a poesia e a irrealidade são mais necessários ao
humano que os foguetes espaciais, que o crânio do australopiteco e a bomba
atômica.

O HOMEM, O ERRO E O IMAGINÁRIO

O homem é, por excelência, um animal dotado de razão, de inteligência


particularmente desenvolvida. Em conseqüência, essa inteligência é chamada ao
guiar, a fixar sua escolha e a governar seu destino, é inelutável, fatal, ainda que
falível.
O homem é, de todas as criaturas, a que possui o máximo de capacidade ao
erro e, ao romper com o cósmico, se converteu num monstro fora da Natureza.
Edgar Morin** diz que ao adquirir um super cérebro, ao se converter em faber
(fabricante), socius (sociável), loquens (loquaz), o homem armazena muito mais
elemento de labirinto do que necessita imediatamente.
Esse caudal supérfluo perturba suas relações diretas com a Natureza até o
ponto em que é, então, presa de incertezas, de perplexidades que modificam as
mensagens naturais recebidas por seu cérebro.
O sintoma de estresse mais evidente é a angústia.
Antes de ser dotado de seu super cérebro o homem era caçador, só caçador,
dedicado à conquista duma presa.
Quando adquiriu mais inteligência se converteu num indivíduo mais complexo,
sabendo que em sua caça, podia ser vencedor ou vencido, consumidor ou
consumido, indene ou ferido.

 Ver de novo: Aux frontières de l'incroyable (Nas fronteiras do inacreditável), capítulo VIII: Universos
paralelos e universos aberrantes.
 Le Paradigme perdu: A nature humaine (O paradigma perdido: A natureza humana), Edições du Seuil,

Paris.
121
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Tentou, por conseguinte, programar o melhor possível sua ação e foi, então,
quando se produziu a possibilidade de erro.
Essa consciência de seu estado e essa presciência dum porvir possivelmente
dramático, desencadeou no homem da primeira era todo um processo de
estados emocionais onde brotaram o riso, o desespero, a esperança, o medo, o
delírio ou a poesia com, afinal de conta, prática de salvaguarda que se
converteram na magia, na religião, determinando a idéia de Deus.
O imaginário se tornou, então, o motor da atividade humana em todas as
direções da arte, da indústria, do comércio e da sociedade.
A imaginação é o maravilhoso resguardo do homem inteligente.
As mitologias e as religiões, escreveu Morin, florescerão sobre a hiper
complexidade de seus dez mil milhões de neurônios e de 1014 dos sistemas e
combinações possíveis pra seu computador celular.*
O risco de erro ficou infinitamente provável tanto ao computador biológico como
ao homem.
Nossa civilização e nossa evolução se encontram, por esse motivo,
automaticamente falseadas já que os biólogos demonstraram que os azares do
ADN e do ARN as condicionam fundamentalmente.
Em resumo, o super cérebro do homem o desconecta das leis naturais e lhe
devolve ao ponto zero do verdadeiro labirinto.
Certo é que o homem sábio, aparentemente, triunfou, posto que dominou a
Natureza, mas é uma vitória pírrica21 da qual não se recuperará.
A autonomia que conquistou está, quiçá, na linha secreta e querida de seu
destino. Nesse sentido é uma criatura privilegiada, o que, a muitos, pode
parecer evidente.
Então não haveria azar, senão relações aleatórias que desembocam no
indeterminismo ou, talvez, também azares providenciais, necessários e,
finalmente, calculados pela inteligência superior.
Nesse caso o destino do homem estaria determinado. Sua imaginação e sua
atração, até os erros úteis, seriam os rasgos característicos de sua evolução.

O TEMPO, O EU E A IDADE ÁUREA

Se tem a tendência a considerar que o sonho pertence ao imaginário, por


conseguinte à mentira, e que somente o real da existência desperta tem um
valor positivo.
É chegar prematuramente a uma conclusão!
Deciframos o sonho com a chave e o linguagem do despertar, o qual lhe da uma
carência de sentido porque estamos condicionados por nossas evidências que
nos encerram num universo restringido e em conceitos errôneos.

 Os genes têm 8.300.000 combinações possíveis. Na elaboração duma criança as combinações possíveis
entre genes e cromossomos alcançam a cifra de 78 mil milhões.
21 Pirro (-318 – -272) (em grego Πυρρος, em latim Pyrrhus: cor de fogo, ruivo) foi rei do Epiro e da Macedônia, tendo

ficado famoso por ter sido um dos principais opositores a Roma.


Seu nome se tornou famoso pela expressão Vitória de Pirro, quando da vitória na batalha de Ásculo. Quando lhe deram
parabém pela vitória conseguida a custo, se diz que respondeu com estas palavras:
— Mais uma vitória como esta e estarei perdido.
122
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Há que deslocar as evidências e compreender que o corpo vive,
indubitavelmente, num universo tridimensional, mas não nosso cérebro, nem
nosso pensamento, nem nossos sentimentos, nem nossas faculdades
intelectuais e psíquicas.
Ao constituir tudo isso nosso eu, cabe perguntar como esse eu pode existir ao
mesmo tempo em vários universos!
É um pequeno problema que os biólogos, os filósofos e os físicos gostam de
questionar, embora nada mais façam pra afinar sua percepção e se impregnar
da humildade luminosa da ignorância.
Nosso eu rompe as barreiras concebíveis do tempo, posto que nosso legado
genético nos prolonga no passado, quiçá até a origem do mundo.
Ou, talvez, até aquela Idade Áurea da qual conservamos o conceito-lembrança,
mito ou imagem-desejo, evocando um tempo ideal, o do sonho, da não
inteligência, o tempo fetal da humanidade num universo no qual tudo era
possível: Papai Noel, a imortalidade, a ressurreição, a aventura, o vôo no ar e no
oceano, o Bosque perigoso e o êxtase ilimitado.
Era a Idade Áurea o tempo precedente ao advento da humanidade, ou melhor,
esse Tempo do Sonho que habita, ainda, entre os aborígines australianos e no
qual, bem sopesado, está ausente o eu do presente?

O PROBLEMA DA GARRAFA

O eu é rechaçado a cada segundo de nossa vida temporal e de nosso corpo


físico.
Damos um passo e já não somos o mesmo: Envelhecido nalgumas frações de
segundo e, ademais, quatro ou cinco de nossas células morreram enquanto
outras três ou quatro foram regeneradas.
Já não estamos no mesmo lugar, nem no mesmo tempo, nem na mesma roupa.
Nosso sangue ficou mais pesado ou se enriqueceu. Nosso cabelo cresceu... Em
resumo, nossos dois eu têm uma identidade relativa mas não absoluta!
Inventamos nosso eu como inventamos nossos sonhos e a realidade do
cotidiano. Tudo o que, podemos pensar, é imaginação de nosso cérebro.
No entanto é necessário imaginar certa identidade entre o eu que dura 1/10.000
de segundo e o outro que retouça com o tempo, com o desgaste e com o
espaço, como um verdadeiro transformista que é!
Em definitivo, esse eu existe e não existe, do mesmo modo que o cotidiano é
uma realidade que se admite, a priori, e um fantasma quando se lhe analisa em
profundidade22.
A garrafa que está sobre a mesa também pode servir ao jogo da incerteza, do
existente e do inexistente.
A vês perfeitamente? Sim!
E isso é que é extraordinário!

22 E como o elétron é partícula e onda ao mesmo tempo


123
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Como diria o sábio Cosinus, do bom Christophe:*
— Não podes a ver. Não a deverias ver. É contrário às leis da física.**
Tentemos explicar: Um menino poderia dizer:
— A garrafa está sobre a mesa e não a verias se fosse noite:
Conseqüentemente a vês porque está iluminada e emite série de fótons ou grãos
de luz que e lhe dão forma e cor.
Passemos à cor. Aproximadamente 5.000Å, o que nos levaria a novas
especulações, e nos atenhamos à forma que é captada pelo olho e transmitida
ao cérebro.
Porque é o cérebro quem registra a imagem e não esse órgão complexo mas
robótico que é o olho.
Mas o cérebro diz Não! à imagem enviada pelo olho.
Diz: Nada vejo, em absoluto, porque não sou sensível às ondas fotônicas.

O FANTÁSTICO LABORATÓRIO DO OLHO

É um pouco como se quisesse retratar um objeto abrindo e fechando ante si um


estojo que contém uma placa sensível: Obteria uma placa velada e nenhuma
imagem.
Ao contrário, o cérebro é sensível às ondas eletromagnéticas e o olho, pra
cumprir sua missão, converte os fótons (energia) em onda eletromagnética.*
Nosso complexo biológico é uma máquina fantástica, infinitamente superior aos
computadores mais perfeitos!
Portanto, graças às ondas eletromagnéticas, o cérebro recebe e percebe a forma
da garrafa.
Temos um processo análogo e inverso com o aparato de televisão que também
está obrigado a transformar as ondas que recebe.
— Então — pensas — vejo a garrafa!
Não é tão exato!
Teu cérebro vê a garrafa mas a imagem é interior a teu eu!
E não se compreende como a pode ver exteriormente, quer dizer, fora de tu
mesmo.
 Georges Colomb, chamado Christophe (1856-1945) era um sábio botânico, professor na Sorbona. Entrou
na literatura francesa com essas obras mestras que são: La famille Fenouillard (A família Fenouillard)
(1895), Le sapeur Camembert (O sapador Camember) (1896) e L'idée fixe du savant Cosinus (A idéia fixa
do sábio Cosinus) (1899).
 Esses argumentos e esses novos modos de pensar constituem o jogo intelectual e rico em

prolongamento dos sábios da universidade de Princetão, em Estados Unidos. O professor Raymond Ruyer,
da universidade de Nancy, apresentou em seu livro: A gnose de Princetão, Edições Fayard, essa ciência
que exige, para ser compreendida, certa inversão de nossos esquemas mentais habituais que desconcerta
e encarrilha até novas perspectivas.
 Pros físicos de Princetão o olho é um laboratório que deve transmutar os fótons (quantas de energia

luminosa que não se comportam como onda mas como projéteis, segundo Einstein) em ondas
eletromagnéticas. Existirá, pois, uma diferença de natureza entre os fótons ou grãos de luz e as ondas
eletromagnéticas normais. A natureza da luz é muito mal conhecida e, segundo France-Culture de 9-7-
1977, os físicos ainda não compreenderam o processo da fotografia.
124
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Talvez exista um trajeto inverso das ondas e dos fótons, mas não se está seguro
disso, posto que os biólogos imaginam que pra ver o exterior nosso eu estaria
obrigado a sair de nós, a se exteriorizar também.**
Nessa hipótese se produziria um trabalho fantástico que não se limitaria ao
objeto e ao processo de transformação, senão que transbordaria fora deles, fora
do ser humano e, sem dúvida, fora de nosso universo conhecido.
O observador humano, tu, nesse caso, transcenderia, então, até se exteriorizar,
até se converter numa supraconsciência, super universal no sentido em que
parece ter um fenômeno de ubiqüidade.
Mas o eu consciente e lúcido do observador nada saberia do mecanismo, do
irracional, da magia de seu desdobramento.
A menos que seu prodigioso cérebro imagine o exterior como se, ao sair dum
cine, contemplasse o filme além da tela, sobre o próprio cenário onde foi
filmado.
Esse jogo, excessivamente sábio e complicado pra nosso débil entendimento
tem, sobre um plano menos elevado, o interesse de nos facilitar a aproximação
ao Misterioso Ignoto e aos universos paralelos.
Somente os sábios mais sutis captam esse ignoto insondável que governa
nosso pensamento, nosso comportamento e nossas funções mais elementares.
Como somos ignorantes! Tudo é exato porque tudo é magia, ilusão, maia.

O PECADO DO EU

De fato, esse eu, esse ego que tanto nos preocupa não tem tangibilidade,
realidade muito evidente!
Existimos? Certamente!
Mas, melhor, à maneira duma célula pertencendo ao himalaia universal, e não
como indivíduo consciente, livre, unitário.
Escolhemos nosso sobrenome. Nosso nome de batismo. O cor de nossos olhos,
de nosso cabelo, nossas taras hereditárias, nossa nacionalidade?
Escolhemos nascer no século XX?
Verdade que não?
Então, tentemos encurralar, isolar nosso eu, muito pessoal!
Esse eu, que somente aparece com a evolução, o nascimento das civilizações e
a dissociação do cósmico.
De fato, parece que os homens primitivos não tiveram a preocupação de se dar
um nome próprio. Levavam só o nome do clã, e nem isso é certo.
Os esquimós, não faz ainda muito tempo, quando falavam de si diziam Este
homem.
Entre os negros, a que o racismo se identificou com o espírito tribal, essa
ausência do eu é ainda tão vívida que, por um crime cometido contra um de
seus membros, outra tribo pode, indiferentemente, matar quem quer que seja
que pertença ao grupo rival.

Já o mencionamos mais acima: Está admitido em física nuclear que partículas (grãos de luz, ou fótons)
podem desaparecer como matéria e reaparecer como radiação eletromagnética.
125
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Não se lhe ocorrerá, sequer, ao condenado o pensamento de dizer: Não fui eu,
dado que seu eu está inteiramente integrado no nós.
O mesmo fenômeno impulsiona o homem mordido por uma víbora a se vingar
matando, mais tarde, qualquer víbora.
Porque essas víboras não têm nome próprio, como tampouco o têm a nuvem, a
árvore, a erva, a gota dágua e o grão de areia do deserto.
Todos têm, exatamente, um nome de família: Víbora berus, víbora aspis, nuvem
cúmulo nimbo, etc.
Quando o homem adquiriu consciência de sua individualidade (quando se
separou voluntariamente do todo cósmico: O pecado original) experimentou o
desejo de dar, também, uma identidade às coisas e aos seres da Natureza.
Primeiro classificou por espécie e por gênero pra não cansar demasiado seu
intelecto ainda pouco desenvolvido: Os ruminantes, as rapazes, os carvalhos,
etc.
Depois sua mente obteve os meios de armazenar nomes mais distintivos e
inventou a vaca, o boi, o cervo, o camelo, a águia, o falcão, a encina, o carvalho,
a sobreira, etc.
O mesmo processo seguiu quanto ao sobrenome dos homens.
No princípio foram sobrenomes de profissão: Alfaiate, ferreiro, carreteiro.
Entre os hindus o nome da mulher tinha que ser suave de pronunciar: Sita, Kali,
o nome do guerreiro: Rude e sonoro, o do brâmane: Poderoso e majestoso, o do
paria: Difícil de pronunciar e expressando a abjeção.
Entre os hebreus os nomes tinham um significado místico: Elias e Joel (dois
nomes de Deus) ou representavam uma característica ou qualidade.
Os gregos chamavam os meninos: Filho de fulano, e o homem não adquiria um
nome próprio antes do merecer por uma reputação individual.
Desse modo Aristocles se converteu em Platão devido à largura dos ombros e
foi esse apelido que ficou.
O apelido: O gago, o coxo, o forte, o simples, o audaz, etc., foi sempre mais
representativo do indivíduo que o sobrenome decretado pelas leis.
Cabe ressaltar que o eu pode se converter em nós e assim era no tempo dos
romanos, o Nós majestoso, pra significar que tal tirano, tal césar tinha o poder,
o valor, a força, a beleza, em resumo, o valor de várias pessoas.

O EU MANIPULADO DOS CHINESES

O eu do qual nos jactamos e do qual estamos geralmente orgulhosos não é,


definitivamente, mais que o resultado do encontro dum óvulo e dum
espermatozóide, o todo nutrido pelo sangue da mãe, por seu leite, pelo leite de
vaca, papa de arroz, chocolate, bisteca, batata, vinho tinto, etc.
E esse todo se desenvolve intelectualmente mediante o que ouve quando é,
ainda, um feto, e do que aprende de seus pais, de seu ambiente, no colégio,
livros, periódicos, rádio e televisão.
O eu, também aqui, é terrivelmente condicionado, forjado, moldado,
manipulado.
Um chinês de Mao Tsé-tungue, um alemão de Rítler, um russo de Brejeneve,
um latino cristão ou um árabe muçulmano não têm um eu fundamentalmente
126
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
diferente ao do vizinho. Quiçá pode ser situado no trabalho individual, num
certo modo de coordenar a informação recebida do exterior, mas essa centelha
de personalidade é muito frágil e ilusória comparada com o todo do maoísta-
célula, do ritleriano, do russo, do cristão e do muçulmano embrutecidos por
seus dogmas.
Ademais, é sabido que os hormônios condicionam o comportamento psíquico
de todo indivíduo.
O hormônio tireóide têm uma relação com os humores e os estados depressivos
de nosso eu que mil outras influências exteriores perturbam, submergem,
aniquilam.
Onde está o eu de um soldado, de um drogado, de um homem inscrito num
partido político ou religioso?
Por último, o eu se opõe ao espírito de massa, dos pássaros, por exemplo, e à
integração na ordem universal.
Essa é a razão pela qual existe o pecado*

Capítulo XII
OS CAMINHOS ENGANOSOS DO LABIRINTO

Não é fácil dar significado concreto aos símbolos e é ainda mais difícil lhes
assinalar uma hierarquia.
Geralmente se concede uma primazia ao sinal de Deus ou do Sol: O círculo,
assim como também a espiral, representam o Divino em sua manifestação mais
total: A evolução e o espaço-tempo.
Os outros símbolos mais correntemente evocados pelos esoteristas são a água,
o fogo, a serpente, o dragão, o labirinto, o falo, o jarro, a suástica, as estrelas, o
unicórnio, etc. Não obstante, se olvidam, com freqüência, os principais: |, —, +,
O.
O | representa ao homem, o — a mulher, o + o acasalamento e o hermafrodita,
ao O o ponto de neutralidade, o nó de tempo e de espaço no que tudo é
diferente ou não existe: O tempo e o espaço do divino.**
Naturalmente, depois dos símbolos principais de Deus, do universo, do triplo
mistério do homem, vêm as representações do falo, do jarro (taça-vulva), do
fogo, da serpente, da água.

O DILÚVIO CASTIGA O PECADO

Explicamos, com freqüência, esse significado particular que se lhe dava, no


meio da iniciação, ao sinal + que representa o ser princeps23, ao mesmo tempo
homem e mulher.*
 Temos estudado esse aspecto da individualidade e do livre arbítrio em O livro do passado misterioso,
editora Plaza & Janes, Coleção Outros Mundos. Capítulo XIII: A escritura cromossômica e o pecado.
Invento do nome. O mote ou nome cromossômico. O pecado mortal, etc.
 A hierarquia exigiria a seguinte ordem: O + é o hermafrodita original, o – a mulher, e o | homem. Nessa

ótica, a O representa a Deus.


23 Primevo
 O livro do passado misterioso, Capítulo XII: A Máter hermafrodita, A Máter e a partenogênese, O canal de

Müller, etc.
127
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Esse ser do Deus tirou um costado (e não uma costela) pra criar Eva, mas
também pra criar seu companheiro, vulgarmente representado por Adão na
lenda bíblica e nas especulações da maioria dos esoteristas.
Não temos qualificação pra afirmar seja o que for mas podemos dizer que em
alta iniciação não é questão dum homem primordial, senão dum hermafrodita
primordial e, esperamos que a ciência dos biólogos lançará, algum dia, luz
decisiva sobre este ponto.
Já, a atualidade do século XX poderia despertar a atenção e, inclusive, as
suspeitas daqueles que têm olhos pra ver.
Antanho, e até no século passado, havia a Máter-taça e o Homem-falo.
A Máter sente renúncia por sua missão e, cada vez mais, se nega a procriar pra
permanecer bonita e se transforma na Lilite egoísta e experta em erotismo.
O erotismo substituiu o coito amoroso.
Por sua parte, o homem se afemina e rechaça se tornar pai.
Este processo evolutivo, intelectual e contestatório não se leva a cabo sem
interação com o processo físico. Sem dúvida, é motivado no inconsciente por
uma programação cujo objetivo é, quiçá, justificar pelo absurdo o fim duma raça
decadente.
Já o dissemos: O racismo é a lei superior do mundo orgânico e o pecado é não
ser racista.**
Desde que o homem perde de vista essa noção fundamental se despega de
Deus, do cósmico e se funde no deterioração.
Quando o carvalho esquecer que é carvalho e produzir um fruto distinto da
bolota, então os bosques desaparecerão e o pecado provocará um novo dilúvio.
Porque, no ensino secreto, o dilúvio não tem outro significado que o de castigar
o não-respeito do legado genético e do patrimônio da espécie.

A BOMBA ATÔMICA É DEUS

Se pensou, durante muito tempo, com Platão, que a catérese do mundo (sua
destruição, sua pralaia)24 seria causada pelo fogo ou pela água. Logicamente, a
água que aporta a vida também deve proporcionar a morte.
O símbolo do fogo, a chama, tem, também, um valor gerador e destrutor mas,
ademais, evoca o pecado humano ou, melhor, o sentimento de culpa que atingiu
o homem.
Essencialmente, o fogo pertence ao Sol criador, a Deus, e não aos profanos.

O livro do passado misterioso, capítulo XIII: A escritura cromossômica e o pecado... Elogio ao racismo.
Toda a Natureza é racista. O pecado mortal.
24 Pralaia - Segundo a teosofia é o período de tempo do ciclo de existência dos planetas em que não ocorre

atividade. Dura, segundo o cômputo dos brâmanes, 4.320.000.000 de anos. O período de atividade,
chamado manvantara, tem a mesma duração.
Tomando 360 manvantaras e igual número de pralaias, se obtém um Ano de Brama. A duração de 100
Anos de Brama forma uma Vida de Brama, também chamado de mahamanvantara, durando no total
311.040.000.000.000 de anos. Esse é, segundo Helena Blavatsky, o período de atividade do cosmo, se
seguindo um período de inatividade, chamado maapralaia, de igual duração.
128
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Se o divino é pródigo em água que se infiltra na terra e ali se instala, o é muito
menos do fogo que, de qualquer maneira, remonta ao céu depois de expressar
sua onipotência.
E a onipotência divina é sempre um fenômeno de destruição: Não se contempla
impunemente o rosto de Deus.
Inclusive com lentes de cristais excepcionalmente negros e quase opacos, a luz
mais clara que 100.000 sóis da bomba atômica não deixa de ter perigo aos
olhos e a todo o corpo humano.
Há que se velar o rosto pra olhar a Deus, que tem, também, por símbolo a
bomba atômica e por expressão a explosão nuclear.
A bomba atômica é Deus, por fim redescoberto pelos homens.
Aqueles que estão lúcidos o compreendem: Os outros, muito orgulhosos de sua
ciência fecunda, sutil, e de suas realizações altamente materialistas, se
admiram, se repartem medalha e recompensa mas, no recôndito da consciência,
experimentam uma surda inquietude e maldizem aos bruxos satânicos que,
desde Joliot-Curie a Einstein, redescobriram o fogo de Deus e abriram a caixa de
Pandora.
Na verdade o fogo é tão gerador de invento, de evolução, tão necessários à vida
e à morte, tão magicamente fértil que sempre esteve unido à essência mesma
de Deus ou a seu arsenal divino (o raio).
Ao inventá-lo ou ao recolhê-lo por subterfúgio, o homem imaginou que
ultrapassava seus direitos e furtava algo divino, tabu. Então, se sentiu muito
culpado e acreditou se justificar infamando aqueles que a tradição dizia haver
roubado o fogo celeste.
É assim como o bom Lúcifer* e o admirável Prometeu pagou pelos humanos
sem ser beneficiado com sua gratidão.
Tudo o que é maravilhosamente mágico: O fogo, a fotografia, o rádio, o avião, a
televisão, etc., é, como a bomba atômica, salto do tabu e crime de lesa-
majestade.

A GARÇA GRIS CINZA

Bastante paradoxalmente, foi o herético mas clarividente Giordano Bruno**


quem, antes de ser queimado vivo em Roma por ordem do muito Santo Oficio,
farejou muito perto o mistério da fênix que, também como ele, mas
voluntariamente, ardia em vida no final duma de suas múltiplas existências.
Segundo Giordano Bruno, «os tiranos sócio-políticos e seus mercenários da
ciência e das universidades (quer dizer, a equipe e o potencial energético das
civilizações) levam neles os germes de sua destruição pelo fogo».

(Wikipédia, a enciclopédia livre)


 Jesus não é mais que uma imagem falsa e copiada do verdadeiro Salvador: O bom Lúcifer que perdeu o

Céu por amor aos homens. Jesus não é mais que um usurpador. Deu sua vida terrena mas não teria aceito
fazer doação à humanidade de sua vida eterna. Christia Sylf expõe que Lúcifer poderia ser o admirável
sacrificado que teria permitido o grande experimento em curso sobre a Terra.
 Filósofo italiano do século XVI. Opôs à religião cristã a idéia dum mundo infinito, entregue a uma

evolução universal e eterna. Excomungado, degradado, o ilustre pensador foi condenado pelo Santo Oficio
a ser castigado com tanta clemência como se poderia e sem efusão de sangue: Foi queimado vivo!
Resultou benéfico que fosse sacrificado pra que perdurassem suas idéias. Aqui também tem sacrifício ao
deus.
129
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Se pode entender por isso que a humanidade não pode escapar aos tiranos da
política, da ciência, da cultura, que representam o fogo, um fogo de forja onde
perecem e renascem homens que vão ficando, sem cessar, melhor temperados
e aptos pra se liberar de sua escória física e mental.
Por isso mesmo, sem dúvida, posto que o que está acima é como o que está
abaixo, os universos se consomem, se regeneram, se afinam e, a cada vinte ou
cem mil milhões de anos, renascem com componentes mais sutis geradores de
criação e de civilização mais desenvolvida e mais inteligente.
E por isso o ferro brutal, arrancado à mina, se converte em sol cintilante no
coração do braseiro, e depois em relha de arado, folha, espada, poste após ser
moldado e temperado.
Há 4.000 anos, e mais, para pôr de acordo os feitos históricos e os mitos
científicos de seu tempo, os egípcios imaginaram o símbolo da fênix que
representava, esotericamente, ao mesmo tempo o ciclo cósmico, a marcha do
tempo, o transcorrer da civilização e as cheias periódicas do Nilo.
Essas cheias, vitais prà vida econômica do país, eram observadas pelos magos
(sábios, médicos, copistas e sacerdotes) das Casas de Vida, espécie de
academia científica egípcia.
Esses magos notaram que quando acontecia a inundação um pássaro magnífico
planava sobre a água ou pousava numa ilhota.
Era a garça cinzenta de duplo penacho e de largo bico que, nas auroras auro-
rosas ouro vale do Nilo, se recortava, às vezes, hierática, impressionante, sobre
o disco vermelho do deus-sol Ra.
A imaginação popular se comprazia em o crer parido pelo astro da manhã e o
associava ao mesmo Deus, com o touro Mnévis e ao betilo, onde o primeiro sol
se havia levantado no início do tempo.
Essa ave milagrosa, anunciadora da boa-nova, os egípcios a haviam chamado
boinu e os gregos phénix, palavra que significa vermelho, como a palavra fenício
designando a Adão e aos vermelhos, primeiro homem e primeiros habitantes da
Terra.
Quando o ave regressava, principalmente a Heliópolis (Cairo) onde era objeto de
culto, em todo Egito se produzia um estalido de alegria.
— A fênix voltou!
Então se sabia que o arroz cresceria em abundância e que os meninos nascidos
nessa época receberiam uma bênção excepcional. Pouco a pouco a fênix foi
identificada ao Sol. Como ele, parecia surgir sobre a água primordial fertilizante
e «reinava sobre os ciclos trintenal e as festas da vida regenerada», escreveu o
egiptólogo Serge Sauneron.*

O MISTÉRIO CÓSMICO DA FÊNIX

Mas foram os gregos, de imaginação ainda mais fértil que os egípcios, que
criaram o mito da ave maravilhosa que, no final da vida, se deixava consumir
pelo Sol apra renascer de sua cinza, às vezes com a forma de verme ou ovo.

Dictionnaire da civilisation égyptienne (Dicionário da civilização egípcia), de Georges Posener, Serge


Sauneron e Jean Yoyotte, edições Fernand Hazan, 35, rue de Seine, Paris.
130
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O ovo, ou o verme, se convertia, então, numa nova fênix cujo primeiro cuidado
era transportar a Heliópolis, sobre o altar do Sol, despojos de sua antiga
encarnação.
Cada fênix vivia 654 anos segundo Suidas, 540 anos se crermos em Plínio e
Solínio, 500 anos segundo Heródoto e 1.461 anos segundo Tácito.
A época de sua morte coincidia sempre com o equinócio vernal (da primavera), o
que indica claramente que os antigos viam um ciclo no mito.
A revista ianque Kronos diz que a aparição da fênix coincidia com a cheia do
Nilo, os movimentos de Sótis (a estrela Sírio) e os doze sinais do zodíaco, o que
estabelecia relação entre as atividades humanas cotidianas e as da natureza
divina.
Essa harmonia tranqüilizadora, recalcada adrede pelos sacerdotes, persuadia as
massas sobre sua posse verdadeira ao macrocosmo, aos grandes ciclos
cósmicos dos quais o homem, como a fênix, a cheia, os equinócios eram parte
integrante e manifestação privilegiada.
Nesse conceito os homens podiam crer em reencarnações sucessivas e numa
vida eterna até o fim do tempo.

O SACRIFÍCIO DO PELICANO

Para os pensadores mais evoluídos, se propunha um problema: A fênix, como o


humano, era outro nascido, outro indivíduo pertencendo à espécie ou, de certa
maneira, à mônada (unidade de conjunto)?
«O processo de transformação, se lê em Kronos, a vida profunda da natureza era
advertido pelos homens daquele tempo, através dos aspectos da experiência
humana, como estados espaço-temporais.»
A fênix aclarava o fenômeno, o simbolizava e o fazia crível.
Seu sacrifício, quando voltava a mergulhar no magma original, sublimava sua
espécie e fazia surgir uma nova fênix num novo momento, assegurando com ele
o porvir de sua casta.
Esse sacrifício correspondia, pois, a uma transubstanciação e a uma
transcendência: Imanência no pai, transcendência no filho.
Esse conceito antigo, sob forma mais elaborada, sempre foi admitido pelos
filósofos do século XX.
É também o sentido esotérico do suicídio do pelicano.
No que concerne ao ciclo, nossa astronomia demonstra atualmente que o de
Sírio não é conciliável com o da fênix.
No século XIX se encontrou certa analogia entre a fênix e o planeta Mercúrio
passando sobre o Sol, mas é provável que a explicação verdadeira resida mais
exatamente, à vez no ciclo solar diários e o mito de ressurreição, de eternidade e
de perenidade das espécies.
Nesse dédalo de tradições, ciclos, situações, sacrilégios, conquistas benéficas,
conhecimentos herdados de Deus ou do Diabo ou que as foram furtadas, é onde
o Adepto deve buscar o bom caminho da iniciação.
131
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Donde parte o mito e o símbolo do labirinto.

O LABIRINTO

No esoterismo, o labirinto é, ao mesmo tempo, o bosque e o caminho arriscado


que deve percorrer o Adepto para ir da cidade de Luz-escuridão à cidade de Luz-
luz.
É o caminho de vida e de adivinhação do mundo* com, no final do trajeto, no
centro ou no perímetro, uma saída vertical ou horizontal que não se pode
encontrar, presumir ou calcular por alguma ciência, por mais avançada que seja.
Unicamente a intuição, a imaginação e, sem dúvida, também a virtude, podem
guiar nesse dédalo mais imaginário que real do qual o iniciado e o poeta se
evadem atravessando os muros.
O labirinto é à imagem do labirinto que se adquire, seja por tentativa pro
cientista, seja por intuição e revelação pro esoterista.
Estarão aqueles que se extraviarem, tateando, e aqueles que, misteriosamente
guiados, se dirigirão quase diretamente à saída. Nesse sentido o fio de Ariana é
a graça, o terceiro olho.
O labirinto esotérico é similar ao Bosque aventuroso onde o paladino Rémondin
encontrou Melusina e os castelos perigosos dos romances da Távola redonda.
Em certo sentido se pode pensar que o labirinto conduz a um universo paralelo,
que é a cidade cerrada de Luz, sem porta nem janela, mas com um passadiço
subterrâneo que desemboca nalguma parte. Sem dúvida, no torreão da cidade,
no próprio núcleo mais inacessível e que, de fato, é o mais vulnerável do
intestino.

