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Racismo na escola e
Engravidamos Leitura é questão
o emponderamento
aos 60 de gosto
de crianças negras
EXPEDIENTE
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul

Faculdade de Biblioteconomia e
Comunicação Comunicação Social -
Jornalismo

Redação
André Luiz da Silva, Antonella Nery,
Camila de Souza, Camila Medroa,
Caroline Silveira, Deborah Mabilde,
Dora Assumpção Schmidt, Hugo Sil-
veira, Juan Ortiz, Juliana Maciel,
Liz Diaz, Luana Cruz, Lucas Katsu-
rayama, Luiza Dorneles, Maí Yanda-
ra, Mariana Moraes, Natalia Henkin,
Nathalia Sasso, Paola Dala Barba,
Paula Barcellos, Vanessa Petuco e
Nesta Edição Yuri Correa

04 O que há de diferente? Comissão Editorial


Antonella Nery, Deborah Mabilde,
06 Cuidados que tanto faltam Liz Diaz, Paula Barcellos e Yuri Cor-
rea
09 Engravidamos aos 60
Revisão
11 Rituais que controlam a vida André Luiz da Silva, Caroline Silvei-
ra, Camila Souza, Dora Assumpção
13 Restrições não só alimentares Schimdt, Hugo Silveira, Juan Ortiz,
Juliana Maciel e Natalia Henkin

16 O acordar do divino sol


Arte e Fotografia
Luiza Dorneles, Maí Yandara, Nata-
18 Reaprender a aprender lia Henkin

21 Leitura é questão de gosto Projeto Gráfico e Diagramação


Camila Medroa, Luana Cruz, Natha-
23 Uma vila para educar uma criança lia Sasso, Mariana Moraes e Vanessa
Petuco
25 Entre posições e histórias: a yoga na educação infantil
Fotos de Capa
27 Os pais também vão à escola Joana Schneider

29 Um olhar para a infância Orientação


Marcelo Träsel
32 A realidade dói, não conhecê-la dói ainda mais
Semestre: 2017/1
34 A linguagem que aproxima pais e filhos por meio da vulnerabilidade
Tiragem: 300 exemplares
37 Racismo na escola e empoderamento de crianças negras

39 Meninas expostas nas redes sofrem em silêncio

42 A luz e a sombra da maternidade


Este trabalho é distribuído sob uma
44 Política e educação: o que está faltando? Licença Creative Commons Atri-
buição-SemDerivações 4.0 Interna-
cional. Para ver uma cópia desta
47 Religião e infância
licença, visite http://creativecom-
mons.org/licenses/by-nd/4.0/
50 Era digital desafia pais e filhos
2
EDITORIAL

Por que falar para mães e pais?


Mães e pais são figuras importantes para qualquer um. Assim, ao nos dirigirmos a mães e pais, buscamos trazer
São progenitores, protetores, super-heróis até. O modo como assuntos pertinentes a um mundo e um tempo em que a re-
a simples presença de uma pessoa afeta o comportamento de volução tecnológica causa impactos e muda perspectivas so-
outra no cotidiano é incomparável à influência que um tutor ciais de forma imediata e todos os dias. Para tanto, aborda-
pode ter ao se fazer presente e ativo por toda a infância de um mos o assunto através de quatro editorias: saúde, educação,
indivíduo. Esse contato costuma definir e moldar os adultos psicologia e social. Maternidade em idade avançada, a im-
de amanhã, conceder a eles noções sociais, sentimentais e portância da leitura na infância, racismo e romantização da
psicológicas para se inserir no mundo. maternidade são apenas algumas das pautas que se inquiri-
As crianças e os jovens precisam de alguém que funcione ram para serem debatidas, e que muitas vezes são ignoradas
como um guia para quem recorrer. Ao passo em que che- ou feitas de tabu. Nesse sentido, uma que encontra grande
gam próximas à adolescência, as crianças adquirem novas resistência de discussão é a desescolarização, reportagem-
concepções, tornam-se mais independentes. É natural que -capa dessa edição da 3x4. Partindo da premissa de que as
tentem e queiram bater asas sozinhas. Porém, embora seja crianças são ávidas por conhecimento, a prática defende que
normal que nos afastemos um pouco do núcleo familiar, nor- a curiosidade deve ser estimulada, e que ao invés de uma
malmente as pessoas com quem crescemos continuam a re- educação padrão para todos, a individualidade deve ser leva-
presentar uma base de referência. da em consideração.
Os pais são aliados diretos na busca e na criação da iden- Da mesma forma, a singularidade dos contextos trazidos
tidade dos adolescentes. No entanto essa relação é bastante nesta publicação buscam questionar a inércia e evidenciar
complexa, afinal, por um lado é preciso aceitar a autonomia e pontos de vista que tendem a se calar frente aos enraizados
respeitar a privacidade e o desenvolvimento pessoal de cada costumes que definem o que é ser mãe ou pai, o que é ser
um, e por outro é importante também educar e ensinar aos filho e que responsabilidades, imposições e direitos existem
filhos que, por esses mesmos motivos, existem limites que entre os dois.
devem ser aprendidos. Comissão Editorial

E ponto
Produzir um jornal com periodicidade semestral é um crianças, como yoga e comunicação não-violenta.
desafio. O responsável pelo 3x4, produto laboratorial da dis- Para além do entusiasmo e ansiedade típicas de qualquer
ciplina Jornalismo Impresso III, precisa encontrar a melhor produção jornalística, com suas idas e vindas, fontes ina-
forma de resolver a contradição entre a obrigação de che- tingíveis, dados elusivos, constantes reescritas, revisões das
gar o mais próximo possível do formato diário e, ao mesmo revisões, diagramação sem diagramadores, a experiência de
tempo, oferecer ao leitor matérias passíveis de serem lidas a criar esta edição do 3x4 trouxe um peso adicional: a respon-
qualquer tempo. Neste semestre de 2017/1, propus aos alu- sabilidade de publicar sua última versão impressa.
nos apurar, redigir e editar reportagens tendo em mente não A partir de 2017/2, o curso de Jornalismo da Fabico/
um tema, mas um público-alvo. As discussões em grupo nos UFRGS deixa de fazer parte da graduação em Comunicação
levaram a escolher as mães e os pais como leitores a quem o Social, seguindo as diretrizes curriculares homologadas em
jornal que você tem em mãos seria destinado. 2013 pelo Ministério da Educação. A disciplina Jornalismo
A decisão de escrever para mães e pais nos levou a ou- Impresso III deixará de existir e, com ela, a versão impres-
tro desafio: evitar o reforço dos estereótipos que cercam a sa do 3x4. No final dos anos 1990, minha turma produziu a
parentalidade e são reproduzidos constantemente na mídia sua edição do jornal, sob orientação do professor Wladymir
generalista e mesmo nos veículos segmentados. Discutimos Ungaretti, aposentado em 2016. Não poderia imaginar que,
não só o papel da família na escola, mas o papel da própria quase 20 anos depois, caberia a mim colocar o ponto final
escola em nossa matéria de capa. Mostramos que a ciência nesta experiência de décadas. Não é uma tarefa agradável e
vem superando a idade-limite para a gravidez. Investigamos só posso esperar que o resultado esteja à altura da história
as dificuldades de mães e pais no tratamento das aflições do 3x4.
psicológicas ou na superação de desafios como vazamen- Ei-lo: .
tos de fotos íntimas, pois eles são, antes de tudo, humanos.
Apresentamos, ainda, outros modos possíveis de cuidar das Marcelo Träsel
3
SAÚDE

O que há de diferente?
A dificuldade em perceber as diferenças no desenvolvimento da criança esconde uma
realidade cada vez mais frequente: o autismo infantil.

Luana Cruz cura e se manifesta durante toda Ela explica que esta recomenda-
a vida. Em alguns casos é associa- ção faz perder um tempo precioso
Felipe tinha pouco mais de um do a deficiência mental ou a ou- de tratamento e desenvolvimento
ano quando a mãe, Kátia Vieira, tros transtornos (como ansiedade, da criança, cujos sintomas iniciais
notou que havia algo diferente. Ele TOC, entre outros). As variações da podem ser percebidos com poucos
não costumava atender quando era intensidade das características en- meses de vida.
chamado, caminhava na ponta dos tre os casos torna complexo o diag- Como o autismo não é conside-
pés, tinha dificuldade no desenvol- nóstico, que é muito mais difícil de rado uma doença, é bastante co-
vimento da fala. Percepções sutis, concluir em casos mais leves. mum que o diagnóstico não con-
que muitas vezes passam desper- A estimativa de 2010 da ONU é te com a confirmação de exames
cebidas pelos pais nessa fase da de que aproximadamente 70 mi- neurológicos. A saída para estes
infância. Porém, quando Felipe es- lhões de pessoas no mundo apre- casos é fazer a investigação atra-
tava com dois anos, ela começou a sentem autismo. No Brasil, acredi- vés de questionários e do acompa-
investigar a causa desses compor- ta-se que sejam cerca de 2 milhões. nhamento da criança. Nem sempre
tamentos. Kátia é enfermeira e já A incidência em meninos é quatro é possível fechar um diagnóstico
tinha experiência no contato com vezes mais comum que em meni- com precisão, mas já é possível ini-
autistas. Mesmo com a descon- nas. Ainda há muitas incertezas so- ciar tratamentos que auxiliem no
fiança do que seria o diagnóstico, bre o distúrbio e a grande variação desenvolvimento. Carla alerta que
no começo pensava que não pode- do espectro dificulta dados mais “a criança que não está recebendo o
ria ser verdade. Contudo, resolveu precisos. Portanto, o crescimento tratamento adequado é uma crian-
procurar ajuda. Passou pela parte do número de casos registrado nos ça que sofre, pois ela tem alguns
dos exames neurológicos, que nada últimos anos não afirma um au- rituais e coisas que a estressam tre-
apontaram de anormal. Passou por mento real, pois pode ser apenas mendamente. Para a família o im-
uma série de avaliações com psicó- o reflexo de um maior número de pacto do diagnóstico é muito gran-
logas até chegar ao tratamento atu- diagnósticos. de em qualquer idade, mas para a
al. A psicóloga Carla Cristyna Ro- criança quanto mais cedo melhor.”
Ao contrário de Felipe, são mui- cho trabalha há mais de 25 anos no A dificuldade de aceitação das
tas as crianças que não têm o acom- tratamento do autismo. Ela relata famílias é bastante frequente. Ao
panhamento necessário. Casos que a principal resistência à aceita- contrário do que acontece no caso
como o dele, em que se apresentam ção da família é justamente a difi- dos distúrbios físicos, que são facil-
características não muito claras, culdade dos médicos em fornecer o mente identificáveis, a descoberta
que podem ser identificadas pelos diagnóstico. Em muitos casos, é al- do autismo costuma se dar quando
pais como apenas alguma pecu- guém próximo à criança que acaba a criança já tem dois, três anos, ou
liaridade infantil, frequentemente percebendo a diferença e estimu- até mais, principalmente nos casos
acabam com um diagnóstico tardio lando os pais a buscarem auxílio. mais leves. Agravante ainda maior
ou até mesmo sem ele. Porém, se a tendência da família é nesse processo é quando ocorre o
O autismo é um transtorno que acreditar na possibilidade de ine- transtorno desintegrativo da in-
compromete principalmente a in- xistência do problema, é comum fância, quando a criança tinha um
teração social e a comunicação. que siga a indicação de aguardar desenvolvimento aparentemente
Geralmente aparece nos primei- até os três anos de idade para uma normal e por volta dos três anos
ros três anos de vida, mas não tem tentativa de diagnóstico específico. de idade começa a perder habili-

4
SAÚDE

dades de fala e entrar no espectro

Foto: Jonathan Weiss/Unsplash


do autismo. Em todos os casos, há
um grande nível de estresse entre
os responsáveis, por isso a neces-
sidade também de um acompa-
nhamento familiar no tratamento,
para compreender e auxiliar no de-
senvolvimento da criança. “O mais
difícil para os pais é entender que
muitas vezes o autismo não é limi-
tante, é apenas um jeito diferente
de ser. Existe uma população mui-
to grande de autistas que aprende
a ler, escrever, são funcionais, tra-
balham, e apenas têm um padrão
de comportamento diferenciado”,
esclarece Carla.

Na Escola Observar o comportamento da criança e conhecer


o desenvolvimento comum à sua faixa etária são
Salvo casos mais severos, em essenciais para notar possíveis alterações
que é necessário solicitar o ensi-
no a domicílio, é possível que a
criança frequente o ensino regular. quando há uma negação sobre a si- das quanto ao diagnóstico de au-
Ambas as situações são garantidas tuação da criança. tismo. Mais importante que esta
por lei e valem para instituições de A resistência das famílias en- certeza é o acompanhamento que
ensino públicas e privadas, que de- contra explicação também na pre- possibilita o progresso no seu de-
vem atender a necessidade do estu- ocupação com o futuro da criança. senvolvimento. Para os pais que
dante após apresentação de laudo Kátia conta que uma das suas dú- têm qualquer suspeita, Kátia deixa
médico. vidas quando percebeu a condição o conselho de quem já passou por
do filho, foi em saber como seria a esta dúvida: “Amor, em primeiro
A professora Cilene Cannavo,
situação dele na sociedade quan- lugar. Não se deve ter medo de sa-
que trabalha no atendimento edu-
do crescesse. No consultório de ber, descobrir o diagnóstico, pro-
cacional especializado da Escola
Carla, esta também é uma dúvida curar o tratamento correto. Não se
Estadual Cristóvão Colombo, vi-
frequente: “Os pais procuram pela deve rotular a criança. É teu filho,
vencia isto diariamente. Ele en-
previsão de possibilidades e elas dá amor, carinho, toda a atenção.
tende que o autista é uma criança
não existem. Eles querem saber Quanto mais amor, melhor vai ser
que tem um olhar diferente para o
até quando os filhos serão depen- o desenvolvimento.”
mundo e que precisa ter respeita-
do seu tempo e maneira de apren- dentes deles”. Ela entende que esta A indicação é que seja procu-
der. “Para que se dê o processo de preocupação também se deve à au- rado auxílio profissional sempre
aprendizagem, precisa ser constru- sência de programas sociais que que houver dúvida ou suspeita,
ído um vínculo, porque sem vínculo deem maior tranquilidade às famí- sempre que a criança não reage a
afetivo não tem aprendizagem. Pri- lias. Nesse sentido, o tratamento estímulos, tem hipersensibilidade
meiro a construção de vínculo, de que trabalha é justamente com o ou demonstra qualquer conduta
busca do que ele gosta, de confian- objetivo de possibilitar a maior au- que não é típica de sua faixa etária,
ça para que a partir dali se busque a tonomia possível ao autista desde a por mais que seja uma característi-
aprendizagem”, relata. Cilene tam- infância. ca aparentemente positiva. Mesmo
bém comenta sobre a importância Hoje com quatro anos e meio, que não venha a ser caracterizado
da família no processo, auxiliando Felipe já perdeu várias das carac- o autismo, pode se tratar de outros
a descobrir e desenvolver as habili- terísticas que apresentava no início transtornos e precisa ser averigua-
dades, sendo os casos mais difíceis do tratamento e ainda deixa dúvi- do.

5
SAÚDE

Cuidados que tanto faltam


Escolas públicas e privadas de Porto Alegre ainda não oferecem condições
previstas em lei para alunos com transtornos como autismo

Caroline Silveira A coordenadora do Comitê de lidades/superdotação, segundo o


Maí Yandara Neuropsicologia do Desenvolvi- Sistema Informatizado da Secreta-
mento da Sociedade dos Psicólo- ria da Educação (Ise).
Quando Vânia Lúcia percebeu gos do Rio Grande do Sul, Cláudia Alunos com superdotação po-
que seu filho, Gabriel, tinha algo Bauer, explica que a “terapia cogni- dem apresentar problemas na in-
diferente, levou-o para consultar tivo-comportamental é tida como teração social, pela dificuldade em
com um neurologista. Foi aí que padrão ouro para a maioria das compartilhar interesses com pes-
descobriu que ele tinha Síndrome doenças, podendo estar associada soas da mesma faixa-etária. Se a
de Asperger, uma doença do siste- à medicação psiquiátrica. A terapia criança superdotada não tiver au-
ma nervoso que causa movimen- ocupacional, oficinas, psicoeduca- xílio familiar ou profissional, pode
tos indesejados e involuntários ção e outras intervenções também ter problemas como depressão ou
(tiques). Gabriel também tem de- podem ser sugeridas ao paciente”. traços de agressividade. Por isso,
pressão, problema que afeta 5,8% Para Vânia, que é mãe de Ga- eles estão incluídos no atendimen-
dos brasileiros, segundo a Organi- briel, o que mais pesou para ele foi to educacional especializado.
zação Mundial de Saúde (OMS). a escola, que não atendia às suas Giovani, pai de Rafael, explica
A Síndrome de Asperger é um necessidades. “No passado, ele me que o filho, autista, perdeu o auxílio
tipo de Transtorno do Neurode- disse que estava cansado da esco- que tinha na escola em que estuda.
senvolvimento, já a depressão está la, que queria tentar fazer o Enem “Ele está em uma escola municipal,
incluída nos Transtornos Mentais (Exame Nacional do Ensino Mé- antes eles tinham dois estagiários
Comuns (TMC). Ambos atingem dio) para não precisar fazer o úl- que faziam acompanhamento es-
cerca de 10 a 20% de crianças e timo ano do Ensino Médio. Com o pecial com as crianças, mas agora o
adolescentes em todo o mundo. auxílio de tratamento terapêutico, município retirou esse auxílio. Es-
O transtorno depressivo, de an- ele passou”, conta. tamos na luta para que esse atendi-
siedade, alimentar, autismo e o O relato de Vânia não é tão in- mento retorne”, relata. A Secreta-
Transtorno do Déficit de Atenção comum como se poderia pensar. O ria Municipal de Educação (Smed),
e Hiperatividade (TDAH) são os Brasil tem 57,8% instituições edu- responsável pela rede municipal de
distúrbios mais frequentes. Deles, cacionais que possuem alunos com ensino de Porto Alegre, não se pro-
50% se manifestam entre jovens de deficiência e transtornos globais do nunciou sobre o assunto.
14 a 20 anos de idade. desenvolvimento ou altas habilida- Já o Sindicato do Ensino Priva-
Giovani Casagrande, que tra- des, incluídos em classes comuns. do do Rio Grande do Sul (Sinepe/
balha na creche da Universida- O que não se sabe é como esses es- RS), não soube especificar exata-
de Federal do Rio Grande do Sul tudantes são atendidos em sala de mente quantas crianças e adoles-
(UFRGS), descobriu que Rafael ti- aula. centes com transtornos são aten-
nha autismo, quando via as outras O Rio Grande do Sul tem em didas na rede privada. Mas disse
crianças brincando na creche e seu torno de 24 mil alunos matricu- que o acompanhamento desses es-
filho não interagia com elas, ficava lados nas escolas da rede pública tudantes é feito em laboratórios de
isolado. A doença foi diagnosticada estadual com atendimento educa- aprendizagem, que são atividades
quando Giovani levou-o ao Institu- cional especializado. São crianças específicas voltadas a alunos com
to de Psicologia da Universidade. e adolescentes que apresentam de- alguma dificuldade. Caso o aluno
Com a terapia, Rafael apresentou ficiências, transtornos globais do precise de um atendimento mais
melhoras no convívio social. desenvolvimento e/ou altas habi- individualizado, a equipe técnico-

6
SAÚDE

pedagógica de cada instituição dia- é obedecido em algumas escolas. cional reforça - pela Lei 9.394/96,
loga com seus familiares, buscando Também solicitou a implantação artigos 58 e 59 - a importância de
uma solução para o problema. da sala de recursos para o Atendi- uma educação apropriada a alu-
O Sindicato dos Professores mento Educacional Especializado, nos com transtornos e deficiências.
do Ensino Privado do Rio Grande referida na Recomendação do Mi- Destaca, também, a necessidade de
do Sul (Sinpro/RS) explica que o nistério Público em Porto Alegre, capacitar docentes para atendê-los,
atendimento não cumpre a legis- mas que ainda não aconteceu em bem como estabelece a criação de
lação. Ele negociou com o Sinepe/ muitas instituições de ensino. É serviços de apoio especializados em
RS a necessidade de ter uma asses- necessário que as redes de ensino instituições de ensino regulares. O
soria aos professores que têm tur- públicas e privadas proporcionem diálogo deve ser feito entre a esco-
mas com alunos que necessitam de a essas crianças um acompanha- la e os familiares, para que sejam
atendimento especial. É o que está mento educacional e psicológico garantidas soluções mais efetivas
previsto na cláusula 40 da Conven- qualificado, respeitando as limita- para as dificuldades apresentadas
ção Coletiva de Trabalho, mas não ções do aluno. A Constituição Na- por esses jovens.

Foto: Pixabay

Crianças com transtornos podem


apresentar dificuldades de
relacionamento com outras pessoas

7
SAÚDE

O que são Transtornos O que são Transtornos


de Neurodesenvolvimento? Mentais Comuns (TMC)?

