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volume 3
cirurgia do trauma
cirurgia plástica
ortopedia
CIRURGIA DO TRAUMA
1
Atendimento inicial ao politraumatizado
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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CI RUR G I A D O TRAU M A
Cabe também à equipe do pré-hospitalar e de regula- Na vida prática, essas etapas podem ser realizadas si-
ção médica determinar as chamadas zonas quente, morna multaneamente. Entretanto, o socorrista que conduz o
e fria. Zona quente é o epicentro do acidente, e deve-se evi- atendimento deve ter em mente que a sequência deve ser
tar o excesso de pessoas e recursos nessa região pelo risco respeitada. Ou seja, só se passa para o próximo passo (a
de novos eventos adversos. Zona morna é a região segura próxima “letra”) após o anterior ser completamente resol-
mais próxima do evento, onde deve ser montado o posto vido. Ao término do atendimento, o doente deverá ser re-
médico avançado para tratamento inicial das vítimas mais avaliado.
graves. A zona fria é uma região mais segura, onde se deve
concentrar a maior parte dos recursos humanos e materiais A - Manutenção das vias aéreas com controle da
para o atendimento. coluna cervical
Uma vez estabelecida a gravidade das vítimas, é impor- A permeabilidade das vias aéreas é a 1ª medida do
tante avaliar se os recursos humanos e estruturais são sufi- atendimento. Pacientes com respiração ruidosa ou roncos,
cientes para atender todos os pacientes. Quando o número
e os inconscientes apresentam maior risco de comprome-
de vítimas excede a capacidade de atendimento, as vítimas
timento da via aérea. A presença de corpos estranhos e de
com maiores chances de sobrevivência são atendidas prio-
fraturas faciais, mandibulares e traqueolaríngeas também
ritariamente, pois seu atendimento demanda menor gas-
podem comprometer a perviedade das vias aéreas.
to de tempo, de equipamentos, de recursos e de pessoal.
A retirada de corpos estranhos e a realização de mano-
Quando o número de vítimas não excede a capacidade de
bras simples para a estabilização das vias aéreas, como a ele-
atendimento, os pacientes com maior risco e considerados
vação do queixo (chin lift) e a anteriorização da mandíbula
mais graves serão atendidos primeiramente.
(jaw thrust), devem ser feitas imediatamente, sempre com
É importante ressaltar que crianças, idosos e gestantes
proteção da coluna cervical (Figura 3). Em alguns casos, essas
apresentam peculiaridades, mas não são, per se, prioridade
medidas não são suficientes para garantirem uma via aérea
no atendimento em situações de múltiplas vítimas.
pérvia, e será necessária uma via aérea definitiva, através de
intubação oro ou nasotraqueal ou de cricotireoidostomia.
3. Avaliação inicial
A avaliação inicial do doente politraumatizado, de acor-
do com o ATLS®, é um processo dinâmico no qual as lesões
são diagnosticadas e tratadas simultaneamente. Dessa ma-
neira, a falta de um diagnóstico definitivo não impede a in-
dicação do tratamento adequado.
Didaticamente, a avaliação inicial pode ser dividida em
etapas:
- Exame primário e reanimação;
- Medidas auxiliares ao exame primário;
- Exame secundário e história;
- Medidas auxiliares ao exame secundário; Figura 3 - Estabilização das vias aéreas: (A) chin lift e (B) jaw trust;
- Reavaliação e monitorização contínua; no chin lift, deve-se evitar a extensão cervical
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AT E N D I M E N T O I N I C I A L A O P O L I T R A U M AT I Z A D O
abilidade das vias aéreas, são necessários a integridade e o que recebem pontuações (Tabela 2). A pontuação mínima é
bom funcionamento dos pulmões, da parede torácica e do 3, e a máxima, 15, sendo classificado como comatoso todo
diafragma para que ocorra a correção da hipóxia por meio paciente com escore <9. Quando um paciente apresenta re-
da hematose adequada.