Ver o conceito em imagens que Eduardo Pastor desenhou sob a forma de tarote em seu suntuoso álbum
Le chemin d'images (O caminha das imagens), impresso na oficina de Pastor-Création, em serigrafia
manual, Caminho do moinho, 60950 Ermenonville.
132
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

O labirinto de Chartres, como o doutras igrejas, é um condensador prático, um


substituto da via crucis de Jesus em Jerusalém. (Foto: R. C.)
Porque o próprio do jarro adornado cerrado, do homem, da alma, é ter duas
entradas secretas, duas eclusas: Uma ao Céu, outra à Terra. Uma ao Acima, a
outra ao Abaixo.
A concepção do labirinto se vincula à da espiral, da origem do universo (ou
melhor de sua explicação) e do nada impossível.
O labirinto é, também, o lugar onde gosta de vagabundear a serpente guardiã
ou buscadora de tesouro e, é ritualmente, uma mulher, Ariana ou Melusina, a
que está associada à serpente, ao tesouro e ao herói.
O Dictionnaire des symboles (Dicionário dos símbolos)* diz que o labirinto é uma
representação simplificada da mandala, imagem psicológica própria pra
conduzir à iluminação.
Por suposto, os judeu-cristãos o açambarcaram e, o desenhando sobre as
lousas das igrejas, em Chartres, em Poatiê, em Sens, em Amiéns, fizeram dele
um substituto da peregrinação à Terra Santa e, também, segundo se diz, à
rubrica dos construtores do edifício.
O labirinto, em certos monumentos antigos (em Creta, em Clusium, em
Heracleópolis), tinha como missão proteger o centro, o tesouro, a tumba e
extraviar o sacrilégio, assim como também suscitar a admiração dos povos no
futuro como foi o caso do Labirinto do Egito, do qual, desgraçadamente, não
resta vestígio.

A MARAVILHA DO MUNDO DE HERÓDOTO

 Edições Robert Laffont, 1969.


133
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
No Egito, há 2.800 anos, segundo Heródoto, depois do reinado de Séti, doze reis
dividiram o país entre si e prestaram juramento de viver em harmonia.
Mas citemos Heródoto.*
Quiseram, também, deixar, compartilhando o gasto, um monumento à
posteridade. Tomada essa resolução, fizeram construir um labirinto perto do
lago Moéris (o atual lago Carum) e bem perto da cidade dos Crocodilos.
Vi esse monumento e o julguei além de toda expressão. Todas as obras, todos
os edifícios dos gregos reunidos pelo pensamento, lhe seriam inferiores tanto
em trabalho como em gasto. Os templos de Éfeso e de Samos, merecem, sem
dúvida, ser admirados, mas as pirâmides estão acima de tudo quanto se possa
dizer e cada uma, em particular, pode ser comparada paralelamente aos maiores
edifícios gregos. Pois bem, o labirinto sobrepuja, inclusive, as pirâmides.
É composto por doze pátios recobertos de teto, cujas portas se enfrentam, seis
ao norte e seis ao sul, todas contíguas. As encerra um mesmo recinto de
muralhas, que rainha por fora. Os apartamentos são duplos. Há mil e
quinhentos sob a terra, mil e quinhentos sobre, três mil em conjunto. Visitei os
apartamentos superiores, passei neles e, por isso, posso falar com certeza e
como testemunha ocular.
Quanto aos apartamentos subterrâneos só sei o que ouvi.
Os egípcios que os guardam não permitiram que me fossem mostrados porque
serviam, me disseram, de sepultura aos crocodilos sagrados e aos reis que
construíram todo esse edifício. Portanto não falo dos alojamentos subterrâneos
mais que por referências alheias: Quanto aos superiores, os vi e os considero o
maiores que os homens puderam fazer.
Os passadiços através dos apartamentos e os circuitos através dos pátios nos
causavam, por sua incrível variedade, admiração ilimitada, enquanto
passávamos dum pátio aos aposentos, dos aposentos aos pórticos e a outros
apartamentos donde chegávamos a mais pátios.
O teto de todo esse conjunto de alojamento é de pedra, assim como as paredes,
que estão em toda parte decoradas com figuras em baixo-relevo.
Ao redor de cada pátio existe uma colunata de pedras brancas perfeitamente
unidas entre si. Em cada um dos ângulos do labirinto se eleva uma pirâmide de
cinqüenta orgias»,** sobre a qual se esculpiu, em grande, figuras de animal. Se
chega a elas por um subterrâneo».

O LABIRINTO DE CRETA

Construído, por ordem do mítico rei Minos, pra servir de prisão ao Minotauro, o
labirinto de Creta supera, em notoriedade, o lago Carum. Os simbolistas mais
expertos se perdem em conjetura sobre esse labirinto, sem dúvida, construído
pra apagar o vestígio dum duplo pecado: O duma ofensa aos deuses e o dum
amor pecaminoso da bela Pasífae a um touro demasiado formoso e demasiado
branco.
Já se conhece a conclusão: Teseu conjurou a calamidade.
A partir deste elemento é possível seguir o fio de Ariana e adivinhar o mistério?

 Histórias, de Heródoto. livro I, 148.


 Uma orgya = 1,84m.
134
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Recordemos os fatos: Rei Minos deve, ritualmente, sacrificar a Netuno os cem
touros mais formosos de seus bens semoventes.
Em certo ano havia um tão formoso, tão perfeitamente branco e de forma tão
harmoniosa que o rei o poupou e o substituiu por outro animal de menor valor.
Netuno, irritado, inspirou, então, estranha paixão à esposa de Minos, a bela e
ardorosa Pasífae: Ela rechaçou, sucessivamente, as insinuações do marido e
quis fazer amor com o touro.
Minos tentou a induzir à razão mas Pasífae, que é de fogo quando contempla a
esplêndida besta, permanece de mármore ante a recriminação.
Inclusive logra persuadir o engenhoso Dédalo pra que lhe construa uma falsa
vaca em cujo interior se encerra pra enganar o touro e gozar seu favor.
E o que foi dito, foi feito.
Pasífae conheceu um orgasmo maravilhoso mas, algum tempo depois, pariu um
ser meio homem meio touro: O Minotauro.
Minos está dolorido mas sua esposa é tão bela e, de fato, tão inocente nessa
história erótica, que a perdoa, mas recolhe ao filho adulterino e monstruoso no
labirinto que construiu o astuto mas pouco escrupuloso Dédalo.
Por que encarcerar o Minotauro num labirinto e não numa sala fortificada?
Responder a essa pergunta seria dar o esboço da resposta.*
Talvez tenhamos progredido no estudo do mistério no qual inscrevemos já os
elementos seguintes: Impiedade, efervescência duma vulva humana,
nascimento dum monstro que se recolhe ao mais profundo duma sucessão de
salas e corredores.
A cada sete anos (se diz, também, a cada nove anos) os atenienses vencidos
por Minos deviam enviar a Creta um tributo de sete jovens varões e sete virgens
destinados a se converter em alimento do Minotauro.
É sabido que o herói Teseu, graças ao fio de Ariana, sua amada, pôde entrar no
labirinto, matar o monstro e voltar a sair seguindo o fio condutor.
Eis nós aqui um pouco melhor informados com o resgate do pecado, a mulher
que ajuda ao herói e lhe permite sair da inextricável aventura.
Em resumo: Fica ressaltado que da cumplicidade duma mulher e do
discernimento no caminho a seguir, as conseqüências duma falta podem ser
apagadas por um herói.
HOMENS CONTRA MONSTROS

É necessário, sem dúvida, acrescentar a esses elementos a evasão de Dédalo e


de seu filho Ícaro, encerrados por Minos no labirinto.
Dédalo confeccionou asas com plumas de pássaro e os dois prisioneiros
puderam fugir pelo céu, o qual implica um labirinto sem teto.
Dédalo conseguiu escapar mas Ícaro cometeu a imprudência de voar demasiado
perto do Sol e a cera que revestia suas asas se fundiu, por isso se precipitou
contra o solo.
De novo uma ofensa aos deuses, de novo um castigo.

 Ler de Paul de Saint-Hilaire: L'enigme des labyrinthes (O enigma dos labirintos). Edições Nardon,
Bruxelas.
135
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Todos esses elementos são frágeis, difíceis de relacionar entre eles e reteremos,
finalmente, o que nos parece essencial: O pecado de Pasífae se acasalando com
um animal e o nascimento dum monstro metade homem metade touro.
A Bíblia relata, no Levítico, capítulo XVIII:
23. Não te unirás a besta, te manchando com ela. A mulher não se porá ante
uma besta, se prostituindo ante ela. É uma perversidade.
24. Não vos mancheis com alguma dessas coisas, pois com elas se mancharam
os povos que atirarei de diante de vós.
Minos era o soberano dum país muito próximo ao Egito, onde abundavam os
deuses semi-homens, semi-chacais ou abutres, íbis, gatos, touros, etc.
Se pode, pois, pensar que em tempos muito remotos os homens adquiriram o
costume de fornicar com animais, com grande prejuízo a sua raça.
Nessa hipótese o labirinto seria o símbolo da luta difícil, arriscada, que os
homens tiveram que travar contra monstros para garantir o domínio do mundo.
Outras explicações: Culto solar contra culto taurino, luta do povo grego contra a
hegemonia cretense (talassocracia), a imagem do circuito abdominal humano
com suas diferentes saídas ou do ovóide cerebral, cuja imagem representativa é
um labirinto análogo ao do abdômen* e, por último, como dizíamos mais acima,
num sentido mais elaborado: Encaminhamento do Adepto pela via do labirinto e
da luz.
Então matar o Minotauro significaria matar o monstro de suas noites, de seus
desejos nefastos pra acessar um dia novo.
Essa última hipótese se vê apoiada pela descoberta efetuada na Bulgária, perto
da célebre estação termal de Kustendil, dum labirinto anterior aos da Grécia
antiga, que conduzia à água milagrosa, muito conhecida pelos trácios, povo
pelágico muito antigo.

O LABIRINTO DAS IGREJAS

Seja como for, há dois milênios o labirinto se converteu no caminho do labirinto,


da iniciação, a via difícil e mágica que leva ao outro mundo.
Na literatura os heróis, pra acessar esse outro universo, utilizam o sonho, a
névoa onde a pessoa se perde mas que, ao se dissipar, revelam o lugar de
destino.
A navegação antiga, a busca ao Velocino de Ouro, as Maçãs de Ouro do Jardim
das Hespérides, a de Gilgamés e a busca ao Graal antes da interpolação cristã,
obedecem a esse imperativo.
Igualmente, os monges dos primeiros tempos do cristianismo, como por
exemplo são Brandão, saíam à aventura, com freqüência por mar e, indo de ilha
a ilha, franqueavam etapa após etapa os diferentes períodos de iniciação antes
de abordar, no final, onde Deus queria que se estabelecessem.
A peregrinação se converteu, desse modo, na marca distintiva dos monges
irlandeses de origem céltica e foi o modelo das peregrinações à Palestina e às
tumbas dos santos.
No final do caminho estava a salvação, senão a iniciação.

 Há, também, analogia com a orelha que, estranhamente, reproduz a imagem do feto no ventre materno.
136
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Reduzida a um nível mais popular, a um período mais acessível, a peregrinação
se fez exatamente nas igrejas e nas catedrais e deu origem aos labirintos que os
arquitetos traçaram sobre o enlousado dos monumentos.

O UNICÓRNIO E A DONZELA TRAIDORA

Além da idéia do encaminhamento e o enigma do Minotauro, outra imagem se


relaciona com o símbolo do labirinto: O Unicórnio fabuloso, com seu corpo de
cavalo e cabeça de cabra rematada por um longo corno afilado com poderes
mágicos. Era de caráter arredio, inabordável e nenhuma outra besta podia
rivalizar com ele na carreira.
Somente uma virgem podia se aproximar e o domesticar até o fazer dormir
sobre seu seio ou a cabeça em seu regaço.
Seu corno passava por ser um antídoto poderoso mas que atuava somente
durante sua vida.
«Os chamados unicórnios, premidos pela sede, principalmente no maior calor do
ano, acodem às fontes que nessas regiões (Etiópia) são escassas. Onde se
encontra multidão de animal de toda classe que, padecendo de sede muito
fastidiosa, se detêm até que chegue o unicórnio pra beber ele primeiro,
reconhecendo pelo instinto de sua natureza que tal água foi infectada pelos
dragões e cobras que lá se encontram em grande número. As citadas bestas
que aguardam antes de beber sabem que unicamente o unicórnio, dentre todos
os animais do mundo, poderá desinfetar a água... que baixa a testa, molha o
corno, revolve a água com ele e, de repente, bebe até se saciar...»*
Para se apropriar do maravilhoso remédio era necessário, por suposto, capturar
o animal.
Isidore e Tzetzés dizem que se atrai e captura aos unicórnios com a ajuda duma
jovem donzela que se deixa ao pé das montanhas onde se pensa que tais bestas
se retiram.
O unicórnio, farejando de longe essa moça e tomando carreira com uma fúria
aparente até essa virgem, repentinamente a aborda. Em vez de fazer mal fazer,
atacar e destroçar cruelmente essa donzela seguindo o impulso de sua raiva
natural, ao contrário, a mencionada donzela com os braços estendidos é
recebida amorosamente pra lhe fazer carícia. Essa pobre besta inclina muito
suavemente a testa e se estende em terra, pousa sua testa sobre o regaço da
donzela e toma um prazer singular a que ela lhe esfregue muito docemente a
crina e a testa com azeite, ungüento e água boa e aromática, como se ela o
fizesse por flerte e mimo.
»Após o qual essa mísera besta dorme e se acha presa dum sonho tão profundo
que os caçadores, espreitando ali perto, espiando sinal da moça, têm tempo de
sobra para se aproximar com laços e cordas.»**
O unicórnio é, por conseguinte, o símbolo da confiança e do amor traídos e, por
extensão, do amor jamais recompensado.
Por tal razão a Idade Média tinha suas damas-unicórnios e seus homens-
unicórnios.

Le pays des zendjs (O país dos zendes), por L.-Marcel Devic, Paris, Librería Hachette, 1883.
Histoire da nature, chasse, vertus, propriétés et usage da lycorne (História da natureza, caça, virtudes,
propriedades e usos do unicórnio), de Laurent Catelan, Montpellier, 1624, página 11.
137
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Por definição, o unicórnio era o namorado ao qual se obrigava às piores
humilhações por brincadeira, unicamente por prazer e diversão. O protótipo se
acha em Lancelot ou le chevalier à la charrette et la soumission à la dame (O
cavaleiro de carroça e a submissão à dama), de Chrétien de Troyes.

O SÍMBOLO DO BOSQUE

Se supõe que o unicórnio é branco de corpo e que é o emblema da castidade.


Está, a miúdo, associado à lua nova ou crescente, que parece molhar seu corno
na água.
«Os antigos mapas alquímicos, escreveu Bertrand d'Astorg,*** simbolizam
comumente a Lua, colocando um corno único na mão direita da figura que a
representa».
Outro símbolo está misteriosamente vinculado ao animal: A árvore ou o bosque.
«A árvore fica a explicar, escreveu Odel Shepard.**** Pra capturar o unicórnio a
donzela deve estar num bosque ou sob uma árvore. Se encontram, com
freqüência, sobre os selos cilíndricos assírios os animais unicórnios
representados junto a uma só árvore estilizada... árvore cosmogônica, árvore da
fortuna, árvore do mundo?»
Quiçá podemos esclarecer este enigma mediante uma explicação que, por
acréscimo, servirá de preâmbulo a outro mistério fascinante: O da cidade de
Luz.
O bosque com o unicórnio representa o labirinto no qual nos perdemos, onde
nos escondemos, o refúgio secreto da Idade Áurea, a cidade de Luz (cidade
cerrada em toda parte, ovo filosofal, matraz) onde residia o ser, na etapa fetal,
antes de nascer homem.
O bosque simboliza o retorno ao Antro original (o ventre materno) e também o
Outro original que éramos antes de vir ao mundo.
O homem, sobretudo quando é jovem, experimenta, às vezes, a necessidade de
se esconder, dissimular, entrar num bosquete, entre matagais, onde poderá
surpreender a todos sem ser visto. É o retorno ao ventre materno, a andadura
do unicórnio.
O menino em perigo corre se refugiar no regaço de sua mãe. O proscrito, o
acossado, busca refúgio no bosque, no maquis, que são como labirintos.
Existe também uma relação entre o unicórnio e a gruta do ermitão no bosque.
Dada sua ambivalência, o unicórnio também pode representar o ser primevo, o
hermafrodita (antes da diferenciação) buscando seu paraíso perdido.

O UNICÓRNIO, DAMA DO OUTRO MUNDO

Ainda mais iniciaticamente, o unicórnio é o símbolo duma cidade de Luz sem


saída, que possui e simboliza a jovem de portas cerradas (a donzela virginal).
Nesse sentido o unicórnio é a Dama da cidade de Luz e a Dama do labirinto.

 Le mythe da dame à la licorne (O mito da dama ao unicórnio), de Bertrand d'Aslorg. Edições du Seuil.
 Lore of the unicorn (Tradição do unicórnio), de Odel Shepard, Boston, 1930.
138
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Pertence, por natureza e por beleza, à Idade Média do maravilhoso, do bosque
de Brocelândia, à cidade construída sobre e sob do mar. Ou ao meio do lago que
se franqueia por uma ponte invisível.
O unicórnio é a irmã gêmea da Dama do Lago, de Viviana e de Melusina.
Em seu reino secreto, como no da rainha Rianão da mitologia céltica, o tempo
cessa de transcorrer estando perto dela ou a ouvindo falar.*
E regressamos à cidade de Luz com suas formidáveis muralhas, tão espessas,
tão largas, tão altas, sem ameia, sem janela, sem porta.
Mas, como entrar a uma cidade sem abertura?
No entanto, há de haver uma comporta. Há uma comporta em toda parte...
Inclusive no labirinto que, de fato, pode ser um universo de duas dimensões:
Comprimento e largura.
Nesse sentido se pode escapar por acima, como Dédalo, ou por abaixo, como o
rio, a serpente, a quimera!
Nessa aventura iniciática em forma de labirinto, o unicórnio é, quiçá, o carneiro
de corno único que conduz, por uma só via, até o destino dos Filhos da Luz, o
que sabe transcender.
Seu corno tem o poder de transmutação. Por isso é essencial que o adepto
cubra de linho branco pra domesticar o animal e furtar seu labirinto, como
mataria o Dragão, a Serpente, com o mesmo desígnio.
A religião judaico-ocidental cristianizou essa imagem do unicórnio o
transmutando em cervo.
O cervo crístico, perseguido no bosque, se detém, se volta, encara seus
perseguidores, os caçadores e, pela virtude de seus olhos de amor, lhes insufla
a fé.
O unicórnio era, com freqüência, carranca de proa sobre os batéis de alto mar
mas, como a sereia, passava por os arrastar ao fundo.
Se assegura que, antanho, nos tempos do maravilhoso, marinheiros se atiraram
à água, estavam seguros de ver nela o palácio das sereias e dos unicórnios e
habitar ali no luxo dum harém oriental.
Também antanho, se atiravam na água dos lagos pra ver a Dama, Morgana,
Viviana ou Melusina, e aqueles que acreditavam não morriam, senão que viviam
eternamente na cidade do fundo da água.**
Uma cidade ou um reino do que não se poderia escapar nem sequer morrendo,
porque o princípio da imortalidade parece inerente ao dos Outros Mundos.
E regressamos à cidade de Luz, a das muralhas infranqueáveis e dos habitantes
imortais.
Denominador comum ao Unicórnio, a Melusina, a Morgana, a Viviana, à Dama
do Lago e à cidade de Luz: A imortalidade.
Quer dizer: O alimento do Graal que era o caldeirão mágico de Korridwen, com
seu néctar do labirinto e da imortalidade, do que Gwyon havia tragado uma
gota. Que era, também, o jarro adornado de Amrita resultante do batido do

 Na tapeçaria De la dame à la licorne (Da dama ao unicórnio), do museu de Cluny, a Dama empunha um
espelho que reflete a cabeça do animal. É a perfeita evocação da passagem ao Outro Mundo.
 O advento do supranormal milagroso e da fé reencontrada nos incita a não rechaçar logo a idéia do reino

submarino onde podem sobreviver aqueles que àli foram com a fé.
139
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Oceano primordial (o mar de leite), com seu elixir que jugulava pra sempre a
morte, pelo menos pros deuses.
Os grandes arcanos sempre se relacionam por laços tênues mas poderosos que
são invisíveis ao profano.
O alimento do Graal, do Caldeirão, do Jarro adornado védico é o sangue da
Serpente, do dragão Fafnir que, na mitologia escandinava, dava a iniciação e a
compreensão da linguagem dos pássaros.
Quem bebe o sangue do Iniciado, do Rei, de Deus, adquire seus privilégios.
Ocorria o mesmo com o sangue do unicórnio, ao qual era necessário matar pra
lhe roubar algo precioso, divino.
Seu destino era, pois, perecer, encantar mas perecer, iluminar mas perecer.
Quiçá era, também, seu destino arder sobre uma fogueira, como a fênix.
A vida e a morte são um todo, indissoluvelmente ligados a um e outro destino
que pode tomar a aventura humana: Se apartar da via, obedecer à contestação
de intelectual ou se integrar à ordem no rigor do tempo cósmico.
Ilustra este axioma um dos mais belos contos esotéricos imaginado por um
povo africano.

Capítulo XIII
A MISTERIOSA CIDADE DE LUZ

Segundo certas tradições o menino, ao nascer, aparece com uma luz sobre a
frente, a Estrela, que é a lembrança da vida anterior, o terceiro olho, ainda não
oculto, aberto sobre o domínio do tempo.
Mas o anjo do nascimento, que é também o da morte, apaga essa luz com a
finalidade de provocar a queda fora da eternidade que o menino deve padecer
quando escapa ao Grande-Outra Parte.*
Abreviando: O nascimento representa a ruptura com um imenso passado do
qual o ser é primitivamente depositário, mas que deve rechaçar, e com um
universo do qual deve sair, universo identificado com a mágica cidade de Luz.
Na tradição a cidade de Luz (quiçá a Suz de Abrão que teria se convertido, mais
tarde, na Betel da Palestina) tinha a forma da amêndoa mística (a vulva, o éden
da mulher = amêndoa, em hebreu) e suas muralhas sem porta nem janela, sem
abertura, ascendiam ao céu a uma altura vertiginosa.
Quem vivia nessa cidade cerrada nunca morria e gozava da Idade Áurea.
Os que desejavam morrer deviam se atirar do alto das muralhas do recinto ao
mundo onde existe a morte.

Também Deus experimentou uma mutação em condição análoga: Morreu ao sair da pedra, do universo
cerrado do betilo assírio-babilônico.
Devemos lembrar também de Metis, primeira esposa de Zeus, cujos filhos, como a mãe, deviam saber
mais coisas que todos os deuses e os homens juntos, segundo Hesíodo. Já sabemos como impediu Zeus
aqueles nascimentos privilegiados: Engolindo duma só vez Metis e o menino que ela levava.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

AS ALTAS MURALHAS DA CIDADE

A cidade de Luz é uma irrealidade e, ainda: Uma imaginação maravilhosa, digna


de entrar ao palácio de nossos sonhos e pensamentos, já que submerge no
mais profundo, no âmago do esoterismo.
Mas é, também, uma realidade na qual o homem deve esquecer que foi
homúnculo, ao homúnculo que foi símio, ao símio que foi marsupial, ao
marsupial ictiossauro e, assim, sucessivamente, remontando à alga, o vírus, o
calcário, o hidrogênio, o carbono, a onda, a luz primordial, a treva hiper
luminosa* que se supõe ser Deus-universo e, remontando ainda mais longe, na
imensidão que nem podemos imaginar.
Ao menos se tomarmos como referência a evolução darviniana.
Mas o problema e o mistério continuam os mesmos se cremos que o homem é
um ser privilegiado e uma imagem, uma substituição de Deus ou seu reflexo
num dado lugar.
Seja o que for, em iniciação se ensina que é proibido levantar o véu de Ísis,
roubar os frutos da árvore do labirinto, o fogo celeste (anátema contra os
iniciadores antigos, com freqüência chamados extraterrenos contra os anjos,
contra Lúcifer, etc.).
Simbolicamente, os antepassados dalguns dentre nós, Adão e Eva foram
expulsos do Éden por comer a maçã25 e, por isso, cortaram as raízes que tinham
em comum com Deus.
O Éden é o paraíso, cerrado em toda parte, onde se goza a beatitude suprema, é
o sexo da mulher, sua vulva, onde, quando se mergulha nela, o homem goza
uma graça inefável, duma eternidade, duma imortalidade instantânea que perde
ao se retirar dela.**
Perder o paraíso é, de certo modo, vir ou regressar ao mundo. É sair sem que se
saiba, explicitamente, se ao exterior ou interior!
Em Tiauanaco, Bolívia, sobre o altiplano andino, duas grandes portas de pedra,
a célebre porta do Sol e a porta da Lua, recortam suas aberturas sobre o céu,
mas ninguém saberia dizer, ao as franquear, se entra ou sai dalgum sítio.
O Éden é a amêndoa, a matriz por onde o menino abandona seu universo
particular, o país dos sonhos e da desgraça, pra entrar ao mundo cotidiano do
azar.
Então, franqueia a muralha. É essencial, se nos atemos à tradição e à ciência,
que o menino, quando entra a nosso mundo, esqueça seu passado muito
anterior, olvide o que há no Éden, além da porta entreaberta da vulva materna,
da comporta de comunicação.

 A treva hiperluminosa da iniciada Christia Sylf se identifica com a Grande Luz primordial da cosmogênese
clássica geradora do universo de partículas e de antipartículas. A treva hiperluminosa é um sol negro pelo
fato de que cega e não pode ser percebida.
25 Nenhuma tradição identifica o fruto. A maçã é uma imagem renascentista. Mas não poderia ser, pois

não é fruta tropical.


 Éden = jardim, em hebreu, ou gar-eden: o recinto (Gênese, II, 8, III, 23), a muralha. No inicio do

simbolismo e da escritura houve o | = o falo e a O = a vulva. Os antigos não se equivocaram nisso. Antes
de se curvar em forma de éden feminino, de rosa e de espiral, antes de errar em forma de labirinto até o
ponto em que tudo nasce e acaba, o traço primeiro de sua escritura representou um homem, quer dizer,
um falo, ou seja, um menir.
141
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— Deus não lhe proibiu esse labirinto?* Não o expulsou do Paraíso?

DEUS E OS HOMENS: O MESMO ROSTO?

Parece que existe um paradoxo na criação do homem, de acordo com o texto


bíblico.
Deus o criou a sua imagem. Essa revelação foi repetida três vezes. «Deus diz:
Façamos o homem a nossa imagem, a nossa semelhança e que domine sobre
os peixes do mar, sobre os pássaros do céu, sobre o gado, sobre toda a terra e
sobre todos os seres que nela se movem (Pentateuco, por Elie Munk, rabino).
Deus criou, pois, o homem a sua imagem. O criou à imagem de Deus. O criou
macho e fêmea. (Gênese I, 27.)
Deus frisa adrede, três vezes, que o homem é sua imagem, sua semelhança. O
texto é claro, concreto sobre esse ponto e significa que ele, criador, e sua
criatura são semelhantes, são um organismo e universos paralelos de
dimensões diferentes, sem dúvida, mas de estrutura fundamentalmente
idênticas.
É também o conceito dos iniciados: O que está embaixo é como o que está
encima. Só faltam os parâmetros, o retrocesso pra refinar a similaridade,
calcular a dimensão, o volume e o potencial.
Nesse sentido os homens e Deus são de natureza privilegiada (o deus que está
em mim saúda o deus que está em ti: Saudação dos índios), em duas escalas
diferentes: Pra Deus com uma potência n e pra sua projeção humana somente a
potência 1, igual a ela mesma.
O macrocosmo e o microcosmo.
Com, não obstante, certa diferenciação original: Deus eterno, existente por seu
próprio pensamento, por sua própria consciência, não saindo de sua cidade de
Luz; e o homem, que vem do mundo perceptível ao franquear a muralha.
Esse matiz explicaria, quiçá, a divindade total dum e a divindade reduzida
doutro, excluindo os seres excepcionais, que não nascem pela vulva da mãe,
senão escapando pela outra saída.
Os essênios e Jesus estigmatizaram o nascimento normal: Vergonha àquele que
saiu das entranhas duma mulher.
Se lê no evangelho de Tomás, versículo 83, em Mateus, XXIV, 19 e em Lucas,
XXIII, 29:
— Bem-aventurado o ventre que não engendrou. A desaparição da estrela frontal
seria, por conseguinte, a sanção infligida ao homem a partir de seu nascimento.
Na mesma tradição simbólica, Deus não tolera que o homem saiba tanto quanto
ele, ambicione a deificação e, em conseqüência, foram elaborados tabus:
— Uns ciclos encerram as grandes aventuras humanas e diluem as civilizações
mais florescentes na sombra do olvido pelo fogo da terra, do céu ou pela água
dum dilúvio.
— O tipo humano é cerebralmente provido, como os magnetófonos, dum
sistema que apaga o saber anterior enquanto registra os fatos vividos.

 Mencionemos que Deus morre ao sair da pedra, do universo cerrado, compacto, do betilo. Igualmente o
menino, ao franquear a muralha, perde uma parte de sua identidade divina. Sai do Éden ou Beth Éden (a
cidade de Éden, o penhasco de Éden, quer dizer, A casa de pedra e de luz, a cidade de Luz).
142
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Ou seja, o labirinto do passado está escondido nas zonas neurais do cérebro
que nunca são solicitadas.
— As possibilidades da inteligência humana e suas aquisições científicas estão
programadas desde o nascimento e limitadas por um capital de 13 mil milhões
de neurônios* não renováveis com, ao contrário, uma perda irremediável, a cada
dia, de cem a trezentas mil dessas células. A faculdade intelectual do homem
estão, pois, programadas pra durar uma média de oitenta anos.
É de observar que os cem mil milhões de células normais do organismo humano
têm a propriedade de se renovar aproximadamente cinqüenta vezes.
Unicamente, e se adivinha o motivo, as células da inteligência não têm este
privilégio, senão e de modo aleatório, mediante seus prolongamentos, as
dendritas e a axona.

O ÉDEN ADORADO E MALDITO

O ser humano, inconscientemente ou não, se submete àqueles imperativos de


natureza aparentemente madrasta que, tão pronto o castiga como tão pronto o
louva.
Por exemplo, teme e amaldiçoa os vulcões e os terremotos mas busca as zonas
mais perigosas pra desenvolver suas atividades e suas civilizações.
Porque, de qualquer maneira, a Terra é Géia, a máter, e se entreabre, às vezes,
sua vulva pra voltar a tragar o que pôs no mundo, o homem não pode esquecer
que é sua mãe e que lhe deu, assim mesmo, a luz.
Vários povos inventaram e utilizam uma injúria grosseira pra estigmatizar a
imbecilidade: Fulano é um buceta (con, em, francês, significa tanto vulva como
imbecil).
A palavra é um insulto à parte do corpo da mãe que provocou nosso
nascimento. Um insulto à porta do Éden, ao paraíso. Por quê?
Que sentimento sutilmente submerso provoca essa atitude desrespeitosa do
homem ao que mais deveria venerar no mundo como se venera o falo desde
sempre e em toda parte?
Qual rancor é a causa?
Se pensou que o inconsciente humano fazia responsável a vulva feminina da
posta ao mundo, da posta em consciência dentro dum mundo mau e que era
necessário infamar a porta desse Éden que apagava os registros de nossa vida
anterior.
É o comportamento essênio de Jesus, segundo o evangelho de Tomás. E, no
entanto, com um servilismo e uma inconsciência aparentes, o homem, se bem
insulta ao homem o chamando vulva. Não se atreve a atirar uma mirada
indiscreta, desrespeitosa à de sua própria mãe e, paradoxalmente, cai em
adoração ante a vulva das outras mulheres.
Seu paraíso mais tangível será o de penetrar nela, de regressar, dalguma
maneira, ao universo de beatitude que perdeu ao nascer.