São limitações apresentadas muito cedo, desde o São distúrbio caracterizados pela insônia, fadiga,
início do desenvolvimento, que se manifestam em irritabilidade, esquecimento e dificuldade de con-
dificuldades no relacionamento social, acadêmico e centração, que acometem, aproximadamente, um
profissional. Estão incluídos o autismo e o Trans- em cada três adolescentes brasileiros. Estão inclu-
torno do Déficit de Atenção com Hiperatividade ídos os transtornos depressivos, de ansiedade e os
(TDAH). alimentares. Eles podem causar um desequilíbrio
hormonal entre crianças e adolescentes, provocan-
Autismo: do, entre outras doenças, obesidade, hipertensão e
tabagismo.
É caracterizado por prejuízos na comunicação e in-
teração social, causando dificuldades emocionais. O
autista apresenta padrões repetitivos em movimen- Transtornos depressivos:
tos motores, falas e brincadeiras com objetos do É perceptível o humor triste, vazio ou irritável. Há
dia-a-dia. A síndrome de asperger é um tipo mais uma perda de interesse por atividades anteriormen-
brando de autismo, podendo causar depressão na te atrativas, acompanhadas por uma incapacidade
criança ou adolescente. de realizar atividades corriqueiras. A criança sente
perda de energia, modificações no apetite, sono, an-
Déficit de Atenção com Hiperatividade: siedade, concentração diminuída e inquietação.
É um transtorno caracterizado por sintomas de de-
satenção, inquietude e impulsividade, causando di- Transtornos de ansiedade:
ficuldades no desenvolvimento do aprendizado es- Medo e ansiedade excessivos, com respostas com-
colar e também nas relações sociais. É o distúrbio portamentais defensivas inadequadas. O medo
mais comum entre crianças e adolescentes dirigidos provocaria períodos de excitabilidade autonômi-
a serviços de atendimento especializados. Em torno ca elevada, pensamentos de perigo imediato, com
de 3 a 5% de meninos e meninas, com idade de 3 a comportamentos de fuga. Já a ansiedade, provoca-
12 anos, no mundo, apresentam a doença. ria pensamento em constante vigilância e compor-
tamentos de cautela ou esquiva.
Foto: Pixabay

Transtornos alimentares:
Incluem todos aqueles comportamentos relaciona-
dos à má alimentação, devido ao consumo altera-
do de alimentos, comprometendo a saúde física e
o funcionamento psicossocial. Há na adolescência
um excesso de preocupação com a imagem corporal
e questões referentes ao peso, que devem ser enca-
radas como normais, mas monitoradas pelos res-
ponsáveis.

Dados fornecidos por Cláudia Bauer,


coordenadora do Comitê de Neuropsicologia do
Desenvolvimento da Sociedade dos Psicólogos do
Rio Grande do Sul.

8
SAÚDE

Engravidamos aos 60
A mulher que deu à luz aos 61 anos e os bastidores
da reprodução assistida

Foto: Arquivo Pessoal


“Ele sempre dizia que queria
ter uma Marcita, que nem eu”

Juan Ortiz eu”, lembra. Os dois filhos eram boa. Márcia estava em ótimo esta-
de outro casamento. Ambos eram do de saúde e poderia tentar a fer-
Foi em um check-up médico que professores da Unicamp e estavam tilização in vitro (FIV), uma forma
Márcia Chaves Gamboa decidiu vi- juntos havia 11 anos (agora, 17). de reprodução realizada em labo-
rar mãe pela terceira vez. Até então, Mergulhados na correria aca- ratório. Detalhe: os dois já tinham
a ideia de ter uma nova criança em dêmica, os pesquisadores tinham passado dos 60 anos.
casa era apenas brincadeira do ma- uma vida dedicada ao trabalho. Foi A possibilidade ficou cutucan-
rido, o colombiano Silvio Sánchez o aval do ginecologista Fernando do a cabeça da dupla por alguns
Gamboa.“Ele sempre dizia que Brandão que abriu as portas para meses. O principal problema era o
queria ter uma Marcita, que nem a reviravolta na história dos Gam- preço do procedimento - em mé-

9
SAÚDE

dia, R$ 15 mil. geral da saúde do casal para ras- funciona com a coleta dos óvulos
A quantia foi arrecadada com a trear possíveis doenças. Quem tem e espermatozoides. O SisEmbrio,
venda de livros sobre pedagogia, diabetes e complicações na tireoi- relatório anual da Anvisa, aponta
área pela qual os dois são pesqui- de já fica de fora. Depois, vem uma que o Brasil realizou 33.790 ciclos
sadores aposentados. Após uma bateria de testes específicos para de FIV em 2016, sendo que a taxa
longa bateria de exames e duas descobrir o que está impedindo a nacional de fertilização – o percen-
tentativas de inseminação, Márcia gravidez. “Pode ser problema nas tual médio de inseminações que
ficou grávida em janeiro de 2012. trompas, pode ser no ovário, pode deram certo – foi de 73%. O nome
A professora tinha então 61 anos, e ser o homem que tem poucos es- do procedimento é uma referência
Silvio, 63. Para que a técnica des- permatozoides”, elenca Sabino. É o às placas de vidro onde são unidas
se certo, Brandão usou o sêmen resultado desses exames que indica as células que originam o embrião.
do marido e os óvulos de uma do- o melhor tratamento. Este é injetado diretamente no úte-
adora anônima. A partir daí, o caso O método mais simples é conhe- ro.
foi monitorado semanalmente por cido como relação sexual progra- Quando é o homem que tem pro-
uma equipe de quatro médicos e mada ou inseminação intrauterina. blemas graves no esperma, o casal
uma nutricionista. Nessa vertente, a mulher tem seu pode optar por um método alterna-
Dia 20 de agosto de 2012: Mar- ovário estimulado pelo uso de hor- tivo, conhecido como microinjeção
cita chega ao mundo, saudável e mônios naturais – a saber, o hor- (ICSI). A técnica consiste em sele-
com 2,3 quilos. A chance de uma mônio folículo-estimulante (FSH), cionar um espermatozoide espe-
FIV dar certo depois dos 44 anos o hormônio luteinizante (LH) e a cífico para fecundar o óvulo. Além
é de 3%, segundo dados de 2012 gonadotrofina coriônica humana de certo rigor em relação às rotinas
do Centers for Disease Control (HCG). Depois, os espermatozoi- clínicas, as mulheres que se sub-
and Prevention dos Estados Uni- des são introduzidos no útero via metem à ICSI também precisam
dos. Mas a existência da filha dos relação sexual ou por injeção. de cuidados extras com a alimenta-
sexagenários não foi um mero mi- A FIV é indicada para mulhe- ção. O consumo de refrigerantes e
lagre da biologia: “quando são usa- res com endometriose ou proble- bebidas dietéticas diminui em 10%
dos óvulos de doadoras, a chance mas nas trompas e homens com a chance de engravidar nos casos
de engravidar duplica”, garante o pequenas alterações no sêmen. No de ICSI, como sugere um estudo
obstetra João Sabino, chefe da clí- caso de Márcia, a menopausa era o do Fertility Medical Group de São
nica Insemine. Agora Marcita tem obstáculo para o uso dos próprios Paulo, de 2016. De resto, o passo a
4 anos e sua rotina é dividida en- óvulos. Por isso, o casal recorreu à passo é o mesmo: ingestão de hor-
tre a escola e as aulas de natação. doação. Existem várias formas de mônios, união de células e matura-
A família mora em Maceió – onde in vitro, sendo que a tradicional ção do embrião.
a caçula pode ficar mais perto dos
avós Aurélio, 97 anos, e Flora, 92. O que diz a lei? E os médicos?
Citando a obra do grego Epicuro,
Silvio explica a decisão de sua pa- Atualmente, mulheres acima dos 50 podem usar a reprodução
ternidade: “vencer as barreiras dos assistida, desde que haja fundamentação científica. Tanto médico
determinismos e buscar aquilo que quanto paciente devem assumir os riscos. Mas houve um período,
está além, o novo, é o que faz a nos- entre 2013 e 2015, no qual o Conselho Federal de Medicina (CFM)
sa felicidade”. vetava o procedimento para a mesma população. A decisão se baseava
na ideia de que a gravidez tardia era sinônimo de hipertensão,
diabetes e nascimento prematuro. O Conselho Nacional de Justiça
Reprodução assistida em (CNJ) interferiu, alegando que a proibição era inconstitucional e
detalhes uma afronta à liberdade de planejamento familiar. Mesmo em bom
Antes de ter um “filho de labora- estado de saúde, pessoas como o casal Gamboa ficariam de fora da
tório”, vale a pena entender como decisão. A pressão jurídica forçou a CFM a mudar a norma, que agora
funciona essa forma de gravidez. tem um teor menos invasivo graças à resolução 2.121/2015. Além de
O primeiro passo são os exames. permitir o recebimento de óvulos acima dos 50 anos, o novo texto
Inicialmente, é feita uma avaliação atualiza as regras para pacientes homoafetivos.

10
SAÚDE

Rituais que controlam a vida


Transtorno Obsessivo-Compulsivo prejudica o cotidiano e as relações familiares, mas pode
ser identificado na infância

Camila Souza sobretudo, na família. Bottari res- anos, o TOC se manifestou no iní-
salta que, para os pais, é difícil per- cio da puberdade, com 12 anos.
Primeiro, conferir se todas as ceber quando o comportamento é “Foi a minha tia quem percebeu os
portas estão fechadas. Repetir esse excessivo ou normal. Consequen- sintomas. Demorava muito tem-
processo inúmeras vezes, até ter temente, é complexo diagnosticar po rezando e comecei a me atrasar
certeza absoluta. Assim que retor- o transtorno, justamente pelo cará- sempre. Fazia isso porque tinha
nar para casa, higienizar-se. Lavar ter multifatorial: “Há uma predis- medo de que algo ruim acontecesse
as mãos por alguns minutos, a fim posição genética e neurológica que com a minha mãe. Depois, comecei
de prevenir contaminações. Para favorece a produção de determi- a achar que seria enterrado vivo.
pessoas que têm Transtorno Ob- nados neurotransmissores. O am- Rezava muitas horas, para aliviar”,
sessivo Compulsivo (TOC), essa é a biente também é importante, pois desabafa. No tratamento, buscou
rotina: cumprir rituais diariamen- quem desenvolve a doença deve ter auxílio no Hospital de Clínicas,
te, como uma forma de aliviar an- pais mais ansiosos e preocupados”, onde a UFRGS e a PUCRS estavam
gústias. Por ter sintomas tênues e afirma Bottari. O TOC é associado fazendo uma pesquisa sobre a do-
que demoram para se manifestar, a comorbidades, logo, há pelo me- ença, por meio de terapia em gru-
pode ser difícil perceber esse tipo nos duas patologias no paciente, po.
de comportamento em crianças e sendo normal apresentar mais de Apesar de ter o apoio da tia, não
adolescentes. Não raro, o TOC é uma síndrome. teve o de seus pais: “Minha mãe
confundido com outras síndromes, A família, na visão do psicólo- achava que era uma bobagem. Fiz
principalmente a ansiedade. Os go, é o eixo principal no processo Terapia Cognitivo Comportamen-
pais notam que há algo prejudicial – tanto na origem do TOC como no tal e ela não foi em nenhuma ses-
ocorrendo em seus filhos, mas não tratamento. São comumente pais são. Óbvio que isso me abalava. Os
sabem exatamente o que é e qual o muito exigentes com seus filhos, e pais precisam estar presentes no
melhor tratamento. a criança ou adolescente não con- processo e senti falta disso. Meu
A doença tem dois âmbitos: seguindo lidar isso, desenvolve os pai não mora comigo e temos pou-
o do pensamento e o do comporta- rituais. Traumas como assaltos, co contato. Ele nem soube”.
mento. Toda sua dinâmica come- que repercutem em condutas de vi- Daniela Tusi Braga, psicóloga
ça com pensamentos obsessivos e gilância extrema, também podem cognitiva, acredita que os pais de-
recorrentes ao longo do dia, que ocasionar TOC. “Por isso, é essen- vem ter empatia: “Não se pode ba-
geram medo. Conforme explica o cial que a família esteja presente, nalizar ou invalidar a pessoa. Os
psicólogo Fábio Bottari, isso es- para ambos entenderem a doença. pais depositam nos filhos as suas
timula a compulsão, que impacta Ocorre de os pais não compreende- expectativas e não devem despejar
significativamente a sociabilida- rem, achando que a doença é uma suas frustrações neles. Também
de: “Acontece uma verificação ex- besteira e que os atrasos recorren- não podem se culpabilizar, porque
cessiva, desistindo-se, inclusive, tes, por exemplo, são uma desorga- é comum se perguntarem “No que
de sair”. As crianças e jovens são nização, uma atitude irresponsável. eu errei?”. Bottari acrescenta que
bastante afetados, à medida que Esse tipo de descaso gera muito so- é necessário respeitar o tempo de
não conseguem usar o banheiro da frimento”, explica Bottari. seus filhos: “Cada um tem um tem-
escola e afastam-se de colegas para po para o tratamento. É errado exi-
evitar contatos físicos. A alteração Preces para aliviar gir que haja uma resolução rápida
na dinâmica social é refletida no quando o paciente necessita de um
Marcelo Vieira Salles, de 23
rendimento escolar, nas relações e, processo mais lento”
11
SAÚDE

O diagnóstico da doença é fei- tínuo. Para isso, Eurípedes e seus Demorei para perceber que exigia
to a partir de uma conversa entre colegas pesquisadores acompa- mais cuidado. Hoje, a rotina ainda
o terapeuta e os pais, para que se nharam 158 pessoas com a doença é afetada por isso, embora em me-
colham informações. Posterior- por dois anos e concluíram que os nor grau. Quando há discussões em
mente, ocorre com a criança, com sintomas praticamente inexistiam casa, por exemplo, ele se exalta e
uso de brinquedos que estimulem quando a duração do tratamento demonstra um sentimento de culpa
as respostas. Em adolescentes, o era estendida. enorme, entrando inclusive em cri-
diálogo normalmente é direto, dei- ses nervosas. Tarefas domésticas
xando o paciente escolher se deseja simples, como lavar a louça, tam-
a participação dos pais nas sessões.
Acomodação familiar bém exigem esforço, porque elas
Daniela Tusi enfatiza a presença Na avaliação inicial do transtor- acabam levando um tempo muito
dos familiares como fundamental: no, são abordados tópicos como os maior do que o normal.” Para ela,
“Eles contribuem para dizer sobre sintomas atuais e sua gravidade, a o TOC foi sinônimo de aprendiza-
os sintomas, quando iniciaram e interferência dos pensamentos nas gem, visto que teve de lidar com
para entender qual a melhor forma atividades diárias, no rendimento suas próprias frustrações.
de ajudarem no tratamento. Ini- escolar e o tempo consumido pelos Marcelo lembra que, na escola,
cialmente, os jovens costumam se rituais. Problemas médicos e psi- uma professora de Biologia per-
sentir constrangidos em abordar quiátricos no passado, a presença cebeu a doença: “Tinha 14 anos.
suas obsessões. ou não de comorbidades, a acomo- Colocava uma frase na prova e
A Teoria Cognitiva Comporta- dação familiar e o grau de insight passava um risco em cima, tendo
mental (TCC) tem sido um méto- e déficits cognitivos também são de reescrevê-la. Assim, escrevia
do muito eficaz”. São utilizadas, avaliados. No diagnóstico, deve-se as mesmas palavras várias vezes.”
na TCC, as técnicas de exposição diferenciar o TOC de outros trans- Foi um dos únicos momentos que
e prevenção à resposta. Bottari ex- tornos comuns, como Transtorno sua mãe conversou sobre o assun-
plica: “A primeira fase é a de psi- de Déficit de Atenção, Transtornos to, pois foi ao colégio falar com a
coeducação, em que se orienta o Cognitivos e do desenvolvimento psicóloga. “No grupo de TOC, eram
paciente sobre a doença, para que (autismo, síndrome de Asperger, duas psicólogas. Sempre falavam
ele a entenda e se motive ao tra- Prader-Willi) e Transtornos de sobre não existir cura. Acredito
tamento. Em seguida, são escolhi- Controle de Impulsos (tricotiloma- que realmente não há, mas as ob-
dos os primeiros exercícios. Para nia). sessões podem ser amenizadas. Foi
alguém que tem TOC por limpeza, Conforme Daniela, é preciso es- o que aconteceu comigo”, pontua.
por exemplo, há um exercício para tar atento à acomodação familiar, Nunca precisou tomar remédios.
que se perca o medo: seja apertar ou seja, o envolvimento e a partici- Hoje encontra refúgio em métodos
a mão do terapeuta ou, num nível pação dos membros da família nos alternativos, como a meditação e o
mais avançado, pegar ônibus”. rituais compulsivos, assim como espiritismo, que o ajudam a contro-
Um estudo do psiquiatra Eurí- a transformação do cotidiano em lar os pensamentos negativos. “Es-
pedes Constantino Miguel, do Ins- decorrência do TOC. “Refere-se, tou no processo de compreender
tituto de Psiquiatria da Universi- especificamente, a como os pais re- por que o TOC se iniciou. Acredito
dade de São Paulo (USP), iniciado solvem a questão, as atitudes que que falhas nas relações familiares
em 2007, usou técnicas de neuroi- eles têm para atender exigências podem, inconscientemente, ter de-
magem para avaliar duas formas do paciente ou negá-las. Por exem- sencadeado tudo”, acrescenta.
de tratamento internacionalmente plo, há famílias que deixam de usar O TOC por muitos anos foi con-
recomendadas para tratar os sinto- determinados sabonetes, arrumar siderado uma doença mental rara.
mas do TOC: a Terapia Cognitivo o quarto do filho, eximindo-o da Laura Andrade, psiquiatra da USP,
Comportamental e o uso de anti- responsabilidade. É um compor- conduziu um levantamento em que
depressivos inibidores de recaptu- tamento nocivo, pois perpetua os foram entrevistados aproximada-
ra de serotonina. Ambos atuam de sintomas”, elucida. mente 5 mil moradores da Região
modo distinto no cérebro e inter- Para Denise Vieira, o TOC de Metropolitana de São Paulo. A pes-
ferem na atividade neural. A pes- Marcelo foi uma surpresa: “Não quisa, publicada em 2012, revelou
quisa concluiu que o fundamental sabia como lidar, achava que eram que 4% dos participantes apresen-
é tratar o problema de modo con- manias facilmente controláveis. tavam sintomas de TOC.
12
SAÚDE

Restrições não só alimentares


Diabéticos, intolerantes e vegetarianos enfrentam, além de suas limitações,
a cultura estereotipada da alimentação

Foto: Acervo Pessoal


Mariah e Nicolas com
o casal de gêmeos,
Martina e Vicente

Deborah Mabilde Antônia, parou de trabalhar para para os pais e responsáveis. In-
se dedicar aos cuidados com a fi- tolerâncias ao glúten e à lactose e
Aos dois anos e meio, a peque- lha. “É uma série de fatores para também alergia à proteína do leite
na Antônia começou a apresen- administrar. Não é só o que comer, estão se tornando cada vez mais
tar sinais de abatimento, perda de é quando comer, como comer. É comuns nos últimos anos, especial-
peso e outros sintomas inusitados uma alimentação muito rígida”, mente em crianças e adolescentes.
e preocupantes devido à pouca ida- relata. Na casa da família Wunder- Há também restrições voluntárias,
de da menina. Depois de um susto lich, a alimentação de todos mu- como o vegetarianismo e o veganis-
que acabou em internação de sete dou. Nada de açúcares ou farinhas mo.
dias no hospital Santo Antônio, brancas, pois os carboidratos são Mestra em Nutrição e Alimen-
veio o diagnóstico que eles não es- controlados. “Ela é muito pequena, tos e especialista em Saúde Públi-
peravam: diabetes tipo 1. Nenhum então precisamos dar o exemplo”, ca, Camila Irigonhé Ramos expli-
antecedente familiar, nenhuma afirma a mãe. ca que a alimentação é uma forma
alteração na gravidez. Os médicos Restrições alimentares na in- complexa de socialização. Todos
pareciam não ter explicação das fância, como no caso de Antônia, têm hábitos alimentares, na maio-
causas. Luísa Wunderlich, mãe de tendem a ser preocupações sérias ria das vezes difíceis de ser modi-

