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CAPITULO VIII E AFINAL: ANALISE FUNDAMENTAL OU TECNICA? (OU: AGORA E METAFISICA) E AFINAL: ANALISE FUNDAMENTAL OU TECNICA? (OU: AGORA E METAFISICA) “A tecnologia esté fazendo a prova que as disciplinas da Andlise Técnica e Fundamental s4o acima de tudo complementares”. Cherian Samuel, “Wall Street Review” “Tive um “affair” com uma corretora. Foi tudo muito estranho; tinharnos relagdes sexuais @ discutfamos Andlise Fundamental. Nao sei porqué, filiou-se na Frente de Libertacao da Palestina”. Woody Allen Em sequéncia destes capitulos V, VI e VII, vamos entrar em reflexdo, talvez até em retiro espiritual — pelo menos o autor assim o espera. Apesar de se ter ja atalhado caminho, procurando solugdes, oferecendo generosos conselhos e optando ou sugerindo pistas, o leitor arguto desiludira o autor se se sentir iluminado e munido de opgées definitivas. Que diabo! Isto ainda é complexo... © autor jé simulou em computador, pés dinheiro, inventou argumentos, e pior ainda, leu tudo o que conseguiu agarrar, escrito por “traders”, corretores, especu- ladores, gestores de fundos, analistas técnicos, académicos, entrou em crise existencial com a “Random Walk Theory’, sempre atraés da pergunta suprema: — O que funciona? A Andlise Técnica ou a Andlise Fundamental? 337 GANHAR EM BOLSA — O MERCADO DE ACGOES A resposta, no fundo, é simples: ambas... com as suas limitagdes. Mais complicado sera a definigao da prioridade, da coordenagao, da justa medida, da determinagao das circunstancias mais favordveis e da perspectiva dos varios utilizadores. Vejamos © caso sob os varios aspectos possiveis. No Principio, era a Andlise Fundamental. E a verdade 6 que sem a tentativa de conhecimento da economia e das empresas, 0 Jogo nao passa de uma roleta. Alias os analistas técnicos, ao estudarem as relagdes de procura e oferta, concretizados nos pregos e volumes, nada mais estao a fazer do que a procurar o que o mercado sabe, isto 6, a opinido do grupo de investidores que analisaram as empresas e transmitem o seu conheci- mento indirectamente através dos seus lances de compra e venda. Logo, a valia da Andlise Fundamental 6 incontestavel e inconstestada. Consideramos aqui, nao apenas o estudo e avaliagao dos dados estatisticos, econdmicos e financeiros, extraidos de relatérios e contas, mas a averiguagao de campo realizada por profissionais da Analise, que visitam as empresas, buscam informagées, analisam o ambiente micro e macro-econémico e procuram projectar resultados para o futuro. (Esta andlise de “research” esta vedada aos particulares, pelo menos directamente. No maximo o particular vai conhecer em 2* mao e tardiamente os dados apurados, como ja dissemos. Veremos, a frente, 0 que fazer). Assim vista, a Andlise Fundamental, enquanto tentativa de projecgao dos rendimentos esperados nos anos seguintes, pode ser extremamente Util, mas revela-se igualmente enganadora e por vezes catastrdfica; em varios momentos, para traz, deixamos os comentarios negativos ou sarcasticos dos que, sendo do oficio, acham "muito dificil fazer previs6es principalmente para o futuro” e acham “execraveis" as previsGes dos peritos. A saida esta em se procurar um horizonte temporal limitado, de modo a reduzir ao minimo os aleatérios e as variaveis da complexa vida moderna. Porém a Andlise Técnica, se perspectivada a prazo, nao esta melhor. Excepto para o futuro préximo, com a ajuda de certos indicadores (forga do avango, sintonia de médias méveis, volumes, etc., etc.), 0 cepticismo para o médio-longo prazo é de rigor, até para os préprios prosélitos mais irredutiveis. Podiamos talvez concluir que quem consegue obter informag&o fidedigna sobre uma empresa, podendo prever como vao seguir