CIRURGIA DO TRAUMA
baixamento do nível de consciência, é necessário revisar as
Nesta fase do atendimento, é importante identificar e vias aéreas, ventilação, oxigenação e perfusão, pois altera-
tratar as lesões com risco imediato à vida do paciente (Ta- ções nessas funções vitais podem comprometer o nível de
bela 1). O diagnóstico dessas condições é clínico e deman- consciência. Todo paciente em coma tem indicação de via
da tratamento imediato. Independente da lesão, todo poli- aérea definitiva.
traumatizado deve receber oxigênio suplementar, e sempre
que possível, a saturação deve ser medida continuamente Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow
por meio de oxímetro de pulso. Espontânea 4
Tabela 1 - Lesões com risco imediato à vida Ao estímulo verbal 3
Abertura ocular (O)
- Obstrução de vias aéreas; Ao estímulo doloroso 2
- Pneumotórax hipertensivo; Sem resposta 1
- Hemotórax maciço; Obedece a comandos 6
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CI RUR G I A D O TRAU M A
B - Cateterização urinária e gástrica somente após o exame primário, e o sucesso das medidas
de reanimação, com normalização das funções vitais.
A diurese é o principal parâmetro para a avaliação da
resposta à expansão volêmica. Logo, a cateterização vesi- A - História
cal deve ser realizada em todos os traumatizados, exceto
na suspeita de lesão uretral. Suspeita-se de lesão uretral Toda a história deve incluir o mecanismo do trauma, a
quando há sangue no meato peniano, equimose perineal, presença de outras vítimas no local e os dados locais colhi-
sangue no escroto, deslocamento cranial da próstata ou fra- dos pela equipe de resgate pré-hospitalar, dados que po-
tura pélvica. dem fornecer importantes informações acerca da energia
A distensão gástrica pode levar a reflexos vagais em cinética e do potencial de gravidade do trauma. Se houver
crianças, além de aumentar o risco de vômitos e de bron- familiares, também deverão ser consultados, para forne-
coaspiração. A passagem de sonda gástrica está indicada cerem informações úteis. Há um método mnemônico para
principalmente a pacientes em ventilação mecânica ou com que a história clínica possa ser “AMPLA”:
trauma abdominal. A colocação da mesma sonda está con- A: Alergia.
traindicada na suspeita de fratura de base do crânio e da M: Medicamentos.
lâmina crivosa, pela possibilidade de penetração da sonda
P: Passado médico, “prenhez”.
na cavidade craniana (Figura 4). Nestes casos, opta-se pela
passagem de sonda orogástrica. L: Líquidos e sólidos ingeridos.
A: Ambiente do trauma.
B - Exame físico
Pode ser definido como um exame físico pormenoriza-
do da cabeça aos pés. Há uma frase que resume o procedi-
mento nesta etapa: “dedos e tubos em todos os orifícios”.
Pode-se dividir o exame físico pormenorizado nos seguintes
seguimentos: cabeça, face e pescoço; tórax; abdome, perí-
neo, reto e vagina; sistema musculoesquelético; e exame
neurológico completo.
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AT E N D I M E N T O I N I C I A L A O P O L I T R A U M AT I Z A D O
CIRURGIA DO TRAUMA
das às autoridades responsáveis.
8. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao politraumatizado deve ser padronizado de
acordo com a gravidade das lesões;
- Situações com múltiplas vítimas exigem uma triagem e a
definição da capacidade dos recursos estruturais e humanos;
- O exame primário deve seguir o ABCDE do trauma = vias aéreas
com proteção da coluna cervical, respiração, circulação e controle
da hemorragia, avaliação neurológica, exposição e controle do
ambiente;
- Nenhuma etapa pode ser antecipada antes que a anterior
esteja resolvida. O doente deve ser constantemente reavaliado,
sempre seguindo o ABCDE;
- A transferência deve ser precoce, para um local capaz de
fornecer tratamento adequado.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
2
Vias aéreas e ventilação
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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VIAS AÉREAS E VENTILAÇÃO
ção e sangramento. Nesses casos, é necessário um acesso gulos do maxilar inferior e (C) uso de cânula orofaríngea (Guedel),
definitivo imediato às vias. que deve ser inserida por trás da língua. Não deve ser usada em
Hematomas cervicais também podem expandir e com- doente consciente, pois pode provocar engasgo e vômito
primir a traqueia. Quando isso ocorre, a indicação de via
CIRURGIA DO TRAUMA
aérea definitiva deve ser precoce, para evitar complicações B - Via aérea definitiva
ou dificuldades técnicas.