13
SAÚDE

ficados. A mãe e os responsáveis eram pouco conhecidos e de difícil possível intolerância, afirma Cris-
se adaptam rapidamente à nova acesso, além de serem muito caros: tiane Bastos, mãe de Nathália. De-
alimentação da criança, mas soli- cerca de três vezes o valor do leite pois de alguns anos sem respostas,
citar essa mudança ao restante da em pó comum. A cada dois meses, veio a descoberta: Nathália é into-
família é complicado. Segundo Ca- Rita se deslocava até Alvorada para lerante à lactose. Além dela, seus
mila, essa nova dieta pode se tor- comprar o leite de soja em um lu- pais, seu irmão e sua avó também
nar segregadora e exclusiva, se os gar que o vendia a granel por um são. Uma realidade difícil de enca-
pais e a criança deixam de frequen- preço mais acessível. rar para uma família apaixonada
tar eventos que não tenham opções Consequentemente, a menina por queijos.
de comida alternativas ou se afas- nunca desenvolveu um paladar No começo, conta Nathália, a
tam de pessoas que não entendem para os produtos de origem ani- convivência foi bastante compli-
a restrição, por exemplo. Contudo, mal que crianças normalmente co- cada, devido à falta de opções sem
é um questão de tempo até que as mem. A primeira vez em que Na- lactose e à pouca quantidade de in-
pessoas aprendam a lidar com a ro- thália provou bolacha recheada foi formações sobre o assunto. Hoje,
tina da alimentação e outros deta- na adolescência, quase adulta. De em razão da recente “populariza-
lhes menores. acordo com Rita, o passar dos anos ção” das intolerâncias ao glúten
Camila aponta também a si- não fez a situação melhorar muito. e à lactose, é mais fácil encontrar
tuação socioeconômica como um Após uma crise séria no começo da produtos e lugares que ofereçam
influenciador nessas condições adolescência, ficou claro que a res- opções alternativas. Nathália afir-
restritivas. Para os vegetarianos e trição alimentar de sua filha não ma que Porto Alegre já melhorou
veganos, por exemplo, é necessário era algo que eventualmente passa- muito neste quesito, mas também
um consumo diversificado de vege- ria. Apesar de nunca ter tido sua encontra dificuldades para comer
tais e frutas, alimentos que não são intolerância confirmada, até hoje, fora devido a outra restrição sua,
necessariamente caros, mas que aos 22 anos, Nathália afirma que dessa vez voluntária: o vegetaria-
saciam menos. Em famílias mais precisa restringir seu consumo de nismo.
numerosas e com poucas condições alimentos derivados do leite, com Cristiane conta que apoia a deci-
financeiras, esses acabam se tor- o risco de sofrer crises em função são da filha, mas tem preocupações
nando uma segunda opção de ali- disso. em relação à saúde, como a falta de
mento, apesar de sua importância A restrição alimentar, explica ferro e a vitamina B12, problemas
primária. Outro exemplo impor- Camila, gera na criança e na famí- recorrentes em vegetarianos e ve-
tante: ainda hoje, existem poucas lia uma ansiedade alimentar. A fa- ganos. Para amenizar as preocupa-
alternativas para substituir o leite mília acaba se excluindo de eventos ções da mãe, Nathália faz exames
de vaca para bebês que tenham in- onde não poderão comer de acordo de sangue e vai ao médico frequen-
tolerância, todas de preço elevado. com o seu costume. Isso também temente. Outra tranquilidade para
Há vinte anos, essa situação era acontece com as pessoas portado- a mãe é ter uma pessoa que prepa-
ainda mais precária. Rita Cardo- ras de diabetes, com intolerância ra as refeições da família em casa,
so, professora de 49 anos e mãe da à lactose ou ao glúten ou que têm já que nenhuma delas gosta de co-
Nathália, amamentou sua filha até uma alimentação diferente do pa- zinhar. “Se não fosse isso, eu vive-
os nove meses de idade. Ao inter- drão social. ria de arroz e feijão”, brinca a filha.
calar suas mamadeiras com leite de E quando a restrição alimen- Ao ser questionada sobre qual
vaca, ela observou que a filha não tar não aparece até um estágio mais das duas restrições gera mais estra-
reagia bem ao novo alimento, ten- avançado da vida? Essa é a história nheza nas pessoas, Nathália afirma
do crises de vômito e diarreia. Com de Nathália Bastos, 22 anos, que que é o vegetarianismo: “Porque
o agravamento dos sintomas, a pe- descobriu sua intolerância à lacto- eu não escolhi ser intolerante, mas
diatra recomendou que Rita tro- se quase aos 18 anos. Aos 14 anos, escolhi ser vegetariana”. São mui-
casse o leite da vaca pelo vegetal. começou a reclamar de inchaço e tas piadas, questionamentos e con-
Para o alívio da mãe, o consumo do dores de barriga. Médicos diziam selhos, contam mãe e filha. Para
novo produto resolveu os sintomas que era falta de fibras, problemas Cristiane, não se trata apenas de
de Nathália. O grande problema intestinais, mas nenhum deles che- não consumir carne, e sim de uma
era que, na época, leites vegetais gou a relacionar os sintomas a uma questão cultural mais ampla. As

14
SAÚDE

restrições alimentares são vistas além do leite materno. O plano de ser alterados, como maior cuidado
como tabu, estereótipo ou exceção. Mariah e Nicolas, pai dos gêmeos, durante essas fases e alimentação
“Parece que as pessoas que comem é fazer um acompanhamento com saudável, o que inclui o alto consu-
carne sentem necessidade de in- uma nutricionista, para criar os be- mo de vegetais e também o suple-
sistir que eu também coma”, conta bês sem alimentos de origem ani- mento de vitaminas como a B12.
Nathália. mal até a idade na qual eles este- Por estarem em uma faixa etária
jam aptos a tomarem suas próprias na qual qualquer comportamento
decisões alimentares. fora do padrão normativo pode ser
Restrições voluntárias
Mariah conta que foi muito cri- causa para estranheza ou vergonha,
A primeira vez em que Ma- ticada por sua família por sua ali- restrições alimentares na infância e
riah Barcellos, estudante, fez uma mentação no período da gestação. adolescência tornam-se ainda mais
tentativa de se tornar vegetariana, “Meus exames todos estavam óti- complexas e delicadas. Podem ser
aos 14 anos, durou cerca de um mos e eu recebi aprovação médica causa de choque na família, como
ano. Devido às dificuldades da roti- para continuar comendo apenas no caso de Antônia, ou implicân-
na e à pressão da família, ela voltou peixe durante a gravidez. Mesmo cias e piadas dos amigos, como
a consumir carne, apesar de se sen- sem precisar de nenhum comple- para Nathália e Mariah. E mesmo
tir culpada por isso. Há dois anos, mento vitamínico, ainda assim que não seja explícito, outras con-
decidiu tentar novamente, e há cer- era um choque para a maioria das sequências psicológicas e sociais
ca de um ano consome apenas fru- pessoas ao saberem que eu estava podem vir a aparecer ao longo dos
tos do mar. Sua meta é, eventual- grávida e não comia carne”. A nu- anos. Os pais e responsáveis de-
mente, não comer mais carne. Seu tricionista Thaisa Navolar defende vem se manter atentos. Apesar dis-
maior impedimento atual é a cor- a manutenção do estilo de vida ve- so, Camila e Thaisa defendem que,
reria com a criação dos filhos gê- getariano ou vegano em qualquer com especial atenção para a fase de
meos. Além de ser mãe em tempo fase da vida, inclusive gestação e adaptação da criança, é possível e
integral, Mariah também adminis- infância. Ela recebe muitas famí- muito encorajado a manutenção de
tra o blog @loucaeamaeblog. Aos lias no consultório com esses ques- uma vida normal, mesmo com res-
seis meses, os bebês começam a ser tionamentos, mas normalmente trições alimentares.
introduzidos a outros alimentos são fatores simples que precisam

Foto: Andrew Branch

As restrições alimentares
são vistas como tabu,
estereótipo ou exceção.

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EDUCAÇÃO

O acordar do divino sol


Oficializada em fevereiro,
escola em aldeia une currículo juruá à sabedoria guarani

Foto: Vanessa Petuco


Os conteúdos ensinados em
sala de aula são apresentados
como parte de um conceito
principal, o yvy rupa

Vanessa Petuco divino sol”. Neste despertar, quem doria Regional de Educação para a
se encontra pela manhã na esco- construção dessa desta escola”, re-
Após uma longa viagem a Itapuã la, se cumprimenta com abraços e lata a diretora, Alessandra Santos.
seguida de uma pequena estrada com um aguyjevete (bom dia em De acordo com Alessandra, a di-
de chão, encara-se uma lomba ín- guarani) na presença de gatos, ca- retora, do primeiro ao quinto ano,
greme e cheia de valas abertas pela chorros, galos, galinhas e de Nico, os alunos aprendem por meio de
chuva do no dia anterior. No topo um bugio ruivo domesticado. projetos de ensino. Neste primeiro
da lomba, em um terreno marcado Autorizada como instituição es- semestre de 2017, os estudantes es-
por uma grande caixa d’água, está colar independente pelo Conselho tão trabalhando sobre astronomia.
a aldeia Tekoá Pindó Mirim. Bem Estadual de Educação no dia 15 Já os alunos estudantes do sexto ao
na entrada da aldeia, encontra-se de fevereiro de 2017, a escola foi nono ano e do Escola para Jovens e
a Escola Estadual e Instituto de construída e ampliada aos poucos Adultos (EJA) estudam aprendem
Ensino Fundamental Nhamandu desde 2011, quando era apenas um as diferentes áreas do conhecimen-
Nhemopu’ã, em meio a um amplo pequeno galpão. “Eu trabalhava na to a cada dia. Segunda-feira é dia de
espaço arborizado. A escola foi ba- rede estadual de educação como educação física e artes; terça-feira,
tizada com esse este nome em gua- professora em uma escola regular línguas estrangeiras; quarta-feira,
rani para celebrar “o acordar do e fui convidada pela 18ª Coordena- raciocínio lógico e matemático;
16
EDUCAÇÃO

quinta-feira, história, geografia e pertencem todos à etnia kaingang. za parcerias com instituições não-
filosofia; e sexta-feira, ciências bio- Além disso, esse comportamento -indígenas.
lógicas e da natureza. “Não é aque- fechado foi corroborado pela pró- Em agosto de 2016, o Instituto
la caixinha que abre um período e pria dificuldade em entrar em con- Sementes ao Vento realizou criou
fecha outro. É dentro de um tempo tato com a comunidade guarani da o projeto Yvyra Yky - Terra Vida
um pouco maior”, esclarece a dire- aldeia. Ao conversar com o cacique em guarani -, com oficina e plantio
tora. Arnildo Wera, ele responde: “estou de bambu no território da aldeia.
Além dos banheiros, da cozi- sem palavras hoje”. Em outubro de 2016, o projeto “Es-
nha e do restante da estrutura do No entanto, nos últimos anos, crevendo o Futuro”, da empresa
colégio, o planejamento escolar foi essa relação vem mudando e a es- Dufrio, confeccionou um livro de
construído com a contribuição da cola Nhamandu Nhemopu’ã tem contos sobre vivências das crianças
comunidade da aldeia o planeja- um papel relevante nesse processo. guarani da aldeia em colaboração
mento escolar. De acordo com este “Quando as crianças vêm para esco- com a Escola Municipal de Ensi-
currículo, os conteúdos ensinados la é para aprender sobre mundo do no Fundamental Ana Íris do Ama-
em sala de aula são apresentados juruá. Não porque a cultura do ju- ral. Em março deste ano, o núcleo
como parte de um conceito prin- ruá é mais importante, mas para se Unisinos do grupo Engenheiros
cipal, o yvy rupa (altar dos seres proteger. É dessa forma que os mais Sem Fronteiras iniciou o projeto
em guarani), que representa o pla- velhos falam”, explica o professor de a construção de uma biblioteca
neta Terra. Do yvy rupa derivam Irineu Gomes. Com esse objetivo, a na aldeia. Longe de ser um acervo
outros oito temas: ka’aguy (mata), escola Nhamandu Nhemopu’ã tra- de livros, a biblioteca será um lo-
yy (água), mymba’i = omyi va’e balha com o bilinguismo. Assim, as cal de contação de histórias pelos
(animais = seres), pytue (ar), nha- crianças aprendem o guarani em mais velhos e terá um fogo de chão
nhemongarua (sustentabilidade), casa e o português no colégio, mas para acomodar os ouvintes ao seu
nhembojera (transformação), yva utilizam os dois durante as aulas. redor. Relatar histórias A contação
nhamandu (astronomia) e texai A língua portuguesa também tem de histórias faz parte da educação
(doenças). Esse complexo temáti- uma função muito importante para guarani, em que se tem a cultura da
co, como é chamado pela escola, é a aldeia, pois é por meio dela que valorização da fala dos mais velhos,
o que norteia os assuntos estuda- se eles procuram levar os conhe- como conta a professora Adriana
dos em aula. O aprendizado dess- cimentos e valores guarani para o Rosa. “O mais velho é o mais im-
tes temas é feito por meio de uma juruá. portante, é a bússola do guarani.
pela interlocução entre as sabedo- Nesse contexto, a aldeia Tekoá Quanto maior a idade s velho, mais
rias dos dois professores guarani e Pindó Mirim utiliza a escola Nha- sabedoria se tem para transmitir
os conhecimentos dos seis profes- mandu Nhemopu’ã como um meio passar e a educação tradicional in-
sores juruá, ou seja, não indígenas. de conexão entre o guarani e juruá, dígena é feita de contação de his-
“Ao trabalhar os seres e os animais, realizando projetos de interação tórias”, esclarece explica a profes-
por exemplo, o professor de ciên- entre os dois mundos. No mês de sora.
cias estuda com a turma sobre os abril deste ano ocorreu a V Sema- A uma distância de 40 quilô-
mamíferos, as aves, os répteis e, na com a Cultura Guarani-Mbyá, metros do centro de Porto Alegre,
ao mesmo tempo, o professor de quando a comunidade da aldeia o vento sopra com mais leveza e
guarani faz traz toda a visão do seu proporciona realiza atividades as horas passam com mais calma.
povo”, esclarece Alessandra. como corrida de tora, arco e flecha, “A gente aprende muitas outras
De acordo com Alessandra, os pinturas corporais, danças e almo- coisas. O : como o mundo é mui-
guarani sempre foram muito reser- ço com comidas típicas junto com to corrido, como todo mundo está
vados em sua aldeia, visto que en- a comunidade juruá. Também, na sempre atrás de pagar conta e do
xergam o convívio com o mundo do noite do dia 14 de julho, junto com consumismo de consumir. A cabe-
juruá uma intervenção em sua cul- o Planetário e o Museu da UFRGS, ça da gente está sempre a mil e aqui
tura, além de valorizarem o tempo foi realizada uma noite cultural de a gente consegue conseguimos dar
de convívio com a família. Essa di- observação de estrelas com o pro- uma respirada. Aqui a gente vem
ferença pode ser vista por meio dos jeto “Tudo que está no céu, tam- pra um é outro mundo, que não
alunos indígenas que estudam na bém está aqui na Terra”. Além de tem isso. É outro ritmo”, enaltece
UFRGS, por exemplo, os quais que atividades culturais, a escola reali- Adriana.
17
EDUCAÇÃO

Reaprender a aprender
Pais questionam institucionalização do ensino
e retiram filhos da escola

Foto: Luíza Dorneles


A desescolarização é “um
conjunto de práticas que visa a
não institucionalização da vida

Luíza Dorneles é o questionamento que move Gui- buscadoras do conhecimento, e


lherme, pesquisador em educação que, no lugar de uma educação
Lesly Monrat é mãe de um me- na UFRGS, a buscar alternativas. moldada para ser igual para todos,
nino de cinco anos e de uma meni- Tanto ele quanto Lesly, Greice e devemos incentivar a curiosidade.
na de dois. Greice Reis e Ismael Ra- Ismael encontraram o caminho da Ivan Illich, filósofo e pedagogo aus-
mon têm um menino de nove anos, desescolarização. tríaco, escreveu o livro “Sociedade
uma menina de quatro e outra de A desescolarização é “um con- Sem Escolas”, em 1971, e é conhe-
um ano. Guilherme Schröder é pai junto de práticas que visa a não cido como um dos principais pro-
de uma menina de três anos. E ne- institucionalização da vida, uma ponentes desse modelo pedagógi-
nhuma dessas crianças vai à escola, experimentação ativa de possibili- co. Logo no início da obra, Illich
por opção dos próprios pais. “Por dades e até de impossibilidades”, expõe o cerne da busca: “O aluno
que será tenho que ficar sob cárce- afirma Schröder. O movimento é escolarizado a confundir ensino
re privado sem o direito de sair de surgiu no século XIX, fruto da crí- com aprendizagem, obtenção de
uma sala junto com várias pessoas, tica ao sistema educacional tradi- graus com educação, diploma com
sem o direito de decidir o que eu cional, e parte da premissa de que competência, fluência no falar com
quero ou não estudar e aprender?” crianças são aprendizes naturais, capacidade de dizer algo novo. Sua

18
EDUCAÇÃO

imaginação é escolarizada a aceitar ciliar). A desescolarização é justa- no em fase de crescimento. “Estan-


serviço em vez de valor.” mente não ter rotina.” A proposta do num lugar onde o convívio so-
Há cerca de três anos, Caleu, fi- é a criança criar sua própria rotina cial é forçado com pessoas de igual
lho de Greice e Ismael, frequentou de estudos de acordo com o que idade, faixa social, ideologia. Num
uma escola adventista por uma se- sente vontade de estudar, conhe- lugar onde não há uma diversida-
mana. Conforme os pais, o próprio cer e descobrir. Os pais também de humana e principalmente onde
filho criticou o sistema educacional se preocupam em proporcionar às há um sistema hierárquico em que
tradicional em um desabafo: “Ele crianças o contato com a comuni- uns detém o poder e os outros não
nos fez um reclame de que ele não dade e com os espaços públicos. (...), é impossível a pessoa conse-
poderia ser ele mesmo dentro da Greice e Ismael são frequentemen- guir se descobrir de fato”, explica.
escola, de que ele se sentia um robô te questionados em relação à socia- Na busca por uma não-forma,
e que todas as crianças pareciam lização da criança, mas acreditam Greice, quando questionada a res-
robôs. Que ele não queria se tornar que na escola o contato com outras peito das possíveis vantagens da
um. Uma criança de seis anos nos pessoas é limitado pela semelhan- desescolarização, tenta “desenfor-
dizer que na escola ela não poderia ça de idade e classe social. “Princi- mar” a pergunta. Para ela, os pai
ser ela mesma foi algo muito forte palmente por esse motivo a gente praticantes da desescolarização
e foi um fator decisivo para que nós possibilita a eles encontros com buscam não inserir os filhos num
conhecêssemos ou descobrísse- outras crianças, com adultos, ou- sistema de busca por vantagem,
mos o que era a desescolarização. tras relações diversas e permitindo competição e comparação com o
Foi através da vontade do nosso fi- que as crianças ocupem espaços outro. “A gente gostaria que eles
lho”, relata Greice. Hoje com nove públicos”, relata a mãe. continuassem mantendo a sua es-
anos, Caleu não frequenta a escola Lesly acredita que a escola é um sência plena e que eles pudessem
e seus pais não pretendem incluir espaço de abafamento da alma, de explorar todas as possibilidades
nenhum dos outros dois irmãos no condicionamentos morais e de di- que essa essência vai permitir a
sistema de ensino regular. recionamentos filosóficos, partidá- eles. Se quer falar em vantagem, a
Ao contrário da escola, na de- rios e sociais. Para ela, o fato de uma vantagem estaria em não ter que
sescolarização não há uma rotina instituição definir quantas horas é estar em vantagem para ser feliz
definida de estudos. De acordo com preciso estar ali, quais comporta- na vida”. Para a mãe, a liberdade
Greice, “isso seria trazer a escola mentos se deve esperar e quais as- de não precisar se enquadrar em
para dentro de casa, isso seria mais suntos se deve estudar demonstra uma profissão oferecida pelo siste-
um homeschool (educação domi- que o colégio coordena o ser huma- ma educacional universitário é es-

Foto: Yasmine Appel

Guilherme Schroder e Lara Schroder

19
EDUCAÇÃO

sencial para que o jovem possa se bido inclusive dentro do esquema processado por abandono intelec-
reinventar: “Não precisar se mol- capitalista mais avançado que já tual, mas garante que de todos os
dar como se a essência deles fosse nem se dá tanto valor a diplomas, processos a que teve acesso acerca
um líquido e precisasse de formas e sim a portifólios ou empreendi- do tema, nenhum resultou em pu-
para poder fazer parte de um sis- mentos, iniciativas, start ups, e to- nição significativa. “O máximo foi
tema como uma engrenagem, mas das essas outras coisas que já não uma multa para que o pai pague.
sim como se eles fossem inteiros e são mais tão escolarizadas. Então Este pai pode não pagar esta multa
plenos e, nessa inteireza, que eles eu fico me perguntando será que argumentando que ela piora a situ-
pudessem contribuir com o mundo o mercado de trabalho é institu- ação de abandono intelectual e de
e com as pessoas”. cionalizado a esse ponto que exige apoio para a educação da criança.
A desescolarização, além de mo- essa escolarização?” Para o pesqui- Ou seja, não acontece nada”, expli-
delo pedagógico, acaba se tornan- sador, esse tipo de questionamen- ca.
do uma filosofia de vida. De acor- to foge totalmente ao pensamento Depois do caso de uma menina
do com Lesly, quando uma família desescolarizado, porque este não de 11 anos natural de Canela (RS)
opta por tirar ou nunca colocar o teme o que está por vir. “Eu não cujos pais foram orientados pelo
filho na escola, ela também começa acho que a desescolarização seja a Tribunal de Justiça do Estado a
a questionar outros aspectos da so- preocupação com o que as crianças matricular a filha na rede regular
ciedade. “Ana Tomás tem uma fra- vão ser porque elas vão ter opor- de ensino, o Recurso Extraordi-
se muito interessante, ela fala que a tunidade de inventar por si mes- nário 888.815 discutiu, no STF, o
desescolarização é tirar a escola de mas a sua posição no mercado de ensino domiciliar como meio lí-
dentro de si. Quando a gente fala trabalho e eu acredito no potencial cito do dever familiar de prover a
em desescolarização, a gente fala de aprendizagem de uma maneira educação dos filhos. Em dezembro
em tirar esses valores colocados tal que se for necessário qualquer de 2016, o relator do caso no STF,
dentro da gente, porque cada ser aprendizado técnico para entrar ministro Luis Roberto Barroso,
humano tem o potencial e a possi- num mercado de trabalho específi- determinou a suspensão nacional
bilidade de criar os seus próprios co que ela tenha desejo, ela vai con- de todos os processos em curso no
valores, e não viver com os valores seguir fazer isso a qualquer tempo.” poder Judiciário que tratam dessa
dos outros. Seja da escola, da reli- questão - que seguem aguardando
gião, da política, da família…”. Para o julgamento do Supremo.
Quais os embates com o
Lesly, adotar a desescolarização é No Brasil, a Associação Nacional
aspirar a liberdade plena, refletin- Estado?
de Educação Domiciliar (ANED) é
do a todo momento o que se está De acordo com o artigo 55 do Es- a entidade organizada que defen-
fazendo e sentindo. “Identificando tatuto da Criança e do Adolescente de os direitos dos pais que educam
se aquilo é genuíno em mim ou se (ECA), “os pais ou responsável têm seus filhos em casa. Apesar de a
é um comportamento cristalizado a obrigação de matricular seus fi- desescolarização (ou unschooling)
dentro de valores que não condi- lhos ou pupilos na rede regular de ser diferente da educação domici-
zem com a minha filosofia interna. ensino”. Até 1971, o ensino obriga- liar (ou homeschooling), elas são
Então, a desescolarização é você tório e gratuito era de apenas qua- enquadradas legalmente da mes-
poder respirar mesmo um ar puro tro anos - o então chamado ensino ma forma.
da sua própria alma”, teoriza. primário. Após 1971, passou a ser Em 2016, o Projeto de Lei
Mas onde essas crianças vão de oito anos e, com a decisão de 3179/2012, que trata da da regula-
trabalhar? Quando questionado a iniciar o Ensino Fundamental aos mentação da Educação Domiciliar
respeito da provável dificuldade 6 anos de idade em 2010, chegou a no Brasil, foi retirado de pauta na
de essas crianças desescolarizadas nove. Schröder explica que muitos Comissão de Educação da Câmara
ingressarem no mercado de traba- pais que optam pela desescolariza- dos Deputados. De acordo com a
lho, Schröder rebate essa ideia: “Eu ção de seus filhos e filhas acabam ANED, o tema tem sido discutido
primeiro fico me perguntando se o sofrendo alguma intimidação bu- ao longo dos últimos cinco anos no
mercado de trabalho está institu- rocrática, administrativa ou jurídi- Congresso Nacional e o que falta
cionalizado e hierárquico como a ca. Relata o caso de um amigo que não é debate, mas “vontade políti-
gente pensa que está. Tenho perce- decidiu retirar a filha da escola e foi ca”.