as alteragdes de resultados, tem uma enorme 338 E AFINAL: ANALISE FUNDAMENTAL OU TECNICA? vantagem. Mas, repetimos, convém nao ir para prazos muito distanciados; e é de bom tom rever cautelosamente as varidveis do cenario envolvente. Se nao... Que fazer? Porqué utilizar, se possivel, as duas técnicas, comprando ou ven- dendo, e reverter da decisdo tomada, fechando a posig&o, se uma ou outra das técnicas seguramente o aconselharem (“seguramente” esta usado em sentido relativo)? Porque as duas aproximagdes podem ser complementiares. Assim, se 0 ‘tesearch” dum institucional detecta uma oportunidade numa acgao subvalorizada, vai entéo ‘pescd-la”, independentemente do que a Andalise Técnica lhe sussurrar. Por exemplo; em Dezembro de 1990, a Cel-Cat estava cotada ‘a prémio”, mas indicadores técnicos nao sinalizavam qualquer comportamento ou indicag&o. Seria, porém, de comprar. Pouco depois, em Fevereiro de 1992, todos os indicadores técnicos apontavam efectivamente para a Cel-Cat, que subiu cerca de 80% em menos de 2 meses. Ganhou dinheiro. € “mutatis mutandis”, em Fevereiro de 1991, a Mabor, a atravessar e a mer- gulhar em tremendas dificuldades estava manifestamente cara a 1200$00, mas os indicadores técnicos recomendavam, apesar disso, a compra, ao ponto de, em um més, um analista técnico poder ter obtido 50% com 0 titulo! Ganhou dinheiro (1). O que nos propémos entéo? Conhecer a “performance” passada da empresa, em termos fundamentais e técnicos, digamos nos Ultimos 5 anos. Assim, podera definir-se um padrao de comportamento, dentro de certo ambiente, o desse segmento temporal. Para o futuro, haver4 que comparar as envolventes actuais e passadas com as hipotéticas futuras, mas evitando a tentativa de exactidao. E que nao ha pior futurologia que a do modelo matematico. Definir objectivos claros de longo prazo, como se 0 futuro nos viesse obedecer, 6 realmente ousado, dadas as complexidades das variaveis, imprecis6es e aleaté- rios que hoje em dia ocorrem com uma frequéncia e quantidade inacreditaveis (2). Lembra-se o leitor da histéria da Lisnave e a NBO Securites? Os 20 milhdes de lucros esperados resultaram antes em mais de uma dezena de milhdes de prejuizo! Assim, a mensagem certa pode ser esta: (1) Vide grafico 8.1, na pagina seguinte. (2) Vide atras “Informagao’. 339 GANHAR EM BOLSA — O MERCADO DE ACGOES CaS WABOR, SaOTT 1980 1950 1900 900 1050) sas0 1800 +000 1750) 1760 700 1700 1860 1680 1600 1600 1550 1860 1800] 1500 1450] 1450 00] 400 1260] 1350 1300) 1300 1250] 1250 1200) 1200 1180 1160 ‘90 NOV Dec JAN FEB MAR Graf. 8.1 — Vamos navegando o presente, com vista no futuro a médio-longo prazo, © sempre preparando a rectificagdo ou reforgo da posig¢do, usando tanto a andlise técnica como a fundamental, conforme o melhor de uma e outra, conhecendo como conhecemos os respectivos campos de vantagem. E arrisco-me a afirmar que todos os praticos e tedrico-praticos do ramo aconse- lham uma aproximagao tendencialmente baseada no bom senso e na boa capa- cidade de ver, sendo este o Ultimo tempero a acrescentar ao nosso caldo analitico. Torna-se, agora, ainda mais evidente uma coisa: A Andlise Fundamental acessivel aos particulares 6 manifestamente mais insuficiente e lenta que a disponivel aos institucionais. Assim, 6 claro que estes 340 E AFINAL: ANALISE FUNDAMENTAL OU TECNICA? grandes investidores vo erigir este tipo de andlise, nas suas duas cambiantes de andlise de dados passados e de trabalho de campo de investigagao para projec- gdes futuras, como seu método ideal de selecgdo de carteira. E um método que resulta com os cuidados devidos e contém uma vantagem comparativa importante. Claro que os institucionais vao litigar entre si no processo da informagao mais apurada e relevante, e