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16] A filosofia classica e o helenismo. Platao ‘A vocagio filoséfica de Plato acaba por ser determinada a partir do julgamento e da condenagao a morte de Sécrates. Platao estava destinado, por linhagem, a politica, mas renunciou a participar de um sistema que havia sido o causador do assassinato do mais sabio e justo dos homens — desiludido, dedicou-se a uma atividade puramente teérica: a filosofia, Nela, tentou encontrar um fundamento objetivo para o interesse do homem pelo conhecimento, assim como para a possibilidade de o alcangar. 0 conhecimento nao tem apenas uma dimensao teérica, mas também uma pratica: 0 conhecimento da verdade permite uma vida justa e mente correta, assim como uma organiza¢ao politica que corrija os graves defeitos das jé existentes. A teoria das idéias ‘Socrates determina a vocacao filosofica de Plato, as- sim como sua pretensdo fundamental: chegar & ver~ dade a partir do didlogo, entendido aqui como um au téntico exercicio racional, e ndo meramente como a expressdo de um ponto de vista subjetivo, na maio- ria das vezes obtido de forma irefletida, A verdade assim encontrada — a diferenca de Socrates, que se conforma em buscé-la, Platao esta totalmente con- vencido de que é possivel atingi-la —é o tnico fun- damento legitimo de nosso comportamenta ético € politico, e so ela constitu o auténtico saber. Mas a influgncia de Sécrates nao foi a tinica decisiva. He- réclito € Parménides também foram determinantes na elaboragao de sua grande contribuigao floséfica: 4 teoria das idéias. Heraclito — na realidade, um dis ‘fpulo dele, Cratilo —leva-o.a ver que os objetos ma- teriais esto em continuo devir, que fluem consian- temente € que, uma vez que no permanecem em rnenhum estado fixo, ¢ impossivel conhecé-los; nao se deixam capturar, porque quando os captamos ja ‘do so aqullo que eram, $6 pode haver conhecimen: to de algo que nao mude, de algo que, ao permane: cer sempre identico a si mesmo, realmente seja, con digao indispensavel para ser plenamente inteligvel, tal como Parménides havia determinado, ‘Se observamos as coisas que nos rodeiam, notamos ue elas mudam continuamente € que, portanto, nunca nos proporcionardo esse conhecimento que Platio considera indispensdvel para a vida humana ‘se ha de haver conhecimento, ele tera como objeto outrarealidade, de natureza totalmente diferente da- {quela captada pelos sentidos, que so s30 capazes de nos mostrar 0 mutavel, ‘Temos indicios da existéncia e da natureza dessa outra realidade quando falamos, quando utilizamos a linguagem, Nossas palavras se referem aparente ‘mente aos objetos sensiveis (aqueles dos quais te- ‘mos sensagdes), mas se odservarmos mais detida ‘mente perceberemos que as palavras apontam para algo muito diferente, Para comegar, nao temos uma palavra para cada objeto percebido, mas uma mes- ‘ma palavra permite referir-se a um conjunto de ob- jetos, aqueles que apresentam certas caracteristicas, em comum, A palavra nao se refere, portanto, 20que constitui a particularidade do objeto, mas 20 que existe nele de comum e universal, em relacao a ou tos objetos da mesma classe. Por outro lado, isso a que a palavra se refere & 0 que faz 0 abjeto ser o que €, quer dizer, sua esséncia.E, além do mais, isso— a esséncia comum —é algo que permanece invaria- vel, oque a tora plenamente inteligivel. Ea essa ou- tra realidade que Plato chama de idéi. Dizemos que determinada mulher ¢ bela, mas ela ndo € a propria Beleza, e sim um caso particular de be leza:existem outros objetos belos. Essa mulher, além do mais, envelheceré e deixara de ser bela, mas a Be- leza nao mudara. Uma pessoa valente pode um dia deixar de o ser, mas o que ndo deixara de ser € a pré- pria Valentia. Por outro lado, se a mulher é bela ou se 0 soldado ¢ valente ¢ porque neles se realizam, de alguma forma, a Belezae a Valentia, sem chegat a se confundir com esses casos particulares. £ pre iso dstinguir entre o objeto sensivel, particular e mu- tante, €0 que constitu nele o universal ¢ a esséncia permanente. Mundo sensivel e mundo inteligivel Platao distingue dois mundos. 