20
EDUCAÇÃO

Leitura é questão de gosto


O prazer da leitura é algo a ser construído
por pais e filhos dentro de casa

Nathalia Sasso Um gosto, e não um hábito algo a ser reproduzido com ale-
gria”. Quando os pais leem para os
Conforme a professora da Facul-
Mesmo com a explosão tecnoló- seus filhos, eles estão estabelecen-
dade de Educação da UFRGS Rosa
gica das últimas décadas, os livros do ligações de afeto e carinho por
Maria Hessel Silveira, a expressão
continuam sendo uma importante intermédio da literatura.
“hábito de leitura” surgiu no Brasil
ferramenta para o nosso desenvol- nos anos 70, principalmente, moti- Apesar disso, é importante res-
vimento, sobretudo quando os in- vada pela tradução da obra “Como saltar que existem realidades dis-
troduzimos na fase da infância, que Incentivar o Hábito de leitura”, tintas a essa. Rosa Maria sublinha
é um período de constantes novi- escrita pelo estudioso literário Ri- que as leituras compartilhadas e a
dades e descobertas. chard Bamberger. disponibilidade financeira de ad-
Em 2015, uma pesquisa realiza- quirir livros são uma característica,
Décadas depois, houve uma
da pela Universidade da Califórnia sobretudo, das famílias de classe
crítica bastante acentuada à no-
mostrou que ler para uma criança média. Diante desse cenário, para
ção da palavra “hábito” no ato de
dá acesso a 70% mais palavras do as crianças de classes populares,
ler, pois ela é frequentemente as-
que as conversas que pais e mães “cresce a importância das bibliote-
sociada com práticas repetitivas
costumam ter com elas. Além dis- cas escolares, das raríssimas biblio-
e automáticas, como o “hábito de
so, os livros introduzem novos as- tecas públicas e de outras ações de
escovar os dentes” ou o “hábito de
suntos e termos que geralmente acesso das crianças à riqueza atu-
lavar as mãos”. Assim, propôs-se a
ficam fora da rotina das crianças e al da produção de livros infantis,
substituição de “hábito por ler” por
podem ser uma importante fonte onde toda criança sempre encon-
“gosto pela leitura”, que remeteria
de vocabulário para eles. trará algo que a interesse”. As po-
a uma predisposição interna, de
Todavia, a leitura não traz ape- líticas públicas são fundamentais
prazer e apreciação. E é justamente
nas benefícios linguísticos, ela au- para que os benefícios do produto
nesse sentido que a leitura deve ser
xilia a conhecer a si e ao que está em livro seja compartilhado por toda
incentivada: como algo agradável
seu exterior. Para o escritor Celso população, e não apenas por uma
que nos enterte e, ao mesmo tem-
Sisto, através dos livros “é possível parcela dela.
po, nos ensina.
vivenciar conflitos no plano simbó- Mas, afinal, como esse gosto
lico que você não necessariamente poderia ser despertado? Para o co- O que ler?
vai vivenciar no plano do real”. ordenador da AEILIJ (Associação
Uma das principais dúvidas dos
Já a ilustradora e professora do de Escritores e Ilustradores de Li-
pais e dos professores em relação
Instituto de Artes da Universida- teratura Infantil e Juvenil), Dane
aos livros é sobre o que se pode
de Federal do Rio Grande do Sul D’Angeli, o maior estímulo é “con-
oferecer em questões de temática.
(UFRGS) Laura Castilhos aponta tar e criar histórias” com os filhos
Seria possível abordar temas como
que, muitas vezes, as crianças co- ou com os alunos. Já para a profes-
a morte, o preconceito, as guerras
nhecem um animal, um objeto ou sora e escritora Cláudia de Villar, o
e as novas configurações familiares
uma situação primeiro através dos exemplo dos pais é algo fundamen-
com as crianças?
livros e, depois, através das expe- tal: “ler mais na frente das crianças
riências reais. Isso é uma forma de Rosa Maria explica que, para
ainda é a primeira e melhor forma
fazer com que a criança se “estabe- esse assunto, há no mínimo duas
de incentivar os pequenos a reco-
leça no mundo”. dimensões a serem consideradas. A
nhecer no ato de ler um valor ou

21
EDUCAÇÃO

primeira é a forma como a temática uma maneira significativa a vida cia dessa criança, que são a família
é abordada. O texto deve despertar das pessoas e o modo como a infân- e a escola, não estão dando aten-
um desejo de interesse e curiosida- cia é encarada. Hoje, observamos ção para a mesma, nem oferecendo
de a respeito do tema, e não o tratar crianças brincando com tablets, outras possibilidades de atividade
de maneira agressiva e excessiva- celulares, computadores, videoga- que seriam mais prazerosas.
mente pedagógica, bem como um mes e, principalmente, assistindo Já Celso Sisto considera que as
manual de auto-ajuda. Segundo, televisão, um aparelho pratica- tecnologias não competem com os
deve-se avaliar para qual criança mente universal nos lares brasilei- livros, pois elas trabalham proces-
ou grupo de crianças a história será ros como aponta pesquisa do IBGE sos diferentes, como a dinâmica e
apresentada, considerando não so- de 2015: dos 68 milhões de domi- a rapidez. Entretanto, deve existir
mente suas capacidades cognitivas, cílios, 97%, ou seja, 66,1 milhões um monitoramento e um equilíbrio
como também suas experiências possuíam aparelho televisivo. por parte dos pais que também de-
culturais e sociais. Por exemplo, a Ao lado desses aparatos que ofe- vem incluir as conversas e leituras
experiência da morte para crianças recem diversos estímulos visuais e na rotina de seus filhos.
de classe média, que muitas vezes sonoros, seriam os livros objetos A auxiliar administrativa Deni-
apenas a vivenciam por intermédio secundários e esquecidos no co- se Nascimento, mãe de Jéssica, 9
de filmes, é totalmente diferente da tidiano das crianças? Para a pro- anos, declara por experiência pró-
experiência da morte para crianças fessora do curso de jornalismo da pria que o equilíbrio entre os dois
que vivem em bairros violentos, UFRGS e pesquisadora da temá- meios, leitura e tecnologia, é a me-
com frequentes tiroteios e disputas. tica Thais Furtado, o obstáculo da lhor saída para resolver a questão:
Por fim, Rosa sintetiza que “apenas convivência entre as crianças e os “ela tem horários para jogar, assim
o bom senso, o compromisso ético, meios tecnológicos não é ela em si, como tem horários para ler”. Sem-
a sensibilidade e o conhecimento mas a forma como ela se estabele- pre que possível, antes de Jéssica ir
das crianças de carne e osso po- ce: “não há nada errado no fato de para escola, Denise a leva na biblio-
dem, conjugados, podem nos servir uma criança navegar ou assistir te- teca Lucilia Minssen, localizada na
de guia nesta escolha de livros com levisão. O problema é: qual conte- Casa de Cultura Mário Quintana,
determinados temas”. údo ela está acessando? E quanto para que ela possa escolher seus
tempo por dia ela faz isso?”. Thais próprios livros e ler. Além disso,
Tecnologias: uma sentença aponta que, se uma criança está a mãe faz questão que a filha leia
passando muito tempo sozinha e livros no formato impresso, pois “o
para o fim do livro? ficando horas “online”, é sinal de papel te mantém na realidade”.
As tecnologias invadiram de que os grupos sociais de convivên-

Primeiros passos
Em Porto Alegre é possível encontrar diversos eventos e estabelecimentos que oferecem alternativas para auxi-
liar os pais e os professores a estimular o gosto pela leitura nas crianças.
Anualmente, a Praça da Alfândega, localizada no Centro Histórico, recebe a Feira do Livro de Porto Alegre. Em
uma de suas divisões, há a área infantil e infanto-juvenil que, além da comercialização de livros, oferece ativi-
dades gratuitas ao público como oficinas, palestras e sessão de autógrafos. A edição de 2017 vai acontecer de 1º
a 19 de dezembro.
Também há a opção de bibliotecas públicas, como a Biblioteca Lucilia Minssen, especializada em literatura
infanto-juvenil A Biblioteca está localizada no quinto andar da Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos An-
dradas, 736).
Para aqueles que desejam a aquisição de livros por preços acessíveis, há a opção de compra em sebos (livrarias
que compram, vendem e trocam livros usados). Na capital encontramos diversos deles, sobretudo nas ruas Ge-
neral Câmara e Riachuelo, ambas no centro. Ainda, é possível comprar em sebos online através de sites como a
Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br).
Outra alternativa é a adesão aos clubes de leitura, como o “Expresso Letrinhas” (expressoletrinhas.com.br) e o
“Leiturinha” (leiturinha.com.br). Por um plano mensal, os assinantes recebem em casa um kit de leitura com
obras selecionadas conforme a idade da criança.

22
EDUCAÇÃO

Uma vila para educar uma criança


Família e escola cada vez mais compartilham responsabilidade pela formação do caráter

Hugo Silveira pouco contribuem no debate edu- mos arranjar um trabalho, e assim
cacional. saí de casa com 10 anos de idade
Recentemente, uma instituição “Enquanto escola e família não para trabalhar em um restaurante.”
de ensino de São Paulo, que atende se perceberem partes atuantes de A formação educacional da
crianças desde os primeiros meses uma comunidade educativa, segui- criança apresenta suas peculiari-
até os seis anos de idade, gerou po- remos fazendo cobranças como se dades e variações conforme as di-
lêmica nos meios de comunicação uma estivesse somente a serviço da ferentes épocas e contextos. Na
e tem dividido a opinião de educa- outra. A verdade é que o aluno ide- atualidade, em que as referências
dores por oferecer uma espécie de al, apto para receber os estímulos familiares estão se expandindo, ou-
serviço “faz tudo” aos pais. Nela, educativos, assim como um modelo tros modelos parecem surgir para
algumas responsabilidades que de familiar, não existem”, afirma. além da noção tradicional de pais,
normalmente caberiam à família Os limites ao que cabe à escola constituída pelos elementos defini-
são prestadas pela escola: os alu- parecem difusos, mesmo que para dos como “pai, mãe e filhos”.
nos podem ficar das 8h às 20h, os os educadores isso possa ser clara- Antigamente a educação na es-
uniformes são lavados pelo próprio mente definido em torno da pro- cola tinha como base o ensino da
colégio, todas as refeições do dia dução de conhecimento. Se antiga- disciplina para as crianças. Hoje,
são servidas - o colégio, inclusive, mente trabalhava-se a educação a porém, esta realidade parece não
oferece congelados para o final de partir das polaridades “certo e er- ser mais a mesma, a escola mudou
semana, dispensando a necessida- rado”, “bom e ruim”, “falso e ver- assim como a formação dos educa-
de dos pais de preparar a famosa dadeiro”, hoje, tanto as famílias, dores e as próprias relações fami-
“papinha”. Até mesmo um cabele- quanto os educadores enfrentam o liares também parecem marcadas
reiro é disponibilizado para cortar desafio de escapar dessas polarida- por mudanças na sociedade.
os cabelos das crianças uma vez des e dar conta das variações e di- Para a psicóloga e doutora em
por mês. No cerne dessa polêmica versidades. educação Nair Iracema dos San-
está uma discussão que há muito Para Gicela Alves da Rosa, auxi- tos, existem hoje outras forças que
tempo divide especialistas e parece liar de limpeza e mãe de Brendon, compõem o universo da educação
nunca chegar a uma resolução sa- estudante de 15 anos, além dos pais e o desenvolvimento da criança,
tisfatória. acompanharem de perto os estudos tais como a mídia, as novas tecno-
Por um lado, há os professo- e as atividades dos filhos, também logias de informação e o consumo.
res que acusam as famílias de se é preciso que o professor incentive Segundo ela, são forças que atra-
ausentarem na educação de seus o aluno, converse com a criança e vessam e compõem novos cenários
filhos, depositando na escola a ta- queira saber o que ela está pensan- nessas instituições e suas relações:
refa de educação comportamental do. Na sua visão, outro fator que “As famílias cobram mais tarefas
e moral. De outro lado há as famí- deve ser levado em consideração que ocupem o tempo dos filhos,
lias, que acusam a crescente inefi- é a questão da liberdade e as mu- tarefas essas que entendem como
ciência por parte do sistema educa- danças em seu conceito de geração importantes para um ‘futuro de su-
cional no que tange ao aprendizado para geração. Ao contrário do fi- cesso’, inclusive com agendas que
de seus alunos. lho, em sua infância recebeu uma vão desde o berçário e que contem-
Ana Lucélia Silva Dias, pedago- educação muito rígida e de pouco plem línguas, informática, artes,
ga e professora da rede pública de diálogo: “Existia pouca liberdade e esportes. Ocorre uma terceirização
Porto Alegre, avalia que a discussão meus pais não falavam para a gente de relações com os filhos.”
é necessária, mas que os enfoques estudar, nos incentivavam a ir tra- Rafael Arenhaldt, doutor em
dos argumentos são inadequados e balhar. O quanto antes precisáva- educação e professor de pedago-

23
EDUCAÇÃO

gia na Universidade Federal do Rio ciais, já que facilmente incorremos dições básicas de subsistência.
Grande do Sul, questiona os pre- em generalizações e, por sua vez, “Quando não se tem uma alimenta-
conceitos comuns sobre a função em possíveis equívocos na compre- ção adequada, condições mínimas
da escola na formação da criança: ensão dos fenômenos sociais. “Tal- de moradia, quando os respon-
“Por vezes escutamos frases como: vez o aspecto mais evidente seja o sáveis precisam dispensar horas
é papel da família educar e é papel constrangimento socioeconômico. do seu dia em função do trabalho
da escola ensinar, evidenciando Por um lado, temos a perspectiva certamente haverá ausência de res-
uma representação de que a educa- das escolas públicas e de seus edu- ponsabilidade frente à criança”, ex-
ção vem de casa e que cabe à escola cadores e o processo de precariza- plica Dias.
tão somente passar e transmitir os ção da escola pública e do docente Contudo, a condição econômica
conteúdos.” As duas instituições, que atua nesta escola. Por outro também não é a garantia de uma
família e escola, devem atuar em lado, há a questão de grande parte relação efetiva entre pais e filhos
sinergia. “É preciso uma comu- das famílias que buscam a escola no que diz respeito à educação.
nidade inteira para educar uma pública e que nela depositam espe- Famílias com melhor condição fi-
criança”, recita o pedagogo. ranças múltiplas, seja da educação nanceira tendem a contar com uma
Dentro das práticas institucio- formal, do cuidado, do desenvolvi- espécie de rede de apoio na tarefa
nais das escolas públicas e priva- mento integral, da alimentação, de de criar e educar seus filhos: “Há
das, juntamente com as perspec- uma nova condição social e talvez famílias que oferecem os melhores
tivas das famílias em relação às profissional”, pondera Arenhaldt. professores nas mais renomadas
mesmas, há alguns aspectos que É preciso equilibrar ambas as rea- escolas, mas precisam perguntar
parecem mais explícitos. Arenhaldt lidades. para a cuidadora o que seu filho
ressalta a importância de perceber- Para Silva Dias, as famílias aten- gosta de comer. Há crianças que
mos as diferenças presentes entre o didas pela educação pública, prin- dispõem de uma agenda repleta de
universo da escola pública e da es- cipalmente em escolas localizadas atividades extracurriculares, mas
cola privada no país. Segundo ele, em regiões periféricas, encontram- muito pouco, ou quase nunca, tem
não é tarefa simples delimitar e de- -se afetadas pela insuficiência do tempo para brincar com seus pais”.
linear diferenças entre grupos so- poder público em assegurar con-

Foto: Tina Floersch/Unsplash

24
EDUCAÇÃO

Entre posições e histórias: a yoga


na educação infantil
A atividade apresentou mudanças expressivas no comportamento de crianças.