ganham sem dtvida aos particulares, neste concernente. Que podem estes fazer? — Dedicar atengao permanente a informagao publica disponivel, dos jornais e revistas especializadas, etc. — Atentar a informagao dada pelos “research” das sociedades de corre- tagem. — Avaliar os dados passados publicados em relatérios e contas, que serao postos em confronto com o ambiente actual e futuro. — Estruturar tudo com bom senso e raciocinio légico. — Recorrer a Andlise Técnica. Mas serd entao que a Andlise Técnica 6 0 meio adequado do investidor parti- cular, por raz&o de exclusao de partes? Uma espécie de “selecgao de carteira” dos pobres? Ja vimos que nao é assim. E necessario compreender os elementos funda- mentais e segui-los com atengdo e perseveranca, mas eles vao no final reflectir- -se nas cotagdes. Isto 6: — Hd coisas que sé alguns sabem e a imensa maioria ignora, mas que aqueles vao revelar ao mercado, por via do seu comportamento. E, assim, 0 mercado incorpora a informagao e fica a saber. Quer isto dizer que a Andlise Técnica, enquanto estudo permanente dos pregos e volumes, da oferta e da procura, vai permitir detectar eventos, cuja natureza exacta o analista pode desconhecer por completo, mas que estao a influenciar as cotagdes, e, assim, agir em conformidade. (Escrevemos esta ideia muitas vezes, mas nao demasiadas vezes). Nesta vertente, verifica-se outra complementaridade da Andlise Técnica em telagado & Fundamental: — serve-Ihe de “rede”. Nenhum institucional ou qualquer departamento de ‘research” conhecem, momento a momento, as vicissitudes da empresa que acompanham e estudam. Ora 0 comportamento das acgdes no mercado, traduzido em precos e volumes, funciona como aviso ou até ‘red alert”. Deste modo, quem ignorar completamente qualquer facto determinante, e isso acontece a todos os intervenientes do mercado, com potencialidade de influenciar 341 GANHAR EM BOLSA — O MERCADO DE ACGOES © prego, veria por exemplo que algo estava a acontecer 4 Amadeu Gaudéncio em Outubro de 1992, 4 Sonae em Maio de 1993, a Caima pela mesma altura, a Lisnave por Novembro de 1992, 4 Engil por Agosto de 1989, BPI, por Junho de 1993, etc. Vejamos o exemplo grafico: RELe il eta eH ea Graf. 8.2 — (Gréfico com cotagées semanais) © percurso do BPI tomou um caminho estranho, com pregos @ volumes a subirem, a partir de Julho, pois sabiam-se decepcionantes os resultados semestrais. que estava 0 gréfico a indicar? Uma anomalia, sem divida, mas mais do que isso nao revela o "Gréfico’. (Falou-se de ‘take-over’ , mais tarde, de uma manipulagao por George Soros) A sucessao de pregos e volumes estava a transmitir mensagens do mercado ao investidor que, atento, as nao podia deixar passar inertes. Pensamos, assim, sem diivida, que a Andlise Técnica 6 a arma de eleigéo do investidor particular e de imprescindivel apoio dos institucionais. Mas, dir-me-a 0 investidor particular: adoptar a Andlise Técnica apenas por impossibilidade de utilizar a Andlise Fundamental directa nao é grande argumento. E se a Andlise Técnica nao passar de método de 2" categoria, inevitavelmente perdente? Para ja, a resposta ganhante é a seguinte: — nao ha grande medo da pretensa vantagem das previsGes de retornos futuro a médio/longo prazo, classificadas alids de ‘horriveis”, ou de pouco fidveis na melhor das hipéteses. A isso contrapomos 342 E AFINAL: ANALISE FUNDAMENTAL OU TECNICA? uma azada e sensata perspectiva sobre o ambiente econdémico geral e sectorial. Nao 6 0 mesmo, mas como sucedaneo eficiente passa perfeitamente. Porém, a Andlise Fundamental, com recurso aos dados passados, é sempre acessivel e importante. Por outro lado, a certos investidores particulares esta aberta a possibilidade de uma andlise a empresas, por via de terceiros, a