 Os neurônios são as células do cérebro (córtex cerebral, cerebelo, tálamo), da medula espinal e dos
principais centros nervosos. Particularmente sensível, recolhem, conduzem e transmitem os estímulos. É
por esse motivo que, vulgarmente, são denominadas sementes de inteligência.
143
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
E o elemento motor mais poderoso das grandes ações humanas é, e foi quase
sempre, o desejo de se destacar ante uma mulher, de a merecer e conquistar.
Não obstante, e contrariamente ao apagamento da estrela frontal do passado,
sabemos que nascemos sendo uma centelha, ou melhor, uma imagem de nosso
pai, de nossa mãe, de nossos avós e de toda a casta de homens até o Adão
primevo, se existiu, até o próprio Deus.
Sabemos que uma parte da história passada, que o cabelo da mãe, os olhos do
pai, os defeitos do avô ou seu gênio pro desenho ou a matemática, são
transmitidos, legados ao menino pelo código genético.
Tudo parece indicar que esse sagrado legado genético aprisiona, seqüestra uma
aventura passada remontando à incognoscível origem do tempo.
De certa maneira todos sabemos. Sabemos que fomos o bandoleiro Cartuche, o
cardeal Richelieu, Carlos Magno, um símio e um vírus ou algum extraterreno
vindo do céu e, antes, um deus cósmico: Lúcifer ou Prometeu.
Sabemos mas é impossível extirpar esse famoso saber, seqüestrado, sem
dúvida, nas zonas neurais que nos são inacessíveis ou que nos é proibido
solicitar.
Por quê? Só temos uma vaga idéia.

QUANDO A ESTRELA NÃO ESTÁ APAGADA

No entanto a tradição assegura que alguns seres privilegiados guardam, ao


nascer, sua estrela sobre a frente e conservam assim a lembrança, seja de suas
vidas anteriores (o que é muito arriscado), seja do passado em geral (o que
parece mais sensato).
Com uma condição: Que esses privilégios não nasçam no éden de sua mãe,
senão por seu costado ou pela coxa ou a frente do pai, ou pelo costado duma
serpente.*
Em resumo, é necessário um nascimento milagroso, sem ruptura, sem expulsão
do Paraíso. Um nascimento virginal, segundo se diz impropriamente.
O que nasce pelo ventre fica desprovido de sua eternidade, enquanto que o que
nasce por qualquer outro sítio conserva sua estrela, quer dizer, o privilégio, a
integridade de seu passado.
Átis, que é o filho duma árvore, a mirra (ou Mirra, a princesa incestuosa?)
acessa o mundo por um rasgadura no costado de sua mãe.
Minerva sai toda armada do crânio de Júpiter e Dionísio nasce do coxa do deus
do Olimpo.
Buda atravessa o flanco direito de sua mãe, a rainha Maia, sem causar dor.
O menininho saiu do flanco direito de sua mãe, sem mancha, cheio de ciência e
da lembrança de existências anteriores», escreveu Maurice Percheron (Le
bouddha et le bouddhisme (O buda e o budismo), pág. 19. Coleção Maîtres
spirituels (Mestres espirituais), nas Edições du Seuil).

 O que é importante, disse Christia Sylf, é a saída, a qual, de fato, pode ser uma entrada no eu ou na
Outra Parte original, fora do tempo, por transmutação. Imagem paralela: A Porta do Sol, em Tiauanaco,
permite a entrada e a saída, duma só vez, e por não importa que lado, posto que não dá, nem sobre um
interior nem sobre um exterior. Nesse sentido é o símbolo da passagem, da comporta que leva a outro
mundo.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Na tradição cátara Jesus vem ao mundo pela orelha de Maria** e conserva, por
conseguinte, a estrela da lembrança.
De fato, nenhum evangelista, nem Lucas, o mais prolixo, proporcionou
informação a esse propósito.
Está na linha tradicional pensar que Jesus não veio ao mundo passando pela
porta estreita de Maria sempre virgem.
Saiu, provavelmente, como diz a tradição cátara, ou pelo costado. Ou seja, pelo
seio ou coração de sua mãe.
Fica bem entendido que especulamos sobre o plano simbólico já que, assim
como o demonstra a história escrita nos papiros egípcios 1.500 anos antes de
seu nascimento,*** Jesus é um mito, uma ressurreição de Osíris e tanto um
como outro não tiveram existência real.
Mencionemos que, pra Christia Sylf, Maia e Júpiter, ao ser deuses, as diferentes
partes de seus corpos expressam ou representam diferentes lugares do
universo.

A SERPENTE AMIGA DOS HOMENS

Os iniciadores-serpentes dos homens antigos foram, muito provavelmente,


confundidos com o aparelho voador, dragão ou serpente emplumada que os
ejetara de seus flancos.
Outros heróis, profetas ou semideuses nasceram duma mãe serpente, dum
dragão ou atravessando o tabique cerrado duma amêndoa ou duma fava.
Esses privilégios, por isso, têm a lembrança do passado e, inclusive, o dom da
clarividência pro porvir.
Tradicionalmente a Serpente iniciadora de Adão e Eva foi a primeira que utilizou
o Verbo.
Para nos enganar? Não temos certeza!
A Serpente foi a primeira a falar. Talvez procriou a primeira humanidade do
longínquo remoto. Conhecia o mistério do passado, presente e futuro e quis
iniciar os homens.
Foi o que fizeram Prometeu, Lúcifer, Pta, Lugue, Oanes... contra a proibição
divina!
A serpente foi, também, um extraterreno-viajante vindo de outra Parte como
Queltzalcoatle, Baal, Astartéia, Oanes, Melusina?
O certo é que se converteu no símbolo do tesouro, da caverna, da água, da
iniciação, o Mestre, o Antigo que sabe o que passou antanho. O símbolo da
eternidade.
A serpente é aquele que renasce, que faz pele nova (de fato, muda de pele).
Sanchoniatão, no livro mais antigo do mundo (História fenícia) diz que pertence
à matéria ígnea porque há nela «uma velocidade que nada pode ultrapassar a
causa de seu sopro.

 Curiosa relação: A borda e as volutas da orelha lembram, evocam a imagem do embrião humano e, em
acupuntura têm uma correspondência direta com a maior parte dos órgãos.
 A documentação sobre a Paixão chamada de Jesus e vivida por Osíris, foi publicada em O livro do

passado misterioso, de Robert Charroux, editora Plaza & Janes, Coleção Outros Mundos.
145
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Acrescenta o autor fenício: «Proporciona a celeridade que quer às hélices que
descreve em sua andadura... Os egípcios lhe acrescentam uma cabeça de
gavião por causa da energia dessa ave...»*
Entre os congoleses a serpente é o veículo dos deuses.
É o totem dos deuses venusianos do México e do Próximo Oriente e o inimigo
hereditário, com a Estrela (Vênus), dos hebreus e dos cristãos.
É Lúcifer portador da Estrela, a Quimera de fronte adornada com um carbúnculo,
Satã o difamado, Melusina Mãe-Luz...
Não é a Serpente de Estrela da mitologia, senão a Serpente-Estrela.
Se acreditou, muito tempo, que as víboras nasciam pelo flanco de sua mãe, o
que lhes evitava esquecer suas vidas anteriores!
Esse símbolo de eternidade vinculado à serpente é representado pelo réptil que
morde a própria cauda, pelo uróboro.

O URÓBOROS, ÉQUIDNA E MELUSINA

O uróboro e os dragões guardiões do tesouro, como as Serpentes, deviam sua


eternidade a seu tipo de nascimento e a sua faculdade de viver não só várias,
senão uma infinidade de vidas.
O uróboro que morde a própria cauda é o ovo filosofal dos alquimistas, a esfera
primordial do móvel, o círculo, a alfa e a ômega.
Na mitologia grega Équidna, a ninfa imortal, é uma mulher admirável na parte
alta do corpo e víbora a partir da cintura.
É a antepassada de Melusina, a maravilhosa fada-serpente do Poatu.
Équidna e Melusina somente engendraram heróis-monstros, entre eles a ninfa-
víbora, a Esfinge, que, também, expõe o enigma da imortalidade e do passado.
Elas, sem dúvida, não pariram pela vulva, ao menos não se disse que Équidna
teve uma, assim como, tampouco, Melusina quando se metamorfoseava em
serpente.
Melusina vivia no universo singular das fadas, espécie de cidade de Luz cujos
habitantes tinham o poder de realizar toda sua imaginação.
Para conhecer o amor e a morte, elegeu sair de sua cidade.
Era, por conseguinte, a Estrangeira, a que vinha doutra Parte, como os anjos da
Bíblia e com o mesmo desígnio: Conhecer os terrenos e engendrar com eles.
Viveu um formoso, terrível e estranho idílio, construiu igrejas muito cristãs,
castelos fortificados e belos, e se converteu em lenda pra contar na noite nas
veladas e fazer sonhar.
Seu mito, sua fonte, seu tesouro, sua fruta estão diretamente ligados à
iniciação: Sua ciência, sua beleza imperecível, seus misteriosos companheiros
de milagre e sua natureza de mulher-serpente alada, fazem pensar em Istar, em

 Sanchoniatão: História fenícia, extraída por Robert Charroux de La préparation évangélique (A


preparação evangélica), de Eusébio, bispo de Cesaréia. O livro de Sanchoniatão, anterior à guerra de
Tróia, foi, várias vezes, destruído pela conjura de contra-verdade. Reproduzimos uma vintena de suas
páginas em O livro dos senhores do mundo. editora Plaza & Janes, Coleção Outros Mundos. Nessa
serpente, que produz um grande deslocamento de ar, que tem velocidade fantástica graças a suas hélices,
cabe ver um artefato voador semelhante ao Concorde de 1976. Quer dizer, um pássaro alargado ou uma
serpente voadora.
146
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Quetzalcoatle e nos demais deuses venusianos baixados à Terra pra iniciar,
ensinar, maravilhar antes de regressar a seu planeta original.
Melusina é o pensamento imortal e divino quando está na cidade cerrada do
cérebro, mas que se converte em equívoca e aproximativa quando, franqueando
as muralhas, se materializa no Verbo.
Várias famílias da alta nobreza européia e a do imperador do Japão têm, em sua
tradição, como mãe original uma serpente que um de seus antepassados
encontrou num bosque.
Sempre a união se fez com a promessa formal do noivo de não tentar ver sua
esposa de em parto mas, como é lógico duvidar, a promessa não foi cumprida.
Tanto é assim que a mulher-serpente sempre pariu mortais.
Desse modo foi contado, simbolicamente, o mistério da aliança fantástica dos
homens e das serpentes que pudesse dar como resultado uma humanidade de
imortais dotados da faculdade de se lembrar todas suas vidas anteriores.

A VIOLAÇÃO DA DONZELA

O mito de Lúcifer e de Melusina, que franquearam as muralhas para se


converter em mortais, é também o do nascimento dos homens, primeiro
encerrados na cidade das portas cerradas e que, por sua expulsão, conhecerão
o amor mas perderão a lembrança de seu passado.
É Eva saindo do costado de Adão na mitologia judaico-cristã.
É Fausto em busca de uma donzela totalmente pura pra extrair dela, mediante
não se sabe que estratagema, a virtude que supõe tradicionalmente sua
virgindade, com a finalidade de a transferir a um menino.
Esse menino seria uma reencarnação do velho doutor alquimista que
açambarcaria, assim, em seu benefício, o labirinto sublime, total do existente
passado.
A Virgem, por definição, guarda sua muralha, instala o ferrolho em suas portas
múltiplas. Percebe a investida mas rejeita se deixar penetrar.
Quando aceita (ou é forçada) perde sua eternidade, se converte em mortal mas
assim tem acesso ao amor.
O varão ataca. A virgem defende.
Assim se explicam as virtudes superiores, com freqüência inatas, entre os
meninos nascidos duma violação.
Uma certa crença motivava as violações nupciais da Idade Média, quando o
marido legítimo se disfarçava, penetrava, na noite, na câmara de sua jovem
esposa e, se fazendo passar por outro, a violava pra procriar um filho superior.
Essas reflexões pertencem, propriamente, à alta alquimia, a seu matraz-matriz, à
lenda de César e de Guésar de Lingue saindo, em cesariana, do ventre de sua
mãe e se convertendo, por este fato, o primeiro num herói excepcional, e o outro
num profeta dotado de clarividência, como o feiticeiro Merlim (a mãe de Guésar
de Lingue era naga, ou seja, serpente).

PANDORA

147
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Ao ampliar o círculo de prospecção se encontraria uma analogia entre a cidade
de Luz e Pandora, Eva e Lilite da mitologia grega.
No tempo de Cronos os deuses e os homens celebravam festejo em comum.
Zeus Olímpico pretendeu impor sua supremacia aos homens e determinar a
parte que correspondia aos deuses na ocasião dos sacrifícios.
Encarregado da partilha Prometeu escondeu os melhores bocados num couro de
boi e os ossos sob uma capa de gordura que escolheu Zeus quem, furioso,
retirou aos homens o fogo inextinguível.
Então Prometeu foi à ilha de Lemnos, onde estavam as forjas de Hefesto, furtou
uma centelha do fogo divino, a escondeu num junco e a deu aos homens.
Zeus, irritado com essa segunda ofensa, enviou ao astuto ladrão um presente
envenenado: A formosa Pandora, modelada por Hefestos, o sublime artesão,
dotada de vida por Minerva e de todas perfeição pelos outros deuses.
Pandora portava como dote um recipiente misterioso, hermeticamente fechado
que, de fato, continha todos os males que deviam afetar a humanidade.
O amo do Olimpo esperava que Prometeu desposaria essa criatura de sonho
mas o herói desconfiou e foi seu irmão, Epimeteu, quem a tomou por esposa.
Pandora, por curiosidade, levantou a tampa do recipiente, deixando assim
escapar e se espalhar pela Terra os cataclismos e as calamidades.
Somente a esperança permaneceu detida sobre as bordas e não levantou vôo.
Foi assim que, depois da Idade Áurea e o paraíso terreno, a desgraça, com a
mulher supremamente bela, apareceu entre os homens.
Sempre furioso, Zeus desencadeou um dilúvio (chamado de Deucalião) pra
aniquilar a humanidade mas, uma vez mais, Prometeu desbaratou o plano do
deus convidando seu filho Deucalião e a sua nora Pirra a construir uma arca pra
sobreviver à inundação.
Num certo sentido se pode pensar que Pandora é uma Melusina.
Veio ela dum Outra Parte diviso, não franqueia a saída pela porta plebéia, senão
que é atirada por cima das muralhas da cidade de Luz e fica privada dessa
memória acáchica, segundo Rudolf Steiner, que representa a estrela do recém-
nascido.
Sem dúvida, inconscientemente (embora se a tenha acreditado pérfida), abriu o
recipiente e obedeceu às ordenes programadas no Outra Parte divino.
Se produz uma espécie de transferência dum mundo ao outro, o Outra Parte
eliminando seus resíduos psíquicos ao os projetar por cima de suas muralhas.
A Idade Áurea, se existiu, talvez não pôde subsistir mais que mediante essa
operação de limpeza e de eliminação que lembra, de modo estranho, a dos
barris de dejeto radiativo dos quais nossa civilização quer se livrar pra continuar
vivendo.

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Capítulo XIV
O FEITICEIRO DA CIDADE DE LUZ

Segundo um conto núbio recopilado por Leo Frobenius


O velho do deserto disse
Se compreenderes este conto sonharás muito
Se o imaginares já estarás no Paraíso
O Senhor que está em mim saúda ao Senhor que está em ti.
Essa história é verdadeira porque foi narrada pelo Velho do deserto, que a ouviu
da voz das pedras que antanho falavam.
Naquele tempo muito antigo, quiçá antes, quiçá depois do dilúvio que lavou a
Terra de suas manchas, os deuses habitavam o céu, o fogo, a água e o grande
betilo que, agora, jaz no fundo do lago do país de Kuch.
Mas naquele tempo tão remoto o betilo era branco como a alma e o seio duma
virgem. Marcava o centro da cidade de Luz e se dizia que sua pedra aurora e a
cidade haviam baixado do céu vivas, com os habitantes, o Templo, as casas, o
lago, os prados e os bosques.
E com as muralhas, cuja altura ultrapassava os poderosas picos que rodeavam
o vale.
Umas muralhas altas, largas, pesadas e espessas, sem porta nem janela, sem
abertura pela que pudesse passar o menor rato, até o ponto onde ninguém
podia entrar nem sair do reino de Luz.
Porque alguns disseram que Luz era mais um reino que uma cidade, cujas
muralhas sem abertura encerravam uma espécie de paraíso onde os habitantes
não conheciam a velhice, nem a doença nem a morte, salvo se desejassem, se
precipitando das muralhas ao sombrio abismo sem fundo, como o mar, do
universo exterior.
A água pura procedente duma torrente que descia da montanha entrava e saía
subterraneamente da cidade pra preservar o isolamento sagrado.
As árvores proporcionavam frutos deliciosos e um maná mais excelente ainda.
Os pastos herbários e gordurosos nutriam um formoso gado, as plantações
produziam o melhor trigo, as mais bonitas cevadas e no bosque cresciam o
terebinto, o ébano e a bosuélia26 que dá o incenso macho, agradável à
divindade.
Aparentemente os habitantes dessa cidade fora do tempo viviam perfeitamente
felizes e sem preocupação, amparados pelas assombrosas muralhas e pela
eternidade do Bom Deus.
Todos, exceto um: O rei, cujo reino nunca excedia das dez a quinze rondas do
grande sol, às vezes um pouco menos, às vezes um pouco mais.
O Rei era o único ser mortal da cidade de Luz e seu destino estava fixado pela
marcha dos astros.
Quando haviam anunciado o fim do reinado, com respeito mas inexoravelmente,
o soberano era conduzido à Muralha ocidental e se atirava ao universo onde
morria.
Os sete sacerdotes do templo velavam pela estrita aplicação do rito.

26 Boswelia serrata
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Em cada noite, desde que se levantava a Vênus vesperal, tinham a missão
sagrada de seguir as disposições das estrelas e seu curso no céu.
Certa conjunção que se produzia com a Lua era a sinal infalível de que o Rei
devia morrer.
Mas pra seguir a vagabundagem das estrelas era necessário estar muito atento
e os sacerdotes jamais as perdiam de vista, nem um instante, porque se
falhassem perderiam a ordenagem da configuração e não poderiam se
reorientar.
De fato, os sacerdotes constituíam um corpo religioso tão poderoso, senão mais,
que o poder real.
Assim, à imagem do cosmo, Luz tinha a sua cabeça uma trindade a cujo cargo
estava sua vida física e psíquica:
— O Rei, eleito por Deus.
— Os sete Sacerdotes dedicados à observação cósmica e à manutenção do
Grande Fogo sagrado que ardia sobre uma alta colina.
— E a Donzela do Labirinto, aura da cidade, representativa de sua pureza, de sua
imperecibilidade, símbolo também de sua perenidade.
Desde tempos imemoriais seu papel consistia, a cada noite, em esparramar o
leite da Vaca sagrada ao redor do menir branco, o betilo, que se elevava entre o
Grande Fogo e a entrada do Templo.
Então a pedra divina falava ou emitia sons melodiosos que os sacerdotes
interpretavam como uma linguagem, aprovação ou reprimenda, segundo as
notas serem graves ou agudas.
Tão verdade como Deus é Deus e que o espírito é seu profeta, naquele tempo
muito antigo os deuses falavam pela pedra, pelas estrelas, pela boca dos
sacerdotes e pela graça da Donzela do Labirinto que vertia o leite sagrado em
torno do betilo imaculado.
A Donzela ia sempre velada, porque ninguém devia ver seu rosto, e um
unicórnio vivia em sua companhia.
Tinham seu retiro no fundo do Labirinto, espécie de bosque de coluna,
constelado de clareira, que constituía um verdadeiro Dédalo onde somente a
Donzela sabia se orientar. Quer dizer que pra chegar a seu santuário, a sua
câmara secreta, era necessário atravessar o bosque de coluna, tão vasto que
quando se franquearam os primeiros troncos, contornado as primeiras colunas,
dando a volta a outras, já não se sabia aonde se dirigir.
No centro do palácio estava o Divã de Opala, grande sala circular ricamente
decorada de tapete, de tapeçaria, de sofá e de escabelo onde o Rei gostava de
receber seus amigos e os narradores do povo, porque na cidade tão cerrada, tão
separada dos outros mundos, o conto era a diversão mais apreciada e mais
necessária pra fazer esquecer a clausura dourada.
O Rei vivia, pois, repleto mas pensando que, inevitavelmente, um dia os
sacerdotes viriam lhe dizer:
— Vimos os sinais no céu e o betilo falou. Tens de morrer!
E sabia que naquele dia se imolaria a Vaca sagrada, se apagariam os fogos do
Templo, salvo aquele que ardia no alto da colina, o Grande Fogo que nunca
devia se apagar.

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Sabia que todos os habitantes de Luz alagariam as brasas no lar, cerrariam as
portas, ocultariam as janelas. Os homens cortariam a barba e as mulheres
fariam oferenda da cabeleira.
Então teria chegado o momento pra ele de ir à outra vida que se conhecia, que
se havia descrito: Uma vida que transcorria num reino subterrâneo, num país
todo verde onde o Rei seria rei e seguiria reinando eternamente.
Mas, de fato, ninguém voltara de lá pra dizer se era verdade! Em resumo, o Rei
tinha medo.
Um dia chegou uma estranha notícia: Sobre o lago dos jardins, procedente do
céu, pousara uma espécie de pássaro grande que pôs um ovo ao mesmo tempo
casca e berço.
O pássaro levantou o vôo e a casca-berço ficou encalhada sobre a ribeira do
lago.
Quando foi aberta, se viu, dentro um menininho que levava na frente uma
mancha clara em forma de estrela.
Então avisaram aos sacerdotes e ao Rei.
Os sacerdotes haviam decidido imediatamente que aquele menino vindo doutra
parte não podia senão perturbar a vida da cidade, que era um indesejável e que
devia morrer.
— Luz somente pode perdurar — afirmavam — se a Lei é estritamente observada!
As estrelas, as montanhas, os bosques e os animais obedecem a essa lei e
assim tudo vai bem.
Todos aqueles que estavam presentes, foram então testemunhas dum feito
extraordinário: O menino, muito pequeno, tinha, no entanto, um dom
prodigioso: Falava como uma pessoa maior e se dirigindo ao Rei, disse:
— Équidnos é meu nome e acabei de nascer neste mundo. Teus sacerdotes são
cruéis. Por que queres que eu morra?
— Porque é a Lei. Aqui, ninguém deve entrar, ninguém deve sair, senão pra
morrer. Ademais, o destino que te reservamos será logo o meu, quiçá amanhã.
O menino replicou em voz muito baixa pra que ao redor não pudessem ouvir:
— Ó, Rei, sei que tua hora nem a minha chegaram. Enquanto eu estiver em tua
cidade nada terás a temer por tua vida.
O Rei estava assombrado ante este discurso procedente duma criaturinha que, a
princípio, não deveria falar.
Tudo o que o céu decretava, tudo o que o betilo decidia, era anunciado pelos
sacerdotes, mas o acontecimento tivera lugar em dia, e as configurações
celestes não puderam pronunciar algum tipo de veredito e a pedra sagrada não
foi consultada.
Um mensageiro viera do céu, convinha lhe fazer honra e o receber com nobre
hospitalidade!
Ficou, finalmente, convencionado que se deixaria o menino viver e que seria
julgado mais tarde.
Équidnos cresceu, cresceu tão bem que ao cabo dalguns dias, dalgumas
semanas, as tradições não são rigorosas neste sentido, se converteu num
garoto, depois num adolescente e, finalmente, num homem muito belo, com
cabelo louro, olhos azuis e um dom de palavra sem cessar mais prodigioso.
Falava, e tudo o que dizia era como uma linguagem divina.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Tudo o que contava era tão apaixonante que o povo parava e não podia ir
embora, não podiam evitar o escutar.
O Rei estava subjugado mais que todo mundo e chegava a esquecer que, um
dia, os Sacerdotes viriam a lhe anunciar a data de seu óbito.
Équidnos sabia muito sobre o porvir e tudo do passado, desde os tempos
originais que dizia ser uma luz deslumbrante, até o tempo dos primeiros
homens e das primeiras cidades.
Por causa desse dom o Rei o queria e ia a escutar cada noite, no Divã de Opala,
as histórias cativantes que se situavam em épocas e em lugares dos quais não
se tinha idéia em Luz.
Escutava, escutava e dormia com um estranho sonho já que, dormindo,
continuava ouvindo o narrador e sonhava com aventuras que excitavam seu
prazer, surpresa e admiração.
Despertava na aurora mas esperava a noite com impaciência porque Équidnos
era o narrador maravilhoso do qual já não podia prescindir. Era como o ópio,
como o haxixe.
Todo mundo em Luz esteve logo a par do acontecimento e se intrigava pra
conseguir o favor de sonhar um conto no Divã de Opala.
Desde que Équidnos falava, era, pra quem escutava, como os primeiros tragos
de haxixe um doce bem-estar e as coisas em torno ficavam enfumaçadas em
imagens embaçadas.
Équidnos seguia falando e quem escutava era como o fumante que, depois de
dez pipas de haxixe de ópio perde a noção da realidade mas pode viver
intensamente o que lhe contam.
E logo, como ao fumar trinta pipas de haxixe, era o êxtase, o embevecimento.
A Corte, os convidados, os servidores, todos escutavam, entendiam,
compreendiam e viviam os contos. Participavam, se convertiam em heróis num
grande sonho desperto. Porque de fato, dormiam muito depressa.
A fama de Équidnos era tão grande que irradiava fora do Divã, como as ondas
da água em torno do salto do peixe, como as ondas do céu em torno do trovão,
tanto era assim que através do bosque do Labirinto chegou ao santuário da
Donzela do Unicórnio...
Como um estremecimento de asas, como um convite, chamado e atração de
ímã.
E, numa noite, o que devia acontecer aconteceu: A Donzela acudiu ao Divã de
Opala.
Naquela noite Équidnos esteve mais prodigioso, mais assombroso, mais
mirífico, mais encantador que nunca.
A estrela de ouro de sua fronte cintilava como a primeira estrela que desperta no
despontar da noite.
Contou histórias dos mares longínquos, de amor e de jardins onde chovem
pétalas de rosa e de amendoeira, onde fontes de água sussurram em ilhas
perfumadas de ilanguilã,27 onde dançam princesas de sonho e jovens deuses de
rosto resplandecente.

27 Nome científico: Cananga odorata. Nome popular: ylang-ylang (ilanguilã), perfum tree, árvore-do-
perfume. Origem: Ilhas Comoro, Malásia, Indonésia e Madagascar. Família: Anonácea.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
E quando falava ocorria que suas palavras mais fascinantes, após vibrar no ar,
se materializavam em flores ou em pedras preciosas cambiantes que caíam
como uma fina chuva no Divã de opala.
E todo mundo ficava alienado de embevecimento como o fumante de ópio ou de
haxixe. E logo todos dormiam.
Todo mundo, exceto Équidnos, todo mundo exceto a Donzela que devorava com
os olhos o narrador. E o narrador devorava da Donzela aquilo que podia ver.
Via muito pouco dela porque, era a Lei, a jovem estava velada e seus véus caíam
até seus tornozelos e os pés da Donzela eram a única parte de sua carne que se
deixava conhecer.
E, na verdade, eram maravilhas da criação, amassados em mel de abelha
alimentada com néctar de acácia, cinzelados como jóias espanholas, pequenos,
delgados, empenados, com dedos largos e finos, de unhas carmesins como
pétalas de rosa.
E, numa noite, quando narrava os olhando com amor, a Donzela perguntara, em
voz muito baixa pra não perturbar os dormentes:
— Por que olhas meus pés?
— Porque, depois do próprio Deus, expresso na criação, são as coisas mais
perfeitas que pode contemplar um olho humano. É também a única coisa
adoravelmente terrena que conheço de ti. És bela, imagino, tenho certeza, mas
teus olhos, boca, cabelo, tudo o que és, pertence ao sagrado, ao inacessível.
Somente te une à Terra o que vejo que te leva e faz dançar teu corpo: Teus pés
miúdos que são tu e tua realidade terrena sem tabu. A quem é permitido adorar.
E enquanto dizia isso Équidnos viu que a Donzela levantava suavemente seus
véus.
Procedente do longínquo confim do Labirinto o bramido furioso do Unicórnio
repercutiu no bosque de coluna, mas ele nem ela prestaram atenção.
Se embriagava a imaginando inteira. Ela o olhava intensamente, o comendo com
os olhos. Em fim ela murmurou:
— Saberás que meu nome é Iona. Tudo o que dizes é, pra mim, cântico de
abelha, de primavera e música celestial. É necessário que sigas falando porque
estou enamorada de ti.
Deixou cair os véus quanto despontou a aurora e partiu ao labirinto onde sabia
se orientar muito bem, sem se extraviar.
O Rei despertou e disse:
— É dia. Urge. É tarde! É tempo de cumprir nossa missão.
E todo mundo despertou.
Todos ficaram atônitos ao ver o solo recoberto de pedras preciosas e todos
partiram até sua ocupação mas ninguém viu nem ouviu o que foi dito entre
Équidnos e a Donzela.
Desde então, todas as noites, depois do dever de seu cargo do betilo, a Donzela
acudiu ao Divã de Opala pra escutar ao narrador.
E a cada noite, também, ela suspendia um pouco mais o véu e era a
recompensa de Équidnos, mas nunca se desvelou totalmente.
Seu mútuo amor se reforçava, se exaltava dia a dia, noite a noite, conto a conto.
A estrela na frente de Équidnos se fazia cada vez mais luminosa, e palpitava
como um coração.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
De fato, era o próprio mistério de sua natureza donde extraía, como duma mina
inesgotável, a suntuosa matéria de sua narrativa. A beleza de Iona acrescentava
as grinaldas de sua magia.
No entanto ambos sentiam uma surda angústia ante o pensamento de que,
um dia, fatalmente, quando o Rei morresse, seu idílio terminaria.
— Os sacerdotes viram os sinais no céu? — Perguntava Équidnos com
freqüência.
— Não! Prosseguem com suas observações. Nenhuma sinal há aparecido, ainda,
e o betilo canta grave e doce.
— Então, não há que esperar mais tempo pra salvar nosso amor e salvar ao Rei.
Sabes que, por nossa culpa, Luz está condenada a desaparecer?
— Me o figuro. — Suspirou Iona.
— Sabes que, além das muralhas, se estende um reino sem fronteira e onde se
vive o tempo suficiente pra amar sem temor e realizar os contos que eu relato,
pela noite, no Divã de Opala? E é tão maravilhoso viver os contos, incluso se ao
final, longínquo, te asseguro, devemos sumir no nada ou prosseguir a aventura
humana no outro mundo sob a terra. E, ademais, não temos escolha.
Équidnos lhe colheu ternamente as mãos e, descendo a voz pra ser ouvido só
por ela, expôs minuciosamente seu plano.
No dia seguinte, após efetuar a oferenda do leite em torno ao betilo, a Donzela
se dirigiu aonde estavam os sacerdotes e lhes disse:
— Sois os Vigilantes, olhais as estrelas e sabeis muito porque lereis no grande
livro do Céu que é a mais bela criação dos deuses.
Os sacerdotes responderam:
— É a coisa mais bela que os deuses fizeram. O Céu e o betilo nos ensinam
tudo.
— Não. Não tudo! — Disse Iona — Équidnos revela segredos que deveríeis
conhecer.
— És sacrílega! — Disseram os sacerdotes — Um narrador não pode dizer mais
que os deuses que fizeram os homens, as mulheres, a Natureza, o universo e o
Céu.
— Équidnos é um enviado do céu. Quando fala, pela graça do Céu, suas
palavras se convertem em música, flor ou pedra preciosa. Deveríeis lhe escutar.
— És sacrílega! — Repetiram de novo os sacerdotes.
Mas Iona se obstinou:
— Falais de modo pouco sensato. Quem não escutou não tem o direito de se
pronunciar. Não podeis saber se Équidnos é um enviado de Deus e deveis
esclarecer esse ponto!
Advogou tão bem a causa secreta que trouxera ao Templo que, finalmente, os
sacerdotes, vacilantes, acederam a sua petição:
— Pois bem, assim seja. Escutaremos o narrador e responderemos a sua
pergunta.
O que foi dito foi feito: Na noite os sete sacerdotes do Templo, numa decisão
totalmente excepcional, foram a se misturar aos ouvintes do Divã de Opala.
Équidnos disse coisas tão maravilhosas como de costume, e desde os primeiros
instantes, o Rei, os assistentes, os sacerdotes, os servidores, se sentiram