Foto: Pixabay
Yoga melhora a postura,
diminui a ansiedade e
melhora a respiração

Camila Medroa e depressão. A situação mais pre- significa “união”, com a finalida-
ocupante é com as crianças, pro- de de integrar o corpo, a mente e
No atual mundo frenético em venientes de uma geração que já as emoções para alcançar o equilí-
que smartphones, tablets e com- nasceu com as novas tecnologias brio. Após a popularidade da práti-
putadores oferecem informações presentes no dia-a-dia. Com isso, ca com adultos, a yoga, juntamente
a todo instante, não é difícil nos escolas de outros países vêm inves- com a meditação, começou a ser
tornarmos dependentes dessas tec- tindo em práticas de relaxamento, aplicada com crianças a fim de me-
nologias. Não importa a idade, o como a yoga, para desvincular os lhorar a experiência escolar. A pri-
uso excessivo de dispositivos mó- alunos desse mundo acelerado. meira vez foi no ano de 1973 em Pa-
veis estimula problemas na saúde A yoga é uma prática milenar, ris, na França, quando a professora
como insônia, ansiedade, tensão cujo nome provém do sânscrito e Micheline Flak ministrou uma ten-

25
EDUCAÇÃO

tativa de exercícios de yoga em sala

Foto: Pixabay
Posturas como a do leão, da
de aula. Posteriormente, a prática vaca e do gato fazem parte
foi se expandindo por várias partes da atividade
do mundo através do movimento
“Pesquisa de Yoga na Educação”, o
RYE.
Ao se falar de yoga com crian-
ças, o primeiro ponto a ser pensa-
do é por qual motivo as escolas de-
veriam inserir essa prática no seu
currículo. Para a professora Silvana
Centeno Hemann, a yoga só pode
trazer benefícios aos pequenos.
— A yoga ajuda a melhorar a
concentração. Ela também reduz
a ansiedade, o estresse, melhora a
respiração, aumenta a consciência
corporal e a autoaceitação, reforça
a memória e ajuda no controle de
emoções.
Em um dos bairros nobres de
Porto Alegre, a Escola Estadual de de dentro. Outros falaram, se en- tempo é possível notar mudanças
Ensino Fundamental Imperatriz tusiasmaram e confirmaram que já significativas em crianças que pra-
Leopoldina implementou recen- praticaram com familiares. ticam yoga. Os professores acom-
temente aulas de yoga com seus Para incentivar e entusiasmar as panharam noventa alunos do ensi-
alunos. Silvana foi a responsável crianças a praticar yoga e medita- no fundamental em uma escola em
pelo projeto, já que além de ser ção, Silvana investe na narração de São Paulo e, em três meses de es-
professora de educação física, es- histórias durante o exercício — em tudos foram notadas modificações
pecializou-se no curso de formação cada aula é contada uma história importantes: melhorou-se a flexi-
em yoga para crianças em uma das diferente sobre as emoções huma- bilidade, a postura, a concentração
mais conhecidas escolas de yoga no nas. Por exemplo, um dia pode-se e o equilíbrio e os alunos também
Brasil, a Ananda Marga. contar a história do medo e, como apresentaram menos agressivida-
Silvana deseja deixar um legado contraponto para não amedrontar de e ansiedade.
na pequena escola do bairro Pe- as crianças, ensina-se a postura da Mesmo com várias escolinhas de
trópolis. Ela acredita que a yoga é coragem e técnicas de relaxamen- yoga na cidade, Silvana enfatiza a
capaz de transformar a educação e, to. importância de levar as práticas em
por isso, sugeriu à diretoria a im- As nomenclaturas das posturas locais que não tem acesso a yoga.
plantação de aulas aos alunos. O são adaptadas para uma linguagem A pouco tempo de se aposentar, a
projeto concentra-se com os peque- compreensível pelas crianças: go- professora afirma que sua missão
nos do primeiro, segundo e terceiro mukasana vira a postura da vaca, agora consiste em implementar a
ano escolar — com idades variando simhasana é a postura do leão e yoga com outras crianças da rede
entre 6 e 10 anos. Mesmo em pouco marjariasana a do gato. As aulas de ensino público e está tentando
tempo em atividade, a recepção e o no colégio têm duração de no má- levar o projeto à Secretaria da Edu-
interesse dos alunos está surpreen- ximo 30 minutos e são praticadas cação do município.
dendo os professores. uma vez na semana. — Queria encerrar a atividade
— Na primeira aula, perguntei Um estudo dos professores Fa- contribuindo com algo motivante.
se eles sabiam o que era meditação. biana Oliveira de Moraes e Rô- São com projetos como esses que
Rapidamente eles responderam di- mulo Sangiorgi Medina Balga, da fazemos a mudança: plantamos se-
zendo que sabiam e que meditar Universidade Presbiteriana Ma- mentes que podem transformar as
era acalmar a mente e tirar a raiva ckenzie, comprovou que em pouco vidas dessas crianças.

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EDUCAÇÃO

Os pais também vão à escola


A tendência atual é que pais e professores estabeleçam cada vez mais contato, para garantir
o desenvolvimento de adultos confiantes e inteligentes

André Luiz da Silva

Foto: André Luiz da Silva


Que a educação brasileira (prin-
cipalmente pública) tem muito a
melhorar você já sabe. Mas um dos
pontos importantes para melhorar
o desempenho escolar da criança é
a participação dos pais - e há diver-
sos modos pelos quais é possível se
inserir. “Instituir rotinas de ativida-
des, incluindo as referentes à vida
escolar, pode se constituir numa
sólida base para conhecimentos e
aprendizagens futuros e para toda
a vida”, diz a vice-coordenadora da
pós-graduação em gestão escolar
da UFRGS, Maria Beatriz Gomes.
É preciso deixar claro, entretanto,
que não existe uma “receita”: as es-
tratégias podem variar de acordo Para Helena Limbacher,
a Escola Uruguai é um
com a família, o contexto da escola importante espaço do
e o meio social em que se está inse- filho Germano, de 8 anos
rido.
Em 2014, a organização não
governamental Todos Pela Educa- sobre o andamento do seu apren- preciso então que os pais saibam
ção mensurou que apenas 12% dos dizado. Não é difícil encontrar dialogar com o filho e demonstrem
pais brasileiros são de fato compro- pais que, no máximo, só levam os interesse também pelo aluno.
metidos com a educação escolar dos filhos à escola. É preciso entender Essa relação entre pais e
filhos. Destes, 79% mantêm conta- que um ambiente de conexão entre filhos, buscando desenvolver as
to com a escola sobre o desenvol- casa e escola permite que a criança competências escolares, entretan-
vimento do aluno. Práticas como desenvolva suas capacidades de so- to, não deve exceder os limites do
essa parecem ser consenso quanto cialização e contextualização, bem diálogo. Conversas impositivas
à participação dos pais, e merecem como sua própria identidade. e punições severas por maus de-
ser conservadas. Demonstrar in- A escola é o primeiro ambien- sempenhos nas notas não são
teresse nas atividades escolares e te de socialização fora de casa em exemplos de boas práticas na
estimular as crianças são hábitos nossa cultura. Se a criança tem pais participação da vida escolar. “Não
saudáveis de participação, aponta autoritários, por exemplo, pode se é com os pais sempre presentes
Maria Beatriz (ver quadro). sentir forçada a desenvolver suas que a qualidade da educação será
Ainda que seja consenso a ne- características pessoais e identitá- boa. O que é mais importante é a
cessidade de que os pais partici- rias somente na escola, com seus qualidade do tempo que se passa
pem no contexto escolar do filho, amigos. Isso pode gerar problemas com o filho”, diz a coordenadora
muitos sequer perguntam à criança psicológicos, como ansiedade. É do curso de especialização em
27
EDUCAÇÃO

Psicopedagogia da PUCRS, Bettina manhã com aulas de dança, apre- precário pelo governo. “Eu pintei a
Steren. sentações e uma palestra sobre nu- sala deles, arrumei a pia, coloquei
Amor demais também pode trição infantil. São eventos mais azulejo, deixei tudo limpinho. Eu
causar problemas. Pais “superpro- descontraídos como esse que atra- vi a carência.” Mãe de Germano, 8
tetores” tendem a cercar muito o em aquela parcela de pais mais de- anos, ela conta que essa participa-
mundo do filho e criar barreiras à sinteressada, e que, então, começa ção vai mostrando para o filho, aos
socialização. Quando a mãe ou o a se sentir acolhida no ambiente poucos, que é possível existir união
pai insistem em deixar o filho so- escolar. A partir daí, é normal que entre escola e família.
mente na porta da sala de aula, há as entregas das avaliações trimes- O serviço de orientação edu-
também uma quebra de confiança trais ganhem ampla presença dos cacional da Escola Uruguai tam-
que pode ser muito prejudicial ao responsáveis. “Todos [os pais] vêm bém tem muito tato quanto ao
desenvolvimento da criança. “O fi- aqui quando a gente os aciona. Isso desenvolvimento dos alunos. Se a
lho tem que sentir que os pais con- é muito válido porque eles veem criança apresenta comportamen-
fiam nele, então o diálogo é muito que a escola está interessada no fi- tos diferentes do habitual, baixo
importante”, observa Bettina. Uma lho. A gente não está aqui só para rendimento, entre outros fatores,
conversa simples que inicie com jogar matéria”, nota Arlete Xavier, os pais são logo contatados.
“como foi seu dia?” pode já ser o diretora da escola. Além da escola, também o
suficiente para desenvolver o bem- O acolhimento dos pais e governo é responsável pelo enca-
-estar de todo o círculo familiar. a criação da comunidade escolar minhamento das propostas que re-
é muito útil também na própria fletem na educação de uma criança.
Propostas de sucesso manutenção da instituição. A aju- No Rio Grande do Sul, por exem-
da em trabalhos manuais como a plo, a Lei de Gestão Democrática do
A responsabilidade pela horta escolar e outros serviços é Ensino Público estabelece a criação
participação dos pais, entretanto, sempre bem-vinda e estreita ainda de conselhos escolares com a parti-
também recai sobre a escola. Ge- mais essas relações. Todo esse tipo cipação da comunidade. Conforme
ralmente, isso se restringe a reali- de colaboração dos pais afeta tam- Maria Beatriz Gomes, “os pais, ao
zação de eventos, entrega de bole- bém os filhos. É como uma reação lado de professores e de governos
tins e formação do Círculo de Pais em cadeia que ajuda na educação comprometidos com a educação
e Mestres, o CPM - que, apesar da criança. escolar, são os agentes sociais e po-
do nome, normalmente tem baixa
Helena Limbacher, 52 anos, líticos que podem levar ao fortale-
adesão.
tenta ajudar a Escola Uruguai com cimento do valor da escola para o
Na Escola Estadual de Ensi- aquilo que é oferecido de modo desenvolvimento humano”.
no Fundamental Uruguai, em Porto
Alegre, se vai além do mínimo. Um

Arte: Natalia Henkin


dos ingredientes para a conquista
da 3ª melhor posição no Ideb (Ín-
dice de Desenvolvimento da Edu- Dialogar
cação Básica) de Porto Alegre é a com os
grande participação familiar. Lá, Estimular e professores
todos os pais têm seu cadastro e compreender
recebem os avisos da escola por e- o filho
-mail, além de serem convidados
a uma reunião todo início de ano,
que explica as metodologias dos
professores e o que virá pela frente.
Criou-se uma “comunidade esco-
Demonstrar
lar”, que faz parcerias e trocas com Ajudar nas interesse
os pais. tarefas de
No último dia 20 de maio, casa, e não
a escola organizou o “Dia da Soli- fazê-las
dariedade e da Família”, em uma

28
PSICOLOGIA

Um olhar para a infância


As consequências dos processos de adultização nas infâncias contemporâneas

Paula Barcellos

Foto: Reprodução
O historiador Philippe Ariès, em “História Social
da Criança e da Família” (1960), analisou a forma
Há muitas discussões de ordem como artistas medievais retratavam as crianças,
cultural sobre quando começa e diferenciando-as dos adultos apenas pela estatura.
quando termina a infância, levando Tais características são percebidas na obra Las
em consideração, ainda, os diferen- Meninas (1656) de Diego Velazquez.
tes tipos de vivências. Somente por
volta dos séculos XVI e XVII surge
o primeiro sentimento com relação
à infância e à família. Entretanto,
a inserção da criança no mundo
adulto continuou ocorrendo de di-
ferentes formas. No início da era
industrial, no Brasil, crianças tra-
balhavam em fábricas com as mes-
mas tarefas dos adultos. Hoje, com
o trabalho infantil proibido, essa
inserção aparece de outras formas:
consumo, comportamento, proje-
ções. Essas atitudes são caracteri-
zadas como uma “adultização in-
fantil”, cada vez mais presente nas
sociedades contemporâneas.
Para a professora de Ciências
Sociais da PUCRS Fernanda Bit-
tencourt, há uma valorização da
infância nos dias atuais devido ao
fato de as crianças serem mais ra-
ras. “Na medida em que a dimi-
nuição da natalidade, mesmo em
grupos muito pobres no Brasil, é
muito menor do que já foi na dé- mente com o advento das tecno- projeções. Fiz trabalhos desde a
cada de 1950 - antes da pílula -, há logias, - onde o acesso à informa- ultrassonografia, então nas salas
hoje uma série de ideias ligadas à ção ficou mais fácil e a publicidade de ultrassonografia as projeções
proteção da criança e aos riscos”, cada vez mais presente - tornou-se sobre o bebê que ainda nem nasceu
aponta como um dos motivos que muito mais fácil a criação de rea- são impressionantes – ‘é parecido
levam a práticas relacionadas à lidades e valores. A experiência de comigo’, ‘vai ser isso’, ‘vai ter aqui-
adultização. Rita com o atendimento de mães lo’ “, revela. É comum que se te-
Já para a professora do Institu- e bebês a fez perceber o quanto os nha, independente de classe social,
to de Psicologia da UFRGS Rita So- pais projetam expectativas e seus desejos em relação aos filhos. Nas
brero Lopes, as influências cultu- próprios desejos não realizados camadas mais populares, o ideal é
rais constituem um dos principais nos filhos, desde muito cedo. “Des- de que o menino, por exemplo, seja
pilares dessa prática e, principal- de o início da vida nós enxergamos trabalhador; já nas classes médias,
29
PSICOLOGIA

estende-se o tempo de escolarida-

Foto: Reprodução/Facebook
de da criança, pois a mesma é vista
quase como um investimento. En-
tretanto, para Fernanda, o ponto
em comum é que se pensa na crian-
ça sempre como continuidade. “Na
nossa cultura, parece que são seres
para o futuro, que estão se prepa-
rando para algum dia em que vão
estar prontas. Mas essa também é
uma ideia cultural, afinal, quando é
que ficamos prontos? ”, questiona.
Essas projeções estão muito li-
gadas a novas formas de trabalho
exercidos durante a infância. Mes-
mo o trabalho sendo legalmente
proibido para crianças, vem se po-
pularizando crianças modelo, artis-
tas e atletas – práticas com grandes
níveis de exigências em relação às
suas performances. A psicóloga De-
nise Steibel afirma que, se a vonta- Campanha
de partir da criança, é saudável ser Criança Não
explorada. “O que deve ser levado Namora
em conta é o objetivo: é para ajudar
a criança a desenvolver o potencial
como crianças. Hoje em dia a gente ma. “A pedofilização é, na verdade,
que ela tem ou para suprir uma ne-
interpreta como uma infantilização um processo de violência contra as
cessidade que os pais querem? ”,
ver elas vestidas como antigamen- crianças, porque naturaliza de cer-
reflete. Para Rita, as consequências
te se vestiam”, explica a psicóloga ta forma a cultura do estupro. A so-
de se impor algo que não é da na-
Denise. A professora da Faculdade ciedade está dizendo para as meni-
tureza da criança podem ser refle-
de Educação (Faced) da UFRGS, nas que elas só valem se tiverem os
tidas na vida adulta. “A criança não
Jane Felipe, analisa a adultização seus corpos erotizados - essa pos-
é enxergada como ela é. Ninguém
por via da erotização dos corpos tura que seria de uma mulher mais
gosta de não ser visto. Tudo que é
infantis e classifica o fenômeno adulta, mas que as meninas estão
colocado na criança e que não faz
como “pedofilização como prática internalizando”, opina a professo-
parte dela vai dar trabalho depois,
social”. “Ao mesmo tempo em que ra. O problema no final das contas
para tirar isso dela”, alerta.
se criam leis para proteger a infân- é menos o que a criança está vestin-
cia e a adolescência das violências, do e mais a conotação que isso leva
Meninas-mulheres a própria sociedade comente uma dentro da família. Para Steibel, em
Uma pesquisa com crianças da violência com as crianças quando uma família na qual a mãe deixa
Grã-Bretanha, coordenada pela disponibiliza seus corpos de forma claro que a sua aparência é muito
Children’s Society, mostra que me- erotizada”, pondera. importante e passa essas projeções
nos de 20% costumam brincar ao ar A docente explica que esse fe- para a filha desde cedo, provavel-
livre. O problema encontrado é que nômeno vem ocorrendo no Brasil mente a criança encontrará pro-
o restante demonstrava interesse principalmente a partir da década blemas no futuro. Em contraponto,
apenas em moda, estilo e cabelo e de 1990, com as apresentadoras de em uma estrutura familiar diferen-
são obcecadas com o peso corporal. programas infantis vestidas de for- te, a criança pode se vestir igual aos
“Tem uma questão social que esta- ma erotizada. Por conseguinte, as pais também, mas é estimulada a
mos vivendo, de que é bonito ver as meninas foram afetadas, pois pas- dar mais importância para outras
meninas como mini mulheres e não saram a querer se vestir dessa for- características.

30
PSICOLOGIA

Em abril deste ano, a Secretaria olhassem para si próprios. Esse ajudar a desenvolver isso”, expli-
de Assistência Social do Amazo- é o maior desafio: fazer uma pes- ca Denise. Fora dos consultórios
nas lançou uma campanha com o soa enxergar o que ela não quer”, e da família, a escola também tem
slogan “Criança não namora, nem explica. O objetivo das psicólogas, um papel importante em fazer com
de brincadeira”, que percorreu então, é tentar mostrar para os pais que as crianças e os pais se deem
as redes sociais. A campanha faz porque aquele sintoma se desen- conta dessa cultura estabelecida.
parte uma ação mais ampla do go- volveu e como o sistema familiar “A escola tem a função importante
verno do Amazonas que pretende teve uma contribuição. “Não é uma de poder fazer essa discussão com
mobilizar escolas, comunidades, patologia estruturada, mas sim al- os pais - de sugerir filmes, leituras
psicólogos e pais contra a explo- gum ‘entrave no desenvolvimento’. e vídeos que possam alertar os pais
ração infantil. Para especialistas, Normalmente, há um tratamento para que consigam entender esse
o incentivo dos pais em relação a para a criança desenvolver as ha- processo e exercer uma autocrítica
namoro e relacionamentos, mes- bilidades que ela não conseguiu na família sobre essas atitudes que
mo que “de brincadeira”, estimula e também para orientar os pais a afetam os seus filhos”.
também essa erotização precoce.
Entretanto, Denise aponta que há

Foto: Dave Gratton


uma preocupação exagerada dos
pais quando a criança fala que tem
um namorado(a), por exemplo. “A
criança chega com uma fantasia
própria dela de príncipe e princesa,
e os pais acabam erotizando com a
cabeça de adulto - que não é mesma
da criança. Existe essa confusão da
cabeça do adulto que não permite
que a criança seja livre”, comenta.

Desafios
Todas essas questões relacio-
nadas à adultização são difíceis de
serem identificadas pela família.
Por se tratarem, principalmente,
de construções sociais, os pais aca-
bam inseridos também nesse fenô-
meno. “Dificilmente a criança quer
ser mais adulta, v isso vem mais
dos pais. Então ela começa a ter
outros comportamentos: fica mais
birrenta, brigar com os colegas. Ela
apresenta alguns sintomas - ou no
colégio ou alguma das atividades -
que vai denunciar um pouco isso”,
afirma Denise. Para a professora
Rita, o maior desafio no tratamen-
to da criança são os próprios pais,
apenas interessados no desapare-
cimento desses sintomas, sem per- O fenômeno das meninas
ceberem a raiz do problema. “Se li- mulheres preocupa
psicólogas e profissionais
vrando disso, não querem saber de da educação
mais nada, porque aí exigiria que

31
PSICOLOGIA

A realidade dói,
não conhecê-la dói ainda mais
Conheça três artistas mirins e entenda como as crianças reagem a
vitórias e a frustrações

Liz Diaz

Foto: Divulgação João Braga


As cadeiras estavam viradas, os
olhos das crianças miravam as cos-
tas dos técnicos, como muros que
os separavam de um sonho: cantar.
Entre tantos rostos infantis que
passaram pelo palco do The Voice
Kids Brasil este ano, estavam Tho-
mas Machado, Luis Arthur Seidel
e Isabelle Mottini. Em comum, a
oportunidade. De diferente, a per-
sonalidade, a forma de viver a mú-
sica e encarar aquele palco. A base da trajetória de Luis
Thomas, com apenas 9 anos, e Arthur é o diálogo com os pais,
Luis Arthur, na época ainda com Katiuschia e Luis Henrique
12, tiveram a felicidade de serem
aprovados por todos os técnicos. sim? Quais os sentimentos que as criança traz ao nascer e a sua per-
Após sua primeira aparição no pro- inundam? Como lidar com a ideia sonalidade.
grama, Thomas era questionado de ser “o vencedor” ou ouvir o “não A relação dos pais com os filhos
“você é o gauchinho do The Voice foi dessa vez”? é fundamental no modo como a
Kids?” e respondia feliz que sim, A criança tem uma forma parti- criança vai lidar com a frustração.
era ele. Arthur começou a ter noção cular de lidar com frustrações. Cló- “O que define o enfrentamento do
do que estava acontecendo quando vis Khalild, psicólogo clínico espe- filho com a situação de frustração é
as pessoas passaram a reconhecê- cialista na área da infância, explica o significado que a família deu para
-lo nas ruas: “no início é um ba- que vitória e derrota são conceitos essa criança do que é o esforço”, es-
que, porque eu estava acostumado muito difíceis para uma criança clarece o psicólogo. A educação não
com o anonimato, e eu saí na rua compreender. Isabelle viveu esta deve ter como raízes o mérito ou
e as pessoas queriam tirar foto co- confusão de sentimentos ao não ser a recompensa, mas sim o esforço.
migo”. Isabelle não teve a mesma aprovada para as próximas fases do Katiuschia Seidel, mãe de Luis Ar-
sorte, nenhum dos técnicos a esco- programa: “a única coisa que veio thur, relembra como ela e o marido
lheu. Aos 15 anos de idade, é difícil à minha cabeça foi um sentimento conversaram com o filho quando
assimilar: “foi uma sensação nova, de derrota, uma certa vergonha por souberam que ele participaria do
foi bom, mas quando eu vi que não aquilo estar acontecendo comigo”. The Voice: “Em nenhum momento
viraram as cadeiras, eu fiquei triste A reação da criança quando se de- nós dissemos ao Arthur que ele ia
e com um pouco de raiva também, para com um “não” depende de um passar ou não; falamos que qual-
no fundo eu esperava que virassem conjunto de fatores. Khalild desta- quer coisa que acontecesse, o fato
para mim”. Como estas crianças ca a formação que os pais propor- de viver a experiência já seria bom
conseguem enfrentar situações as- cionam, a bagagem genética que a para ele”. O diálogo também foi ne-