0 mundo sensivel, no ‘qual nds seres humanos sentimos, temos percep {G0es, adquirimos um conhecimento particular das oisas e experimentamos que elas s0 mutaveis; € 0 ‘mundo das idéias, um mundo separado, transcen- dente, uma vez que as idéias — em grego, eldos — sio de natureza totalmente diferente da dos objetos sensiveis (© “mito da caverna” é uma bela alegoria dessa du plicidade de mundos. Os seres humanos comuns S40 ‘como os prisioneiros acorrentados no fundo de uma ceaverna; por tras deles arde um fogo, e entre eles & (0 fogo existe uma série de objetos que se projetam ‘como sombras na parede em ftente. Os prisioneiros 6 vem essas sombras e, como nunca viram outra coisa, parece-Thes que elas sao o real, até que um dia alguém (0 fil6sofo) consegue se libertar das corren- tes e sair da caverna para descobrir ali, luz do dia, a auténtica realidade Pagina to io Replica de lao em que oe reine sues dias sobre um Estado parte e jst. Caracteristicas das idéias {As idéias sdo as esséncias das coisas sensiveis, quer dizer, aquilo por meio do qual uma coisa (sensivel) é ‘oque é. Assim, aidéia de Beleza é a Belezaem simes- ma e aquilo pot meio do qual as coisas belas sao be las, S80 0 comum e universal dos objetos sensiveis, ‘enquanto os objetos sensiveis tem, além disso, carac- teristicas totalmente particulares. Por exemplo: isto & tum livro, tem a esséncia Livro, mas é um livro con creto, com caracterisicas paticulares que o istinguem de outros livros. Cada idéla é tnica, nao ha miiltiplas, idéias de livro; cada idéia 6 uma unidade, As idéias Sé0 imateriais, encontram-se & margem do espaco e do tempo e, por isso mesmo, ndo estéo sujeitas ao devir, so imutaveis¢ etemnas—o que as toma perfetas, em contraste com a imperfeicao dos objetos sensivels ¢ ‘mutantes. Embora imateriais, so totalmente reais, ¢ mais até, sao mals reais do que os objetos a que dio origem porque, se o objeto & como é, ¢ gracas &idéia correspondente. E 0 objeto sensivel que depende da ideia, endo. idéia do objeto sensivel, ssas so asca- racteristicas que Parménides atribuia ao sera idéias ‘so 0 ser—o tnicaplenae totalmente inteligivel quer dizer, s6 cognoscivel pela inteligencia. Dal a expres- so platénica mundo inteligtvel. A relacdo entte as idéias e as coisas & denominada por meio de diferentes expressdes. Do ponto de vis- ta das coisas, diz-se que € uma relacao de participa: {0 ou imitacao; do ponto de vista das idéias, & cha: mada de presenca, Platao | 17 0 mito da caverna *—E, continuando — prossegui — compare com 2 seguinte cena o estado fem que, com relagdo & educagdo ou & sua falta, acha-se nossa natureza Imagine uma espécie de habitagdo cavernosa subterrdnea provida de uma longa entrada, aberta & luz, que se estende ao longo de toda a caverna,e uns homens que estdo ali desde criangas, presos pelas pernas e pelo ‘escoro, de modo que precisem ficar quietos e olhar apenas para a frente, ‘is 05 lagos 0s impedem de vrar a cabega; detés dees, a uz de um fogo ‘que arde um pouco lange e num plano superiay,e entre o fogo eos aprisionados, um caminho que sobe, a longo do qual suponta que tena sido construido um pequeno tapume semelhante aos anteparos erguidos entre os manipuladores de marionetes eo pdblico, por cima dos quais exibem suas habilidades. — Jé estou imaginando — ele disse. — Pris bem, imagine agora, 2o longo dessa pequena parede, uns homens ‘que transportam todo tino de objetes, cuja altura ultrapassa a da parede, € estétuas de homens ou animais feitas de pedra, madeira e todo tipo de material; entre esses carregadotes haverd, como é natura, alguns que vo falando e outros caladas. — Que cena estranta voo8 descreve — ele disse —, e que estranhos prisioneros! — Sio coma n6s — eu disse —. porque, em primeira lugar, voo8 acha que aqueles que estdo assim viram outra coisa de si mesmos ou de seus companheios além das sombras projetadas pelo fogo sobre a parede da cavera diante deles? —De que jeito — ele disse —, se durante toda a sua vida foram obrigados. ‘a manter as cabegas iméveis? —E dos objtos transportados? Nao terdo visto @ mesma coisa? — Que outra coisa poderiam ver? —E se pudessem falar uns com os outros, ndo acha que aceditariam estar se referindo aquetas sombras que viam passar diante deles? — Nao, por Zeus! — ele disse — Entio nao hé divida — disse eu — de que tals criaturas tomardo como reais apenas as sombras dos objeto fabricados. —€ inteiramente inevitavel — ele disse.” Plato. A Republica Conhecimento sensivel € conhecimento inteligivel © dualismo entre mundo sensivel e mundo inteli- givel € extensivo também ao conhecimento, De uma realidade que nao é plenamente real, que & apenas imitacao de outra, nao pode haver conhe- cimento no sentido forte da palavra: pelo conheci- mento sensivel se conhecem coisas mas, uma Vez {que essas sao cOpias das idéias, é um conhecimen- to de segunda ordem. Esse conhecimento vulgar ¢ © da maioria das pessoas, razdo pela qual essa ‘majoria vive como em uma espécie de sonho. Es- tamos no