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
invadidos por um profundo bem-estar que lhes penetrava como a fumaça de
ópio das primeiras pipas.
Cada um continha seu alento, as serventes deixavam de servir e as aves
noturnas suspendiam seus trinos nos jardins.
E as palavras de Équidnos, quando se exaltava, se convertiam em chuva de
esmeralda e rubi. Falava do que fora e do que seria mais tarde, de cavalgadas
nos bosques perigosos, dum maravilhoso jarro adornado que era necessário
buscar, de muros que, repentinamente, se entreabriam pra deixar penetrar a
universos fabulosos. Contava as façanhas épicas de cavaleiros que eram
formosos, bravos, leais, que se sacrificavam pelo mundo ou por uma dama mas
que, também, buscavam querela pela beleza dum bom morrer.
Jamais se havia escutado algo parecido na cidade de Luz e, por outro lado,
essas aventuras e proezas não haviam, ainda, sucedido e existiam somente em
traços pontilhados nos arcanos do futuro.
O Rei, cortesãos, sacerdotes, convidados, serventes, escutavam num estado
segundo, como se acha o fumante à décima pipa de ópio.
Équidnos continuava contando. Falava da fada dum lago, de reinos submersos
nos oceanos, enterrados em montanhas, e resultava, a cada vez, mais
encantador, mais embriagador àqueles que escutavam e que, rapidamente, se
encontravam como o fumante à vigésima pipa.
E todos dormiam e sonhavam o conto.
No dia seguinte os sacerdotes se interrogaram:
— Que resposta vamos dar à Donzela?
— Ah! — Disse um deles — Talvez não escutamos o bastante. É difícil se
pronunciar. Certamente, esse narrador é excelente e nos faz penetrar num
universo estranho. Mas que seja um enviado de Deus, como pretende a
Donzela, é duvidoso!
— Seria necessário o escutar uma segunda vez! — Sugeriu outro sacerdote.
E na noite regressaram todos ao Divã.
Depois, voltaram em terceira vez, quarta vez, sétima vez e, finalmente,
conquistados e subjugados, enfeitiçados como o Rei, convidados, serventes,
todo mundo, apenas caía a noite, desde que aparecia no poente a luz verde de
Vênus esqueciam sua missão e iam ao Divã de Opala pra ouvir Équidnos e suas
palavras mágicas que viravam ouro e pedras preciosas e faziam nascer no
espaço flores e arabescos, cores e mundos fluidos, reinos e mulheres oníricas.
Mas, nesse momento, já não espreitavam o céu nem Iona ia interpretar a
palavra do deus que habitava o betilo.
Passaram as noites e as semanas com a rapidez silenciosa das horas nas
nuvens dos dias felizes.
Um dia, ao se encontrar com os sacerdotes, Iona lhes perguntou:
— Então o que pensais, agora, de Équidnos?
O Grande Sacerdote replicou:
— É um narrador prodigioso, uma grande maravilha que o Céu nos enviou, mas
uma maravilha satânica, maravilhosamente abominável. Sabes que desde sua
chegada ao Reino a colheita é menos abundante, que as vacas dão menos leite,
que se viu perecer árvores e alguns não mais dão frutos nem maná?
— Sim, sei. — Disse tristemente a Donzela.
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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— É um mal presságio prà cidade. Sabes também que perdemos o fio do Céu e
que o betilo sagrado já não deixa ouvir suas palavras? Équidnos conta tão
excelentemente que não miramos as estrelas há mais de trinta luas e agora
estamos perdidos em nosso estudo da configuração. Já nos é impossível nos
orientar e nunca saberemos quando deverá morrer o Rei. Os maus sinais
abundam e não podem ser conjurados, a menos que restabeleçamos a Lei e
condenemos a morte ao Estrangeiro. Cometemos uma grave falta. E tu o mesmo
que nós.
Os sacerdotes participaram ao Rei sua decisão.
O Rei perguntou:
— Não sabeis, então, quando acabará meu reinado?
— Não! — Confessaram os sacerdotes, muito contritos. — Já não sabemos!
O Rei se regozijou muito ante essa resposta. Mas lhe agradou menos saber que
Équidnos devia morrer, porque queria isso sinceramente e já não podia
prescindir dele.
Já não podia prescindir dele do mesmo modo como já não se pode prescindir do
ópio ou do haxixe quando se ficou impregnado por seu eflúvio.
Como, tampouco, o cão pode prescindir do homem, o rio do vale, o homem se
privar do prazer que dá a mulher, o fumante do tabaco, o coração do amor, a
abelha da rosa e a rosa da abelha.
Como, tampouco, o dormente pode prescindir do sonho, já que o sonho é
inerente ao homem mais que sua própria sombra quando faz sol.
No entanto era necessário obedecer à ordem dos sacerdotes que falavam em
nome dos deuses.
Então, com o coração dolorido, o Rei assentiu.
— Será feito segundo vosso desejo. Dentro de três dias, na mudança lunar, o
Estrangeiro será conduzido à Grande Muralha Ocidental e precipitado ao mundo
da morte.
Quando soube disso, Équidnos se limitou a responder:
— Te prometi longa vida, ó Rei, e eis cumprida minha palavra. Pra minha vida
será o que está escrito nas estrelas.
Anunciou a notícia à Donzela quando ela acudiu ao betilo pro rito da noite.
— É cruel e injusto! — Exclamou ela com veemência.
— Não tanto. — Disse Équidnos — Acaso não urdimos uma conspiração pra
salvar nosso amor e a vida do Rei? Se os sacerdotes faltaram a seu dever, se a
Pedra Sagrada já não fala, não sou o primeiro culpado?
Houve entre ambos um grande silêncio que deixava adivinhar a confusão de seu
pensamento, o que acontecia a Iona.
— Devo me submeter à decisão do destino. — Disse, finalmente, Équidnos —
Mas é triste, quando se ama, morrer sem ter conhecido e visto a Donzela de seu
pensamento e de seu coração. Amada minha, se logo devo partir ao reino
subterrâneo, desejaria que fosse com tua imagem pra que ilumine minha noite
eterna. Não me deixarás te ver inteira antes que eu morra?
— Nesta noite... — Respondeu ela.
Um pouco antes do aurora, enquanto os dormentes, salvo os dois enamorados,
viviam seus sonhos, perdidos em oceanos de néctar, Iona fez uma sinal e ele a

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
seguiu. Ela penetrou no Labirinto enrolando um largo fio de seda que marcava o
caminho pro regresso de Équidnos.
O Unicórnio esperava num clareira, furioso e encantado ao mesmo tempo.
— Meu doce guardião. — Murmurou a Donzela — Sinto uma grande pena por te
decepcionar, mas o amor é mais forte que a razão e te rogo me perdoes.
O amansou com ternas palavras, acariciou largamente o corno de cristal e, a
força de mimo, o apaziguou tanto e tão bem que o formoso animal acabou
adormecendo.
— Venhas! — Disse ela a Équidnos.
Se orientava ela entre as colunas como a abelha ao regresso à colméia e seus
pés maravilhosos pareciam interpretar uma sinfonia dançada sobre os
alouçados de mármore e ônix.
E Équidnos penetrou no refúgio íntimo da Donzela como se poderia penetrar no
interior duma jóia, duma pérola ou duma esmeralda. Talvez no interior duma
estrela!
Mas, quem penetrou no interior duma estrela?
Olhava em torno dele, deslumbrado.
Quando voltou a cabeça até Iona, ela deixara cair completamente seus véus.
Somente seus pés maravilhosos estavam ocultos e ela parecia irreal, etérea,
luminosa, fora do espaço-tempo e fora da beleza terrena e divina.
Ele gemeu com êxtase, com inefável felicidade.
Então, lentamente, como jóias tiradas dum estojo, ela se libertou totalmente da
prisão dos véus.
Avançou um passo até ele, verdade sublime, luz material. E como seus pés a
uniam à terra, como abandonava sua leveza, sua luz mudou e Équidnos
compreendeu que ela saía de sua inacessível cidade de Luz, que rompia todas
as muralhas, todos os tabus pra se converter, voluntariamente, em carnal
criatura terrena apta pra amassar e interpenetrar carne humana.
E ela estava ali, ante ele, menina-moça enamorada, arrebatada, aberta como
uma romã muito madura ao sol.
Quem estivesse no Labirinto poderia ouvir os tristes gemidos, tristes até
encolher a alma, do Unicórnio...
Aquilo havia sucedido assim e a estrela havia depositado sua luz, radiação e
imperecibilidade entre os braços do Encantador e do narrador de imaginação
dourada.
Aquele dia devia ser marcado com pedra negra.
Para começar: O Sol se levantou tarde sobre a montanha desde a qual se
elevavam nuvens de vapor sulfuroso.
Em primeira vez na história da cidade se escutou rugir o trovão e relâmpagos
rasgaram as nuvens.
Camponeses disseram que o rio crescia e ameaçava transbordar nos prados. Por
último, se viu com terror como o betilo perdia, pouco a pouco, a cor albina e
enegrecia como pão deixado muito tempo no forno.
Perplexos, os sacerdotes não abandonavam o Templo e se desmanchavam em
oração.
No meio-dia alguém anunciou que se ter presenciado um prodígio incrível.

157
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Bramando de dor ou de ira, não se sabia bem, o Unicórnio saíra do Palácio, dera
três vezes a volta ao Grande Fogo Sagrado, e, com um salto prodigioso se
elevou ao ar, acima das muralhas que franqueou.
E depois se perdeu no horizonte de montanha e céu.
Isso era o que várias pessoas viram e do qual se declaravam convictas.
— É uma grande desgraça. — Gemeram os sacerdotes.
— Se o Unicórnio fugiu e o betilo ficou negro é porque a Donzela do Labirinto
faltou a seus votos. Équidnos a desviou e ambos ameaçam a segurança de
todos.
— Pecaram juntos. Devem perecer juntos.
— Nesta mesma noite. — Acordaram.
O Rei se viu obrigado a se render ante tão justas razões e comunicou ao
narrador a funesta sentença.
Équidnos não pareceu perturbado já que tinha seu plano. Apenas disse ao Rei:
— Não obstante. Rei, reclamo um favor e não me deves negar: Em minha última
noite de vida quero falar na grande praça pública de Luz pra que todo mundo
possa me ouvir. E depois me conduzirão à Grande Muralha Ocidental em
companhia da Donzela.
O Rei, muito triste, assentiu e disse:
— Quero que tudo seja feito como desejas.
Por conseguinte, chegado a noite, o povo foi convocado e Équidnos chegou ao
centro da praça sobre um estrado. O rei estava sob seu pálio, velado o rosto.
Iona estava junto ao Rei, também velada mas deixando assomar,
esplendidamente, seus pés maravilhosos pra que Équidnos ficasse por eles
inspirado, penetrado, subjugado, mais fertilmente inspirado e imaginativo.
E Équidnos, naquela noite, foi o Grande Mestre do Verbo. Disse coisas ainda
mais enfeitiçantes que de costume, mais novas e mais desconcertantes. Era
como uma braçada de margaridas primaveris acrescentada a um ramo veranil.
Suas palavras eram mais persuasivas que nunca, mais floridas, mais suntuosas
e se transmutavam em ofitas, essas pedras verdes que são o cérebro, a orelha e
a boca da terra.
Sim, naquela noite Équidnos se superou e foi sublime.
Disse os mistérios do mundo, do céu, de tudo o que os homens buscam saber e
compreender, de tudo aquilo ao qual aspiram e que atrai sua curiosidade.
Os segredos se revelaram como clamados pelos anjos dum apocalipse. E era
como se o Céu se entreabrisse pra desvelar as proibições e o rosto de Deus.
E o povo ria dormindo, se estremecia dormindo, aplaudia dormindo,
maravilhado, subjugado, extasiado e, ao mesmo tempo, confuso ante a imensa
honra e confiança que o Céu lhe testemunhava.
E a estrela de ouro brilhava mais que nunca, palpitava como um coração diante
de Équidnos.
Dizia mil milagres e falava de sete sábios que, pelo privilégio de sua virtude,
começavam a voar como pássaro no céu de Deus.
E seu Verbo era tão terrivelmente mágico que se estivesse desperto, o povo de
Luz poderia ver o Grande Sacerdote, depois outro, e logo um terceiro. E todos os
sacerdotes começando a voar como o Unicórnio, num só impulso, franquear as
altas muralhas e se perder entre as nuvens.
158
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Équidnos continuava como se nada passasse e contava em imagem tudo o que
no inconsciente coletivo, se tramava, se urdia, se concretizava havia dias e dias,
noites e noites, anos e anos.
E, com sua revelação, com a partida dos sacerdotes, Luz se convertia numa
cidade livre!
Livres as estrelas em sua vagabundagem, livre o Rei, livre o povo pra fixar seu
destino. Livre a Vaca Sagrada pra se reunir com a manada, livres os fogos pra
arder ou apagar.
Quando os dormentes despertaram se ouviu um largo suspiro de alívio ascender
da cidade como um grande vento e, como uma nuvem, esse alívio planou
suspenso encima dos palácios e das casas.
Por a magia do Verbo, o universo de Luz mudara e um novo dia despontava
sobre uma civilização nova.
Desse modo aquela coisa impossível se realizara: A vida se evadira de Luz e a
morte pôde penetrar nela, soubera franquear as altas muralhas da cidade.
No espaço dum sonho.
O que é certo é que o povo desperto, maravilhado, gritou subitamente:
— Abaixo os sacerdotes. Viva o rei!
E também o rei gritou:
— Abaixo os sacerdotes!
E era feliz, vencedor, porque sabia que agora ele nem Équidnos nem a Donzela
morreriam pela vontade dos representantes de Deus.
E a partir daquele dia tudo mudou em Luz.
Ninguém mais observou: As estrelas nem o betilo. Os camponeses semearam o
trigo a sua conveniência e toda a Natureza se libertou das leis estritas impostas
pelo céu.
Nunca mais os fogos dos lares foram apagados nem cerradas portas e janelas,
nem cortada a barba dos homens nem, tampouco, a cabeleira das mulheres.
Nada ficou oculto. E, posto que se havia chegado a todo ele, o Rei e seu povo
decidiram abrir uma porta na muralha da cidade.
Os habitantes atacaram vigorosamente, com pás e piquetas, a Grande Muralha
Ocidental pra perfurar o túnel que, atravessando a espessa base, desembocaria
sobre o reino exterior, aonde nenhum vivo chegara.
Depois de dias e dias, semanas e semanas, meses e meses de trabalho, a luz
do Reino Exterior brotou por uma brecha: Luz já não estava só em seu universo!
O Rei ordenou que se alargasse a fenda mas que ninguém traspassasse aquele
umbral. Tudo deveria ser feito em sua ocasião com grande cerimonial.
Inclusive ficou estabelecida a idéia de consultar os deuses mas ninguém
conhecia as fórmulas que os atraíam, a magia que os fazia aparecer e falar.
Se decidiu prescindir do auxilio do Céu.
Na verdade o Rei estava inquieto.
Já não tinha os sacerdotes pra consultar e, consciente de sua responsabilidade
real, se perguntava se não dimanaria um perigo pela violação dos tabus.
— Franquear a muralha sempre foi perigoso!
— É preciso que uma relha proíba a fuga ao reino desconhecido!
— É um projeto razoável. E guardarei a chave da porta infranqueável!
159
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
E o que foi pensado foi dito e o que foi dito foi feito: Uma relha monumental,
enorme, pesada, de barrotes de metal forjado foi cravada no meio do túnel e
guardiões vigiaram a entrada. Assim tudo pareceu voltar à ordem.
Exceto que a Vaca Sagrada freqüentava as manadas de touro, que o Templo
estava deserto, que as colheitas ficavam cada vez mais míseras, que o rio tão
rápido crescia desmesuradamente ou que se diminuía até se converter num
simples riacho e que o betilo estava mudo e negro como um asa de corvo.
Somente pôde explicar as coisas Équidnos, aquele ser milagroso que viera do
Céu numa grande esfera voadora, que nascera dum ovo flutuante sobre a água
do lago e que falava como um mestre escolar desde sua chegada ao mundo.
Mas Équidnos, que compreendia esses sinais precursores de catástrofe se
cuidava muito de desvelar seu pensamento, exceto a Iona, a quem disse um dia:
— Os presságios são cada vez mais sombrios e inquietantes. É preciso partir
nessa noite e buscar refúgio no reino de fora.
— Quero o que queiras, coração aberto e olhos cerrados! — Respondeu ela,
impetuosamente — Falas e creio em cada palavra tua.
Na noite, aproveitando o pesado sonho do Rei, Équidnos entrou na câmara e
com maestria e discrição furtou a chave de ouro do portão, que o soberano
conservava sempre pendurada no pescoço na ponta duma correntinha.
E depois, ambos, o Encantador e a Donzela empreenderam a fuga da cidade
dormente com seu sonho de eternidade, porque todo mundo tinha, ainda, o
privilégio da vida sem limite.
À entrada do túnel os guardiões vigiavam mas, mediante sua magia, Équidnos
os adormeceu num instante.
Então, os fugitivos penetraram no imenso passadiço e chegaram ao portão, que
não tiveram dificuldade em abrir com a chave de ouro.
No entanto a grade rangeu sobre suas dobradiças e creram perceber um
murmúrio de alarma que era, ao mesmo tempo, lamento.
Em sua excitação não fizeram caso e correram à saída e à vida do Reino da terra
prometida.
Adeus Luz, adeus Rei!
De mãos dadas, coração palpitante, franquearam a saída e ficaram quase
assombrados ao se ver vivos.
O ar do outro reino lhes pareceu mais ligeiro, mais puro, mais revigorante que
em Luz, mas, talvez, não era mais que uma impressão de liberdade.
Treparam na montanha que fechava o horizonte e de cujo cume podiam
contemplar a cidade de Luz.
Longínqua já, erguia suas altas muralhas e se divisava no vasto recinto o betilo
alto e negro, as pontas das pirâmides, os pináculos dos monumentos, os
telhados pontiagudos dos templos e as terraços das casas. E também a brecha
que violava o cinturão de muralhas.
E o rio que corria abaixo nas muralhas. Subitamente houve uma brusca
convulsão do solo. A montanha se estremeceu e tremeu como uma besta ferida
de morte.
Esmagada pelas muralhas que eram agitadas por forças internas, a brecha do
túnel voltou a se fechar, até o ponto em que a água do rio, que costumava

160
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
surgir da terra depois de passar sob as muralhas, cessou de emanar como se
um desprendimento bloqueasse o curso.
Équidnos e a Donzela olhavam aquele apocalipse. E não era mais que o princípio
do drama.
A água, detida em seu curso natural, começou a se concentrar na parte baixa da
cidade e, pouco a pouco, irresistivelmente, ascendeu às ruas e às casas,
submergiu as praças públicas, o templo, as pradarias. Ascendeu sem cessar e
formou um imenso lago que era retido pelas muralhas da cidade como vinho na
taça.
Com espanto os fugitivos assistiam o terrorífico espetáculo.
— Estamos perdidos. — Murmurou Iona — Tudo aconteceu por nossa culpa e é o
fim do mundo!
— Eu sabia. — Disse Équidnos — Mas o mundo que acaba em Luz começa onde
estamos.
O caldeirão gigantesco da cidade de Luz se enchia de água e logo transbordaria.
O Templo desapareceu e a água subiu até alcançar o Grande Fogo, até o
submergir.
Se pôs a ferver no gigantesco copo de pedra e brotou até o céu num penacho de
vapor ardente que, mais alto que a mais alta nuvem, se abriu em imenso
cogumelo.
Um relâmpago de calor e de luz ziguezagueou nas nuvens e estremeceu os dois
sobreviventes.
Se fez um silêncio de morte. E uma espantosa crepitação retumbou,
repercutindo mil vezes na montanha, e as altas muralhas arrebentadas caíram
nas cataratas, no maelstrom28 dum oceano furioso.
Transcorreu um tempo, longo, que parecia infinitamente longo e infinitamente
intenso.
Depois, novamente, um silêncio impressionante.
Lá, onde se elevava a maravilhosa cidade de Luz, havia um mar que buscava
seu leito, calmosamente, nas aberturas e as anfractuosidades da montanha.
Se diz, hoje, que Luz, convertida à cidade da Sombra, existe, ainda, na água
profunda dum lago rodeado de altas montanhas tendo em seu centro
geométrico um betilo enegrecido pela incredulidade e impiedade.
Onde?, exatamente. Pouca é a possibilidade de um dia saber!
Também se diz que seus habitantes conservaram a imortalidade mas que são
mortos-vivos.
Vivem mortos como antanho se continuava outra existência no reino
subterrâneo de Osíris.
E tudo aconteceu por um ser vindo doutra Parte, pelo ar. Um ser que, nascido
num ovo, havia, mediante a magia de seu verbo, aportado leis novas na
organização magistral dum reino.
Porque havia sacudido a ordem cósmica, separado o homem do divino e
introduzido o câncer na grande organização celular tradicional.

28Maelstrom ou Maelström. Forma usual de Malstrøm. Usa-se figurativo no sentido de turbilhão, voragem,
movimento vertiginoso de elementos incontroláveis. (Delta Larousse)
Ver nota no final do livro
161
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas quem poderia dizer se tal não havia sido a vontade dos deuses que naquele
tempo viviam sobre a Terra?
Équidnos e Iona baixaram ao vale do outro lado da montanha e nunca contaram
a alguém sua fantástica aventura que se converteu numa lembrança oculta no
mais profundo de seu coração.
Viveram assim toda uma vida humana e nunca tiveram filho, já que não eram do
mesmo sangue.
Ao envelhecer a pele de Équidnos ficou reluzente e a estrela de sua frente se
petrificava, se convertia em excrescência de pedra e, depois, em carbúnculo
brilhante como brasa.
Outros disseram que parecia uma esmeralda de centelhas fulgurantes.
Na hora da morte natural foi convertido em serpente e deslizou por uma fenda
da montanha.
Quando chegou a hora de Iona, se converteu numa flor de gerânio, essa planta
odorífera que gosta da borda das janelas pra escutar o que se diz nas casas.
Alguns asseguram que se metamorfoseou em concha marítima, a concha que
retém, difunde e diz as aventuras do mar e dos marítimos.
Gerânio ou concha? Ninguém saberá exatamente e essa história nunca seria
conhecida se o Velho do deserto não se houvesse empenhado em recolher as
pedras do País de Kuch: As ofitas verde escuro estriadas de veios amarelos que
sabem as coisas ocultas e as murmuram àqueles que têm ouvidos pra ouvir.
Mas é uma história verdadeira, tão verdadeira como Deus é Deus e que antanho
os deuses habitavam a pedra, a água e o grande betilo albino que ficou negro
pelos pecados dos homens.

Capítulo XV
NOTAS E COMENTÁRIOS SOBRE O CONTO

O feiticeiro da cidade de Luz é um conto iniciático no qual foram reunidos os


símbolos maiores, inclusive o Vaso (Graal) que representa a cidade das portas
cerradas.
A idéia dominante que pôde escapar ao profano mas não ao adepto, é a regra de
observância da vida cósmica.
Enquanto o homem está em comunhão com o universo, a evolução prossegue
segundo o ritmo de ouro.
Tudo se degrada, se deteriora e se dilui quando o homem, por orgulho, decide
determinar sua eleição e sair da Lei.
É bem verdade que essa Lei é dura, nem boa, nem má, mas rígida e necessária.
A fênix deve se queimar sobre a fogueira, o rei deve ser condenado a morte, os
touros devem ser imolados o mesmo como Deus deve se sacrificar
perpetuamente, como o Sol, pra se manter e manter a vida.
Enquanto foi observada a lei cósmica Luz perdurou.
E depois houve o pecado vindo do céu com uma história de Feiticeiro, mestre do
Verbo, quer dizer, da maia, da mentira.
Équidnos falou como falava a Serpente a Eva e a Adão.
Mas, não era necessário que viesse?
162
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O narrador e a Serpente não são mais que os instrumentos do destino.
Como poderiam resistir os homens aos encantamentos que são os agentes
destrutores da ordem, mas que encantam a imaginação?
Ao ser a vida eterna em Luz, cabe imaginar que o tempo tinha um valor
particular e que os seres se estabilizavam à idade de sua conveniência.
O mito é sempre mais antigo que o conto que o revela.
O mito é a memória dos sacerdotes. O conto é o sonho dos povos.
O sentido profundo dum mito não deve ser desvelado porque o véu de Ísis é o
vestido que esconde o tesouro, o conteúdo da cesta nos mistérios elêusicos.
Por isso mesmo, o vestido dum rei engendrado pelo sacro é um véu de Ísis. O
rei que está revestido com ele não é um homem: Se converte numa dignidade.
O que existe nele, é sua coroa, seu manto, seu cetro, seu trono. Seu rosto e sua
identidade importam tão pouco que, antanho, na alta Antigüidade egípcia, não
se devia representar seus rasgos: Somente devia existir como símbolo.
Desvelar o final dum mito seria, por conseguinte, uma incursão sacrílega nos
caminhos proibidos.
Nem tudo deve ser revelado:
— Seja porque tudo deve ser merecido e divulgado no tempo desejado.
— Seja porque determinados ritos sacrificais (o do rei, da vaca, no conto de Luz)
eram tão cruéis que os sacerdotes temiam os confiar aos ouvidos profanos.
O tempo chamado bárbaro era, na realidade, tempo cósmico e os ritos que se
reputavam cruéis eram naturalmente (por natureza) obrigatórios.*
Quando os sacerdotes, sensibilizados ao desvio sentimental, sobrepuseram o
ato pelo simulacro, foi o começo da perdição.
No entanto, está na ordem cósmica que o homem desobedeça.
Ademais, é necessário compreender que a maior parte dos sacrifícios deviam ser
simbólicos e não reais.
O Sol não se apaga a cada noite no grande mar ocidental. A fênix não se atira à
fogueira. O dragão não é morto pelo iniciado...
Quando o sagrado se apaga há caída do sacro no profano, no sacrilégio, e a
civilização se afunda.
O homem separado do cósmico se torna solitário, órfão, e então inventa deuses
pra se tranqüilizar.
A igreja cristã, que já não se preocupa por um sacrilégio mais ou menos, cogita
colocar a Páscoa numa data fixa do calendário.
É um atentado ao caráter cósmico dessa festa.
A Páscoa se situa ritualmente no domingo seguinte à lua cheia do equinócio da
primavera.

 Em nosso tempo a seleção de sanidade e de qualidade (idéia de raça superior, banco de esperma) que
deveria sobrepor à seleção natural que já não se observa, seria julgada bárbara e desumana: Supressão
das crianças inválidas, dos meninos-bolha, malformados, mongolóides, cegos. Supressão também dos
adultos preguiçosos, malfeitores, dos assassinos, dos incuráveis, etc. Nossa sensibilidade, os escrúpulos de
nossa consciência deteriorada, nossa covardia nos proíbem o que parece ser uma monstruosidade. Ao
contrário, acudimos em auxilio aos países super povoados, salvamos por alguns anos as crianças que
deveriam morrer de fome, lhes deixando somente o tempo justo antes de morrer pra procriar e aumentar
ainda mais o sofrimento e a indigência de sua nação. A lei cósmica supõe um deus inflexível, justo e não
um deus de amor.
163
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Há séculos se sabe que a Semana Santa é fria, hostil, com riscos de escarcha ou
de granizo. Os jardineiros sabem que o alho plantado na proximidade da Sexta-
feira Santa produz um bulbo com um só dente. Os caçadores, os pescadores, os
horticultores, sabem que nessa época muito concreta a caça e os peixes se
alimentam com tal ou qual planta, freqüentam tal ou qual lugar.
Esse acordo, esse labirinto em relação com as forças da Natureza constituem a
essência mesma do cósmico e fazem que a Páscoa o mesmo que 24 de junho
(São João), como o 23 de setembro, o 21 de dezembro (Natal) são grandes
festas cósmicas.
Se a Igreja persiste em seu desígnio de situar a Páscoa numa data fixa, então já
não haverá acordo com a Lua, com o gelo, com o frio, com Deus.
Os jardineiros, os horticultores, os pescadores, os caçadores, pra se orientar em
suas tarefas e seus costumes, já não poderão consultar o calendário cristão (que
será falso) e deverão se ater à Lua.
É dizer de novo: Diretamente a Deus.
A palavra Páscoa já nada significará, em absoluto, e a cristandade ficará
separada do cósmico.
De fato, já faz muito tempo que a ruptura se consumou!
No Feiticeiro da cidade de Luz, havia, ao princípio, uma relação magistral entre
as atividades humanas cotidianas e as da Natureza.
Essa harmonia tranqüilizava a multidão e lhe persuadia de sua posse do divino
cósmico, aos grandes ciclos, e tudo se voltava incrível e sem dúvida, possível:
Os milagres, a vida eterna, a levitação, o passo dentro do opaco, aos outros
mundos e aos outros universos.
Opinamos que o leitor estará interessado no fenômeno do nascimento duma
lenda.
Vimos (capítulo 1. Subtítulo: Quando Ys surgir Paris perecerá) que a cidade
submersa de Vinheta era eterna como Luz e que, a cada cem anos, ressurgia,
durante uma hora ou uma noite.
Do mesmo modo se pode expor, imaginar, inventar que a cidade de Luz deverá,
também, ressurgir em determinadas épocas ou em determinadas datas e
acrescentar que em tal ou qual lago de montanha se ouvirá, às vezes, tilintar os
sinos de seus templos.
Nas lendas e tradições sempre se dá o mesmo processo, com iguais ritos.
Não era necessário fazer esses comentários ao leitor antes de que lesse o conto.
O adepto os conhecia. O profano devia esperar.

APOCALIPSE

Capítulo XVI
CRÔNICA DOS TEMPOS ATUAIS E VINDOUROS

A civilização ocidental está em seu ocaso e se afunda, pavilhão arriado, num


oceano contaminado de vício, de egoísmo e de materialismo.
Uma autodestruição em toda regra.
O progresso não pode ser detido: Se detém por si mesmo.
164
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas o que sucede no mundo branco será também o destino das outras raças,
os amarelos e os negros que lhes sucederão.*
O que virá depois dos negros? Provavelmente outro ciclo, a continuação duma
pralaia,** se dermos crédito às profecias da Índia.

FENÔMENO DE REJEIÇÃO

As tradições e os escritos sagrados afirmam que Antepassados Superiores


conheceram nossas aventuras maravilhosas e terríveis.
Um imbecil disse um dia: «Somente acreditarei na bicicleta pré-histórica quando
vir uma».
Mas, quem viu Deus, sua própria inteligência, seu coração, Jesus cristo, Carlos
Magno. Quem viu um átomo, os quarques, os quasares?
Os esoteristas crêem num próximo fim do mundo ocidental (que não será o fim
do mundo, porque a ensino do passado revela a natureza do porvir).
Tudo começou com o roubo do fruto do labirinto no paraíso terreno.
A ciência não foi proibida, senão estigmatizada por Deus, e os homens, fazendo
caso omisso desse tabu, realizaram algo irremediável que, de fato, era fatal.
Não são responsáveis por isso já que foram programados pra ser sacrílegos.
No final de nosso tempo, a partir do século XVIII, um processo análogo se
desenvolveu no sentido Europa–Estados Unidos.
Foi como um fenômeno de rejeição que projetou fora do velho mundo
esclerosado células cancerosas que se desenvolveram, fora da moral e fora da
lei, sobre um território virgem.
Desde o início do século XX Estados Unidos esparramou no globo princípios
incontrolados, experimentos apressados e um novo modo de sociedade e de
vida que afogou o que o mundo antigo conservara de válido e de cósmico.
Se instaurou o materialismo e com ele o desenvolvimento desenfreado,
estúpido, da ciência e de seus corolários: A insatisfação, a cobiça, a violência e o
terror.
O rapto com seqüestro, as quadrilhas contrabandistas, os assaltos, as
máquinas caça-níquel, a droga, a bomba atômica, o movimento ripe, etc., e
finalmente a insegurança a todos os níveis tem acabado por desviar os homens
e os contaminar de morte.
Não é culpa dos ianques: Como Eva, como Adão, obedeceram aos impulsos
secretos de sua natureza.
Como protesto ante essa operação suicida, a Natureza manchada, destripada,
degradada, começa a reagir pra não permitir aos homens continuar agindo até a
destruição completa de seu planeta.
Por outra parte, os povos jovens se sublevam e repudiam a felicidade branca
como repudiariam a peste e a cólera.