32
PSICOLOGIA

cessário com a saída de Luis Arthur conta que não tinha noção do quanto dos os compromissos relacionados
do programa na semifinal. O cami- suas vidas mudariam. Na idade à carreira da filha devem ter o aval
nho que os pais encontraram para de Thomas, é ainda mais confuso da própria menina: “Ela anda é
apoiar Arthur foi explicar que não compreender o que é ganhar um adolescente, quer ir em festas, quer
é o ganhar que fará com que uma campeonato na televisão, tanto que estar com as amigas e eu não posso
carreira seja de sucesso. “Ele ficou o menino não acreditava que havia tirar isso dela”.
triste por que queria estar na final, sido o campeão. As reações de uma criança fren-
mas nós conversamos e o Luis Ar- Elisete relata que, desde o iní- te à adversidade dependem de sua
thur entendeu que chegar na semi- cio, a família deixou claro para personalidade. Khalild esclarece
final já abriu portas enormes”, re- Thomas que ele ser um cantor não que alguns jovens se desestabili-
lata Katiuschia. o diferenciava de outras crianças e zam por completo, outros crescem
Assim como os sentimentos das que, assim como os demais, para em situações difíceis: “Se a criança
crianças, as necessidades e frus- ele a escola vem em primeiro lugar. tiver uma boa relação consigo pró-
trações dos pais também são de- O menino entendeu o recado: “Eu pria, na qual o erro é colocado como
cisivas. A mãe de Isabelle, Sylvana sou uma criança feliz que já tem re- forma de aprendizagem e como ca-
Jung, relata sua grande dificulda- alizações e muitos sonhos”. Além minho para alcançar algo, a criança
de para aceitar o fato da filha não disso, Thomas reconhece a impor- vai lidar bem com a frustração”. A
ter sido escolhida nas audições: tância da família nesta caminhada: formação da criança para respon-
“Eu fiquei super mal, queria fugir, “Minha família está sempre comigo der a vitórias e a fracassos está
não queria falar com ninguém, não nos shows”. Para Arthur, o início sempre ligada ao conjunto de va-
queria saber do The Voice. Foi de- foi complicado: “Foi difícil conci- lores passados pelos pais. O espe-
cepcionante para nós duas, mas a liar, porque era bastante coisa, es- cialista na infância indica: “Os pais
minha reação foi pior”. “Os pais cola, amigos, The Voice, agenda de devem preparar seus filhos para a
precisam saber como é que eles li- shows e tudo mais”. O garoto conta realidade, dando ênfase ao fato de
dam com as próprias frustrações e que o carro era lugar de estudo e de que a frustração faz parte da vida
saber qual é o valor que dão para sonos atrasados durante viagens para recompensas maiores”. Quan-
a carreira do filho”, indica Khalild. para shows. do os pais tentam poupar os filhos
Para o psicólogo, o grande perigo é Isabelle conta que a divisão do das frustrações, acabam por retirar
os pais ocultarem suas frustrações seu tempo é equilibrada. A mãe, a capacidade das crianças de en-
na possibilidade de ser mãe ou pai Sylvana, acredita que isso é funda- frentar a realidade. A criança que
de alguém que faz sucesso. mental: “eu tento ir muito devagar não é preparada para a realidade
Quando uma criança obtém su- com a vida dela de cantora para terá dificuldades para lidar com
cesso, as pessoas passam a esperar não complicar”. Para Sylvana, to- seus sentimentos.
que ela seja a primeira sempre. “É

Foto: Liz Diaz


óbvio que ela não consegue” - resu- Isabelle nos bastidores do primeiro show
me Khalild. Para suportar essa ex- após a participação no The Voice Kids com
pectativa, a criança carece de uma o professor Willian Varela
sustentação de princípios e de va-
lores fortes. “Qual é a parte mais
difícil que os pais terão que lidar?”
- questiona Khalild. O próprio psi-
cólogo responde que a criança vito-
riosa vive uma situação na qual o
culto a personalidade está sempre
presente. A criança, com apoio dos
pais, terá que administrar esta re-
alidade sem afetar sua vida escolar
e sua relação com familiares, por
exemplo.
A mãe de Thomas, Elisete Broch,

33
PSICOLOGIA

A linguagem que aproxima pais e


filhos por meio da vulnerabilidade
A Comunicação Não-Violenta ajuda a perceber sentimentos e necessidades insatisfeitas por
trás de toda mensagem negativa – das suas e dos seus filhos.

Juliana Maciel então as diminuímos na ânsia de gada. Segundo ela, a atual geração
estancá-las, como se ‘não fossem de pais não quer repetir os mesmos
Rudah, 5 anos, costumava ter nada’.”, complementa a psicóloga castigos em seus filhos, ainda que
ataques de raiva. Quando isso acon- e também mãe Joana Hennemann. careça de modelos para trabalhar
tecia, sua mãe, Juliana Porto, co- Para Tiago, esse comportamento os conflitos. Como os medos já são
locava-o de castigo no quarto. Em faz com que a criança crie medo da outros, acaba agindo da mesma
uma determinada situação, Rudah sua própria sombra. E, assim como forma - ou acaba sendo permissiva
começou a chorar muito: ele queria os pais, vá se alienando dos seus para não enfrentar o desconhecido.
comer algumas uvas, mas Juliana sentimentos. “A sociedade tem medo dos confli-
estava preparando o almoço e não A Comunicação Não-Violenta tos e os enfrenta da forma tradicio-
deixou. Nesse dia, Tiago Bueno, (CNV) foi criada pelo psicólogo nal, com práticas prontas e estabe-
amigo da família e facilitador de americano Marshall Rosemberg lecidas, resolvendo a violência com
grupos de estudo e prática sobre com o objetivo de estabelecer um a violência ou com punição”, afir-
Comunicação Não-Violenta, sus- relacionamento (com o outro e ma Joelza Pires, que é doutoranda
surrou para a mãe escutar o filho, consigo) baseado na sinceridade e em Saúde da Criança e do Adoles-
oferecer empatia e repetir o que ele na empatia. Mas “é difícil manter cente pela Universidade Federal do
lhe dizia. Juliana abraçou Rudah e consciência desse objetivo, espe- Rio Grande do Sul (UFRGS).
seguiu os conselhos do amigo: “tu cialmente com pais, professores, Segundo Joelza, é importan-
tá triste porque quer comer a uva gerentes e outros cujo trabalho se te criar espaços seguros, em casa,
e eu não deixei, é isso? Tu queria baseia em influenciar pessoas e ob- para discordar, estabelecer diálogo
muito comer a uva, né? Eu to ven- ter resultados comportamentais”, e resolver conflitos. Ela explica que
do que tu ficou triste...”. Ela tentou afirma Marshall em seu livro “Co- a relação entre pais e filhos é fun-
estabelecer um diálogo com o filho, municação Não-Violenta: Técnicas damental para a formação de uma
até que ele a interrompeu: “tu não para aprimorar relacionamentos boa base psíquica da criança, para
vai embora também né, mãe?”. O pessoais e profissionais”, publicado o seu entendimento de quem é, de
pai e a irmã mais velha haviam saí- em 2003. O discípulo de Marshall, quem são os outros e do que é espe-
do de casa havia algumas semanas. Dominic Barther, explica que não- rado dela: “A casa é a referência da
Tiago Bueno explica que as -violência não significa ficar passí- criança. É o primeiro ambiente so-
crianças têm uma necessidade pro- vel diante à violência. Não é não in- cial no qual ela convive.” Segundo
funda de amor e carinho dos pais. comodar e ter paciência. Inclusive, a médica, as famílias em situação
Mas, como estão inseridas em uma “a maior parte das pessoas guarda de vulnerabilidade têm como um
cultura que invalida sentimen- dentro de si os seus sentimentos grande fator de risco a baixa esco-
tos, é muito comum que se sintam e isso se reflete em algo violento”, laridade dos pais, o que dificulta o
sozinhas. “Nós encaramos como complementa Tiago. entendimento das necessidades de
algo inadequado e assustador uma Joana explica que a educação, seus filhos, enquanto as famílias
criança raivosa. Então, ensinamos em gerações anteriores, era pre- com melhor situação econômica
nossos filhos a negarem suas emo- dominantemente baseada na obe- têm como prioritário o trabalho.
ções mais autênticas, dizendo que diência à autoridade e no medo da Substituem o afeto, o cuidado e a
é feio e errado expressá-las, ou punição caso a obediência fosse ne- atenção por brinquedos e as telas

34
PSICOLOGIA

Foto: Sara Björk/Visualhunt


multimídia, que tornam a relação feliz e de ser um exemplo para os que eu chorava. Mas não conseguia
ainda mais superficial. filhos. Mas eu estranhava. Porque se aproximar emocionalmente de
Joana explica que, para haver sabia que havia momentos de dor.” mim. Então, ela me obrigou a ir”,
um bom diálogo, primeiro os pais Nessa época, Luiza tinha fobia so- relembra a jovem.
precisam se educar emocional- cial e contava apenas com amigos Assim como Luiza, Pedro Pes-
mente: “Muitos de nós ainda so- virtuais. No colégio, tinha dificul- soa, 19 anos, conta que não tinha
mos analfabetos emocionais e as- dade de pertencer a um grupo, ela um canal aberto para falar sobre
sim tentamos lidar com os conflitos não se interessava pelos mesmos sentimentos com os pais. Contu-
negando o essencial, as emoções.” assuntos das outras meninas e, ao do, depois de ler o livro de Mar-
Segundo ela, muitas vezes, o que mesmo tempo, seu jeito causava shall Rosemberg sobre CNV e de
uma criança precisa é ser compre- estranhamento também nos me- emprestá-lo para sua mãe esse ca-
endida e validada emocionalmente ninos. Ela queria compartilhar os nal melhorou muito entre os dois.
muito mais do que a resolução do seus sentimentos, mas não se sen- “Teve uma cena bem marcante que
conflito em si. tia à vontade para fazer isso com foi ela se abrindo, pela primeira
Luiza Dorneles, 19 anos, lem- os pais: “Se eles nunca tinham me vez, sobre como se sentia em re-
bra que confrontava muito os pais mostrado os deles, como eu ia mos- lação à minha vó, que está muito
na pré-adolescência. Ela costuma- trar os meus?”. Um dia, a mãe de mal de saúde. Cai uma carga mui-
va perguntar por que a mãe não Luiza chegou em casa com o pan- to grande para a minha mãe cuidar
chorava, nem demonstrava raiva: fleto de um programa voltado para dela e, depois, para que eu cuide
“Parecia que ela estava queren- jovens que gostariam de se des- dela.” Para Pedro, a Comunicação
do ver a vida de uma forma posi- conectar da realidade virtual e de Não-Violenta o ajudou a entender
tiva e pode ser que fizesse isso por entender as suas emoções. “Minha as carências que tinha de diálogo e
proteção. Essa necessidade de ser mãe sabia que eu precisava. Ela via a como expressá-las.

35
PSICOLOGIA

A CNV é um instrumento que quando alguém se comunica de o quão difícil é praticar a Comuni-
nasce do entendimento de cada forma negativa, ou quando se es- cação Não-Violenta: “Nosso reper-
um ser responsável pelo seu pró- cuta uma frase difícil - um filho diz tório de palavras para rotular os
prio sentir e por expressar aquilo para o pai que não brigou com o outros costuma ser maior que o vo-
de que necessita. “A intimidade colega da escola - há quatro opções cabulário para descrever claramen-
nasce dessa relação de aceitação de como receber essa mensagem: te nossos estados emocionais.” Ele
dos sentimentos. Não existe sen- a primeira seria culpar-se (o pai relata um episódio no qual, todos
timento errado. Existem necessi- se lamenta por não ter dado uma os dias, ele precisava lembrar e in-
dades. Algumas vezes poderão ser boa educação); a segunda é culpar sistir para o seu filho caçula colocar
atendidas, outras vezes não, mas os outros (o pai chama o filho de o lixo para fora. Marshall pensava
demonstrar que entendemos é o mentiroso); a terceira é perceber “ele deveria fazer isso”. Até que, em
primeiro passo”, afirma Joana. Ex- os próprios sentimentos e necessi- uma noite, prestou atenção no que
pressões como “rejeitado” e “enga- dades (o pai quer conversar com o o filho estava lhe dizendo. Isto é, no
nado” não dizem respeito a como filho e quer ser ouvido); a quarta é motivo para qual o lixo não estava
as pessoas se sentem. Elas são uma perceber os sentimentos e necessi- sendo retirado. Conversou com o
forma de interpretação, geralmen- dades escondidos por trás da men- caçula, que sentiu a empatia do pai
te ligada ao medo de ser amado, te- sagem da outra pessoa (o filho quer e começou a realizar a tarefa sem a
oriza Marshall em seu livro. proteger-se contra uma punição). necessidade de ser lembrado.
Assim, a Comunicação Não-Vio- A CNV incentiva a escolha das duas Naquela noite, Marshall escre-
lenta possui quatro componentes últimas possibilidades. veu o poema “A canção de Brett”.
chaves: o primeiro é observar sem Marshall reconhece em seu livro
julgar; o segundo é identificar e ex-
pressar as necessidades (do outro e
as minhas); o terceiro é nomear os A canção de Brett
sentimentos envolvidos (do outro
e os meus); e, por último, há a ne- “Se eu entender claramente
cessidade de se formular pedidos Que você não quer me dar nenhuma ordem,
claros e viáveis. Assim, se um pai Geralmente responderei a seu chamado.
entra no quarto do filho sem bater, Mas, se você vier até mim
em vez de o adolescente gritar “que Como um patrão superior e poderoso,
falta de respeito é essa?”, ele pode-
Você se sentirá como se tivesse se chocado contra uma parede.
ria dizer:
E, quando você me lembrar de forma tão reverente
- Quando eu observo você en-
trar no quarto sem bater na porta, De todas as coisas que você já fez por mim,
eu me sinto com medo e com rai- Será melhor se preparar:
va porque eu tenho necessidade Lá vem outro golpe!
de privacidade e de segurança. Eu Aí você pode gritar,
gostaria que você batesse na por- Pode cuspir,
ta antes de entrar no meu quarto.
Gemer, resmungar, ter um ataque;
Você poderia fazer isso?
Nem assim vou levar o lixo para fora.
“A partir do momento em que as
pessoas começam a conversar so- Agora, mesmo que você mude seu jeito,
bre o que precisam, em vez de fala- Vai demorar um pouco
rem sobre o que há de errado com Antes que eu possa perdoar e esquecer,
as outras (culpá-las, ou puni-las), a Porque, para mim, parece que você
possibilidade de encontrar manei- Não me via como outro ser humano
ras de atender às necessidade de
Até que eu estivesse de acordo com todos os seus padrões.”
todos aumenta enormemente”, ex-
plica Marshall.
Marshall Rosemberg
Segundo o criador da CNV,

36
SOCIAL

Racismo na escola e
empoderamento de crianças negras
O que os pais podem fazer em casa para criar filhos empoderados para lidar
com o dia a dia racista?

Dora Assumpção Schmidt isso não mudou muito. Era chama-

Foto: Acervo Pessoal


da pelos colegas de negrinha. Logo
Negrinha. Cabelo duro. Torra- cedo, trouxe essa questão para den-
do. Saci. Feijão. Carvão. Pneu. Ma- tro de casa e hoje pode dizer que a
caca. participação da mãe foi essencial
Não é fácil ser negro. E não é fá- para que encarasse esse momento
cil ser mãe ou pai de filho negro. O de maneira mais saudável. Kailã
instinto familiar tende à proteção conta que o empoderamento em
das crianças, mas nesse caso, exis- casa foi intenso e constante, sem-
te algo que a família não tem como pre reforçando que ela era uma
evitar: o racismo. Em qualquer lo- menina negra, de uma família de
cal de convivência, haverá exposi- negros e que deveria ser respeitada
ção a essa forma de discriminação. por isso. A mãe contornava a situa-
A escola é o primeiro deles. Lá, ção de maneira simples e constru-
João Antônio hoje,
as ocorrências racistas podem ser tiva: “já paraste para pensar o que estudante de Geografia
sutis - como a noção de que existe as pessoas sempre querem nas fes-
um lápis cor de pele que não con- tas de aniversário? O negrinho! Tu uma família que o acolheu nos mo-
diz com a pele negra - e também és a coisa mais desejada da festa”. mentos de humilhação. Vindo de
violentas. Vivências assim fizeram Pode-se dizer que João Antônio uma família com melhor condição
parte da rotina de João Antônio, também teve sorte por contar com econômica, estudou a vida inteira
Kailã e Stephanie e ainda são uma em escola particular, onde sempre
Foto: Acervo Pessoal
realidade nas escolas. Apesar de foi o único negro, junto ao irmão
inevitável, é possível tornar essa gêmeo. “Tinha um menino, não me
situação menos traumática. A atu- lembro o nome, que chamava eu e o
ação dos pais é essencial e pode fa- meu irmão de torrados”, relembra.
zer toda a diferença, desde que eles Com a pouca idade, era difícil com-
demonstrem seu apoio e saibam preender o que aquilo significava.
reconhecer os sinais dos filhos. Fa- O sentimento que tomava conta
zer um trabalho de escuta constan- dele era uma profunda angústia,
te e trazer elementos que exaltem uma tristeza sem sentido: o que ha-
a negritude da criança podem ser via de errado para que aquilo acon-
ações determinantes durante esse tecesse? A escola, por fazer parte
período. de uma realidade pertencente às
Nascida no interior, Kailã é ví- classes A e B, sequer tocou no as-
tima de racismo desde bebê. “Ela é sunto. Era como se não existissem
pintada?”, perguntavam à mãe, en- estudantes negros e, consequente-
quanto passavam a mão nos braci- mente, os acontecimentos eram ig-
nhos da pequena, esperando que a Kailã hoje, formada em norados. Dentro de casa, era dife-
Publicidade e Propaganda rente. “Meus pais sempre disseram
sua cor saísse. Ao entrar na escola,

37
SOCIAL

que deveriam nos respeitar”, eventos traumáticos da infância de dois filhos: Thayse e Lucas. Jo
conta João Antônio. são revividos diariamente. Exclu- (como gosta de ser chamada) par-
Stephanie vivia numa realidade são, baixa autoestima, incapaci- ticipou ativamente da criação de
distinta de Kailã e João Antônio. dade. Em todos os casos, segundo seus filhos no que diz respeito ao
Nascida em uma família humilde, as próprias vítimas, os pais foram empoderamento negro. A princi-
a sua educação iniciou numa escola fundamentais durante esse perío- pal motivação para trazer a conver-
pública. Desde o começo, os apeli- do. Se eles tivessem atuado, teria sa sobre negritude para dentro de
dos racistas eram muitos: Preta. sido diferente - na visão de Ste- casa é a questão da representativi-
Preta suja. Fedorenta. O medo de phanie. Para Kailã e João Antô- dade, mencionada por Tiago. Como
ir a escola era tanto que ela jamais nio, se os pais não estivessem ali, as referências a pessoas negras são
conseguiu relatar essas situações teria sido muito mais difícil. Sendo poucas, fazer-se presente como tal
em casa. Sabendo que a mãe po- assim, qual a melhor maneira de no ambiente familiar se torna de-
deria procurar a direção da escola abordar filhos que estão expostos a terminante. Para concretizar isso,
para tirar satisfações, temia que a esse tipo de situação? Que sinais é segundo a pesquisadora, existem
perseguição por parte dos colegas preciso notar? Além de comunicar dois movimentos importantes: o
aumentasse. Aguentou sozinha e a escola, o que é possível fazer em primeiro é aceitar que o racismo
calada, sofrendo, mas existiam al- casa para amenizar essas ocorrên- existe - ter isso em mente ajuda a
guns sinais. Desde cedo, Stephanie cias? manter um olhar sensível aos si-
passou a usar aplique e a alisar o Integrante do CRDH/Nupsex nais que as crianças podem dar. E
cabelo. “Teve um dia que eu sur- (programa do Núcleo de Pesquisa o segundo é criar uma consciência
tei”, ela conta. “Entrei debaixo do em Sexualidade e Relações de Gê- negra em si próprio. Não é possível
chuveiro com uma esponja e esfre- nero da UFRGS que acolhe pessoas ajudar uma criança a se reconhe-
guei, esfreguei o máximo que pude em vulnerabilidade social), Tiago cer como negra e orgulhar-se disso
para tirar a minha cor”. Rodrigues aponta algumas inicia- sem ter passado por esse processo.
Para quem sofre racismo, os tivas práticas que os pais podem A tarefa não é fácil. Por isso, Jo res-
adotar nessas situações: a primeira salta que participar de coletivos do
delas seria escutar o que os peque- movimento negro é uma boa ini-
Foto: Acervo Pessoal

nos têm a dizer e conversar. Quan- ciativa para buscar esse reconheci-
do são muito pequenas, as crian- mento e força junto a seus iguais.
ças não identificam as violências Foi por meio da representatividade
raciais como tal. Para elas, existe construída em casa e sendo exem-
uma situação de desconforto com plo de resistência que Jo conseguiu
motivo desconhecido. Nesse mo- criar filhos empoderados. Dois ne-
mento, entra em cena o segundo gros conscientes de sua capacidade
recurso: potencializar a raça negra. e que trabalham a autoestima dia-
Tiago explica que o racismo vai riamente.
além dessas pequenas ocorrências Se uma menina reclama que o
diárias - é algo estruturante, oni- seu cabelo é grande e armado, e
presente, e coloca os negros em um pede, regularmente, que o pren-
lugar inferior aos brancos. Por isso, dam para ir à escola, isso pode ser
é importante criar situações de re- mais do que um simples incômodo.
presentatividade positiva, uma E se um garoto se recusa a ir à aula
construção que pode se dar através porque os colegas o incomodam
de filmes com protagonistas negros pela cor da pele, não se trata ape-
ou brinquedos de personagens com nas de bullying. É importante estar
a pele negra, por exemplo. atento para falta de interesse pela
Jocelem Kianga é pesquisa- escola, isolamento, choro excessi-
dora na área de ciências sociais, vo e dificuldade em se relacionar.
Stephanie hoje, estudante militante no movimento negro É em casa que o reflexo do racismo
de Comunicação Social e, antes de qualquer título, é mãe vai se se manifestar.