reino do que Platao chama de daxa ou opi- Tigo. £0 Unico a que os habitantes da caverna tém Mas é possivel também chegar ao reino da verdade, se € que somos capazes de despertat e ascender a0 ‘conhecimento das idéias, Essa ascensio esforgada ‘epenosa ¢ factivel por meio do amor a sabedoria, is- to, por meio da filosofia, que permite chegar a um saber que jd no é mera opinio, mas episteme (cién- cia}, um saber totalmente racional que nao admite dividas nem disputas teoria da reminiscéncia Nossos sentidos, materiais,s6 podem ter acesso aos ‘objetos materiais. Como podemos conhecer. portan- to, asideias, se essas Sio imateriaise estio, além dis- ‘so, em outro mundo? Por que temos a idéia de igual- dade, embora nunca tenhamos visto duas coisas absolutamente iguais? Por que sabemos da idéia de justica, com toda a sua pureza, apesar de nossa exis- tencia como seres sociais ter sido sempre injusta? ‘A resposta é a teoria da reminiscéncia. Além do corpo, o ser humano tem uma alma, imaterial € mortal, ¢ € ela quem conhece as idéias em uma cexisténcia anterior. O conhecimento s6 & possivel para nds se possuitmos uma alma tmortal. A mes- ‘ma argumentagao serve a Platao para demonstrar ‘a imortalidade da alma e para justficar a possibili- dade do conhecimento. Em sua preexistencia, aalma esteve em contato com ‘© mundo inteligivel e ali adquiriu seu saber. Quan- doentraem contato com 0 corpo, dando lugar a um ser humano, a alma esquece todo o seu conheci ‘mento. Sabe, mas nao sabe que sabe. Ao longo de sua existencia corporal, no entanto, a alma tera ‘oportunidade de ir recordando, e aquilo que nos pa rece a aquisicao de algo novo é apenas a lembran- ‘sa de um saber esquecido. A passagem do conhe- Cimento sensivel 20 conhecimento inteligivel, a ascensio que conduz da mera apinio ao saber da episteme, a contemplagao da verdade que é conce- dida a quem é capaz de abandonar a escuridgo da caverna — isso se produz como reminiscéncia de um saber que jd se possuia Nesses aspectos da teoria platonica se percebem 0s vestigios das doutrinas 6rfico-pitagoricas, com sua crenca na transmigra¢ao das almas — isto a metempsicose — que tem uma origem claramen- te oriental Platao | 19 Os ensinamentos do filésofo “Mas de que se alimenta a alma, Socrates? — Dos ensinamentos, sem davida — respondi. — De modo que, meu ‘amigo, ndo deixemos o sofista nos enganar, alardeando o que vende, como os {que vendem alimentos para o corpo, os comerciantes e negociantes. Porque esses negociam com mercadoris, 695 quais nem eles mesmas sabem qual & til ov prejudicial para o corpo (pois, a0 vendé-las, alardeiam todas), nem os ‘que compram sabem, a nao ser que alguém sea, por acaso, professor de gindstica ou médico. Da mesma forma, os que levam os ensinamentos pelas Cidades, vendendo-os e negociando com ees, dante de quem sempre esté Aisposto a comprar, alardeiam tudo o que vendem. Mas, provavelmente, alguns deles, querido amigo, desconhecem o que, dente aquilo que vendem, 6 itil ou prejudicial para a alma; eo mesmo se pode dizer dos que os compram, a ndo ser que algum seja também, por acaso, médico da alma, Portanto,seés entendido em qual destas mercadoras é iti equal é Prejudicial, odes ir com segurange comprar os ensinamentos de Protdgoras cu de qualquer outro. Mas se nao for assim, meu bom amigo, procura ndo se anriscar nem prem perigo o mais pecioso, pois muito maior risco se core na compra de ensinamentos do que na de alimentos. Porque quem compra comida ou bebida ao negociante ou comerciante pode transporté-las em ‘outros recientes e, depositando-as em casa, antes de se dispor a comer ou beber, pode chamar um especialista para ihe pedir um conselho sobre o que é comestivel ou potavel eo que néo é,eem que quantidade, e quando; de modo ‘que ndo se corre grande risco na compra. Mas os ensinamentos nao podem ser transportados em outro recipiente, porque, uma vez pago seu prego, necessariamente quem compra um ensinamento ja sai dal levando-o em sua propria alma, prejudicado ou beneficiad. Portanto, examinemas essas ‘questées com quem tem mais idade do que nés, porque ainda somos jovens para resolver um assunto assim.” Plato. Protégoras. Prato ensina geometria a seus discus Noles, Museu Nacional No umbral da entrada da academia que fundou em ‘Atenas, Plata mandou eserever"Pibida a entrada de quem no saa geomet.” Dessa manera, sustentava 9 ape primordia que centri 0s cenecinentos exonétin-matematins. Nofinal desu vis, Plato chegou 8 identitcar alitatvamente as ides com 0 nimers.

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