UMA CIVILIZAÇÃO DE TÉRMITAS

 O coeficiente intelectual dos amarelos é muito superior ao dos brancos e dos negros. É, quiçá, uma razão
pra ter esperança?
 Pralaia: Termo indiano que significa destruição do universo.

165
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Por mais que se fale da evolução darviniana das espécies ou das crenças no
homem, criatura excepcional e privilegiada, não por isso deixa de ser menos
certo que o choque genético dinâmico do planeta sugere reflexões bastante
pessimistas.
Do clã primitivo que compreendia de trinta a cinqüenta indivíduos, a sociedade
humana passou à fase tribal: Cem a trezentos indivíduos, e à de nação: Milhares
ou milhões, e à saturação: Quatro mil milhões de homens e seis a oito mil
milhões dentro de vinte e cinco anos.
Se essa demografia galopante não for freada por cataclismos naturais ou por
genocídios organizados, a qualidade da vida terrena será logo inaceitável.
Então os homens deverão adotar um sistema social similar ao das formigas ou
as térmitas: A vida em vastas concentrações.
Essa visão do futuro, por espantosa que pareça, nada tem de inverossímil, e
semelhante sociedade poderia ser aceita por nossos descendentes se novas
filosofias condicionassem nesse sentido sua mentalidade.*

SOMOS TODOS CRIMINOSOS DO PECADO

Esse esquema resulta muito crível pelo fato de que encaixa perfeitamente com
os fatos vividos e o processo natural de equilíbrio que rege o capital genético
das espécies animais.
Não obstante, é prudente formular certa reserva, embora pareça se opor à lei
universal dos ciclos e ao bom sentido puro e simples: Se o homem se voltasse,
sensato, justo e bom, o final de sua civilização poderia ser notavelmente
atrasado.
Há alguns anos comitês científicos formularam a hipótese duma detenção
voluntária do progresso. Muito rapidamente assimilou a futilidade de
semelhante intenção que supunha não somente o fim da corrida nuclear, senão
também limitação de riqueza, de potência, por conseguinte de malignidade,
inaceitáveis tanto aos afortunados como aos reivindicadores incapazes.
Ademais, o sistema implicaria um estrito controle do nascimento, da vida, da
morte: Maltusianismo e eutanásia.
Sob esses sombrios auspícios a população do globo chegou em 1977 à cifra de
largos quatro bilhões de indivíduos, o que é altamente inquietante.
A fome reina. As riquezas naturais do solo se esgotam.
As facções políticas, religiosas, intelectuais, democráticas segregam cada vez
mais o veneno do egoísmo, da violência, da reivindicação de princípio, da
corrupção.

 A humanidade do século XX não parece tomar o caminho da recuperação. Segundo determinadas


estatísticas a potência de destruição do planeta seria de 15t de TNT por habitante, a caça do homem causa
estrago em diversas partes do mundo, no Alasca se matam selvagemente as crias de foca, na França
subsiste, todavia, a infame e bestial caça de montaria, herdada do tempo feudal. Por último, em plena
Paris, uma inteligêntsia deliqüescente aplaude a edificação na praça Beaubourg do mais vergonhoso
monumento de nossa história: O centro nacional de arte e de cultura Georges-Pompidou, obra-prima de
mau-gosto e agressividade.
166
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A insegurança ianque gangrena o mundo e se infiltra nas províncias mais sãs
das nações, e então, os homens começam a meditar acerca do fim do mundo e
os menos corrompidos tentam exames de consciência.
Mas quase todos são culpados, criminosos e condenados por antecipação.
Os que mataram, assassinaram, roubaram, violaram, seqüestraram, abusaram
são os menos culpados.*
Porque são os outros, aqueles que se crêem inocentes que, na realidade, são os
coveiros de nossa civilização, de nosso tempo:
— Aqueles que beberam demasiado e fizeram brindar a seus garotos.
— Aqueles, a multidão, que comeram demasiado e que, degenerando também, e
mais ainda, seu capital genético, sacrificaram seus filhos obsedados ou míopes
ou mongolóides ou deficientes mentais ou inválidos.
— Aqueles que perverteram a juventude lhes dando tudo em abundância, sem
restrição, sem esforço, sem preparação ao duro enfrentamento da vida.
(O mais criminoso dos homens é aquele que deu a seu garoto de dezesseis anos
a moto ou o carro com o qual sonhava mas que não merecia).
— Aqueles que oprimiram os trabalhadores e os que oprimiram os patrões.
— Aqueles que foram ricos egoístas.
— Aqueles que foram pobres tão impertinentes e abusivos como os afortunados.
— Aqueles que vendem arma e aqueles que a utilizam.
— Aqueles que são inteligentes e que aguçam seus neurônios com fins
satânicos.
— Aqueles que não são inteligentes e que vivem, bebem, comem, votam, falam
como se fossem inteligentes.
Em resumo, o globo terreno no século XX parece se assemelhar a uma granada
mal elaborada que qualquer incompetente pode fazer explodir.

SE PODE MATAR DUAS VEZES?

A França, pra citar um exemplo, é tão poderosa como URSS e Estados Unidos
juntos!
E sucede o mesmo com Inglaterra, Israel, Austrália e todos os países que
possuem a bomba atômica.
Porque, em definitivo, a situação se pode imaginar do modo seguinte: Duelistas
vão se metralhar a 3m de distância.
Um dos dois possui duas metralhadoras e o outro uma.
Qual dos dois tem mais possibilidade de matar o outro?
Ou também pode se apresentar assim: Dois homens são condenados a morte.

 Roubar, violar, seqüestrar, matar teu pai, tua mãe e teus vizinhos, exterminar milhões e milhões de
seres humanos são crimes, mas não pecados mortais prà humanidade que pode, facilmente, se recuperar
e suportar as piores sangrias. Beber vinho de alta gradação alcoólica, uísque, se empanturrar de foagrá,
de manteiga, de nata, de carne de porco e de caça, com freqüência passada, quer dizer, alterar sua saúde,
recarregar o pressuposto da Segurança Social, privar a sociedade dum elemento são e fatalmente, procriar
crianças diminuídas, inclusive tarados, que a comunidade sã deverá manter a título puramente oneroso, é
um crime inexpiável que destrui irreversivelmente o potencial vital da humanidade. O mais abominável dos
assassinos é menos criminoso que o bom homem obeso, albuminado ou ameaçado de infarto.
167
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A um cortarão a cabeça. Ao outro a cabeça, o tronco e as pernas.
Qual morrerá primeiro?
Com cega estupidez, ianques e russos (outros também) fabricam e armazenam
bombas atômicas que, em 1982, resulta difícil neutralizar, destruir ou evacuar
fora de nosso globo.*
Muito provavelmente, as bombas ianques jamais serão soltas sobre a Rússia e,
com a mesma probabilidade também, nunca as russas serão lançadas sobre as
cidades ianques.
Em troca, infalivelmente, os dejetos e resíduos radiativos poluirão nossa
atmosfera durante séculos e séculos.
Infalivelmente, também, algumas bombas explodirão e provocarão cataclismos
espantosos.
Porque isso já aconteceu. E várias vezes!

EXPLOSÕES ATÔMICAS EM EUA E EM URSS HÁ MILHARES DE ANOS

Já relatamos** que uns cataclismos de caráter aparentemente atômico


explicavam a criação do deserto ianque entre Califórnia e Nevada. No século XIX
o capitão ianque Ives William Walker escreveu: «Vestígios de erupções
vulcânicas, blocos carbonizados ou vitrificados, atestam a passagem nessa
região de uma terrível praga...
«Considerando esses tristes restos os índios são acometidos dum religioso
espanto mas nada sabem referente a sua história».
Quase nas antípodas, na Ásia, o deserto de Gobi apresenta também a aparência
duma região que foi devastada em tempos remotos por uma grande catástrofe.
Se trataria de explosões atômicas motivadas por uma guerra total entre os dois
supergrandes conjeturados daqueles tempos: A Atlântida e o continente de Mu?
Estamos tentados a crer assim, tanto mais que as tradições dos maias quichés
mencionam uma imensa migração dos antigos mexicanos então instalados no
atual Estados Unidos.
«Seguindo o conselho de seus sacerdotes, partiram até o Sul, fugindo do país da
morte.» (G. D. Universal-México.)
Curiosa coincidência: O deserto de Nevada é onde os ianques armazenam suas
bombas atômicas, e no deserto da Mongólia é onde os russos têm seu principal
depósito.
A Índia é, também, uma terra à que a praga nuclear teria devastado há alguns
milênios se damos crédito ao Ramaiana e ao Drona Parva.***
O fogo dessa arma (utilizada pelos heróis Rama) destruía as cidades produzindo
uma luz mais clara que 100.000 sóis. O vento, então, se levantava e o fogo da
 Os reatores de enriquecimento de La Haya, produzem mais plutônio que consomem. Se poderia fazer o
inverso pra eliminar esse produto perigoso. O mineral é tão radiativo como quando é tratado. Os dejetos,
com os quais não se sabe o que fazer, misturados a argila neutra poderiam ser integrados às minas nas
quais estavam na origem.
 O livro dos segredos traídos, editora Plaza & Janes. Primi-história, capítulo II: O mundo nasceu em

Estados Unidos.
 Histoire inconnu des hommes depuis 100.000 ans (História desconhecida dos homens desde 100.000

anos), de Robert Charroux, capítulo VII: Os extraterrenos vieram à Terra. Guerras atômicas na Índia,
página 176.
168
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
arma terrível queimava os elefantes, os soldados, os blindados e os cavalos sem
que o pudesse ver, já que era invisível.
«Esse fogo fazia cair a unha e o cabelo dos homens, branqueava a plumagem
dos pássaros, coloria de vermelho suas patas e as deixava torcidas. Pra conjurar
esse fogo os soldados corriam a se atirar nos rios pra se lavar e lavar tudo o que
deviam tocar..».
Se não se trata dos efeitos da radiação por explosão nuclear será necessário que
os irredutíveis racionalistas de todo matiz encontrem uma explicação satisfatória
a esse fenômeno cataclísmico!

EXPLOSÕES ATÔMICAS NOS MESMOS LUGARES, NO SÉCULO XX

Várias vezes, em Estados Unidos, durante esses últimos anos, bombas atômicas
estiveram a ponto de detonar. Se insinua, inclusive, que duas delas teriam
explodido em seu silo. Fugas radiativas em dez, vinte vezes, tem semeado o
pavor e a perturbação na vizinhança das feitorias nucleares.
O submarino atômico Trescher, em 10 de abril de 1963, afundou no litoral de
Nova Iorque. Não tinha, provavelmente, bombas A ou H a bordo. Em
compensação o Scorpion, que afundou mais tarde no Atlântico entre as Açores
e Estados Unidos, as continha, muito seguramente.
Com ocasião do sismo de Páscoa de 1964, o depósito ianque de bombas
atômicas de Fort Richardson em Ancoragem (Alasca) esteve a ponto de detonar,
ao caírem alguns pinos de segurança.
Os milagres não se reproduzem duas vezes!
Em 1964 anunciamos, em O livro dos segredos traídos,* que em fevereiro de
1958 uma ou várias bombas atômicas detonaram na URSS, na região do lago
Balcache, causando numerosos mortos e milhares de feridos, entre eles dois
generais russos.
Dois anos depois da catástrofe, em 9 de dezembro de 1960, após visitar os
lugares, o professor israelita Lev Tumerman deu detalhes mais concretos.
Na região de Kysthim havia centenas de quilômetros quadrados de terra
devastada: Casas derrubadas, abandonadas, campos ermos, nenhum ser
humano, nenhum animal...
O Governo proibira beber a água dos rios, se banhar neles, comer seu peixe.
A explosão se aconteceu numa feitoria de plutônio.
Há uns quinze anos os produtos agrícolas vendidos no mercado de Cheliabinsk
eram passados pelo contador gáiguer pra controlar contaminação radiativa.**
Em 25 de outubro de 1976, entre a ilha de Osmussar e a base militar soviética
de Paldiski, a nordeste da Estônia, uma explosão acidental teria causado vítimas
muito numerosas. Por suposto o estado soviético atirou um denso véu sobre o
assunto.
O sábio soviético dissidente Jaures Medvedev, atualmente refugiado na Grã-
Bretanha, assegura que aconteceram numerosas catástrofes nucleares na

Capítulo II: O Enigma do deserto de Gobi. Explosão atômica na Mongólia, etc.


Ver France-Soir do 10-XII-76. O extraordinário relato dum sábio israelita. Vi um desastre nuclear nos
Urais...
169
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Rússia desde 1950 mas dada a ditadura do segredo que impera em todos os
países comunistas, o mundo livre nunca soube.
As mesmas conjuras de silêncio se tem observado no Ocidente. Foram dois
meses depois do acidente quando se soube das fugas de matérias radiativas
que teriam sido feitas em setembro de 1973 (35 pessoas contaminadas) e em
outubro de 1976, na central de Windscale, na Inglaterra.
Quando se acrescenta à lista dessas catástrofes conhecidas as devidas ao
envenenamento pelas matérias químicas, se tem o direito de considerar com
apreensão o porvir do gênero humano.
No ano 1976 começou a Era apocalíptica, tanto no sentido real como no sentido
figurado, com a nuvem da morte de Seveso, na Itália, que causou dezenas de
vítimas segundo as informações oficiais, mas que ameaçou e contaminou, sem
dúvida, perto de 10.000 pessoas.*
Por último, ao quadro da morte que nos espreita, há de acrescentar os
inseticidas, os venenos alucinógenos e medicinais, os acidentes rodoviários, o
ruído gerador de loucura e a onda de atentados criminosos cuja moda, nascida
em Estados Unidos, é perfidamente divulgada pela televisão, rádio, cinema r
imprensa sob a égide benévola do Ministério da Cultura.
Porque a ameaça, os perigos, vêm principalmente de Estados Unidos, grandes
contaminadores do mundo, dispensadores de todas as perversões e do
materialismo. De Estados Unidos, onde um em cada quatro habitante possui um
revólver, desde o míni-Derringer ao Magnum 44, passando pelo Colt 45, o
38mm e o pequeno Saturday night special (Especial de noite de sábado), se
aponta no France-Soir de 25-30 agosto de 1976.
Tudo contribui a preparar a apoteose em forma de fungo de grande formato que
coroará o reinado da civilização do Homo sapiens.
Enquanto só cabe albergar a esperança do advento ou do retorno do Homo
justus do qual, até hoje, nenhuma ossamenta foi encontrada sobre os sítios pré-
históricos!

QUEM FARÁ ARREBENTAR O GLOBO?

Os cidadãos conscientes, organizados e ao mesmo tempo tão ignorantes como


os caipiras da Idade Média, são enganados por todos os canais do labirinto. A
Imprensa, o Rádio, a Televisão e seus jornalistas livres e íntegros são os
instrumentos da ocultação dos fatos e das verdades políticas.
Salvo quando os russos anunciam que os ianques extraviaram algumas bombas
atômicas no Pacífico, no Atlântico e, de modo mais concreto ainda, no litoral da
costa espanhola, em Palomares.**
Uma vizinhança encantadora!
Salvo também, quando os ianques revelam que explosões atômicas
aconteceram na URSS. Intercâmbio de boas maneiras entre estados-gângster.

 O gás tóxico era o TCDD, um desfolhante produzido pela fábrica Icmesa de Seveso, na Lombardia. A fuga
mortal aconteceu em 10 de julho de 1976.
 Em 1966, por acidente, um B52 americano soltou quatro bombas H perto do povoado espanhol de

Palomares, na costa mediterrânea. Em 20 de fevereiro de 1962 um F86H da 2a Esquadrilha tática ianque


da base área de Phalsbourg (Mosela) perdeu uma bomba carregada na região de Bebing-Kerprich-aux-
Bois.
170
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas o que se esquece ou o que não se quer dizer, é que o terrorismo com a
bomba atômica que se fará, inelutavelmente, nos próximos anos, porá em
perigo nossa civilização.
Porque esse apocalipse está a alcance de qualquer pequena nação
enlouquecida, ultrajada, ou violada por um dos dois grandes ogros impudicos.
— Bá! — pensam as avestruzes, escondendo a cabeça na areia.
Seria impossível que Israel, vencido, esmagado, pulverizado pelos muçulmanos,
induzido ao suicídio, expulso da Palestina, proibida sua existência na Ásia,
África, Europa, América, Oceania, não arraste com ele todas as nações num
vasto holocausto?
Não se encaixaria em seu destino de povo eleito precipitar um mundo
deliqüescente, corrompido, no banho de fogo purificador, na Grande Luz
mortífera que faria asséptica a argila de nosso planeta?
Ou melhor: É impossível que os palestinos espoliados, expulsos de seu país
ancestral, internados em campos de concentração e depois lançados,
declarados indesejáveis por aqueles mesmos que foram os cúmplices da Grande
Iniqüidade... é impossível que esses réprobos, esses traídos, esses acossados
não se levantem, um dia, em justiceiros dum mundo criminoso?
É impossível que alguns dentre eles, decididos a morrer, e os camicases formam
legião entre os desgraçados, não fabriquem bombas atômicas e as depositem
no metrô de Nova Iorque, Londres, Moscou, Paris ou Tóquio?
Ao contrário, é muito possível!
E se esse papel de Anjo purificador não recaísse em Israel ou nos palestinos,
quem poderia assegurar que um japonês fanático, que um Idi Amim Dada fora
de si, que um camponês maltratado do altiplano, que um louco ou um sensato,
que um ripe ou que um cátaro não desempenhasse esse papel de justiceiro
inspirado?

PROIBIDO ENTRAR A DEUS

Com a mais perfeita má-fé, os sábios que se deixam manipular pelos Governos,
se erigem em garantes da inocência dos experimentos nucleares.
O gerador Super-Fênix de Creys-Malville (Isére) poderá produzir centenas de
toneladas de plutônio, ou seja, o suficiente pra fabricar milhares de bombas
atômicas.
Se detonasse (o que não está excluído), se fugas importantes se produzissem
ou se se desmantelasse, a população da Europa inteira cairia sob uma radiação
mortal.
— Impossível! — Asseguram os técnicos —Tudo controlado, tudo comprovado,
tudo previsto. Um acidente grave não pode acontecer, já que seria estrangulado
imediatamente por medidas eficazes.
Essas sábias palavras foram pronunciadas no sábado, 30 de julho de 1977, às
15:20h, no momento em que um meteorito gigante atravessava o céu de
Madagascar antes de se enterrar a sudoeste da ilha.*
 As agências de imprensa anunciaram que o meteorito se teria escindido, afundando o pedaço maior em
terra pantanosa até o lago Ihotry. O impacto foi registrado pelo sismógrafo da estação de Antananarivo às
15:22h. O choque, muito violento, foi precedido por uma intensa luminosidade. Não está excluído que esse
meteorito possa ser um foguete gigante portador de satélites artificiais, que teria caído à terra.
171
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Se caísse sobre Tananarive a cidade seria destruída ou, ao menos, gravemente
danificada.
Imaginemos que um meteorito similar se choque contra o solo na proximidade
de Creys-Malville, como parece indicar essa advertência do céu!
Um meteorito, ou num foguete portador dum míssil! Ou numa zarabatana russa
de nêutrons acelerados... ou também um míssil Cruzeiro ou um Minuteman de
15.000km de alcance, provido de três foguetes atômicos ultra-precisos, uns e
outros soltos imprudentemente no espaço por um artilheiro distraído! O qual já
ocorreu em 1970 com um foguete Athena que, lançado desde Utá com destino a
uma base militar do Novo México, ultrapassou o vôo 2.000km além e se
espatifou em pleno México, no estado de Durango!
— Um meteorito? — Replicam os atomistas — E por que não o trovão de Zeus?
Algumas más mentalidades medrosas teriam melhor tendência a temer as
5.000t (5 milhões de quilos) de sódio líquido que em caso de acidente se
inflamariam espontaneamente em contato com o ar ou a água (o que também
aconteceu com o super-gerador soviético BN 330 de Chevtchenko, na Prikas-
piskaya Nizmenost).
Outros pensam que ao ser o Super-Fênix um super-gerador de nêutron rápido,
seu coração de plutônio poderia se embalar e desencadear uma explosão
atômica.

CLUBE MEDITERRANÉE EM CREYS-MALVILLE

Os sábios não são charlatães, que diabo! E os super geradores não são
perigosos!
A prova é que se o Super-Fênix se embalasse o plutônio fundido entraria em
contato com o sódio do circuito primário!
— Maravilhoso! — Asseguram nossos bons expertos — O sódio se vaporizaria e
o vapor detonaria. Nada grave, como podem se dar conta!*
Incêndio nas 5.000t de sódio?
— Se fecha a cuba e o sódio se apaga por si mesmo! — Afirmam os do CEA
(Comissariado da Energia Atômica).
Risco de explosão?
— Resultaria como um petardo molhado: Psé! E ainda, nem sequer isso... Por
quê? A causa do efeito Dopler... Não se pensou no efeito Dopler?
Em resumo, o Super-Fênix é muito menos perigoso que uma pistola de ar
comprimido e os técnicos do CEA recomendam encarecidamente a vizinhança
ao super gerador aos ansiosos, fatigados, que necessitam tranqüilidade, paz e
ecologia supranatural.
É igualmente eficaz contra câncer, eczema, tuberculose, asma, cólica e
Monsieur Trigano poderia substituir seus clubes Mediterranée por clubes Super
geradores com banho, navegação a vela e esqui náutico em piscinas de sódio
líquido.
Alguns reticentes ou retardados, como os físicos Edward Teller, pai da bomba
atômica, e Leo Kowarski, pioneiro do Centro de Sarclay, teriam muita inclinação

 Match, #1.472 de 12 de agosto, página 38.


172
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
a colocar 20.000km entre eles e nosso Super-Fênix mas isso não é mais que
picuinha, bagatela e superstição.
Nenhum sismo, nenhum acidente dalguma natureza, pode danificar o Super-
Fênix, posto que sábios o elaboraram e expertos qualificados decretam a
colocação fora da lei do azar e dos cataclismos naturais no departamento de
Isére.
Muito agudos nossos sábios. E muito mais seguros de si que o próprio Deus!
Não obstante, aos que persistem em duvidar, se pode fazer constar que
meteoritos gigantes caem a cada ano em nosso globo.
Os maiores se enterraram na cratera de Ungava, no Canadá (3,3km de diâmetro)
e de Arizona, no Arizona, Estados Unidos (1,2km de diâmetro)29.
Em Tungusca, Sibéria, em 30 de junho de 1908, 40.000t de meteorito
devastaram toda uma província, deixando mais de duzentos crateras.
Se conseguiu conservar meteoritos de 36t (Cape Iorque, na Groenlândia), 27t
(Bacubirito, México), 14t (Willamette, Oregão, Estados Unidos).
Um pequeno meteorito de tão só 20t caindo a 2.600km/h e com temperatura
exterior de 2.600ºC a 3.000 ºC, desbarataria facilmente um super gerador do
tipo Fênix.
Caem em média, segundo Quid, seis pequenos meteoritos na França a cada
ano, e um só de 3t a cada 20 anos!
Em 26 de abril de 1803, em Laigle (Ome), caíram de 2.000 a 3.000 meteoritos
sobre uma superfície de 50km2.
Essa cifra pode alcançar, às vezes, 100.000 sobre alguns quilômetros
quadrados, como assim se produziu em 30 de junho de 1888, em Pultsusk,
Polônia.
Os chubascos desses corpos celestes incandescentes parecem obedecer a um
ciclo aproximado de 40 anos: 1789, 1833, 1866, 1933 e em épocas bem
determinadas: 14–20 de novembro pros leônidas, 14 de novembro pros biélidas
ou andromédidas (originários da constelação de Andrômeda) e 9 de outubro
pros dracônidas.
A data crucial, na França, poderia, por conseguinte, rondar 14 de novembro de
2017.

SE LE REDOUTABLE EXPLODISSE

Aparte esses riscos naturais, os do desastre atômico, pelo próprio fato da


bomba, são, ainda, mais prováveis.
Como um aprendiz de feiticeiro o homem brinca com forças fantásticas que não
está em condição de domesticar. As mais perigosas são as dos submarinos
nucleares.
A URSS possui 45 deles, Estados Unidos 40, a França somente 5: Le redoutable
(O temível), Le terrible (O terrível), Le foudroyant (O fulminante), L'indomptable
(O indomável) e Le tonnant (O trovejante).
Le redoutable e Le terrible são submarinos de segunda classe, equipados com
foguetes atômicos A e H operacionais.

29 Ver no final do livro tabela dos principais meteoros


173
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Com 128m de eslora30, 9.000t de arcada, Le redoutable desce facilmente além
dos 300m de profundidade. Sua instalação elétrica poderia satisfazer a
necessidade duma cidade de 20.000 habitantes. O equipamento de bordo
compreende uma cafeteria, um cinema, salas de televisão e de ginástica, um
hospital, duchas quentes, cozinhas, uma padaria. Em resumo: Seus 135
homens da tripulação vivem ali como numa pequena cidade.
Uma cidade que se deslocaria sob os gelos polares quase permanentemente.
Aqui mora o perigo.
Le redoutable está equipado com 16 mísseis nucleares M1 de 2.500km de
alcance, M2 de 3.000km e M20 mais poderosos ainda, já que providos de
bombas H.
Todos esses mísseis podem ser disparados em imersão ou em superfície por
ordem procedente do grande Quartel General terrestre instalado em Paris. Um
só destruiria uma capital e cercania.
A potência de destruição dos 16 mísseis é igual à desenvolvida por todas as
nações no transcurso das guerras de 1914-1918 e 1940-1945.
Os M1 e os M2 têm bombas A drogadas, as menos poderosas!, liberando, cada
uma, 10.000.000t de TNT (trinitrotolueno, dinamite), ou seja: Centenas de vezes
a potência da bomba atômica A.
Quem se atreveria a pretender que, um dia, Le redoutable ou outro submarino
nuclear ainda mais potente não detonará sob um pó, provocando o
aniquilamento total do mundo?
Um acidente é possível. A amotinagem duma tripulação que fica histérica é uma
eventualidade que ninguém pode descartar.
O risco é, quiçá, mínimo mas existe.
Se um cataclismo pusesse em perigo a Terra o cálculo de probabilidade dá
muito mais oportunidade ao ato de terroristas isolados ou aos acidentes que à
determinação reflexa duma nação atômica.

FAÇAS TU MESMO!

É necessário saber: Fabricar uma bomba atômica está ao alcance de qualquer


bom engenheiro francês, chinês, ianque ou senegalês.
Em 1976 uma bomba atômica A custava 12.000 francos.
Em 1985 terá somente o valor dalguns barris de petróleo.
Se duvidas dessa estimativa eis aqui uma história verdadeira que dará motivo
pra refletir:
— Estou em condição de construir uma bomba atômica. — Disse John Aristote
Phillips, estudante da universidade de Princetão, Estados Unidos.
Pra demonstrar o bom funcionamento de sua afirmativa o jovem, 21 anos,
trabalhou quatro e meio meses até estabelecer o plano duma bomba atômica A.

30 Longitude dum barco, de proa a popa, medida sobre a cobertura principal


174
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A dificuldade, menor na escala dum estado ou dum poderoso grupo político,
consistia em procurar um pouco de plutônio e uma quantidade próxima aos
10.000 francos novos.
O plutônio, ou o urânio 235-238, mesmo não estando a venda no comércio livre
podem ser facilmente roubados, por um comando bem armado, duma refinaria,
universidade ou centro de investigação ou de experimento.*
Quanto ao problema do dinheiro é supérfluo dizer que é praticamente
inexistente.
Por conseguinte John Phillips estabeleceu um plano tão exato, tão preciso, que
o Pentágono ficou estupefato e alarmado: Definitivamente, qualquer pessoa
podia, em 1976, fabricar uma bomba A cuja potência de destruição foi estimada
num terço da que destruiu Hiroxima em 6 de agosto de 1945, decidindo de
golpe o fim da guerra ianque-japonesa.
— A tivesse podido fabricar eu mesmo, — assegurou Phillips — isso exigiria
menos de dois meses de trabalho.
Sua tese tinha por título: Os princípios fundamentais dum modelo de bomba
atômica — Avaliação dos problemas e das possibilidades que encontraria um
grupo de terrorista ou uma nação não nuclear que desejasse fabricar uma
bomba a fissão Pu 239.
Para levar a bom fim seu estudo o estudante se inspirou em artigos e livros que
publicaram informações técnicas e, em particular, publicações oficiais editadas
pelo muito oficial US Government Printing Office e vendidas a 20 dólares por
The National Technical Service de Uochintón!**
Phillips obteve a planta do sistema de ignição da bomba simplesmente
telefonando à Sociedade Dupont de Nemours, de Wilmington (Delauer).
Com o pretexto de que fazia, na universidade de Princetão, estudo sobre a fissão
nuclear, perguntou, naturalmente, como poderia criar uma onda de choque
capaz de provocar uma explosão.
O engenheiro consultado, soltou, por inadvertência, o nome do produto utilizado
pelo exército ianque.
Então só faltava procurar esse produto numa indústria do tipo Sociedade de
Refinamento de urânio, ou em Saint-Goban, ou na Sociedade de Potássio e
Adubo químico.
Ou melhor, eventualmente, roubar!

UM SEGREDO A VOZES

Uma bomba atômica artesanal pode muito bem ser fabricada por quem quer
que se disponha a procurar 5kg ou 6kg de plutônio.
 Em 29 de abril de 1977 o Los Angeles Times, revelava após dez anos de denso véu, que 200t de urânio
embarcadas a bordo do cargueiro alemão Mayday haviam desaparecido entre Amberes e Gênova, onde
devia ser desembarcado o carregamento! O Governo italiano e a muito respeitável Comissão européia da
Energia Atômica de nada se deram conta. E não fomos nós quem roubou esse urânio!, asseguram os
países árabes. E os israelenses juram sobre a Tora que tampouco foram eles! Quanto aos marinheiros do
Mayday, perderam completamente a memória. E por outra parte se perdeu, também, todo vestígio da
tripulação e da carga. Há que recalcar que com 200t de urânio se podem fabricar mais de 100 bombas
atômicas!
 Phillips revelou que utilizara, principalmente, o Manhattan Project e Los Alamos Primer, cujo preço é de

15 dólares. Ler a esse propósito: France-Soir de 12 de outubro e Match de 6 de novembro de 1976.


175
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Mas não duma só vez! Porque a 7kg, inclusive menos, o plutônio de massa
crítica explode espontaneamente.***
O jogo consiste, pois, em o fragmentar em partes separadas ou isoladas por
telas de chumbo ou de cádmio.
A explosão nuclear acontecerá quando todas as partes forem postas
bruscamente em contato.
A bomba de John Phillips, se a tivesse fabricado, disse o professor Chilton,
físico especializado em energia nuclear, poderia, muito possivelmente,
funcionar.
É, certamente, dum modelo antiquado mas poderia destruir uma cidade da
importância de New Haven (160.000 habitantes).
Segundo doutor John B. Wolf, presidente do Departamento de justiça criminal
em Nova Jérsia, terroristas poderiam fabricar uma bomba A utilizando os
combustíveis dos reatores nucleares.
Somente 9,5kg de plutônio seria necessário pra efetuar a operação, que
custaria, aproximadamente, 85.000 francos.*
Estimativa exageradas, em nossa opinião, atribuem a semelhante bomba uma
potência 200 vezes maior que a de Hiroxima.
Num artigo publicado por Science et vie (#680), Hannes Alfven estima em 20kg
o plutônio que seria necessário roubar pra equipar uma bomba artesanal.
Alguns bons engenheiros, se dispusessem desse plutônio, poderiam resolver o
problema facilmente.
«É difícil imaginar como, no porvir, se poderia evitar uma proliferação de bombas
atômicas (artesanais)», escreveu Hannes Alfven, fazendo constar que logo
funcionarão no mundo milhares de reatores atômicos.
Então haverá enorme produção de plutônio e muito menos dificuldade em o
obter por qualquer meio.