38
SOCIAL

Meninas expostas nas redes


sofrem em silêncio
Adolescentes cujas fotos íntimas são expostas na Internet hesitam em buscar apoio
da família por medo de serem julgadas.

Foto: Nino Carè/Pixabay.com


É comum que a adolescente que tem
sua intimidade exposta nas redes
sociais entre em reclusão pelo medo
do julgamento alheio

Antonella Nery íntimas, ela mandava sem hesitar. mente. Mas eu era bobinha, sabe?
A jovem conta que na época fazia Então eu meio que obedecia”.
“Eu era aluna do segundo ano do bem a ela receber elogios pelas sel- No momento em que a garota
ensino médio e saía com um meni- fies. No entanto, toda vez que uma tirou a primeira foto nua, sem lin-
no da mesma série. Eu era nova imagem era enviada, o garoto pe- gerie, foi o começo da sua tristeza.
na escola, e por ser meio ingênua dia outras. “Isso começou a me dei- “Esse tipo de foto além de mostrar
e fazer amizades facilmente, acabei xar muito irritada, já que ele sem- o meu rosto, mostra a minha pes-
confiando nas pessoas erradas”, pre queria mais e mais. Comecei a soa totalmente exposta, com toda
desabafa Antônia*. A estudante de perceber que algo estava estranho. a anatomia do meu corpo e com
19 anos nunca teve vergonha do Sabe aquela pulga atrás da orelha? tudo que ela representa”. No mes-
seu corpo. Quando o menino de Percebi que era uma cobrança que mo momento do envio da imagem,
quem ela gostava lhe pedia fotos estava me incomodando profunda- o menino parou de responder suas
39
SOCIAL

mensagens. Simplesmente a ex- amigas, que ficaram do seu lado car no assunto, até por conta da
cluiu das redes sociais e desapare- sem culpá-la pelo acontecido. No tristeza e ódio de saber que outras
ceu. Antônia não conseguiu dormir entanto, a situação com seus pais meninas ainda passam pela mes-
aquela noite. O que havia aconte- foi diferente. Ela nunca conseguiu ma situação. Na época, a garota ti-
cido? Ao mesmo tempo que não contar à família. Em parte, porque nha 16 anos e morava no interior.
conseguia acreditar que o menino os pais seguem à risca a religião ca- Ninguém se conhecia no ambiente
pudesse fazer algo de mal a ela, foi tólica. E a sexualidade, assim como escolar novo. Até que, em meio a
dormir pensando se no dia seguin- outros temas, sempre foram tabu colegas totalmente estranhos, en-
te a sua vida seria diferente, para em sua casa. “Sei o quanto iam me controu um menino com o qual já
pior. julgar se soubessem da foto. Eu se- havia ficado em uma viagem. Logo,
Logo que a garota chegou no ria a culpada, e não o menino que os dois se aproximaram e começa-
colégio, as pessoas no corredor a enviou a foto”. ram a manter uma relação próxi-
olhavam e riam com o celular na O contexto de Luciana* foi um ma. No entanto, o garoto não lhe
mão, provavelmente olhando para pouco diferente, mas também não contou que tinha uma namorada,
a foto. “Eu quero sair daqui, e não conseguiu falar com a família sobre nem depois de os dois começarem
voltar mais pra essa escola, não vou o pesadelo que viveu. “Se fosse hoje a trocar fotos íntimas.
conseguir” foi a única coisa que eu contaria”, reflete a estudante de Até que em uma manhã de aula
passou pela sua cabeça. 20 anos. No começo da conversa, como outra qualquer, uma meni-
Antônia teve o apoio de suas a jovem avisou que seria difícil to- na chegou chorando na escola com
gritos de“vou te matar” direciona-
dos para Luciana. Depois das duas
Foto: Pixabay

A sociedade ainda hoje é machista, e nas


situações de exposição íntima, o infrator estudantes conversarem com a co-
acaba saindo impune e a vítima culpada ordenadora, a garota que contou
ser a namorada do rapaz confessou
que teve acesso às fotos íntimas de
Luciana através do Facebook dele.
Só que no fim da conversa, jurou
que não espalharia o material ín-
timo. Não adiantou muito a pro-
messa, já que toda a cidade viu as
imagenss uma semana depois. “A
minha foto estava em todo lugar,
e do nada me deu vontade absur-
da de me matar e de desaparecer”.
Uma amiga chegou a dizer que pre-
feria não andar mais com ela para
não ficar com uma má reputação.
Hoje Luciana lamenta não ter
pedido o auxílio da sua mãe foi para
buscar ajuda judicial. “Eu acho que
os pais deveriam se atentar mais às
realidades dos filhos, sempre cui-
dando os limites de suas intimida-
des. Quando nova, não tive o costu-
me de dividir alguns assuntos com
a minha família, principalmente
sobre sexualidade. Assim a gente
nunca conseguiu conversar aberta-
mente sobre esse tipo de ocorrên-
cia, como tantas outras coisas im-

40
SOCIAL

portantes na época”. ainda conseguiu hackear a conta do Rose. É por isso que o auxílio da
Por volta dos 13 anos, as crianças de e-mail dela e enviar o material família é fundamental para que ela
adquirem uma nova concepção do como se fosse de prostituição, com encontre forças para se reconstruir
mundo, mais autônoma e indepen- valores, informações de contato e depois dessa crise de identidade.
dente. Os adolescentes se afastam detalhes eróticos do falso trabalho. No momento em que a jornalis-
do núcleo familiar e entram em ou- Rose chegou a receber mensagens ta entrou com processo na Justiça,
tros grupos, buscando novos rumos e telefonemas de homens que que- conta que percebeu que não havia
e ideologias com amigos e colegas. riam comprar seus supostos servi- no Brasil uma instituição que dá
Só que as famílias continuam como ços. “Foi uma repercussão faraô- apoio necessário às vítimas de cri-
base de referência para os jovens. nica. De repente eu tinha mudado mes assim, e entendeu que havia
A psicóloga Raquel Strelhow, que de profissão e tinha virado garota uma lacuna muito grande com fal-
estuda a juventude, ressalta a im- de programa, sem nem eu mesma ta de informação. Então, Rose Leo-
portância dos pais criarem uma re- saber. Parece que abriu um buraco nel criou a ONG Marias da Internet
lação de confiança com seus filhos negro abaixo dos meus pés, um pe- para as mulheres que precisam de
na adolescência. “Ao mesmo tempo sadelo que era realidade”. auxílio e suporte após exposição
que expandem seus horizontes na Além de ser mandada embora íntima. Desde 2013, após a conde-
nova fase, precisam ser amparados do trabalho, a jornalista teve que nação do agressor da moça, o gru-
e, principalmente, ter um suporte desativar o telefone de casa e man- po está trabalhando virtualmente
por trás da busca e da criação de dar seu filho de 11 anos para morar e com uma sede física. Funcionam
sua identidade”, reitera Strelhow. com o pai, que vive fora do País. pelo Facebook e pelo site, usando
Segundo a especialista Raquel, E a filha de 8 anos ficou afastada um elo entre profissionais de di-
os jovens podem entrar em reclusão dos colegas da escola, porque al- reito judicial e psicólogos. “É mui-
pelo medo das agressões psicológi- guns pais não deixavam que suas to gratificante saber que estamos
cas. E isso inclui achar que fizeram crianças brincassem com ela. Para ajudando meninas e mulheres a se
algo errado ou que os pais nunca Rose, a exclusão foi uma das piores inteirar de casos parecidos, a resis-
aprovariam. A questão é complexa: sequelas do episódio. “Existe um tirem firmes e a evitar suicídios e
por um lado, é preciso ficar atento estigma sobre a vítima, e ao invés catástrofes”.
às rotinas e mudanças comporta- de ser auxiliada você acaba sendo A idealizadora da instituição co-
mentais dos filhos. Mas também é culpada. Isso é um crime de gêne- menta com pesar que atendem cada
importante respeitar a privacidade ro causado por essa sociedade ma- dia mais vítimas, mas acredita que
e a autonomia dos jovens. chista”. Segundo ela, a menina ou podem mudar exponencialmente
mulher exposta sofre também por essa situação no País - já que, em
não poder deletar o conteúdo da 2013, procuraram o deputado João
Volta por cima rede. “Esta vítima é desclassificada Arruda (PMDB-PR) e mostraram a
Rose Leonel, jornalista e mãe da vida em sociedade, tendo o resto dimensão dos casos. Este se pron-
de dois filhos, conta também so- da sua vida toda marcada. Afinal, o tificou a ajudar e então começa-
bre como sua vida foi destruída que entra na internet, embora exis- ram a trabalhar em um projeto de
com a “pornografia vingativa” fei- ta uma luta para se tirar o conteú- lei para punir os infratores de for-
ta pelo seu ex-namorado. Quando do, a qualquer momento pode ser ma razoável. Já que o crime ainda
o relacionamento chegou ao fim, viralizado novamente. Até que se não conta com uma lei específica,
seu parceiro usou as imagens para crie uma ferramenta de apagamen- às vezes é tratado apenas como ca-
ameaçá-la caso eles não reatassem. to definitivo da web, o que está na lúnia e difamação. Em fevereiro, o
Logo depois, Rose descobriu que rede está permanentemente. En- projeto de lei 5.555/13, batizado de
o ex negociou com um técnico de tão, a cada acesso ao conteúdo a ví- Lei Rose Leonel, foi aprovado por
informática para espalhar as fotos tima é violentada outra vez”, conta unanimidade na Câmara. Até o fim
íntimas dela pela rede. Rose. desta reportagem, a proposta ainda
A divulgação começou com 15 Diante dessa “morte civil” da tramitava no Senado.
mil e-mails direcionados a veícu- vítima, é necessário muita força
los de comunicação, prefeituras, de vontade e, principalmente, o *meninas pediram para não se-
colegas e chefes de trabalho. E o ex apoio de pessoas próximas, segun- rem identificadas

41
SOCIAL

A luz e a sombra da maternidade


É comum a sociedade relegar às mulheres a função de cuidado e criação dos filhos, tornando
a experiência de ser mãe algo pesado e cansativo

Mariana Moraes fessora na Escola Técnica Estadu- pel de gênero das mulheres como
al Ernesto Dornelles, explica que cuidadoras, responsáveis pelo cui-
A maternidade é tema com fre- a publicidade fortalece a romanti- dado doméstico e dos filhos, atri-
qüência de filmes e da literatura. zação da maternidade. “Essa cons- buiu-se também um outro papel,
Até na publicidade, as mães têm o trução acaba, por vezes, sendo um o do instinto da maternidade. Em
seu espaço. O retrato, entretanto, é fardo grande para as mulheres que comparação com outras sociedades
inundado de romantismo. Ser mãe são mães, que se questionam sobre e outros tempos históricos, pode-
envolve muitas mudanças na vida e se cobram cada vez mais pela per- mos perceber que essa atribuição
de uma mulher, que nem sempre feição na criação dos filhos”, acres- também é construída e não algo da
são fáceis e nem conseguem fazê- centa Nina. ‘natureza’ de todas as mulheres”,
-las realizadas e felizes. No Brasil, De acordo com a ginecologista ressalta Nina.
67 milhões de mulheres são mães, e obstetra Karla Brouwers, duran- Jacquelline Marques, estudante
de acordo com pesquisa do Institu- te a gestação, a mulher passa por de jornalismo da UFRGS, afirma
to Data Popular de 2017, e elas têm diversas alterações físicas -como que ser mãe não é fácil, ainda mais
diversas vivências, alegrias e sofri- ganho de peso, inchaço das pernas, por causa do machismo. “Quando
mentos que não ganham visibilida- aumento das mamas -e hormonais, o meu filho nasceu, o Guilherme
de. que causam náuseas e vômitos, por (pai) não trocava fralda, não dava
exemplo. Vanessa Scholler, pro- banho. Dizia que tinha medo de
fessora de português, afirma que quebrar, machucar o bebê. Mas eu
Toda mulher nasce mãe? foram muito difíceis os primeiros sabia o tanto quanto ele, também
“Eu não sabia trocar uma fral- três meses de sua primeira gesta- estava sendo mãe pela primeira
da, botar uma roupinha. Aprendi ção “Andar de ônibus para mim era vez”, salienta Jaquelline. Destaca,
na marra, pra mim nunca foi uma terrível, às vezes eu tinha de descer ainda, que a cobrança da sociedade
coisa natural. Quando nasce o bebê no meio do caminho para vomitar”, em relação à criação do filho é sem-
é que cai a ficha mesmo, você se vê conta. Vanessa ressalta a ilusão pre da mãe. Aline também conta
com aquela criança que tu amas, vendida pelas campanhas publi- que seu retorno à faculdade, após
mas ao mesmo tempo é o momento citárias sobre a amamentação: “ ter sua primeira filha, também re-
mais aterrorizante, porque tu não É difícil amamentar, é dolorido, e sultou em um questionamento em
sabes o que fazer”, conta Aline Lo- ninguém me disse que era assim. relação ao seu papel de mãe: “ Sen-
pes, administradora de empresas. Se eu fizesse uma propaganda de tia muita cobrança da família, prin-
Ela critica as noções sociais a res- publicidade não ia ser tudo lindo e cipalmente dos meus pais, em rela-
peito do papel e da suposta força maravilhoso”. ção a ausência na criação da minha
sobre-humana das mães: “A mu- filha naquele momento”.
lher tem de ser mãe, deve traba- Em função desses papéis social-
O instinto maternal
lhar o dia inteiro, e quando chega mente construídos em torno de um
em casa, é preciso fazer as coisas, e De acordo com Nina, existe uma comportamento moral que se espe-
o marido dá uma ajudinha. As mães construção social em torno dos pa- ra de uma mãe, muitas delas sofrem
são retratadas como mulheres-ma- péis do homem e da mulher dentro diversos tipos de preconceito e dis-
ravilha, como se isso fosse normal, da sociedade. À mulher cabe o âm- criminação. “ Entrei na faculdade
e não é: é cansativo, é pesado”. bito privado e doméstico, e para o com um grupo de adolescentes. Às
A socióloga Nina Becker, pro- homem a esfera pública e política. vezes quando iam fazer festas, não
“Através dessa construção do pa- me convidavam, dizendo que eu
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SOCIAL

Foto: Mariana Moraes


A maternidade é uma
experiência muito diferente
para cada mãe

era mãe de família. Como se pelo gica perversa que ainda persiste no mação e mais preconceito. As pres-
fato de ser mãe, eu não me divertis- mercado de trabalho. sões sobre a compulsoriedade da
se”, destaca Vanessa. “Se tu dizes maternidade e a vigilância sobre a
que tem filho, já te perguntam com criação dos filhos coloca mais pres-
quem ele vai ficar, e o engraçado é
A maior felicidade do sões em cima das mães, o que pode
que para homem ninguém pergun- mundo ser um fator de agravamento da
ta isso”, relata Jacquelline sobre a “Quando o meu filho nasceu eu condição da depressão pós-parto”,
forma que os empregadores tratam fiquei esperando uma explosão de aponta Nina. Jacquelline comenta
as mães no mundo do trabalho. amor, era um sentimento bem es- que vendem a ideia de que todo o
Nina explica que as estruturas de tranho. Depois eu fui aprendendo cansaço e estresse vão valer a pena
dominação e discriminação ainda que é uma relação que tu vais cons- ao ver o sorriso da criança ou olhos
estão bastante presentes no mer- truindo, é um amor que tu vais des- brilhando, mas nem todas as mães
cado de trabalho brasileiro: “Exis- cobrindo, é uma pessoa que tu não têm essa mesma experiência.
te também muito preconceito por conheces e que é totalmente depen- A maternidade é uma experiên-
parte do empregadores em contra- dente de ti”, afirma Jacquelline. A cia muito diferente para cada mãe.
tar mulheres que já são mães. Na maternidade é continuamente re- A relação entre mãe e filho não vem
lógica dos patrões, se a mulher tem tratada como a maior felicidade e a pronta. Letícia Boari, professora
filhos, ela está mais propensa a ter maior realização da mulher na vida, na Escola de Ensino Fundamental
que faltar ao trabalho, ter licença- embora a depressão pós-parto afe- Presidente João Belchior Marques
-saúde ou afastamento para cuidar te 25% das mães brasileiras, segun- Goulart, enxerga algo muito posi-
dos filhos, pois esta é uma obriga- do pesquisa da Fiocruz “Como fal- tivo e grandioso em ser mãe, mas
ção das mães”. Além disso, Nina ta muita informação, a tendência também muitos desafios e sofri-
destaca que à medida que os pais é que a sociedade não fale sobre o mentos. “Tu tens de ir lidando com
se desresponsabilizam pelo cuida- assunto, e não falar sobre cria um essa luz e essa sombra do ser mãe”,
do com os filhos, reforçam essa ló- círculo vicioso de mais desinfor- finaliza Letícia.
43
SOCIAL

A política nas escolas


No contexto do projeto Escola sem Partido, pesquisa apresenta dados que confrontam as
acusações de doutrinação ideológica em sala de aula

Natalia Henkin em 2002 e 2015 em instituições belece como fator de formação de


públicas (municipais e estaduais), cidadania, pois é através da escola
Uma pesquisa divulgada este privadas e em institutos militares que o jovem reconhece o mundo e
ano pelo Instituto de Filosofia e (federais). a sua construção.
Ciências Humanas da UFRGS re- A competência cívica - concei- O cenário encontrado por Ber-
vela que, mesmo com o aumen- to bastante utilizado no campo da nardi, contudo, foi distante do ide-
to dos investimentos em políticas Ciência Política - é a capacidade al. Dados sobre o autoposiciona-
educacionais e sociais na última necessária para se exercer uma ci- mento ideológico dos alunos, por
década, os índices de competência dadania ativa: interesse, conheci- exemplo, apresentaram mudanças
cívica dos jovens porto-alegrenses mento, valores, entendimento de drásticas. Em 2015, 34,5% dos par-
que utilizam o sistema público de como funciona o sistema político. ticipantes se declararam indefini-
ensino não demonstraram desen- Nas palavras da pesquisadora Ber- dos, enquanto em 2002 a catego-
volvimento significativo. O traba- nardi, “saber os direitos e os de- ria “não sei” representava apenas
lho investigou de que forma ocorre veres de cada um”. Segundo ela, é 4,4%. O número de estudantes
a formação de valores dos jovens. durante a inserção no ambiente es- que se afirmava de esquerda caiu
Para isso, foi realizada uma compa- colar que os jovens passam por um de 21,4% para 17%; de centro, de
ração de dois formulários respon- dos momentos mais intensos de 31,6% para 21,3%; e de direita, de
didos por estudantes de algumas desenvolvimento cognitivo e maior 25,4% para 14,4%. A porcentagem
escolas de ensino médio de Porto assimilação da esfera política. As- de alunos que não quiseram res-
Alegre. As enquetes foram feitas sim, a qualidade do ensino se esta- ponder aumentou 0,5%, totalizan-