que Firth no “Independente”, chamou ‘inside knowledge”, invocando Lynch. Trata-se de, por via de conhecimentos pessoais ou contactos negociais, obter informacéo priveligiada sobre a empresa a estudar. Isto é acessivel a muitos particulares. Por sua vez, a Andlise Técnica, cuidadosa e parcimoniosamente empregue, no é nenhuma panaceia, mas é eficaz e até permite obter lucros que a Andlise Fundamental negligencia. Por exemplo, uma acco cara em termos de valor intrinseco, sera preterida por aquele critério, mas aconselhada provavelmente pela visdo técnica, apenas preocupada com as condicionantes da oferta e da procura. E no é raro ver acgées tidas por excessivamente apregadas conti- nuarem em garbosas subidas, anémalas e imprevistas naquele critério funda- mental. Deste avango sé ganhar4o os que tomem a Andlise Técnica como método. (Ja vimos, atras, o exemplo da Mabor em 1991 e o problema é so da escolha). E convém nao esquecer que no “timing” é insuperdvel (1). &m suma: — A Andlise Fundamental 6 para institucionais; s6 depois vird a Andlise Técnica. — A Anilise Técnica serd a melhor arma dos particulares, que ndo esque- cerao, porém, a Andlise Fundamental. A Anéalise Fundamental a que os particulares tem acesso 6, como vimos, a incluida em relatérios contabilisticos passados, exclusivamente, e os diagndsticos das sociedades de corretagem, que pratiquem “research”. A dos institucionais pode e deve incluir o trabalho de campo de averiguagao, alias, a sua enorme vantagem. Em todas as circunstancias, a Andlise Técnica do mercado é imprescindivel para determinar “timings” de subida e descida, oportunidades de comprar e de vender, momentos de investir ou desinvestir. Sera talvez a altura de recordar a frase de Samuel, deixada como epigrafe, que insto o leitor a reler. (1) Vide “Andlise Técnica de Mercado". GANHAR EM BOLSA — O MERCADO DE ACCGES (A ultima consideragao a fazer, antes de chegarmos a sumula final, impde a percep¢ao que a Andlise Técnica sé funciona adequadamente partindo de volumes adequados, pois, de outro modo, torna-se facilimo a investidores poderosos influ- enciarem os movimentos de outros investidores, os “tecnicistas”. Alids, os detractores de Andlise Técnica nao deixam de apontar que os seus acertos resultam possivelmente da auto-validacao. Vao todos atrdés do mesmo “sinal’...) Assim, para a selec¢do de carteira, e se nado féssemos submetidos a constrangimentos, preferirlamos, a Andlise Fundamental. Para 0 “timing” de investimento, optarfamos definitivamente pela Andlise Técnica. Realmente, vamos descobrir os Momentos de entrar e sair do mercado por meios ‘técnicos”, embora com ajudas “fundamentais”. (A opiniao agora expresssa, julga-a o autor avalizada, nao sé pelo mérito logico-argumentativo, mas ainda pelo facto de a Andlise Fundamental ser preco- nizada por académicos e institucionais e a Andlise Técnica defendida por grandes particulares que triunfaram em Bolsa, como Livermore, Darvas, O'Neil, Goldstein, Weisman, etc. Parece tratar-se de algo mais que uma mera coincidéncia: — Cada qual usou da melhor maneira o melhor meio de que dispunha). DE RETER: — A Analise Fundamental é e deve ser 0 método de seleccio prefe- rido pelos investidores institucionais, que a nado podem dispensar. — A Anilise Técnica deve ser a metodologia a utilizar pelos parti- culares, mas dentro de um ambiente de Andlise Fundamental, balizada nos dados obtidos e na projeccao légica e sensata para o futuro. — Na questio de determinar 0 “timing” de mercado, 0 Momento, o Autor sustenta a superioridade da Andlise Técnica sobre a Fundamental, mas sem esquecer “apports'' com que aquela con- corre (v.g. a importantissima evolucao da taxa de juro).

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