SE O DIABO TENTA

Revistas especializadas ianques, inglesas, francesas, etc., tais como Technical


reports (Relatórios técnicos), de Los Álamos, Anual review of nuclear science
(Revisão anual de ciência nuclear) (vol. 25, pág. 407), The National technic
service (Serviço nacional técnico), de Uochintón, The curve of binding energy (A
curva da energia de ligação), Nucleonics (Nucleônicas), de junho de 1957,
Science et vie (Ciência e vida), de maio de 1974, etc., dão todos os detalhes
necessários prum engenheiro artesão.
Queres saber como se faz uma bomba A? Eis aqui um pequeno esquema que te
explicará tudo em resumo.
U = bomba, longitude 2m. A = massa esvaziada de urânio natural, muito
espessa com a finalidade de servir de refletor de nêutrons. B = urânio 235. C =
massa de urânio correspondente à massa A. D = segunda massa de urânio 235
A massa crítica é a massa mínima duma substância fissível pra que uma reação em cadeia possa se
desenvolver. Está em função de seu grau de enriquecimento, da natureza e da espessura do refletor de
nêutron que envolve a carga. Pro urânio 235 enriquecido a 100%, a massa crítica é de 15kg com um
refletor de 15cm de espessura. Com um enriquecimento de 60, a massa é de 22kg. Com um
enriquecimento de 10, é de 130kg.
 Exposto por Jacques Bergier em Nostra, #216, 162, rua do Fg Santo Honório, Paris.

176
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
na qual se encaixará a massa A. E = tela. F = carga explosiva pra pôr em
contato as massas B e D. G = dispositivo de disparo.
É o tipo mesmo da bomba A de Hiroxima, hoje caduco. Se preferes o sistema de
implosão, tipo bomba de Nagasaque, eis o esquema:

Bomba atômica A de urânio. Bastante fácil de fabricar pra qualquer bom


engenheiro. Custo: 10.000 a 20.000 francos. Conveniente pra qualquer
terrorista individual.
A = plutônio 239 pulverulento. B = cuba de urânio natural que serve de refletor
de nêutrons. C = bananas de explosivos (dezenas) comprimindo o plutônio a um
ponto supercrítico. D = dispositivo de disparo.

Bomba atômica A de plutônio. De realização mais difícil. Mais conveniente a um


poderoso grupo de terrorista ou a uma pequena nação não nuclear.
O plano duma bomba H é muito mais complicado e escapa, no momento, à
fabricação artesanal.
Damos um esquema extremamente simplificado que foi publicado por um
periódico em 1974.
O corpo da bomba é fantasticamente comprimido pelas explosões das bananas
(P) dispostas em torno ao caparazão metálico do refletor de nêutron.

177
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Bomba H. Modelo muito mais complicado, que escapa às tentativas do


aficionado. Mais conveniente a uma nação oriental semidesenvolvida.
O detonador é uma bomba A de urânio 235 (A) que, comprimida por um
explosivo, envia toda sua energia à massa (B) de deuteriúro de lítio.
Então se produz a reação em cadeia dos nêutrons e uma colossal liberação de
energia: Calor e radiação.
Toda essa informação e esses esquemas foram publicados em numerosos
periódicos e revistas.
Apresentam menos perigo do que se poderia crer a primeira vista, já que os
governos não tomam a sério por simples ignorância e desídia!
Assim no número de 6 a 12 de abril de 1948 de Ici-Paris revelamos, em grande
exclusividade mundial, o princípio de fabricação da bomba H, depois duma
indiscrição involuntária do professor Paul Chanson, que estava muito longe de
suspeitar que o jornalista com quem se entrevistava, anotava em sua memória
as palavras técnicas, as cifras, e estabelecia uma quase perfeita coordenação
das revelações sucessivas.
É bem verdade que o jornalista, seu servidor, estava, também, longe de
suspeitar que punha a disposição dos russos um segredo fantástico do qual,
provavelmente, não se aproveitaram!

8 GRAMAS PRA ANIQUILAR O MUNDO

Os professores Keith Mac Donald, do Environmental sciences services adm.


(Administração de serviço de ciências ambientais), e Robert Gunst, do US Coast
and Geodetic Survery (Costa ianque e vistoria geodésica), estabeleceram, depois
de sábios cálculos, que o próximo fim do mundo poderia acontecer em 3.991.
Sua teoria está fundada na potência decrescente, desde o século V, do campo
magnético terreno. Se esse fenômeno continuar a Terra não mais terá campo
magnético até o ano 4.000.

178
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Se trata de previsão sem consistência, já que se estabeleceu a partir de
observação a curta distância sem ter em conta períodos e ciclos habitualmente
relacionados com toda manifestação eletrocósmica.
Mas a eventualidade dum fim do mundo ou, ao menos, de transtornos
geofísicos consideráveis e catastróficos nos parece de caráter provável.
Em 1984, a mais tardar, a bomba atômica artesanal estará a alcance de
qualquer grupúsculo terrorista. Por exemplo, o grupo 666 de Brigadas
Vermelhas, que não escolheu seu nome por acaso: 666 é a cifra da Besta no
Apocalipse.
É certo que se pode alegar que uma lei sobrenatural, ao longo de nossos três
milênios de civilização, desempenhou o papel de milagrosa salvaguarda.
Nunca um louco envenenou a água potável das grandes cidades.
O chanceler Adolfo Hitler podia, em abril de 1945, destruir o mundo histérico de
seus adversários e de seus partidários, e com eles a totalidade da humanidade,
espalhando 9 gramas de bacilos de toxina botúlica, o tóxico mais poderoso
conhecido.
Não o fez.
Porque se ignora, afortunadamente!, que a bomba atômica é quase brinquedo
infantil em comparação à pavorosa botulina.
O mais potente dos venenos minerais ou vegetais é a batraciotoxina, extraída
duma rã colombiana.31
Dose mortal em micrograma por quilo de peso animal = 3.
Depois vem a tetrodotoxina = 8,5, o curare = 500, o cianuro e o arsénico =
10.000.
As toxinas das proteínas são consideravelmente mais potentes: 70μg
(micrograma) pro veneno de crótalo, 0,07 prà terrível semente de rícino, 0,001
prà toxina tetânica e, em último, pavorosa: A toxina botúlica = 0,00005μg/kg.
Bastariam, pois, oito gramas de botulina pra destruir 4 mil milhões de seres
humanos32.
Mas que sábios aceitariam fabricar o estoque mortal e facilitar o modo de
emprego?
Cabe duvidar!

A COLOQUES SOB A BANQUISA OU NA FENDA ATLÂNTICA

Todas as probabilidades, toda as oportunidades, estão, em nossa opinião, senão


prum fim do mundo, pelo menos pruma gigantesca catástrofe nuclear, a menos
que um cataclismo natural: Sismo, erupção vulcânica, destrua nossa civilização.
Logicamente, se a catástrofe for acidental, acontecerá no sudoeste de Estados
Unidos ou no sudeste da Urs.
Se for provocada, criminosamente ou por desejo de justiça, obteria o máximo
efeito com uma série de pequenas bombas A ou H dispostas em lugares
concretos da banquisa (zona de glaciar) ou no rifte (cicatriz de fratura terrestre)
da dorsal atlântica.

31 O sapo dendrobata, também do Brasil, que matou o naturalista Augusto Rusch.


32 4 mil milhões em numeração européia = 4 bilhões em numeração americana
179
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A quase totalidade das nações denominadas ilustradas, por conseguinte
perigosas, estão agrupadas no setentrião. Assim, está no pólo Norte o ponto
mais vulnerável de nossa civilização.
Para destruir a Urs um anjo exterminador burguês ou um exilado político
siberiano deveria colocar seu rosário atômico entre as Espitsbergue e as Terras
do Norte (Severnaia Zembla).*
Não está excluído que a Urs levante contra ela a opinião do mundo livre até o
ponto de suscitar um desejo de castigo. No entanto, havida conta da onda anti-
EUA, medo, ódio e desaprovação, que há vinte anos submerge as Américas do
Centro e do Sul, África, Ásia e Europa Oriental, Estados Unidos parece ser o
mais indicado pra polarizar sentimento exacerbado.
Para castigar os ianques, que, no entanto, não são os únicos culpados, pra
deter pelo absurdo a poluição exercida por suas películas, seu materialismo, seu
delírio de hegemonia e seu paternalismo insensato, é possível que um
muçulmano purista ou um africano lúcido se alce como justiceiro.
Nessa eventualidade as bombas ficariam colocadas o mais próximas, com maior
facilidade, no arredor da Groenlândia.

CHANTAGEM POR MEDO DA BOMBA ATÔMICA

Não seria o fim do mundo mas de Quebeque a Pernambuco, de Oslo a Dacar e


de Gibraltar a Beirute, um colossal maremoto submergiria certas cidades
costeiras, alagando dezenas ou centenas de milhões de homens e milhares de
milhões de animais.

 Febris ante a perspectiva duma guerra meteorológica, que seria catastrófica pra eles, já que são
particularmente vulneráveis, os russos, em setembro de 1976, conseguiram fazer firmar aos ianques o
protocolo dum tratado proibindo as transformações do contexto com fim militar. Os centros ianques da
Jolla, na Califórnia e de Wrangley, no Colorado, estudam, não obstante, estranhos projetos: Desviar
ciclones tropicais até países estrangeiros mediante uma pequena explosão nuclear: Desencadear tremores
de terra injetando água marinha na fenda da crosta terrena, o que também produziria maremoto.
180
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Banquisa do pólo Norte. Os lugares marcados com uma cruz seriam ideais pra
fazer arrebentar bombas atômicas que empurrariam a banquisa no mar de
Beloforte, o mar da Groenlândia e o oceano Atlântico ao oeste. Sobre as costas
da Rússia e da Sibéria, ao leste. Até os 40° e 80° paralelos, a temperatura
abaixaria entre 5° a 10°. Seria o desastre pra Estados Unidos e Urs, mas
também, desgraçadamente, Escandinávia, Europa e Canadá. A banquisa do mar
Glacial Ártico afluiria no mar de Barentes ao mar Branco e bloquearia a grande
base soviética da península de Cola, onde estão habitualmente estacionados
entre 50 e 100 submarinos e uma poderosa frota de superfície.
Os efeitos desse dilúvio teriam, sem dúvida, repercussão até no Pacífico e dele
resultariam terríveis epidemias de peste, cólera e acidentes climáticos
consideráveis que poderiam chegar até a glaciação temporária da Europa.
A temperatura média nos Estados Unidos e Europa baixaria vertiginosamente
entre 10 a 20 graus, impedindo o cultivo e a pecuária durante vários anos.
Cabe imaginar a amplitude de semelhante catástrofe que a humanidade, há
12.000 anos, sofreu pelo menos duas vezes, sem dúvida porque a civilização se
aventurara por vias análogas às que agora seguimos.
Estamos neste ponto crítico em 1982.
Homens (heróis ou criminosos) praticam a chantagem a base de bomba,
explosivo convencional, com seqüestro...
Palestinos desviadores de avião ameaçaram atirar bombas sobre Telavive...
O último quarto do século XX estará dedicado à chantagem mediante a bomba
atômica.
É nossa opinião e também a de Alfredo Kastler, prêmio Nobel de física em 1966.

QUANDO O MUNDO SERÁ ILUMINADO

É o que também considera com sua ineficácia habitual a Organização das


Nações Unidas.
Mas o egoísmo, a sede de poder são mais fortes que o instinto de conservação,
e a humanidade está irremediavelmente condenada no futuro.
Viverá em termiteira, condicionada em bloco por um governo mundial fascista-
comunista ou, então, arrebentará.
— Asfixiado pela falta de oxigênio. — Disse Alfredo Kastler, pensando na
desaparição de nossos bosques e na contaminação do alto mar.
De qualquer maneira, um genocídio é inevitável até o ano 2.000, preconizam os
pensadores, filósofos, físicos e biólogos do Comitê Pugwash, que se reuniu em
1977 nos salões da UNESCO.
Os intelectuais, os pseudo-sábios, serão responsáveis por esse crime, do
mesmo modo como o são das armas da megamorte e das 25.000 bombas H
das que dispõem os dois ogros: Estados Unidos e Urs.*
No fim do século atual33, mil milhões de ocidentais bem alimentados e providos
serão atacados por cinco mil milhões de famintos do Terceiro Mundo.

 Os convênios de 1974, autorizam os dois Grandes a construir, cada um, o máximo de 1.320 foguetes de
múltiplas ogivas. Quase todos esses foguetes têm de três a dez cabeças caçadoras.
33 O século 20

181
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Haverá que suprimir o excesso de dois a três mil milhões de indivíduos. Quais?
Por qual meio?
Será então, sem dúvida, quando a Super-Fênix e os foguetes atômicos
adquirirão todo seu sentido...
O mundo inteiro será iluminado.
A menos que os ianques, os russos, os chineses, os cubanos. A menos que os
patronos, os trabalhadores, os camponeses. A menos que os sábios e os
ignorantes e todos os seres de má vontade não tomem consciência de sua
responsabilidade, de sua culpa e por uma sublevação legítima da Natureza
ofendida.
— Toda vossa agitação, vossas civilizações são vãs e ridículas! — Afirmam os
sábios — É preciso construir Super-Fênix, as fábricas, os submarinos atômicos,
fabricar bombas H e neutrônicas ou então retroceder e destruir nossa aquisição
fenomenal de 10.000 anos de tentativa e de civilização. O que equivale ao
mesmo.
Dito doutro modo: Os homens suicidarão ao rechaçar o progresso ou
sucumbirão a seu veneno ao aceitar.
É cara ou coroa.
O momento chegou.
Os fazedores de prodígio do século XX me seduzem, te seduzem, nos seduzem.

Capítulo XVII
A FICÇÃO, A CIÊNCIA E A VERDADE

A insegurança e a inquietude que invadem o mundo lúcido têm causas


detectáveis que acabamos de tirar de sua sombra criminosa: A ciência, a
filosofia e a religião.
A ciência e a filosofia, tais como foram compreendidas são, de fato, magia
negra. As religiões são falsas na medida que nos afastam do são conceito de
Deus.
Ainda temíveis, sobretudo as dos judeu-cristãos responsáveis, em pleno século
XX, das guerras da Irlanda e da Palestina, estão, não obstante, perdendo ímpeto
e não resistirão ao assalto do tempo.
Em compensação, a ciência denominada oficial, capitalista no Ocidente,
socialista na Urs, tem o mundo sob sua peçonha de macho cabrio e as filosofias
subversivas, políticas, sociais, ideológicas, são absorvidas pelas massas
passivas, e com elas se deleitam e se sustentam. A contestação, a televisão, o
rádio, o cinema, a imprensa se converteu no ópio do povo.

MORTE AOS SÁBIOS

Uns sociólogos ao estilo Idi Amim Dada* propuseram matar os sábios,


ignorantes, crentes e políticos da extrema esquerda à extrema direita.
 Idi Amim Dada, 150kg, ex campeão de luta-livre, foi presidente do estado de Uganda. Segundo seu
humor alimentava os crocodilos do Nilo Alberta com ingleses o judeus. Dada a ocasião, com um bispo
cristão. Foi um diletante a quem deleitava passear sua corpulência num palanquim levado por súditos
brancos da rainha da Inglaterra.
182
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Resultaria, efetivamente, radical e eficiente.
— Assim não ficariam mais que os simples de espírito. — Comentou o humorista
Pierre Dac.
De fato, é muito simples que os simples de espírito sejam as únicas pessoas
honestas que subsistem com promessa de chegar ao reino celeste. Há, com
freqüência, mais bom senso num rasgo de gênio que numa exposição
acadêmica.
Em 1794 foi imolado Lavoisier sobre o altar da cólera pública.
— A República não necessita de sábio! — Teria dito um juiz de tribunal.*
Cabe, seriamente, fazer a pergunta: Será preciso que cada homem honesto se
encarregue de seu sábio pra salvar a civilização?
É desgraçadamente evidente que, desde princípio do século, o sábio ficou
incômodo, perigoso, maléfico e onipotente.
É a opinião claramente exposta pelo Comitê Pugwash que agrupa os mais
eminentes investigadores de nosso tempo: Físicos, químicos, filósofos,
matemáticos, biólogos, etc.**
Alberto Einstein disse, em 1950: Com Hiroxima os sábios se internaram,
deliberadamente, na via do crime, e se conhece seu célebre grito de alarma:
Alerta à bomba atômica... Os povos da Terra estão em perigo de morte!
Muitos outros, entre aqueles que se qualificam de sábios, adotaram a mesma,
posição: O físico Leo Szilard, o químico Linus Pauling (prêmio Nobel da Paz), o
biólogo Gregory Pincus, o Papa João XXIII, o doutor Schweitzer, o ilustre
psicólogo Conrado Lorenz, o biólogo João Rostand...
— O mundo terminará numa conflagração nuclear. — Profetizou Gregory Pincus.
Na Idade Média se levava à fogueira os bruxos, culpados, segundo se dizia, de
ter feito um pacto com o Diabo. No século XXI cabe no possível que, pela
mesma razão, se faça subir os sábios à fogueira.
A massa se deixa violar por eles antes de tentar compreender e, do mesmo
modo, se deixa seduzir e violentar pelos anticristos, os charlatães, os contistas-
do-vigário, os proxenetas da sociedade do século XX, cujos lacaios e porta-vozes
são os jornalistas.
Certo é que sentimos grande admiração e certo afeto por Lavoisier, por Niels
Bohr, por Einstein, por João Rostand, mas também temos as mesma debilidade
por tabaco, álcool, nata batida e escopeta de caça.
Mas o odioso e o insuportável é que os menos valiosos, os menos providos, os
mais discutíveis do ensino sacrossanto oficial, cometem o pecado de orgulho,
de estupidez e se consideram águias.

UM COMITÊ DE SALVAÇÃO PÚBLICA

 Anedota duvidosa. A frase teria sido pronunciada, talvez, por Dumas, presidente do tribunal que julgava
Lavoisier, ou pelo fiscal Fouquier-Tinville, ou pelo vice-presidente Coffinhal. O ilustre químico havia
solicitado de seus juízes que adiassem sua execução pra terminar experimentos que julgava úteis.
 O comitê Pugwash agrupa, desde 1957, os maiores pensadores do mundo, que estudam o que poderiam

empreender pra salvar nossa civilização. Ler O enigma dos Andes, capítulo IX. Os tempos do apocalipse. A
conjura de Pugwash. Publicado por esta editora.
183
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O empírico, o esoterista, são malfeitores? Verdade é que há muito de engano
entre os charlatães do fantástico e do milagroso, mas sua ação não provocam
mais que um leve prejuízo à sociedade.***
Ao contrário, os iniciados do mundo antigo e os de nosso tempo, aportam luzes
e possuirão figura de profeta no futuro conjuntural.
O herege mas clarividente Giordano Bruno, antes de ser queimado vivo em
1600, havia alçado a voz contra os tiranos sociopolíticos e seus mercenários da
ciência.
— Deus não quer seus inventos diabólicos e sua magia negra. — Disse em eco o
pensador Filipe Lavastine.
Por ele numerosos contemporâneos nossos julgam necessário criar um Comitê
de Salvação Pública, uma espécie de Internacional de pessoas honradas e
lúcidas, capaz de manter afastada a Internacional dos Bruxos, cujas sedes estão
no que eles chamam Academia de Ciência.34

OS BRUXOS DA GRANDE NOITE

O mundo de nosso século é preso da bruxaria.


O curandeiro não é um bruxo, inclusive simpático. É, um Conhecedor, um sábo
autêntico, muito mais que um biólogo, por excelente que seja a intenção desse
último.
Ninguém sabe no absoluto, mas, na relatividade cotidiana, se pode expor que o
crente, aquele que tem a fé é, dalgum modo, um sábio.
O Conhecedor é sempre um crente. Se não, seria um investigador.
O curandeiro não investiga nem busca, sabe que tem um dom: O taumaturgo
J.-P. Girard não consegue seus milagres mais que quando está seguro dele. O
religioso crê em seu deus e o esoterista em sua tradição.
O físico atômico, o genético, o químico, não são sábios, senão bruxos, porque
não crêem em seu próprio valor moral nem no de sua descoberta.
Há que lhes render essa justiça: O sabem, o dizem e o proclamam,
principalmente no transcurso das deliberações do Comitê Pugwash.
O que nos atrevemos a lhes reprochar é que sendo, em sua maioria, inteligentes
e lúcidos, persistam em sua baixa faena de bruxos ímpios.*
Ninguém os condenou à fogueira. Muito ao contrário, se lhes tem prodigado as
honras mas, na Idade Média, teriam sido queimados na praça.

Não cabe negar: O iniciado é tão sacrílego quanto o sábio. Os dois franqueiam os tabus e abrem as
portas proibidas.
34 E a maçonaria
 Todos os sábios não exercem, por suposto, uma ação maléfica nem têm um conceito demoníaco de seu

papel. Em geral, o cirurgião é um grande curandeiro, o mesmo que o médico, e o dentista é superior ao
antigo tira-dente. Do mesmo modo, o astrônomo, inclusive si faz farol, o meteorologista, inclusive se se
equivoca, o geólogo, o botânico, o minerólogo, o zoólogo, inclusive se fossem absorvidos pelos políticos e
os generais, não ingressaram deliberadamente na via do crime (para reiterar o pensamento de Einstein).
Outros, também. É certo que grandes gênios da física, da química, da biologia e da matemática, as
ciências satânicas, nunca tiveram a idéia de propor perguntas sobre o caráter moral de suas atividades,
mas se trata duma minoria. A maioria dos grandes sábios do século XX, aqueles de Estados Unidos
principalmente, foram comprados a golpe de milhões ao estilo de futebolistas, pelos regatões do mercado
de cérebro. Sabem, pois, a que se ater sobre sua qualidade moral!
184
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O triunfalismo dos bruxos de nosso tempo, sua visão tecnológica do universo
são expressão de suas más idéias, de seu satanismo e de sua ambição de
suplantar a Deus nos separando do cósmico.
Querem inventar sem passar na escola da Natureza. Não querem ser criaturas,
senão criadores (o que corresponde a uma religião panteísta perfeitamente
defensável).
Sua investigação vai sempre dirigida até uma coação do universal, da matéria e
do espírito: É a diligência típica dos bruxos e dos magos negros.**
Antanho o taumaturgo ambicionava voar no espaço, seja com o cabo de
vassoura do aquelarre, por levitação, droga alucinógena ou ao estilo de Ícaro.
Por uma ironia do azar e por uma predestinação magistral o cabo de vassoura
das bruxas persistiu em nosso tempo pra se converter com a mesma
denominação, na barra de comando dos aviões.35

SÁBIO OFICIAL = INCAPAZ = DILAPIDADOR

Ao escutarmos o sábio, é um dom-quixote que atua pro bem-estar da


humanidade que lhe deu o labirinto: O diâmetro do universo é de 20 mil milhões
de anos-luz. Os quasares fogem a velocidades superlumínicas. Existem, quiçá,
aminoácidos no espaço interestelar. O corpo humano está composto por
milhares de milhões de células. Uma bomba H de 100 megatons poderia
aniquilar a Bélgica e a Holanda. Seriam necessárias três pra pulverizar
Inglaterra, 4 a França e 15 Estados Unidos...
Mas o sábio aporta também comodidade: As vivendas de renda limitada, a
moto, o carro, o avião supersônico pra viajar, o frigorífico e a bolsa de provisão
em material plástico.
Inclusive têm uma moral muito sua.
Se dá aos homens a possibilidade de desfolhar os bosques, de incendiar as
cidades com napalme, de atomizar milhões de seres fortes, válidos, produtivos
na sociedade (não há mais remédio que utilizar seus pequenos inventos!), a
mudança quer salvar o mongolóide, o drogado (cruzeiros pelos trópicos!), o
alcoômano, o louco, o assassino (sempre traumatizado, o pobre) e se propõe
lhes assegurar a vida, o conforto, senão a impunidade.
A custa do contribuinte, desde logo, é dizer: Dos trabalhadores com boa saúde!
Por que é necessário pagar tudo isso?
A humanidade ocidental sangra na ganância de seu trabalho pra manter, no
sentido mais duvidoso da palavra, os insolentes ou proxenetas dos laboratórios

 Ver: A vie, c'est autre chose ou les malades da science (A vida, essa outra coisa ou os malefícios da
ciência), de Gilbert Bonnot, Belfond editor. «A ciência — escreveu G. Bonnot — se converteu em
formidável franco-maçonaria, nova religião que tem seus templos, seus ritos draconianos, seus sacerdotes
que, em ocasiões, chegam a excomungar.» Mas, em nosso critério, o mais antipático é a insuportável
auto-suficiência dos pseudo-sábios.
35 O livro foi escrito, originariamente, em francês

185
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
e lhes oferecer viagens até os países dos simpósios e seminários* que, coisa
estranha, se celebram sempre em nações muito bem equipadas em hotéis de
quatro estrelas.
É preciso que o camponês labore, que o pedreiro suba ao telhado e o mestre de
obra ao andaime, que o trabalhador metalúrgico afronte a fogueira dos altos
fornos, que o mineiro contraia silicose a 800m sob a terra, pra comprar
ordenadores, pagar satélites e procurar bonitos brinquedos aos eternos
buscadores que nada encontram, remunerados com honorário principesco e de
cadeirões suntuosos que, não obstante, consentem em abandonar pra pontificar
na televisão em sua gíria presunçosa.
Com a aquiescência das massas denominadas ilustradas!

DIPLOMADOS DE PERGAMINHO E DESCOBRIDORES AUTÊNTICOS

E o que dizer da arqueologia, dentro da qual se movem tantos impostores,


fabricantes de fanfarronadas e descobridores de nada em absoluto?
Quem descobriu Tróia? Schliemann.
Quem descobriu Altamira? Marcelino de Sautuola.
Quem descobriu Glozel? Émile Fradin.
Quem descobriu as 30.000 vasilhas de olaria de Acambaro? Waldemar Julsrud.
Quem descobriu as pedras de Ica? Doutor Cabrera.
Poderíamos multiplicar a lista quase ao infinito.
Pois bem: Nenhum desses descobridores era arqueólogo diplomado!
Nenhum possuía título, pergaminho que creditasse sua erudição em pré-
história.
Nenhum cobrava algo dum pressuposto nacional, nem foi ajudado por uma
subvenção oficial, nem pertencia a um organismo distribuidor de maná.
Todos eram arqueólogos silvestres.
Todos foram insultados, injuriados, molestados pelos impostores, os
prevaricadores, pelos ignorantes da pseudociência chamada oficial.
Certo é que o tempo fez justiça dessas difamações, mas a que preço!
Esses descobridores difamados viram sua vida sombreada pela maldade, pela
vileza de seus impudicos adversários.
Todos viram suas descobertas postas em tela de juízo.
— Descobristes Tróia, Altamira, Glozel, Acambaro, Ica? Impossível. Não possuís
diploma creditando vossa qualidade de arqueólogo!
Assim vinde os ignorantes, os impotentes...

 Deus sabe a quantidade que há, a cada ano, de simpósios e de seminários de sábios, de engenheiros,
daqui e de além. O seminário, etimologicamente é um semeadouro, um lugar onde se colocam sementes,
uma escola de formação. O antigo One, two, two da rua da Provença, o Chabanais perto da Biblioteca
Nacional eram seminários. (Ambos lugares foram famosas casas de prostituição.) O simpósio era um
estabelecimento da mesma índole na antigüidade grega. Estava consagrado às bebidas, aos festins e aos
entremeios galantes (de sun: com, e posis: ação de beber). Os sábios são humoristas. Pelo menos não
tentam nos enganar!
186
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

GLOZEL E OS LACAIOS DA MENTIRA

Numa sociedade que não estivesse corrompida até a medula, numerosos pré-
historiadores seriam enforcados sem mais e a maioria dos jornalistas cientistas
(sic!) enviados ao senhor Amim Dada como presente a seus crocodilos.
O museu de Glozel, com sua magnífica coleção de tabuletas escritas, de sílex,
de ossos gravados, de olaria, etc., é autêntico.
Como tal foi reconhecido, depois de comprovação de datação com
termoluminescência, pelo serviço de dosimetria do Comissariado de energia
atômica e os serviços análogos dos laboratórios atômicos de Riso (Dinamarca) e
de Edimburgo (Escócia).
Mas não por isso se retratou a conjura da mentira.
A revista Archeologia (#54, pág. 85) não teme publicar a opinião dum leitor tão
pouco informado como mal intencionado:
— Alguns levam muito a sério esse Glozel e juram, obstinadamente, que não se
pode ser mais autêntico.
O que é particularmente grave quando se sabe que Arqueologia é redigida pelos
oficiais da pré-história. O que estigmatizava Giordano Bruno há quatro séculos.
Mais típica ainda é a postura da revista Sciences et avenir (Ciência e futuro) que
se dá por missão informar às multidões ignorantes sobre a investigação e
descoberta científica.
Henry de Saint-Blanquat depois de dizer que a Hadjar El Guble de Baalbeque
«está, ainda, parcialmente presa sobre seu leito rochoso» (o que é falso)
escreveu com arrogância no #270 de agosto de 1974:
— O suposto alfabeto de Glozel (sic) não é senão um conglomerado de sinais
pescados ao azar nos livros. As supostas (re-sic) tabuletas não resistiriam
alguns anos de permanência no solo.
E esse eminente especialista prossegue:
— Nunca se ouviu um arqueólogo digno deste nome tomar a defesa da escritura
nem das tabuletas de Glozel. Monsieur Charroux escreveu, no entanto: Apesar
das conjuras de contra-verdade tivemos a honra de reconhecer a perfeita
autenticidade do sedimento de Glozel, etc.
Pois sim, Monsieur de Saint-Blanquat, temos tido a honra, e o senhor H.
François, chefe do serviço de dosimetria física no Comissariado de energia
atômica teve também a honra de escrever a Émile Fradin, em 7 de abril de 1975:
— Quero te felicitar e expressar minha alegria. Somente alguns retardados mal-
informados poderão ainda pretender que és um falsário.
«As comprovações das medidas feitas independentemente em cada laboratório
(mediante termoluminescência) são perfeitas e indiscutíveis. Toda precaução foi
tomada».
E essas medidas dão 2.500 a 3.000 anos à escritura e às tabuletas!
Deixamos a nossos leitores apreciar essas curiosas declarações dum jornalista
denominado cientista, publicadas numa revista que se jacta de fustigar os
arqueólogos silvestres e a arqueologia fantástica!

187
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Como as tabuletas de Glozel, as pedras de Ica serão reconhecidas autênticas
algum dia.
Enquanto toda uma máfia expele seu veneno, desacredita, difama
impunemente.
De qualquer maneira nos atrevemos a consignar os nomes daqueles a que um
escrúpulo de consciência voltou a colocar sobre o caminho do dever e da honra.

QUADRO DE HONRA

Pré-historiadores que, depois de difamar e insultar Glozel e o descobridor Émile


Fradin, tiveram a honestidade elementar de apresentar seus pretextos e
desculpas ao pequeno camponês-arqueólogo quando, no fim, foi demonstrada a
autenticidade dos objetos: NENHUM
Eis aqui algo que diz mais que um livro sobre a impostura em arqueologia.