Arte: Natalia Henkin

44
SOCIAL

do 11,9% em 2015. Segundo a pes- nião aparece. A gente precisa des- conceituosa em certos pontos”.
quisadora, esse panorama indica pertar, precisa fazer com que eles A coordenadora pedagógica do
ausência de sofisticação no âmbito entrem em conflito de ideias”. Colégio Marista Rosário, Camila
político. Juliana Brites, estudante de Fabris, afirma que atualmente as
Separando os dados por tipo de Jornalismo na UFRGS, se formou diretrizes nacionais do ensino mé-
escola, foi possível perceber que a no Colégio Tiradentes em 2011 - e dio abordam mais amplamente a
distância entre os indicadores das quando saiu de lá considerava-se questão da cidadania, através de
escolas públicas em relação aos das centro-direita. Ela ressalta que, disciplinas como sociologia e histó-
instituições privadas e dos institu- mesmo sendo uma escola militar, ria. “A gente tem essa combinação
tos militares aumentou. Em 2015, os professores eram provenientes com os professores, para que eles
a maioria dos alunos de escolas pú- da rede estadual de ensino e possu- sempre mostrem todos os pontos
blicas e privadas não soube dizer íam autonomia em sala de aula para de vista. A gente segue essa linha
qual era seu posicionamento ideo- ensinar. “Nosso professor de geo- para que os estudantes possam por
lógico (40,6% e 31,4%, respectiva- grafia era de esquerda, criticava o si mesmos conhecer a história e se
mente). Nas escolas militares, os capitalismo, às vezes o militarismo posicionar”.
que se diziam ser de centro repre- da escola, mas entendíamos como Segundo Fabris, o questiona-
sentavam 30,9%. opinião dele e não como algum mento por parte dos pais sobre o
Os resultados da pesquisa apon- tipo de doutrinação”. Já Mariana posicionamento ideológico da es-
tam para uma realidade que vai na Bampi, que finalizou o ensino mé- cola tem crescido. Ela conta que
contramão do que prega o movi- dio na Escola Estadual Padre Réus, alguns professores se mostraram
mento Escola sem Partido. Criada em 2012, conta que existia muita bastante preocupados com relação
em 2004 pelo advogado Miguel conversa sobre política nas salas aos impactos que uma lei baseada
Francisco Nagib, a organização de aula, principalmente nas aulas no Escola sem Partido traria. “De-
passou a ter mais força em 2014, de história e filosofia. Para Maria- pendendo do que tu disseres vai
inspirando projetos de lei em di- na, que também estuda Jornalismo ser usado contra ti. É uma ditadura
versos estados brasileiros. Um na UFRGS, a postura questionado- invertida, porque tem um tom de
dos principais argumentos de seus ra dos professores a incentivava a repressão; a gente sabe que é mui-
adeptos é o de que existiria uma questionar também. “O Padre Réus to difícil, não existe conhecimento
doutrinação político-ideológica nas me abriu a visão. Conviver com a neutro. Isso é uma ilusão. A pró-
escolas, tanto por parte dos educa- diversidade de pensamento e de pria Escola sem Partido toma um
dores quanto pelo próprio material pessoas no ensino médio, foi fun- partido quando ela diz isso [que há
de ensino, o que, segundo Nagib, é damental pra eu deixar de ser pre- doutrinação]”.
inconstitucional. Em abril de 2016,
o programa Escola Livre virou lei

Foto: Giordano Toldo


no estado de Alagoas: professores
de escolas públicas são proibidos
de opinar sobre questões mais po-
lêmicas (que envolvam assuntos re-
ligiosos, políticos ou ideológicos).
O professor de geografia Davi
Dietrich, do Colégio Estadual Júlio
de Castilhos, em Porto Alegre, de-
saprova o projeto. Para ele, o Esco-
la sem Partido constrói uma esco-
la sem debate, reflexão ou crítica.
Davi também afirma que política,
na escola, é “sair do senso comum”,
e que o posicionamento por par- Ocupação na Escola Estadual de
te dos docentes não é necessário. Ensino Médio Ernesto Dornelles,
“Basta sugerir um tema que a opi- no ano passado

45
SOCIAL

Interesse pela política política, os de escolas privadas e considero um ambiente absoluta-


institutos militares apresentaram mente fantástico para uma crian-
Junto à questão ideológica,
aumento de 1,5% e 11,5%, respecti- ça”, lembra.
também compõem a noção de
vamente. Por outro lado, ex-estudantes da
competência cívica aspectos como
interesse e participação política. Segundo a cientista política, en- rede pública acreditam que a pró-
De acordo com a pesquisa de Ber- contra-se maior competência cívi- pria falta de estrutura das escolas
nardi, que faz parte do Núcleo de ca em escolas que apresentam uma levam a uma reflexão. O jornalis-
Pesquisa sobre a América Latina, melhor qualidade de ensino, o que ta Nicolas Sales, que foi aluno da
o percentual de jovens que se dis- geralmente ocorre nas instituições Escola Estadual Carneiro Gomes,
se interessado pelo assunto não particulares ou militares. Dessa relata que o ambiente escolar foi
somente foi baixo nos dois anos, maneira, o conhecimento acaba muito influente, não pelo debate
como decaiu durante o período: de fortemente atrelado à questão de político que propunha, mas pelo
25% em 2002 para 22,8% em 2015. recurso monetário. simples fato de se viver a realida-
O agrônomo Gabriel Salis, que de do sistema público de educação.
Da mesma maneira, os números
finalizou o ensino médio no Colé- “Greve, falta de professores, falta
referentes à disposição para parti-
gio Bom Conselho, considera que de merenda, falta de investimen-
cipar de atividades políticas tam-
as escolas nas quais estudou foram to do governo... Como estudei em
bém diminuíram. Os poucos 30,6%
pilares fundamentais para o seu escola particular no ensino funda-
que responderam afirmativamente
processo de socialização política e mental, todos esses novos elemen-
em 2002 viraram 28,1% em 2015.
desenvolvimento de senso crítico. tos do ensino médio me fizeram ter
Enquanto os estudantes da rede
“Tive grandes professores e fui al- outra perspectiva sobre as coisas,
pública demonstraram um decrés-
fabetizado na Escola Projeto, que inclusive na política”.
cimo de quase 8% no interesse por

Foto: Giordano Toldo

O conhecimento acaba
fortemente atrelado à questão de
recurso monetário

46
SOCIAL

Religião e infância
Como práticas naturalizadas há séculos podem impactar e modificar os adultos de amanhã

Foto: Getty Images


Há quem acuse o pensamento
religioso de sempre ser
exclusivista, nunca aceitando a
diversidade

Lucas Katsurayama guirão o mesmo estilo de vida, mas mundo, do universo e da existên-
Yuri Correa a experiência na infância os torna cia. Esse tipo de pensamento não
propensos a isso. A doutoranda seria algo muito radical para ser
Um dos costumes sociais mais em Psicologia pela UFRGS Raquel ensinado a mentes tão jovens? Têm
facilmente observáveis é como os Strelhow explica: “todas as influên- elas maturidade suficiente para se
pais passam aos filhos os ensina- cias que a criança sofre na infância identificarem com uma crença re-
mentos da cultura de que fazem vão formando os seus valores, seu ligiosa? E se sim, como essa espiri-
parte. Uma família de médicos vai, pensamento, a forma como ela vê tualidade deveria ser abordada na
provavelmente, induzir que suas o mundo”. infância, de modo a não criar um
crianças se desenvolvam em um Porém, se nesses e em diversos adulto repleto de dúvidas ou into-
ambiente que valoriza a vida e os outros casos falamos de escolhas lerâncias?
cuidados com a saúde. Já uma de que o indivíduo pode questionar “O pensamento religioso é sem-
agricultores, vai preparar jovens mais tarde, quando se trata de re- pre exclusivista, ele não admite di-
que conheçam o manuseio da ter- ligião, o assunto torna-se bem mais versidade”, afirma o professor Fer-
ra e de animais. Não significa que, delicado, pois passa a compreen- nando Becker, Doutor pela USP em
obrigatoriamente, seus filhos se- der também uma visão fechada do Psicologia Escolar e do Desenvolvi-
47
SOCIAL

mento Humano. Para o educador, vas. Dawkins também defende que lateral que pode ser explicado pela
o único contato que as pessoas na crianças não têm maturidade para ciência, principalmente através do
primeira idade deveriam ter com a assumirem uma crença religiosa estudo de sua abordagem com as
religião é na escola, através do es- ou outra, e que a doutrinação de- crianças.
tudo dos fenômenos religiosos, de las pode criar adultos pouco estru- De forma lógica, os pais bus-
forma científica. Para ele, quando turados intelectualmente e menos cam o que julgam melhor para os
a religião é induzida na juventude, propensos a conviver com a diver- seus filhos, e existe mesmo uma
ela prepara uma crise profunda na sidade. “Quando a pessoa se torna importância na convivência comu-
adolescência e na fase adulta, que muito fundamentalista, isso acaba, nitária proporcionada pela prática
pode ser transformada em liberda- às vezes, gerando barreiras nela religiosa dos jovens, como explica
de, frustração ou, no pior dos ca- em relação à sociedade, ao com- Raquel, pois assim eles têm adul-
sos, estagnação. Raquel Strelhow portamento de outras pessoas e em tos que podem ajudá-los e que ser-
converge neste ponto: “a gente como ela enxerga o mundo”, acres- vem de exemplo. Ela afirma que já
sabe que esse processo de questio- centa Strelhow. aconteceram pesquisas mostrando
namento, de independência, vem Apesar disso, Dawkins oferece como a crença e a espiritualidade
na adolescência, a partir dos 12, 13 uma explicação semelhante à de podem ser fatores primordiais em
anos é que começamos a questio- Reichow sobre o papel da religião tratamentos de saúde - positiva
nar crenças, valores e tentar desco- no desenvolvimento humano. O e negativamente. Segundo a pes-
brir se o que os pais estão falando é autor britânico concorda com o te- quisadora, crianças que se sentem
verdade ou não é”. ólogo quando ambos dizem que a amparadas, cuidadas e amadas por
Porém, existem opiniões favorá- religião supre a necessidade de dar Deus têm melhores índices de saú-
veis à religiosidade na infância. O significado às experiências cotidia- de e conseguem superar situações
Mestre em Teologia pela EST Jo- nas, ainda que o biólogo trate disso de estresse com maior facilidade.
sué Reichow afirma que introduzir apenas no que tange os primórdios Strelhow menciona estudos que
a religião cedo é um primeiro pas- da nossa espécie - ele fala sobre o mostram o impacto da prática re-
so para fomentar a curiosidade da aspecto essencialmente dualista ligiosa como um elemento protetor
criança quanto aos significados da do pensamento humano, especial- na adolescência contra o “compor-
vida - ele explica que o ser humano mente das crianças, que separam tamento sexual de risco e o uso de
precisa de um ponto de referência muito bem matéria e mente, crian- álcool e drogas”. “Normalmente, as
para conferir significado para a ex- do uma noção de que essa última religiões (...) dão esse amparo, esse
periência cotidiana. Reichow afir- é volátil, fluída, e pode existir para suporte para as pessoas, nisso de
ma que “isso é válido tanto para o além do corpo. Esse recurso da evo- buscar um propósito, um sentido
cristão que crê em Deus como cria- lução da espécie humana para ad- para a vida, ter metas maiores. Isso
dor de tudo, quanto para o ateu que quirir uma consciência de si mes- também é apontado em pesquisas
coloca sua fé na ciência” - para ele, ma pode ter tido como subproduto como um dos fatores protetores
ambos são igualmente religiosos. as bases do pensamento religioso, positivos da fé religiosa para ado-
Entretanto, o biólogo evolucio- espiritualista, de que existe uma lescentes e adultos”, completa.
nista Richard Dawkins rebate esse força extra-física. Além disso, Da- Becker concorda que, quando
tipo de afirmação em Deus, um De- wkins aponta que, evolutivamente, a religião trabalha a coesão social,
lírio (2006), no qual ressalta que a as crianças são mais propensas a ela é positiva. “Os pais fariam mui-
diferença entre o pensamento reli- acreditar naquilo que lhes contam, to bem em dizer que ‘olha, religião
gioso e o científico é que este últi- pois esse mecanismo, de confiar na tem uma função, ela prega o bem, a
mo sempre vai se mostrar dispos- experiência dos mais velhos e em moralidade, que as pessoas se en-
to a se atualizar, admitir um erro suas orientações garantiu a sobre- tendam, que não briguem, que não
e mudar de posicionamento, caso vivência de jovens por milênios. se matem’”, explica. Reichow com-
surjam novas evidências sobre de- Portanto, concorda que a religião plementa: “Eu diria que certamen-
terminado assunto. Em suma, um pode ter tido a sua relevância his- te há expressões religiosas que dão
oferece uma lógica absolutista e tórica na tarefa de explicar o mun- maior solo para que a vida huma-
irrevogável, enquanto o outro não do quando a ciência ainda não su- na floresça, ou melhor, para que as
necessita e nem pode ser classifica- pria essa necessidade, mas garante potencialidades da vida floresçam,
do como fé, pois se baseia em pro- que sua prevalência é um efeito co- como a atividade intelectual, o gos-
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SOCIAL

to estético, a dimensão emocional, dia. “Mesmo cientistas continuam podem contribuir positivamente,
a capacidade relacional etc.”, mas frequentemente cedendo a isso, protegendo e confortando crianças
não deixa de apontar que “outras quando deveria ser completamente e adolescentes, existe um lado ne-
[expressões] tolhem certas possibi- o contrário”, explica Becker. Para gativo desse acolhimento, que faz
lidades da vida humana, reduzindo ele, existe uma inércia no modo com que jovens sintam-se culpados
ou tirando completamente a liber- como as pessoas tornam-se religio- caso seus problemas pessoais per-
dade de sermos aquilo que gostarí- sas, e isso principalmente porque sistam, apesar de sua religiosidade.
amos e deveríamos nos tornar”. esse fator está presente desde cedo, “Crianças que se sentem castiga-
É ponto comum entre Reichow, o que impede o questionamento das por Deus, que acham que estão
Strelhow e Becker, entretanto, que desses hábitos no futuro. sendo punidas (…) se sentem de-
qualquer doutrinação é prejudicial, Strelhow afirma não ser inco- samparadas pela sua fé e isso aca-
seja política, filosófica ou religio- mum aparecer nos seus grupos de ba gerando maior angústia e maior
sa. Segundo Becker, porém, dentre pesquisa adolescentes que afir- ansiedade”, explica Strelhow.
esses, apenas a religião parece ser mam coisas como “eu digo que eu Para Reichow, os pais “inevita-
imune a críticas. Quando se trata sou católico porque minha mãe é velmente ensinarão sua visão de
de ideologias políticas, descober- católica, mas na verdade eu prefiro mundo para os filhos, consciente ou
tas científicas ou mesmo da maio- ir no centro de umbanda com a mi- inconscientemente”. Mas Becker
ria dos comportamentos sociais, nha vó”. “O que a gente vê, muitas rebate que, no que trata de religião,
assumir uma postura inquisitiva vezes, nos relatos das crianças, é “quem deve optar é o próprio indi-
é algo tido como natural. Quando que elas não entendem essas expe- víduo. Então o filho vai chegar num
o assunto é religião, porém, existe riências, elas vão porque têm que ponto em que vai dizer se quer ter
grande resistência a críticas con- ir, muitas vezes vira um rito mais religião ou não. Se quer ser ateu ou
tundentes, devido ao aspecto atá- social do que ligado à fé”, observa. não. Ele tem que ter esse direito. E
vico que ela ainda têm hoje em Do mesmo modo como as religiões esse direito as religiões negam”.

Foto: Noorullah Shirzada

Pesquisadores afirmam que o ensino


de religião para crianças deveria se
dar na forma científica apenas,
explicando a elas como funciona esse
fenômeno social

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SOCIAL

Era digital desafia pais e filhos


A questão central é a maneira como a tecnologia é utilizada e para qual finalidade

Foto: Alexander Dummer


O impacto das novas
tecnologias na sociedade
depende de como ela é
utilizada

Ana Paola Dala Barba volvimento das crianças, que pas- lho Renan, 10 anos, brinca livre e
sam grande parte do seu tempo solto todos os dias. “Ele possui um
Os computadores, jogos e redes em frente a telas conectadas com o tablet, mas a brincadeira favorita é
sociais, aliados à insegurança dos mundo virtual. No interior do Esta- andar de bicicleta”, garante. O au-
pais, estão fazendo com que as an- do, em muitos lugares a internet e a xiliar administrativo Érisson Lino
tigas brincadeiras sejam cada vez violência ainda não chegaram com conta que o filho Cauã, 6 anos, gos-
mais esquecidas. Quem ainda se tanta intensidade, por isso hábitos ta muito de brincar com carrinho,
lembra de como era juntar os ami- e brincadeiras antigos ainda são como ele mesmo fazia na infância.
gos da rua e da escola para pular preservados. “Ele costuma brincar com carri-
sapata, esconde-esconde, pega-pe- A agente comunitária Clarice nhos, jogar bola, rolar na terra, e às
ga e tantas outras brincadeiras que Aparecida Alpe, que vive com a vezes se suja muito, inclusive”, lista
fizeram parte de muitas gerações? família no pequeno município de Érisson, que vive com a família em
Em grandes cidades, o medo e Rolador, região noroeste do Rio São Luiz Gonzaga.
a violência se refletem no desen- Grande do Sul, conta que seu fi- Érisson é taxativo sobre quem

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SOCIAL

aproveitou mais a infância, ele brina vê prejuízos sociais nesta si- passa por diversos desafios que o
ou o filho: “Hoje, as crianças têm tuação: “Não ocupamos os espaços mundo físico, matemático, cultu-
mais opções tecnológicas e aca- públicos como poderíamos e não ral, linguístico e as outras pessoas
bam aproveitando menos as verda- temos tanta facilidade em nos rela- vão colocando. Os desafios são im-
deiras brincadeiras, que só temos cionar com outras pessoas em vir- portantes para que ela possa avan-
oportunidades de viver na infân- tude da falta de proximidade com çar. “O desenvolvimento afetivo
cia”. Questionado se percebe mais as mesmas, diferente do que ocorre também pode ser afetado, na me-
oportunidades para as crianças do em cidades menores.” dida em que há a substituição das
interior aproveitarem a infância do A filha de Sabrina não possui relações com outros sujeitos pelo
que para as da capital, em função tablet nem smartphone. “Eventu- aparato tecnológico”, explica.
da violência, concorda: “Acredito almente, a deixamos ver algum ví- Zorzi não acredita que a tecno-
que sim, pois no interior meu filho deo no celular de um dos pais, de logia, isolada, seja a grande vilã da
ainda tem liberdade para brincar.” maneira monitorada”, explica. Ve- história. “Considero que a questão
A dona de casa Priscila da Silva rônica, 4 anos, filha da enfermei- central é a maneira como a tecno-
Saballa, que mora com a família na ra Luciana Griebeler, de São Luiz logia é utilizada e para qual fina-
zona sul de Porto Alegre, diz que Gonzaga, também ainda não tem lidade. Se há uma parceria entre
procura estimular a filha a brincar nenhum brinquedo digital, como escolas, familiares, comunidades e
com outras crianças e se desconec- celular ou tablet. Segundo Lucia- outros agentes do estado, pode-se
tar um pouco do videogame e do na, a menina “aproveita a infância, pensar na utilização delas numa
celular. Lembra que a filha Paloma, brinca todos os dias e na escolinha perspectiva que auxilie no desen-
6 anos, “adora pular sapata, uma tem a oportunidade de interagir volvimento”, pondera.
brincadeira da minha época tam- com outras crianças”. A superproteção dos pais que
bém”, mas ressalta que “de forma “Os nossos filhos passam mais vivem em cidades grandes também
alguma ela pode sair sozinha ou ir tempo conectados, talvez em fun- pode afetar o desenvolvimento da
brincar na casa de vizinhos”. ção do aumento da violência e da criança. “Pais que optam em não le-
O policial militar Diego Viegas, insegurança”, afirma o policial mi- var as crianças em praças públicas
pai das gêmeas Brenda e Patrícia, litar Viegas. “Não podemos deixar pela questão de segurança acabam
8 anos, e David, 11 anos, lamenta as crianças brincarem em parques privando-as de uma gama de socia-
a rotina corrida e conectada dos sem a presença de um adulto, mas lização e de explorações importan-
filhos em Porto Alegre. “70% das hoje os pais de família trabalham tes para o seu desenvolvimento”,
brincadeiras favoritas deles são jo- muito e não tem tempo livre du- explica a socióloga.
gos no celular. Cada um tem o seu rante a semana para acompanhar De acordo com a pesquisadora, a
aparelho, mas o notebook e o vide- as crianças em passeios ao ar livre, importância de criar os filhos livres
ogame são utilizados coletivamen- como praças e parques”, conclui. e longe do excesso de tecnologia na
te”, relata.
infância pode depender de como os
O papel dos pais eletrônicos são usados. A utiliza-
A violência e os prejuízos Segundo a socióloga e doutoran-
ção de celulares e tablets sem uma
à infância da do Programa de Pós-Graduação
finalidade pedagógica pode gerar
prejuízo ao desenvolvimento social
Para a funcionária pública Sabri- em Educação da UFRGS Analisa
das crianças. “Isso não significa ex-
na Pereira Ribas, de Porto Alegre, Zorzi, o impacto de computadores
cluir por completo a utilização da
mãe de Alice, 2 anos, “a violência e smartphones na sociedade “de-
tecnologia. Acredito, inclusive, ser
das grandes cidades pode preju- pende de como a tecnologia é utili-
impossível nos dias de hoje”, res-
dicar a infância de uma criança”. zada, mas diante de alguns casos de
salta. Por outro lado, Zorzi reco-
“Em consequência da violência, crianças que conheço, que passa-
menda oportunizar situações que
nós ficamos mais acuados, temos vam muitas horas diárias utilizan-
desafiem as crianças: “Deixá-las
que ser mais seletivos em relação do celulares e tablets sem orienta-
explorar o ambiente seja físico ou
aos locais e horários, sermos mais ção e supervisão, acredito que sim,
cultural e mediar as situações que
atentos em relação às pessoas que interfere”.
as auxiliem nas suas ações é muito
se aproximam da nossa família, Segundo a socióloga, a criança
importante.”
entre outras medidas”, destaca. Sa- em seu desenvolvimento cognitivo
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