A FICÇÃO CIENTÍFICA E O LABIRINTO DA VERDADE

Se pra nos defender contra aqueles que nos atacam e contra aqueles igualmente
que rapinam nossas descobertas e roubam o título de nossos livros, brincamos
de vingadores, não queríamos por isso nem muito menos, fazer papel de guru
ou de dono da verdade.
Somos arqueólogos silvestres, é um fato, e com muita honra, mas se nossa
arqueologia é fantástica é porque o fantástico pertence a sua natureza, a sua
própria essência.
No entanto não podemos dizer que os traçados de Nasca do Peru, que as
medicine wheels do Canadá, que as pedras de Ica, que os gigantes da ilha de
Páscoa, que o transporte de pedras talhadas de 30t ao cimo da fortaleza de
Ollantaytambo, Peru, que os foguetes de três andares enviados no céu de Sibiu
(Romênia) em 1529,* etcétera, são coisas que pertencem ao cotidiano, ao
corrente!
Que façamos ficção científica é muito diferente!
De fato, não existe a ficção científica, como tampouco, por outra parte, a ciência
(de scire: saber), salvo àqueles que se tomam por Deus Pai e, desgraçadamente,
formam legião.
Conviria melhor pensar em diligência, investigação até um inseguro labirinto
mas, posto que a maia do verbo impôs a ficção científica, diremos que essa não
se diferencia da pseudo-ciência dos pontífices e dos charlatães exceto por sua
honestidade fundamental e humildade. Talvez também por maior possibilidade
de investigação com vista a acessar meta concreta.
De fato, a imagem-desejo, ou ficção científica, precedeu à ciência, é sua
geradora, o aguilhão e a vidência magistral, pela exata e luminosa razão que
surgiu do poder da imaginação excitada pelas mensagens abstrusas dos
cromossomos-memória.

 Antes que as revistas científicas, demos uma relação detalhada sobre os foguetes de Sibiu, com fotos do
manuscrito da época, em Le livre du mystérieux inconnu (O livro do misterioso desconhecido), capítulo I,
páginas 25 e seguintes.
188
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
E a imaginação entra numa porcentagem elevada na descoberta: 50% de
trabalho, 10% de labirinto, 30% de imaginação e 10% de azar (segundo se diz!).
Mas há de imaginar o verdadeiro e isso não está ao alcance de todo mundo!
A determinação do passado ou do futuro (da qual se pode afirmar a coincidência
em filosofia e em matemáticas) é uma espécie de evidência que se imagina ao
recorrer às zonas habitualmente não solicitadas de nosso complexo neurônico.
É, dalgum modo, um sistema de deslocamento na continuidade espaço-tempo.
Se o autor não se acha em estado de graça, então sua visão é puramente
quimérica, mas se tem cultura e dom, então pode prever, descobrir, prefigurar, a
semelhança daqueles adivinhos, profetas ou bruxos da Antigüidade que
anunciaram o rádio (conversação dum a outro extremo da Terra), a televisão (o
espelho mágico), o avião (o tapete voador), a ubiqüidade (as ondas
denominadas singulares), etc.
A esse nível o escritor (o poeta também) pode ser considerado cientista.
O substantivo ficção científica não designa, pois, mais que a novela quimérica.
As obras que se baseiam em descobertas ainda não efetuados deveriam, em
todo estado de causa, ser denominadas novelas de antecipação.

A IMAGINAÇÃO ENTRE OS SÁBIOS

A verdadeira ficção científica pertence ao terreno do físico, do químico, do


astrônomo, cujo saber está limitado no tempo, posto que a descoberta de 1950
fica, geralmente, superada em 1975. O sábio, como o novelista de antecipação,
não é mais que um investigador submetido às leis da maia. Isso é o que captava
o grande Niels Bohr quando dizia:
— Só o insensato tem possibilidade de ser verdadeiro.
Com um matiz similar Teilhard de Chardin escreveu:
— Só o fantástico tem possibilidade de ser verdadeiro.
O labirinto no menino é obtido com ajuda de experiências, mas antes de fazer a
experiência o menino calcula, imagina o que poderia suceder e o que deseja ver
suceder.
A primeira fase até a identificação dos fenômenos é ciência imaginal e o sábio
clássico não opera doutro modo.
Doutor Artur Kantorowitz, diretor dos laboratórios de investigação Avco-Everett,
em Massachustes, fez, em 1976, um comunicado ao muito sério Congresso da
Associação Ianque pro avanço da ciência que ilustra nossa tese.
Se tratava, nem mais nem menos, dum projeto de lançamento no espaço de
caravanas de naves cósmicas sobre uma estrada de raio lêiser!
Projeto científico ou ficção científica?
Os muito autênticos físicos que são Fred Hoyle, Léo Szilard (um dos pais da
bomba atômica), o matemático Norberto Wiener, o geneticista J. B. S. Haldane,
o astrônomo Artur C. Clarke, o bioquímico Isaque Asimov e muitos outros,
escreveram livros que estão catalogados na ficção científica mas que, no espírito
de seus autores, prefiguravam descobertas e acontecimentos prováveis.

A VERDADE NÃO EXISTE

189
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

Em verdade... a Verdade, no sentido absoluto, é uma ficção e foi sempre


considerada como tal.
O filósofo grego Pirro, há 2.300 anos, assegurava que não existe espécie de
verdade e era também a opinião de Retório, heresiarca do século IV.
«A poesia é mais verdadeira que a história», dizia Aristóteles, e Pascal chegava
ainda mais longe ao afirmar que: Nada é certo, inclusive que nada é certo.
Para Henrique Poincaré, «tal verdade é mais cômoda que outras» e pra Gastão
Bachelard não há verdades, senão leis tendentes, conjeturas.
«Toda verdade é uma imaginação, um conto alucinatório, uma invenção», disse
o professor Leão Poirier, do instituto.
De fato, tudo nos é incomunicável.
É claro que cada um de nós tem uma chave de decifragem pra tudo o que nos é
proposto, já que cada um tem seu conceito, linguagem pra decifrar tal ou qual
aspecto do real.
Viste uma mulher muito bonita, um homem muito bom.
Que sentido dar a tuas palavras? A mulher bonita é loura, morena, ruiva. O
homem é bom porque vai à missa, porque é caritativo ou justo?
Viste um gerânio vermelho mas ninguém mais que tu pode dar a verdade de teu
vermelho.
Os 7 milhões de cones e os 130 bastonetes da retina (quantidades que são
distintas segundo os indivíduos) não transformam exatamente os 750.000
matizes cromáticos que percebem, numa energia elétrica assimilável pra todos
os cérebros.
Em resumo, sobre 4 mil milhões de homens não existem dois que possam
perceber exatamente a mesmo cor.
Por isso mesmo ninguém pode dizer exatamente que idade tem, que hora é, já
que nada é imóvel, nada é permanente no universo, inclusive o próprio universo.
Tudo é maia, imaginação e, como o dizia um poeta espanhol: Toda a vida é
sonho e os sonhos, sonhos são.
O dia em que uma mulher nos ama está cheio de sol e de borboleta!

O ESTRANHO

Capítulo XVIII
JESUS ESTÁ ENTERRADO NO JAPÃO

Os carpinteiros na antiga Palestina eram tão raros como em nossos dias os


vendedores de gelo na Groenlândia e os construtores de iglu no Equador.
Aqui radica, sem dúvida, um dos elementos insólitos que tem dado caráter à
vida de Jesus, se dermos crédito aos evangelhos.
Devemos crer? Se é assim, então também temos de dar crédito a sua viagem ao
Tibete, segundo Nicolau Notovich* que relata as manifestações dos mercadores

 A vie inconnu de Jésus-Christ (A vida desconhecida de Jesus Cristo), de Nicolau Notovitch, Edições
Ollendorff, Paris, 1894.
190
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
vindos de Israel no primeiro século de nossa era, e menciona um texto explosivo
cujo original estaria em Lhasa.

JESUS NO TIBETE

No transcurso de seu décimo quarto ano, diz o manuscrito, o jovem Issa (Jesus)
bendito por Deus, veio aquém do Sinde (província de Carache) e se estabeleceu
entre os árias no país amado de Deus...
»Issa negou a origem divina dos Vedas e dos Puranas... a Trimurti e a
encarnação Para-Brama em Visnu, Siva e outros deuses».
Definitivamente, Notovich, o mesmo que Alexandra David-Neel (se emite certa
reserva sobre a autenticidade de sua viagem) foi ao Tibete, onde conheceu um
lama tagarela que lhe mencionou manuscritos depositados em Lhasa.
Após uma verdadeira caça dos documentos, Notovich os encontrou em Himis,
os copiou e sem dúvida, inclusive, tirou várias fotos.
— Desgraçadamente, — escreveu — quando de regresso à Índia, eis examinado
os negativos, resultou que estavam todos estropiados.
Não nos assombra muito!
O bom Churchward nos havia acostumado a semelhantes desenganos quando
se tratava de demonstrar afirmativas mediante o argumento decisivo da foto.
Pois bem, os japoneses são menos evasivos e se estás de bom humor, podes
chegar até o país das manhãs serenas, que o foi um pouco menos em 6 de
agosto de 1945, e tirar fotos da tumba de Nosso Senhor Jesus Cristo.

AS TUMBAS DE JESUS

Se encontra num túmulo do povo de Herai, província de Aomori, na extremidade


norte de Hondo, numa região de grande interesse arqueológico, posto que nela
se pode ver a pirâmide de Kazuno Chi, cromeleches e menires.
O túmulo, perfeitamente conservado, está entre árvores.
Uma escada de madeira, recoberta de terra, foi acondicionada e imediatamente
à esquerda da escada uma grande placa informa (em inglês) ao visitante :

TUMBA DE JESUS CRISTO

É crível que Cristo, à idade de 21 anos, veio ao Japão, onde estudou teologia.
Na idade de 31 anos regressou à Judéia pra predicar a mensagem de Deus.
Mas, em vez de aceitar seu ensino, o povo julgou que havia de o matar. Seu
irmão mais jovem, Iskiri, foi crucificado e morreu na cruz em seu lugar.
Cristo, que conseguiu escapar da crucifixão, regressou ao Japão após um
viagem acidentada. Morou no povoado de Herai e se diz que viveu ali até a
idade de 101 anos.
Neste santo lugar se comemora a tumba de Jesus Cristo à direita e a de Iskiri à
esquerda.
191
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
»A lenda assegura que esses feitos estão resenhados no testamento de Jesus».
Os respectivos túmulos dos dois irmãos distam entre si 10m. Têm 13m de
altura, aproximadamente 10m de diâmetro. No centro foi plantada uma cruz
branca de madeira, de dois metros de altura.
Para os nativos os túmulos são a casa de Kirisuto, que é o nome japonês de
Jesus e no povo se podem ver aos descendentes desse Kirisuto e lhes falar de
seu ilustre antepassado, do qual a família Sawaguchi é a representante.
O HOMEM DE ISOARA

A granja de Sanjiro Sawaguchi, setenta e quatro anos, está situada atrás da


colina.
Segundo a declaração do ancião, Jesus se instalou primeiramente em Herai sob
o nome de Hachinohe Taró Tenkú (céu divino), se casou com a bonita Ymiko,
que lhe deu três filhas.
É uma delas a que se casou com um Sawaguchi cujos filhos se converteram em
Miko-no-Ato, quer dizer: Descendente do mensageiro do deus.
A dizer verdade, as tumbas de Jesus e de Iskiri não foram reconhecidas como
tais até 1936 quando veio, desde Isoara, Kiyomaro Takeuchi, grande sacerdote
sintoísta, cujos antepassados estavam destinados à Casa Imperial desde tempo
imemorial. Vinha acompanhado duma delegação de personagens muito
importantes.
«O homem de Isoara — disse Sawaguchi — declarou que, segundo documentos
probatórios, essas tumbas eram as de Jesus e de seu irmão, e que éramos os
descendentes de Kirisuto. Depois, o estranho visitante, do qual nunca soubemos
o nome, desapareceu e nunca mais ouvimos falar dele. O que é curioso é que,
segundo a tradição ocidental, Jesus morreu há 1.947 anos. Pois bem, os cedros
do país, deduzindo por seus anéis de crescimento, têm perto de 2.000 anos!»
Segundo um historiador local, Tomita Suwa, de Oyn Spa, a tradição crística de
Herai remontaria a uma emigração de cristãos nestorianos, em tempo difícil de
precisar.
As tumbas poderiam ser as dos chefes da seita.
Suwa disse que acompanhou a Herai o homem de Isoara, o qual, parece, obteve
seu informe dum médium!

ROWLAND G. GOULD LEVA A INVESTIGAÇÃO

Segundo a novelista japonesa Kiku Yamané, que escreveu em 1939 um livro


intitulado Hikari Wa Toho yori (A luz vem do leste), há de relacionar essa história
com a resistência dos japoneses cristãos que, no século XVII, foram
perseguidos. Em seu sistema de contestação havia práticas curiosas. Por
exemplo: Introduzir temas cristãos nos quadros religiosos budistas, rezar a
Buda tendo na boca um papel no qual estavam escritos versículos da Bíblia, e
se fazer inumar num ataúde adornado com uma cruz.

192
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Os meninos, ainda em nossos dias, em certos povoados, são marcados com
uma cruz branca na frente desde o nascimento.
Kiku Yamané pensa que hebreus vieram antanho a se instalar no norte do Japão
e que deram origem aos ainos, esses habitantes de Ieso que, de fato, não têm
rasgo japonês, senão que se parecem mais aos armênios.
— O nome Herai — diz ela — é uma alteração da palavra hebréia, do mesmo
modo que Adda e Abba (homem e mulher) significam em japonês Adão e Eva.
Em minha opinião, Kirisuto não está enterrado em Herai, senão no altiplano de
Maiugatai, sob o tronco duma árvore muito velha.
Foi, então, que um correspondente de imprensa ianque, Rowland G. Gould,
levou a cabo uma investigação muito meticulosa sobre essa estranha história.
Deu por resultado que Kirisuto teria nascido em 624 depois de Jimmu, primeiro
imperador do Japão.
Viajou na Índia e China, estudou o sintoísmo (a via dos deuses, religião nacional
japonesa). É possível que tivesse vindo da Judéia já que o imperador Suinim
(anos -29 a 70) lhe haveria concedido o selo do reino dos povos judeus.
Tudo isso é bastante nebuloso, já que está traduzido duma coleção de tabuletas
ou de couros gravados que contêm, também, uma representação «de Maria e de
José, feita com sua própria ossamenta e gravada por Jesus Cristo na idade de
cento e cinco anos».
Na verdade não revelada, Jesus teria sido crucificado por ensinar na Judéia
doutrinas sintoístas japonesas!
Segundo a informação recolhida por R. G. Gould, Kirisuto, na idade de 36 anos,
teria partido de viagem na Europa do norte, África, Ásia, China, Sibéria, Alasca
e, finalmente, Japão.
Seu ponto de residência, após quatro anos de peregrinação, teria sido Hachinoé
e não Herai.
Se conhece, inclusive, a data de seu desembarque no Japão: 26 de fevereiro do
33º ano de Suinim.
Mas Kirisuto teria passado o final da vida em Herai, onde teria morrido na idade
de 118 anos!
Esses relatos, detalhes, a miúdo contraditórios, documentos e relíquias, são
propriedade dos descendentes de Kiyomaro Takeuchi, o grande sacerdote
sintoísta.
Estavam encerrados em cântaros com várias outras obras: O livro do Céu (Ten-
no-maki), O livro da Terra (Chi-no-maki), O livro do homem (Jin-no-maki).

AS TÁBUAS DA LEI SE ENCONTRAM NOS ESTADOS UNIDOS

Somente O livro do Céu foi aberto e traduzido. Contém a genealogia dos


imperadores do Japão e dos reis da Terra há cem mil milhões de anos.
Há que admitir que é uma cifra respeitável!
Segundo eruditos japoneses, a Bíblia seria um livro completamente falso e a
verdadeira verdade expressada no livro da Terra nos revelará o que foi o Dilúvio
e onde estão escondidos os arquivos mais valiosos do mundo.
Durante a última guerra a coleção de Takeuchi estava depositada no arquivo do
Ministério de Justiça quando o imóvel foi destruído por um bombardeio ianque.
193
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Foi parcialmente salva, principalmente as tabuletas de madeira sobre as quais
Jesus Cristo esculpira com sua mão (não era filho dum carpinteiro?) textos que
não estão ainda traduzidos, e as pedras gravadas por Moisés pra imortalizar os
mandamentos de Deus.
Esses documentos, segundo nosso colaborador Laurent J. Teisseire, foram
recuperados pelos ianques como botim de guerra e estariam hoje na biblioteca
de Uóchintão e no Pentágono.
Sukune Takeuchi, filho do homem de Isoara, Sasaki, alcaide de Shingo, e Kiku
Yamané, que se ocuparam do assunto, faleceram todos, o que deixaria crer, que
como sobre a tumba de Tutancamão, plana uma maldição sobre os túmulos de
Herai!
O único sobrevivente é Yashimiya Takeuchi, que é monge.

O DIÁRIO LUMINOSO DO CÉU

Capítulo XIX
REALIDADES, SONHOS E FANTASMAS

...Imagens não conseguimos reter no universo do sonho...

Quanto mais passa o tempo, tanto mais se acumulam os testemunhos e menos


certeza temos sobre os ufos, os extraterrenos e as mensagens que devem ou
que devemos enviar pra entrar em relação.
Há três mil anos e ainda mais, os homens crêem que seus antepassados
habitavam nalguma parte até Sírio, Vênus, os asteróides ou a Via Láctea...
As tradições são formais e indícios extremamente sérios militam a favor dessa
tese, mas um escolho freia ou bloqueia a crença que poderíamos ter em nossa
pátria extraterrena e em visitas dos povos do espaço: Os astrônomos nada
detetam de positivo nesse sentido na ponta de seus telescópios e os disquistas
mais fanáticos não podem proporcionar a menor centelha de disco voador, a
menor prova duma presença extra-humana sobre nosso globo em convulsão.
No entanto, apesar dessa carência, os homens continuam cada vez mais crendo
nos extraterrenos.
Pois bem, essa crença irracional, obstinada, cega, serve, em nossa opinião,
como símbolo de prova aceitável.
Certo é que, durante milênios, pessoas acreditaram, e outras ainda crêem, nos
fantasmas, nos elfos, nas dríadas, nos gigantes, em Jesus, na Santa Virgem de
Lurdes, na bondade e na justiça... mas desde que Niels Bohr disse que somente
o insensato tinha possibilidade de ser verdade, desde que os físicos crêem que
uma barra de aço pode ser torcida pelo pensamento, tudo se volta possível.
Com maior exatidão deveríamos dizer que nada é impossível e que o sonho mais
exaltado, mais inverossímil, deve existir realmente nalgum universo do qual não
temos idéia.

CONTRADIÇÕES FASTIDIOSAS

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O que pensar em definitivo?
Por uma parte, a análise das civilizações antigas, o labirinto das tradições e a
decifragem dos símbolos nos aportam a quase certeza que iniciadores vieram,
antanho, do céu.
Por outra parte, nenhuma prova tangível apóia essa crença e o estudo lógico do
fenômeno nos obriga a tirar a conclusão de que jamais sairemos de nosso
sistema solar, mas que igualmente jamais civilizações do espaço poderão
chegar até nós.
Temos a possibilidade, mediante nossos milhares de correspondentes, leitores e
amigos, de possuir o censo da quase totalidade das informações mundiais sobre
os ufos.
Ademais, seguimos de muito perto a corrente do pensamento dos cientistas
alguns dos quais, como veremos, se voltam tão empíricos e cândidos que,
inclusive, os mesmos crentes nos discos voadores não os querem seguir em
seus extravagabundeios!
Então, pra tentar esclarecer, estudaremos o problema o dividindo em três
expedientes:
— Tradições, indícios e elementos favoráveis extraídos na Antigüidade.
— Extravagâncias dos disquistas.
— O que opinam os cientistas.
Só faltará tirar uma conclusão ambígua, tida conta que nada pode ser
demonstrado num sentido nem noutro e que a solução é um assunto de crença.

ANO 3000: OS DEUSES

Eis aqui, em resumo, o que as tradições e a História nos deixaram sobre os


iniciadores ou os extraterrenos que antanho teriam vindo proporcionar sua
civilização aos povos da Terra.
— Há 8.000 anos, sem transição marcada, a civilização egípcia passou do nível
do neolítico ao da arquitetura de templos como os de Abidos e Mênfis.
— Ao mesmo tempo os egípcios adotaram um tipo de escritura: Os hieroglifos,
que são inteligíveis às inteligências mais diversas já que estão formados por
imagens. De fato, é uma escritura universal, válida pra todo o cosmo.
— Há 5.000 anos todos os povos do globo vêem no céu Vênus-cometa que,
sobre a terra, provoca incêndio, inundação e deslocamento polar.
Depois, parece que Vênus-cometa se prendeu nas redes do sistema solar e se
fixou como planeta já que, a partir daqueles cataclismos, figura nas tábuas
astronômicas antigas. Antes, não figurava.
— Há 5.000 anos os deuses venusianos substituíram aos antigos deuses:
Viracocha entre os incas, Quetzalcoatle entre os maias, Belisama entre os celtas,
Hator no Egito, Baal e Astartéia na Fenícia, Bel e Istar na Assíria e Babilônia.
— Há 5.000 anos os deuses da América do Norte e do Sul, da Europa, da África
do Norte e do Próximo Oriente estão representados por um símbolo cornudo
(touro ou carneiro) que corresponde à impressão produzida sobre eles pela visão
no céu: De Vênus cornuda, de Vênus com dois cornos e com crina de fogo.

195
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— Em toda parte no mundo se encontram desenhados, gravados ou esculpidos,
deuses montados sobre engenhos voadores, sobre serpentes ou dragões
voadores, principalmente na Pérsia, Egito, México, Peru.
— Realizações técnicas e segredos científicos que parecem fora do alcance dos
povos antigos eram, no entanto, conhecidos por eles:
Os pára-raios do templo de Salomão.
Os mapas de Piri Reis.
A lâmpada elétrica de Jechiele, sob São Luís.
Os misteriosos desenhos da Porta-do-Sol em Tiauanaco.
Os relatos de guerras atômicas no Maabarata.
A pilha elétrica de Bagdá.
Os homens de crânio plano do lago Tacarígua.*
A lousa de Palenque, que representa, parece, um foguete à reação, pilotado por
um cosmonauta.
O enxerto do coração sem fenômeno de rejeição, gravado sobre as pedras de
doutor Cabrera.
A deusa Nute dos egípcios que figura o céu por uma mulher em flexão até
diante, leva sobre o corpo uraios (globo e serpentes) separados por estrelas. Sob
seu ventre está gravado um uraios alado provido de estrelas e esse conjunto
celeste está suspenso sobre uma representação de nosso mundo, o que evoca,
irresistivelmente, a idéia de viagem cósmica.
— A Bíblia (Gênese I, 2-4) diz que anjos sexuados vieram do céu pra desposar as
filhas dos homens.
O Livro de Enoque apóia essa menção em 105 capítulos.
— Ezequiel, na Bíblia, descreveu uma máquina voadora que inspirou o modelo
dos atuais discos.
— O escritor fenício Sanchoniatão (-1000) assegura que a deusa Astartéia veio
do planeta Vênus sobre uma serpente voando com hélices.
— Os manuscritos mexicanos reproduzem engenhos voadores e o que se crê ser
viagens Terra-Vênus.**
— Os textos sagrados hindus revelam que nossos antepassados ários vinham
duma estrela no Caminho de Ariamã.
— O Corão situa o paraíso terreno fora da Terra, etcétera.
Esse insólito terreno e esses relatos de viagens interplanetárias que
encontramos em nossos livros, e que seria demasiado longo reproduzir,
constituem para toda mente honesta indícios que convém ter em conta.

OS ANJOS, J. WEBER E OS DRAGÕES DOS CHINESES

O físico do Aunis, J. Weber, persuadido de que tivemos contato com povos do


espaço e se referindo à Bíblia, escreveu:

 Esse censo do insólito do globo figura em Histoire inconnu des hommes (História desconhecida dos
homens) ou em O enigma dos Andes, de Robert Charroux.
 O livro dos senhores do mundo, Robert Charroux, capítulo II: Os manuscritos maias, Capítulo XIII,

editora Plaza & Janes, coleção Outros Mundos.


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Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Os filhos do céu (os anjos) puderam fazer filhos aptos nas filhas dos homens
porque os códigos genéticos e sanguíneos eram idênticos. Donde se deduz que
a origem das espécies é a mesma. Noutra parte a Bíblia diz:
— Deus precipitou sobre a Terra os anjos maus e, se dirigindo a seu chefe,
acrescentou: E aquele será teu reino.
«Somos, pois, os descendentes desses anjos extraterrenos».
Mas resulta muito evidente que essa tese somente tem o valor concedido ao
livro sagrado dos judeu-cristãos.
No mesmo sentido poderíamos conjeturar que a linguagem falada pela serpente
no paraíso terreno era o de nossos antepassados do cosmo.
Na China também tradições fazem pensar na intromissão dos Celestes:
Quando dragões pelejam entre si no ar, caem grandes chuvas. Sob o reinado do
imperador Tsingue, da dinastia Cheu, houve no verão de 580, no Yung-Yang, ao
norte da água do Pien, uma batalha de dragões. Em primeiro lugar se viu uma
luz branca que veio no céu diretamente do Oriente e um dragão branco de mais
de dez braças de largo, se dirigia até o noroeste, lambia as garras e gritava.
E do Noroeste veio um dragão negro, igualmente montado sobre nuvens. O
vento e o trovão se atacaram e, segundo se aproximavam ou se separavam,
caíam grandes torrentes de chuva violenta desde o meio-dia até a hora terceira.
«Então o dragão branco subiu ao céu, e o negro caiu sobre a Terra.»*
A mitologia chinesa acrescenta, também, (Mythologie genérale (Mitologia geral),
Larousse, página 364):
Os outros justos admitidos à felicidade da vida eterna vão à Terra de extrema
felicidade do Ocidente.
«Essa terra, que se encontra na extremidade ocidental do universo, está
separada de nós por uma infinidade de mundos semelhantes ao nosso».

O MEDALHÃO VOADOR DE SAULGÉ

Louis Jacolliot, em Histoire des vierges (História das virgens) (1874, gênese dos
hindus, livro Primeiro de Manu), escreveu:
«Um mês dos mortais é um dia e uma noite dos pitris, antepassados dos
humanos deificados que habitam os outros planetas».
É, aproximadamente, o que dizia o bardo e herói galo Taliesin: «Meu país de
origem é a região das estrelas de verão».
As tradições dos hebreus asseguram que Moisés, Elias e Enoque foram
transportados vivos ao céu, e uma curiosa escultura da igreja de Saulgé, na
Vienne, representa o mesmo milagre que teria sucedido a uma misteriosa
personagem chamada Renulfo.
Eis aqui como o historiador do Poatu, Jacques Pineau, descreve o gravado:**
Segundo o abade Liége, o primeiro senhor de Montmorillon, Ranulfo, está
representado num medalhão levado por anjos. Se pode ainda ler a inscrição:
Ranulfis ad ostra levatur nobile agnetis. PTL (Ranulfo foi nobremente elevado até

 La langue sacrée (A língua sagrada), de Émile Soldi-Colbert, IV volume, fascículo 2, 1903.


 Montmorillon et sa région (Montmorillon e sua região), de Jacques Pineau, S.F.I.L. e imprenta Texier, Z.
I. République, 8600 Poatiê.
197
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
as estrelas) Agnetis significa Onde Agnes (sua esposa). Ignoramos o sentido de
PTL
»Os autores disquistas não deixarão de ver um disco voador no medalhão e
extraterrenos nos anjos».
A propósito dos tempestares, esses demônios geradores de tempestade que
levavam as colheitas a Magônia, Jan e Josiane de Aigure escreveram em Vues
nouvelles (Novas notícias), #5, suplemento de Lumières dans a nuit (Luzes na
noite):***
«Magônia é uma comarca fabulosa mas não inacessível. É mencionada pelo
arcebispo Agobardo no famoso Traité de Grandine... Uma das escassas certezas
que podamos ter sobre essa comarca, é que os tempestários chegavam a ela
pra roubar da terra o grão e as colheitas segadas pelas tormentas que eles
mesmos haviam desencadeado..».
Segundo as tradições, esses seres do espaço vinham sobre nuvens sólidas e os
camponeses disparavam bala sobre eles e seu aparato.
Às vezes um tempestário, mortalmente ferido, caía da nuvem e se espatifava
contra o solo.

AMIM DADÁ SAUDADO PELOS EXTRATERRENOS

É certo que não se pode conceder um grande crédito a essas lendas e, no


entanto, disquistas cândidos chegam muito mais longe em suas crenças e por
isso mesmo, falseiam o problema.
O general-presidente de Uganda, o pitoresco e inquietante Amim Dadá, teve o
privilégio de ver um disco voador mergulhar no lago Vitória e voltar a emergir
alguns minutos mais tarde pra se perder no céu.
Era, segundo manifestou, uma homenagem que os extraterrenos dedicavam a
sua esclarecida administração!
Uma profusão de prospectos procedentes de UFO-ARMY: Esquadro do Raio
Verde anunciou aos franceses que na sexta-feira, 5 de dezembro de 1975, às
19h GMT, sete discos voadores sobrevoariam Paris: O ministério da guerra, o
Elíseo, o senado, Nossa-senhora e a sede da polícia.
Depois pousariam sobre a Casa da ORTF!
Na mesma índole de notícia, inscrevemos as declarações de Claude Vorillon que,
o mesmo que Amim Dada, recebe um trato de favor dos extraterrenos.
A prova: Sobre um planeta desconhecido ceou com Jesus Cristo, Maomé, Buda
e Moisés.
A ceia era servida por robôs biológicos e jovens nuas!
O escritor Jacques Bergier menciona (Nostradamus, Ep108) que, segundo o
sábio ianque Harold E. Malde, seriam os extraterrenos que descobriram a
América!
O semanário mexicano Segunda-feira da excelsior publicou a foto dum
extraterreno descoberto no México. Senhas particulares: Cotos de braços,
cabeça de cão sem olho mas com uma trompa(?).

Lumiéres dans a nuit (Luzes na noite), Misteriosos objetos celestes e problemas conexos, Les Pins,


43400, Le Chambon-sur-Lignon.
198
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Segundo ianques os discos voadores seriam emanações de Satã e Jesus teria
Vênus como pátria.
Está dito, de fato, Apocalipse XXII, 16:
«Eu Jesus... Sou o rebento e o filho de Davi, a estrela brilhante da manhã».

UM MARCIANO ENTERRADO NOS ESTADOS UNIDOS

L'année scientifique (O ano científico), revista editada pela Livraria L. Hachette e


Cia, 1865, deixa constância duma estranha descoberta anunciada pelo periódico
Le pays (O país), de 17 de junho de 1864.
Na província dos Arrapahys, nas proximidades do Pie James, Sir Paxton
descobriu, enterrado a mais de 20m de profundidade, um aerolito caído há
milhões de anos.
Em seu interior, John Paxton e o geólogo Davis encontraram uma ânfora de
metal branco crivada de buraquinhos e com desenhos estranhos.
Mais abaixo, sob uma tarima metálica, os dois cavaleiros descobriram uma
tumba que continha um homem envolto numa mortalha de calcário.
Era uma múmia que media apenas 1,20m. A cabeça não tinha cabelo, de forma
triangular e uma espécie de tromba brotava da frente.
Ao lado do corpo havia uma placa de prata com uma representação do Sol e dos
planetas, mas Marte era muito maior que os outros, o que indicava claramente,
segundo os descobridores, que o indivíduo era um habitante de Marte!

O DISCO VOADOR MIETHE

Mais perto de nosso tempo, em 1955, a sociedade canadense Avro-Canada,


construiu uma aeronave VTOL em forma de disco «com jato periférico análogo
ao duma máquina terrestre».
Dois protótipos dessa prova puderam decolar a 2m de altura e o programa
acabou em pleno ridículo.
Porque o projeto era classificado de secreto...
Foi a última tentativa disco que conhecemos», nos escreveu a Sociedade de
quem possuímos esses informes.
Isso não impede que os disquistas acreditassem firmemente num engano
destinado a camuflar uma arma secreta e psicológica, aperfeiçoamento do V7
dos engenheiros alemães Miethe, Habermohl e Shriever que teriam construído o
aparato pro Terceiro Império de Adolfo Hitler!

A ORDEM DE MELQUIDESEQUE

A verdade é que os discos voadores partem da Terra. Assim o assegura «A


Ordem do Imperador e de Melquideseque, Império do universo», cuja sede está
em Paris, rua Júlio Vales.
A Ordem está dirigida pelo próprio príncipe de Melquisedeque, perfeito sósia de
Steve MacQueen, e pela princesa Satya Chana de Melquisedeque «Cavaleiro do
reino de França, República francesa».
199
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Nossa ordem — nos escreveu a princesa — propagará a ensino da imortalidade
do corpo físico, como ter filhos imortais, sem sofrimento e, por suposto, sem
passar pelo sexo, já que existem mais de mil maneiras de parir entre os
extraterrenos.
Igualmente, escrevemos a Verdade sobre o Cristo que jamais morreu sobre a
cruz, senão que fez uma ascensão a outro planeta com 11 milhões de essênios
e hebreus santos...
Sobre dito planeta os animais tocam harpa, órgão, violino, falam e fazem
escultura...
Cada qual é livre de crer ou de rechaçar essas revelações fantásticas!
Com tudo isso o destino do mundo não sofrerá mudança e o pitoresco serve pra
alimentar a imaginação.

Capítulo XX
DELÍRIO DOS LABORATÓRIOS

Os astrônomos, os físicos, os funcionários do labirinto estão divididos quanto ao


problema dos mistérios do céu: Os que negam pura e simplesmente aos ufos,
os discos voadores e os pequenos marcianos visitantes e, aqueles que,
razoavelmente, estudam o fenômeno e, aqueles que, o mesmo que
determinados disquistas, deliram e pisam já nos parques-jardins dos parques
extraterrenos.

OS DISCOS VOADORES: PROJEÇÕES MENTAIS?

Para o professor Cahen o mistério dos ufos é também o de nosso


comportamento mental. Escreveu:
O ser mental não é plano. No sucessivo o homem deve ser considerado um
veleiro submetido a todos os ventos do espírito e do ambiente.
Os percebo como uma mancha gris e amarela, mas pra saber quem sois, devo
projetar, ao mesmo tempo, sobre vós a imagem do homem que levo em mim.
»Meu vínculo com o mundo é duplo: Percepção e projeção».
Para o professor Cahen a projeção, que é a metade da vida mental, a imagem
resvala, algumas vezes, por sua própria conta e explica que o indivíduo
interprete mal a coisa percebida.
«Há que abordar o problema dos discos voadores como se abordaria um sonho
diurno, uma imagem de sonho diurno. Aqueles que o vêem são perfeitamente
sensatos e, com freqüência, tão racionalizados que puseram seu potencial de
inconsciente sob pressão».
E então, repentinamente, esse potencial se libera, estoura e perturba a
percepção habitual do mundo.
Do mesmo modo que um vulcão quando entra em erupção, projeta lavas mais
ou menos individuais, o homem inibido, não socorrido, inquieto. Em resumo: O
homem defeituoso de projeção, exterioriza os desejos e as imagens-desejos que
estão em si desde sempre (as estruturas mentais ou os arquétipos de Jung).
Nesse sentido o círculo de Deus se converteria no redondel dos discos voadores.

200
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
A essas reflexões extremamente interessantes acrescentamos a opinião do
astrônomo Hubert Reeves:
Nosso universo está, ainda, cheio de coisas que não compreendemos. Coisas
misteriosas que estranham e (sobre o problema dos discos voadores) não posso
ser afirmativo num sentido nem noutro.
»Neste momento isso me parece quase impossível. No futuro creio que vale
mais ser prudente e nada dizer».
O que se pode dizer sem risco é que, cada vez mais, certos sábios ficam
inteligentes, sensíveis, e não temem, em absoluto, dar um passo em direção aos
poetas e aos esoteristas.

NOSSO UNIVERSO: UM PULSAR EM FORMA DE DISCO VOADOR

A associação de idéias quiçá parecerá insólita mas as reflexões do professor


Cahen nos fazem pensar nas pistas de Nasca cuja explicação nos escapa, talvez
porque não possuímos suficientemente o sentido do fantástico e do impossível
permanente.
Uma imagem, em particular, nos volta à memória: A magnífica flecha que, no
pampa, indica uma direção. Sírio. Vênus?
E se o pampa de Nasca fosse uma tábua de orientação pra ir aos planetas
habitados?
Esses planetas estão situados, obrigatoriamente, sobre a borda de nosso
universo galático que é uma espécie de pulsar* organizado como o átomo, com
um núcleo vibrante, denso, energético, e uma delgada coroa de estrelas que
parecem se afastar pra se diluir no infinito.
Nossa galáxia tem, exatamente, a forma atribuída aos discos voadores e... às
pílulas de aspirina e conservará muito tempo essa forma, a menos que um
desabamento galático atraia todas as estrelas dentro de seu núcleo pra o
transformar em buraco negro ou supernova.
Os planetas de civilização análoga à da Terra estão, pois, situados sobre o
perímetro de nossa galáxia (em nenhum caso poderiam estar no núcleo) ou
sobre a coroa de galáxias vizinhas.
É razoável imaginar relações intersiderais através dos infinitos de tempo e de
espaço?
Os disquistas franquearam a passagem há muito tempo e agora os físicos e os
astrônomos vão ainda mais longe e expõem hipóteses extravagantes que
arriscam perturbar o espírito do grande público a quem o selo oficial é uma
garantia de autenticidade.

FRED HOYLE: NOSSOS ANTEPASSADOS EXTRATERRENOS

O astrônomo Fred Hoyle, professor de astronomia na universidade de Cambride


e de astrofísica na universidade de tecnologia da Califórnia, não tem a

Os pulsares são radiofontes cujas emissões muito potentes vêm sempre do mesmo ponto distante do
espaço (os bordas de nosso universo) sob forma de pulsações regulares. Seriam, quiçá, estrelas de
nêutron em rotação muito rápida, isto é, estrelas que terminam seu ciclo de vida ativa.
201
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
intransigência dalguns de seus colegas e penetra de cheio na pluralidade dos
mundos habitados.
Num livro que poderia ser a Bíblia dos disquistas,** declara que devemos nos
preparar à idéia de que existem no universo criaturas semelhantes a nós mas
que podem utilizar uma ciência diferente. Escreveu:
«As formas de vida que existem no universo devem apresentar o aspecto dum
zoo fantástico».
Desde sempre o homem, maravilhado, contempla o céu que sempre considerou
morada de seus deuses (exceto os gregos).
Por instinto, tem, talvez, razão, observou muito justamente Fred Hoyle quem,
ademais, pensa que o exílio ao homem em perigo pode vir do céu e que houve,
antanho, sobre a Terra seres vindos das estrelas.
Nossos antepassados superiores, de certo maneira!
«É fantasticamente improvável que sejamos os primeiros»... acrescenta, mas,
paradoxalmente, não crê na possibilidade dos contatos, já que se fosse doutro
modo todos os planetas estariam habitados por criaturas do tipo que primeiro
tivesse feito a viagem.

A SAGA DE CARL SAGAN

Carl Sagan, professor no instituto de tecnologia da Califórnia, professor de


astronomia e de ciência espacial, primeiro em Rarvarde e em Estanforde, depois
da universidade Cornel, laureado com uma distinção da NASA, é extremamente
simpático e possui um extenso registro de conhecimento.
Considerado uma das mais brilhantes mentes do fim do século XX, sua
autoridade se estende sobre todos os continentes e é o promotor da expedição
da sonda Viquingue sobre o planeta Marte (julho de 1976).
É também o autor dum livro que todos aqueles a que interessam os mistérios do
céu devorarão e onde expõe seu ponto de vista de sábio.*
O problema dos ufos não é verdadeiramente crível, escreveu, mas, teoricamente,
devem existir civilizações adiantadas sobre planetas que não pertencem a nosso
sistema solar.
Pôde aterrissar, antanho, uma nave espacial? Não possuímos prova.
Devido à distância, os terráqueos somente podem enfocar um monólogo com os
povos do espaço: A pergunta feita tardaria milhares de anos a chegar a um
destino e seriam necessários outros tantos milhares de anos pra obter uma
resposta. Por conseguinte, é uma esperança insensata.
Com muita pertinência o sábio ianque faz constar que somos como os papuas
da Nova Guiné que, em seus vales isolados, se comunicam entre si mediante o
tantã sem imaginar que, na realidade, emissões radiofônicas passam, aos
milhares, em torno a seus ouvidos.
Não podemos inspecionar os ufos nem, tampouco, as emissões que talvez nos
são enviadas.

Fred Hoyle, Hommes et galaxies (Homens e galáxias), edições Dunod, Paris.


Cosmic connection ou L'appel des étoiles (Conexão cósmica ou O apelo das estrelas), de Carl Sagan,
Edições du Seuil, 27, rua Jacó, 75006, Paris.
202
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Nossa curiosidade nem nos impulsionou a decifrar o rumor que se ouve nas
conchas em forma de caracol.
E se se tratasse duma mensagem?
O que importa... É infinitamente pouco provável que o terráqueo esteja em
condição de decifrar uma mensagem cósmica enviado por seres cuja
programação genética, estrutura mental e base biológica são, certamente,
diferentes das nossas.
Nem sequer somos capazes de traduzir a escrita maia, nem os rongo-rongo da
ilha de Páscoa!
Para os extraterrenos o homem da Terra seria, provavelmente, um caso anódino
de grande estupidez.
Até aqui Carl Sagan é razoável, sensato, inclusive se crê em super civilizações
do espaço, mas se torna extravagante quando considera uma homogeneização
cultural em certas galáxias, com todas as super civilizações agrupadas em
confederação!
Cabe crer que se inspirou nas novelas de Jimmy Guieu,** especialista em ficção
científica.

A ESFERA DE DYSON

O astrofísico soviético N. S. Kardashev, citado por Sagan, classifica as


presumidas civilizações espaciais em três tipos caracterizados pela quantidade
de energia que consomem.
Tipo 1: Civilização análoga à dos terráqueos.
Tipo 2: Civilização utilizando 1/1.000 da energia de sua galáxia.
Tipo3: Civilização utilizando uma fração notável da energia de sua galáxia
(existência pouco provável, já que tal civilização constituiria um império cósmico
em regiões infinitamente longínquas do universo).
A galáxia mais próxima da nossa (podendo ser habitada por seres super
evoluídos) é a nebulosa de Andrômeda, a 2,2 milhões de anos-luz.*
Eis aqui, pois, a um dos maiores astrofísicos do século embarcado nas super
civilizações, em companhia de numerosos outros sábios, e, por que não?, numa
grande transformação da ordem universal!
O bom Deus, a Inteligência Suprema, o Grande Arquiteto, o chamem como
preferir, ao carecer de diploma das Universidades de Rarvarde ou de Princetão,
não sendo membro do CNRS ou da UNESCO, cai por seu peso, que não soube
organizar o universo como um sábio o faria com um computador!
Então, o sábio substitui o demiurgo, tal como o matemático ianque Freeman J.
Dyson, com sua célebre esfera, cujo princípio é o seguinte: Uma super
civilização, desejando tirar partido da luz solar irradiada e perdida, põe em órbita
uma coroa de satélite pra captar essa energia.

Eis aqui alguns títulos das obras de Jimmy Guieu: Le retour des dieux (O retorno dos deuses), Les sept
sceaux du cosmo (Os sete selos do cosmo), A voix qui venait d'ailleurs (A voz vinda de alhures), Le
pionnier de l'atome (O pioneiro do átomo), etc. Edições Fleuve Noir, Paris.
 Andrômeda é uma constelação do hemisfério boreal que contém o objeto celeste mais distante que um

olho humano, nu, pode divisar numa noite muito clara: A grande nebulosa de Andrômeda. É extragalática.
203
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
O projeto foi minuciosamente elaborado por Dyson, desenhado, calculado, e só
falta executar.
Nesse estudo o planeta Júpiter é «desmontado e transportado sobre uma órbita
próxima à Terra e, reconstituído na forma duma concha esférica, enxame de
fragmentos individuais que girem ao redor do Sol».**
Excelente solução, disse Sagan, pra assegurar a sobrevivência duma população
numerosa... Será, sem dúvida, possível construir uma esfera de Dyson dentro
dalguns milhares de anos!
E se assim é, acrescentou, é provável que civilizações muito mais antigas que a
nossa executaram esse programa num remoto passado.
Parece um sonho!
Mas essas super civilizações mencionadas existem no universo?
Se há não querem se comunicar conosco.
Porque, temos de ser sensatos: Uma civilização super inteligente e desejosa de
estabelecer contato conosco adivinharia que temos aparatos de rádio e de
televisão!
Lhe seria fácil, graças a seus fantásticos conhecimentos, nos enviar emissões
fônicas e, inclusive, imagética, não em preto e branco mas em cor e em relevo.
Imaginar que não sabemos decifrar suas mensagens entra no absurdo!
Não somos, pobres retardados, os que temos de tentar decifrar... incumbe aos
super inteligentes enviar emissões claras!
Não as recebemos?
Então é que esses super inteligentes não existem ou não querem se revelar.

UM CONHECEDOR FALA: OS EXTRATERRENOS NÃO VIRÃO

Um dos que se denominam iniciados e que não costuma aparecer nos salões,
salas de redação, congressos e empresas editoriais nos fez as seguintes
revelações:
Carl Sagan é o eco perfeito da reflexão chamada científica. Suas idéias são
brilhantes. Sabe ou crê saber o diâmetro do universo, o número de sóis que
povoam nossa galáxia e o número de galáxias existentes no cosmo. Explica
como o universo foi constituído a partir dum grande bangue!, que se assemelha
ao trovão de Zeus e às fábulas da Bíblia. Isso carece de seriedade!
Sagan nutre com ilusões aqueles que se deixam captar pela magia de seu verbo
(mas tem, quiçá, razão sobre o plano psicológico).
Os pseudodiscos voadores são fantasmas, ilusões, imagens-desejos produzidas
por alucinações gregárias.
É inútil esperar os extraterrenos: Salvo um caso excepcional e não previsível,
não virão à Terra. E, sobretudo, não virão pra nos salvar! Que existam
civilizações extraterrenas é tão provável que se pode, logicamente, considerar o
fato como certo. Que essas civilizações possam, como insinuam Sagan,
Shkolvski ou Dyson, alcançar um nível infinitamente superior ao que
conhecemos: Não!

 Cosmic connection (Conexão cósmica), de Carl Sagan.


204
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
»Não, por uma razão exata, luminosa, evidente e que deveria chegar à mente
dos bruxos da astronomia, da física e da geologia: Não porque, ciclicamente, a
Terra é assolada por sismos, dilúvios ou fogos do céu, e ocorre o mesmo sobre
os outros planetas habitados. Se pode calcular esses ciclos, prever seu ritmo».

A DEMÊNCIA DOS BRUXOS: SUBSTITUIR DEUS PELO HOMEM

Sismos, dilúvios, fogos do céu são queridos e desencadeados pela Grande


Inteligência que habita o universo, regula seu mecanismo e procede sua
salvaguarda. É da mais elementar evidência que se o homem pudesse
desenvolver civilizações durante milhões de anos adquiriria poderes tão
perigosos que poria em perigo a ordem cósmica.
Resulta, também, evidente que seria ilusório pensar que o homem possa se
converter em sábio, bom, justo e eqüitativo.
A ciência é, quiçá, seu patrimônio maldito, mas o espírito de justiça e de
bondade lhe escapa como foge a água numa mão cerrada: Somente conserva
gotas.
De qualquer maneira, não é sensato conceber uma Grande Inteligência tendo a
estupidez de deixar a homens ou a Inteligências extraterrenas adquirir a
suficiente ciência pra pôr em perigo o universo* ou lhes concedendo confiança à
vista dum fiador tão duvidoso. Tal hipótese somente poderia ser considerada se
outorgasse ao homem o privilégio de se substituir, pouco a pouco, à Ordem
universal, a modificando, até se converter na Grande Inteligência recriadora, a
Grande Ordem.
O universo pode, muito bem, prescindir de nós!
O ser humano é centelha, reflexo, imagem de Deus, sem dúvida, mas não é
Deus: Os Conhecedores sempre souberam. Encontro estranho, segue sendo
sempre o Iniciado quem fala, que cientistas tão renomados como Sagan,
Shklovski, Dyson, Hoyle, etc., possam escrever seriamente que civilizações
adiantadas terão o poder de reger o cosmo, de regular a circulação dos astros,
de criar sistemas solares artificiais (a esfera de Dyson) e, por suposto, de fazer
arrebentar tudo.
Tanto equivale a dizer francamente que o homem se converterá não em igual a
Deus, senão num super-Deus, mais poderoso, mais inteligente, posto que
suprirá sua deficiência, modificará a configuração celeste pra lhes dar mais
eficácia e maior rendimento.
Pois bem: Não!
Proclamo com firmeza: Esses pseudo-sábios são soberbos e seu descaro está na
medida de seu erro.
A ciência ensinada nos círculos iniciáticos é menos otimista, menos
grandiloqüente, menos tranqüilizadora também pros insensatos: As civilizações
humanas não têm mais que um tempo e esse tempo é curto, da ordem dos
12.000 anos.
»Os terrícolas jamais colonizarão o cosmo e os povos do espaço nunca
colonizarão a Terra».

 É uma evidência, mas há que desconfiar das evidências!


205
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Tais são as palavras dum homem que, de nossa parte, consideramos um
autêntico sábio e um mestre.

OS EXTRATERRENOS NÃO PODEM SALVAR OS TERRÍCOLAS

Que iniciados aceitem falar e denunciar a impostura dos bruxos e dos


anticristos, eis aqui o que indica até que ponto crítico chegou e se encontra a
sociedade chamada avançada.
Por outra parte, é surpreendente que a maior parte das escolas desse terismo
incorram na conspiração dos que somente querem ver a salvação da
humanidade mediante a intercessão dos extraplanetários.
Tal ensino é, ao mesmo tempo, um erro e uma aberração. Como é possível que
esoteristas, investigadores de iniciação possam admitir a supremacia do
materialismo sobre o espiritualismo?
Porque a intrusão de extraplanetários em nosso globo, levando em conta a
disposição atual de nosso sistema solar, significaria que noutra parte, no
cosmo, a técnica ficou onipotente.
Esse fenômeno de onipotência da matéria não pode se produzir mais que em
detrimento do desenvolvimento espiritual.
O homem tem a curiosidade de ir ao cosmo. É verdade.
Quiçá porque, havendo saído duma matriz extraterrena, aspira se evadir duma
Terra que não é realmente seu berço, pra ir até onde lhe solicita seu código
genético.*
Mas é indiscutível que não foi feito pra realizar esse sonho, pra viver no cosmo.
Como tampouco está constituído pra habitar no interior dos oceanos ou das
montanhas.
Existe um fenômeno de rejeição a todos os níveis do universo.
O homem deve saber que nunca poderá ir fisicamente ao modo dum telegrama,
ao centro de sua galáxia e com maior razão se evadir pelos meios preconizados
pelos bruxos.
Que possa um dia escapar da Terra, visitar as estrelas longínquas, não é uma
hipótese que se possa excluir mas a viagem não se fará, certamente, com os
foguetes irracionais e ridiculamente lentos de von Braun.
De fato, a viagem ao cosmo e também a viagem ao passado e ao futuro já são
realizadas, e há muito tempo, pelos verdadeiros sábios!
Quiçá, sem dúvida, se farão acrescentados a seu procedimento pra fazer mais
eficaz e acessível a um maior número, mas nunca recorrerão ao impulso infernal
duma bomba atômica ou duma desagregação de carburante.
Seja o que for, crer que extraterrenos possam salvar ou prolongar a civilização
dos terrícolas está em contradição com as relações tradicionais e, muito
certamente também, com as leis cósmicas.
Wilhelm Reich e o doutor Timothy Leary expressaram a mesma idéia: A Inteligência suprema semeia o
espaço interestelar. Aminoácidos se depositam sobre os planetas. Quando chegar a morte física do homem
na Terra, o ADN revelará sua mensagem secreta: Fujamos. A entidade genética abandona o planeta!
206
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Seria tão monstruoso e irracional como encontrar um elixir de juventude que
faça imortal o corpo.

NECESSIDADE DE UM FIM DO MUNDO

O ensino da tradição é formal: Tudo no universo, todo o universo, deve passar


pelos três ângulos da pirâmide, pelas três etapas: Juventude, maturidade,
velhice.
É inelutável e justo que nossa civilização se afunde algum dia, e é igualmente
inelutável que a evolução do homem, não terminada, o conduza a um destino
que os físicos estão longe de entrever.
Carl Sagan pensa que o espaço vital terreno pode ainda suportar milhares de
milhões de indivíduos e que nossos recursos, aliados à miniaturização e à
imensa energia do sol, são amplamente suficientes pra suprir as necessidades
duma termiteira humana gigante e a suas gerações de robôs.
Esse pensamento, que aterrorizará muita mente, é, ademais de combatido pelos
esoteristas, combatido pelos geofísicos que sabem bem que equilíbrio aleatório
regula as forças internas do globo terreno e o movimento de relojoaria do
cosmo.
É um axioma da ciência sagrada: Inelutavelmente um dilúvio ou um cataclismo
sísmico fecha um ciclo de civilização.
O corpo físico do homem não seguirá a progressão geométrica de sua elevação
intelectual. As celas dos asilos psiquiátricos estão mais em seu colimador que
os pólos de Marte e as tundras de Júpiter.
Mas irá às estrelas com o pensamento, já vai a elas, e tão rentavelmente como
se se fosse em corpo físico.
E, se fosse, realmente, às estrelas, seria pra encontrar o quê, a final de conta?
Que descende do símio. Que é uma criação excepcional, privilegiada. Ou pra se
reunir com os grandes antepassados maléficos que lhe trouxeram o veneno?
Se, como esses antepassados, pra ir, também contaminar o cosmo e fazer
conhecer aos bons selvagens universais o mistério terrorífico do fogo, da fusão,
dos espelhos e das maquiagens de beleza?*
Os anjos aportaram aos terrícolas o fogo do céu, a ciência: Fusão dos metais,
armas, etc., e o secreto da confecção das pinturas.
O fogo prà futura bomba atômica, as pinturas pra corromper a Natureza.
O próprio Céu parece ter preparado os malefícios que determinarão o apocalipse.
Nesse sentido não estaria em nosso destino permanecer bons, virtuosos, justos,
eternos, e a deterioração da espécie humana e, quiçá, também sua natureza
física, seriam obra dos extraterrenos da tradição.

O LIVRO DE ECLESIASTES

 Livro de Enoque. Parte I, capítulo VII, versículo 10: E eles lhes ensinaram (às mulheres) a bruxaria, o
encantamento e as propriedades das raízes e das árvores. Capítulo VIII, versículo 1: Azazyel ensinou,
também, os homens a fazer espada, faca, escudo, couraça e espelho. Lhes ensinou a fabricação de
bracelete e de adorno, o uso da pintura, a arte de pintar as sobrancelhas, de empregar pedra preciosa e
toda classe de tintura, de modo que o mundo fosse corrompido.
207
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Muito mais sábio que Einstein e Carl Sagan, os antigos ensinavam as leis do
destino, e a Bíblia fez eco dele no Livro de Eclesiastes, ao qual cabe admirar a
alta filosofia unida a um labirinto científico assombrosamente profundo. Eis aqui
um extrato de capítulos que merecem meditação:

Capítulo primeiro:
2 Vaidade de vaidade, diz o Eclesiastes: Vaidade de vaidade. Tudo é vaidade.
3 Que proveito tira o homem de tudo pelo qual se afana sob do Sol?
4 Passa uma geração e vem outra mas a Terra permanece pra sempre.
9 O que foi será. O que já se fez, isso é o que se fará. Nada se faz novo sob o
Sol.
10 Uma coisa da qual dizem: «Olhai, isso é novo». Assim era nos séculos
anteriores a nós.
Não há memória do que precedeu, nem do que sucederá haverá memória nos
que virão depois.

Capítulo II:
14 O sábio tem olhos na frente e o néscio anda em treva. Vi também que uma
mesma é a sorte de ambos.
15 E disse em meu coração: «Também terei a mesma sorte do néscio. Por que,
pois, me tornar sábio? Que proveito tirarei dele?» E disse pra mim: «Também
isso é nulidade».
21 Porque quem trabalhou com labirinto, com perícia e bom sucesso, tem
depois que deixar tudo a quem nada fez nele. Também isso é vaidade e grande
mal.

Capítulo VIII:
17 Examinei, também, a obra de Deus, que não pode o homem conhecer quanto
se faz sob o Sol, e por muito que em buscar se fatigue, nada chega a descobrir.
E, ainda quando disser o sábio que sabe, nada chega a saber.

O HOMEM, ABELHA LIBADORA DO COSMO

Se civilizações extraterrenas avançadas tivessem existido, teriam semeado o


universo porque o homem é dum orgulho e dum altruísmo incomensurável.
O fez? Tal é a pergunta que deveria ser feita previamente. Se essa semeadura
teve lugar a Ordem universal foi gravemente perturbada e o homem suplantou o
Deus-universo.
É possível aceitar tal hipótese?
A contestamos com força porque é sacrílega (no sentido de irracional, estúpida)
e contrária aos conceitos tradicionais no que há de mais fundamental e de mais
sensato.
A menos que a Ordem universal tenha utilizado o homem como libador, como
abelha cósmica. O que não parece muito admissível!
O astrônomo François Biraud deixa constância (Science et vie (Ciência e vida),
H. S., Ep114) duma hipótese de Ball: Civilizações muito avançadas teriam
208
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
dominado a técnica das viagens intersiderais e delimitado reservas naturais
onde estaria proibido intervir. A Terra pertenceria a uma dessas reservas. Seria
um zoo cósmico.
Decididamente, os cientistas têm muito mais imaginação e uma mentalidade tão
aventureira quanto os escritores chamados de ficção científica.
A única super civilização autêntica e necessária é a de Deus-universo, quer
dizer: A civilização de ele-mesmo, da Natureza... da relojoaria cósmica, das
geniais leis e interações que regem a biologia, a química, a física, a astronomia.
O homem não pode pretender igualar esse Existente, e seus computadores
melhor organizados nunca saberão criar uma rosa, evitar as guerras ou inventar
uma mariposa.
Inelutavelmente, chegará um dia em que as civilizações humanas consideradas
as mais elevadas e as mais geniais, serão atiradas às latas de lixo ou as
descargas dos universos em mutação.
Em conclusão, a aventura extraplanetária não é, sem dúvida, mais que uma
imaginação, uma torre de Babel construída pelos homens sacrílegos,
inconscientes, e se limitará fatalmente à exploração dos planetas mais próximos
ao sistema solar.
Um salto de pulga!
Dentro duma ordem de idéia puramente especulativa se pode pensar que os
ufos são alucinação de indivíduos cujo espírito vagabundeia em universos
paralelos, alucinação ou materialização de imagens-desejo, ou também
misteriosas remanências dum Ignoto que nos obseda mas que não sabemos
identificar.
Muito provavelmente os ufos não procedem de civilizações humanas
extraterrenas mas têm uma relação com os acontecimentos cósmicos ou com
os sonhos, os delírios, as perturbações do que poderíamos chamar o
subconsciente da Grande Entidade ou Grande Consciência universal.
Um sonho de Deus, diria o poeta que é um conhecedor.

FIM

209
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Apêndice
Diferença de nomenclatura numérica entre Américas e Europa

Américas Europa Núme- Nota-


ro escrito ção
científica

Um Um 1 100

Mil Mil 1000 103

Milhão Milhão 1 000 106


000

Bilhão Mil 1 000 109


milhões 000 000

Trilião Bilião 1 000 1012


000 000
000

Quatrilhão Mil 1 000 1015


biliões 000 000
000 000

Quintilhão Trilião 1 000 1018


000 000
000 000
000

Sextilhão Mil 1 000 1021


triliões 000 000
000 000
000 000

Setilhão Quatri- 1 000 1024


lião 000 000
000 000
000 000
000

Octilhão Mil 1 000 1027


quatriliões 000 000
000 000
000 000
000 000

Nonilhão Quinti- 1 000 1030


lião 000 000

210
Robert Charroux Arquivos doutros mundos

000 000
000 000
000 000
000

Decilhão Mil 1 000 1033


quintiliões 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000

Undecilhão Sexti- 1 000 1036


lião 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000

Dodecilhão Mil 1 000 1039


sextiliões 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000

Tredecilhão Setilião 1 000 1042


000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000

Quatordeci- Mil 1 000 1045


lhão setiliões 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000

Quindeci- Octilião 1 000 1048


lhão 000 000
000 000

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Robert Charroux Arquivos doutros mundos

000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000

Sedecilhão Mil 1 000 1051


octiliões 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000

Septendeci- Noni- 1 000 1054


lhão lião 000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000 000
000

Assim, se um bilhão de dólares é muito dinheiro no Brasil, um bilião é


muito, muito mais em Portugal. O dinheiro vale a mesma coisa em toda a parte
mas o número é muito diferente. No Brasil o bilhão é um número formado pelo 1
seguido de nove zeros (1 000 000 000 = 109); em Portugal o bilião é o 1 seguido
de doze zeros (1 000 000 000 000 = 1012 ) , ou seja, mil vezes mais dólares que
no Brasil!
Como se lê este número?: 1.863.005.000.000.000.000.000
em Portugal:
Mil, oitocentos e sessenta e três triliões e cinco mil biliões
No Brasil:
Um sextilhão, oitocentos e sessenta e três quintilhões e cinco quatrilhões

212
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
— Maelstrom, Maelstrom! — Gritavam os marinheiros.
Estávamos, pois, nas perigosas paragens da Noruega, o Nautilus tinha sido
arrastado àquela voragem no mesmo instante em que íamos arriar o barco.
É fato que na ocasião da preamar, as águas comprimidas entre as ilhas
Féroe e Lofoden adquirem intensa violência, formando um torvelinho do qual
nunca escapou navio.
Júlio Verne - 20 mil léguas submarinas

A montanha estremecia na própria base e o rochedo parecia se abalar. Me


atirei de rosto sobre o chão e agarrei as escassas ervas num excesso de
agitação nervosa.
— Isto — disse eu, finalmente, ao velho – não pode ser outra coisa senão o
grande redemoinho do Maesltröm.
— Às vezes é assim denominado. Nós, os noruegueses, o chamamos
Moskoe-ström por causa da ilha de Moskoe, a meio caminho.
As narrativas conhecidas a respeito desse vórtice de modo algum
prepararam meu espírito pro que vi. Aquela de Jonas Ramus, que é talvez a
mais circunstancial de todas, não oferece noção da grandiosidade, do horror da
cena ou do violento e perturbador sentido de algo novo que confunde o
espectador. Não estou certo sob qual ponto de vista o escritor em questão o
abordou, nem em que época, mas não deve ter sido do cume do Helseggen nem
durante uma tempestade. Há certas passagens de sua descrição, não obstante,
que podem ser citadas pelos pormenores que apresentam, ainda que de efeito
bastante fraco para transmitir uma impressão do espetáculo.
Edgar Allan Poe - Uma descida no Maelstrom

213
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
Dados referentes a algumas crateras meteoríticas, seguem na tabela abaixo:

Localiza- Diâme- Crateras


ção tro (m)

Arizona - 1207 Arizona


Eua

Texas - 168 Odessa


Eua

Austrália 21 lgaranga

Kansas - 17 Haviland
Eua

Estônia 110 Kaalijarf

Austrália 220 Henbury

Arábia 100 Éabar

Austrália 175 Boxhole

Quebeque 3340 Ungava


- Canadá

Austrália 853 Wolf Creek

Sibéria - várias Tunguska


Rússia crateras

Mauritâ- 250 Auellul


nia

Maranhão 13.000 Serra da


- Brasil Cangalha

Estônia 100 Kaalyaw

Entre as mais conhecidas crateras, vale ressaltar a do desfiladeiro Diablo, no


Arizona, Eua e a de Tungusca, na Sibéria, Urs. A cratera do Arizona possui uma
idade aproximada de 4.0000 anos e tem 1,3km de diâmetro por 150m de
profundidade. Segundo as mais recentes pesquisas o meteorito deveria ser do
tipo siderito e, como se encravou numa região desértica, com materiais
inconsolidados, se estima que esteja a uma profundidade de 400m. Já a cratera
de Tungusca, atesta os estudos da região destruída, cerca de 100km2 que a
massa do corpo deve ter sido da ordem de 300 toneladas, e sua queda foi
registrada em 30.06.1908 às margens do rio de mesmo nome. Devido a posição
da queda, se o meteorito tivesse caído 4h:45min mais tarde teria destruído
214
Robert Charroux Arquivos doutros mundos
totalmente a cidade de São Petersburgo (Rússia) e se tivesse caído 6h:48min
mais tarde, Oslo (Noruega) seria riscada do mapa.

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