Define-se como via aérea definitiva a presença de um
C - Trauma de laringe dispositivo com balonete (cuff) insuflado na traqueia, co-
A tríade clínica na fratura de laringe é composta de rou- nectado a um sistema de ventilação assistida e uma fonte
quidão, enfisema de subcutâneo e fratura palpável. Trata-se de oxigênio a 100%. Existem 3 tipos de via aérea definitiva:
de uma lesão rara. Quando presente, deve-se tentar a intu- sonda orotraqueal, sonda nasotraqueal e via aérea cirúrgica
bação orotraqueal cuidadosa, possivelmente com o auxílio (cricotireoidostomia e traqueostomia). Indica-se a via aérea
de um fibroscópio flexível. Se isso não for possível, ou na in- definitiva a todo paciente incapaz de manter a permeabili-
disponibilidade do método, será uma das poucas condições dade das vias aéreas (Tabela 2).
em que se indica a traqueostomia de emergência. Tabela 2 - Indicações de via aérea definitiva
- Apneia;
4. Tratamento - Proteção das vias aéreas contra aspiração por vômitos ou sangue;
Todo doente politraumatizado necessita de suporte de - TCE com escala de coma de Glasgow ≤8;
oxigênio. Durante a avaliação inicial, o socorrista deve ava- - Risco de obstrução por lesão de traqueia ou laringe, hematoma
cervical ou retrofaríngeo, estridor;
liar se são necessárias manobras para a manutenção das
- Fraturas maxilofaciais graves;
vias aéreas ou se é preciso assegurar uma via aérea defi-
- Convulsão persistente;
nitiva. Vale ressaltar a importância da proteção da coluna
- Incapacidade de manter oxigenação com máscara de O2;
cervical na fase inicial do atendimento.
- Necessidade de ventilação: paralisia neuromuscular, movimen-
tos respiratórios inadequados, TCE grave com necessidade de
A - Técnicas de manutenção das vias aéreas hiperventilação.
Em doentes com rebaixamento do nível de consciência, a) Intubação endotraqueal
a queda da língua pode ser responsável pela obstrução da
O médico deve optar pela intubação orotraqueal ou
via aérea. Há 4 manobras que podem ser utilizadas nessa
pela nasotraqueal, conforme sua experiência. A intubação
situação (Figura 1): a elevação do queixo (chin lift), a pro-
nasotraqueal é contraindicada aos doentes em apneia ou
trusão da mandíbula (jaw trust) e o uso de cânulas naso
com TCE em que há a suspeita de trauma da base do crânio.
ou orofaríngeas (cânulas de Guedel). Inicialmente, coloca-
Deve-se sempre atentar para a possibilidade de lesão cervi-
-se a cânula orofaríngea voltada para o palato duro e, de-
cal durante a intubação.
pois, deve-se girá-la conforme mostrado na Figura. Apesar
Para confirmar o correto posicionamento da sonda, de-
de proteger da queda da língua, ela desencadeia reflexo de
vem-se auscultar ambos os hemitórax e a região epigástrica
vômito e é mal tolerada no consciente. Apesar de ser mais
(a intubação do esôfago resultará em borborigmos auscul-
bem tolerada, a cânula nasofaríngea é pouco utilizada por
tados no epigástrio). O método mais fidedigno de confirma-
não permitir uma proteção adequada da queda da língua.
ção da intubação é a dosagem de CO2 expirado. A sonda de
intubação deve ser adequadamente fixada, e sempre que o
doente for mobilizado, a fixação e o correto posicionamen-
to deverão ser checados. A 1ª conduta diante daqueles que
chegam intubados ao hospital é confirmar a posição correta
do tubo (realizar o “A”).
Como a maioria dos pacientes vítimas de trauma não
está em jejum, o socorrista precisa estar familiarizado com
a sequência de intubação rápida. A sequência consiste em
pré-oxigenar com oxigênio a 100%, comprimir a cartilagem
cricoide, administrar 1 a 2mg/kg de succinilcolina IV e, após
o relaxamento, realizar intubação orotraqueal. O balão é in-
suflado, e a posição da cânula, confirmada antes de iniciar
a ventilação.
b) Via aérea cirúrgica
Figura 1 - (A) Elevação do mento sem realizar hiperextensão do É indicada aos casos de impossibilidade de intubação da
pescoço; (B) anteriorização da mandíbula pela preensão dos ân- traqueia como edema de glote, fratura de laringe e hemor-
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CI RUR G I A D O TRAU M A
ragia orofaríngea grave (Figura 2). A cricotireoidostomia é o A traqueostomia não deve ser realizada durante o aten-
procedimento de escolha na emergência, exceto em crian- dimento inicial do politraumatizado, salvo nas 2 situações
ças menores de 12 anos, para não causar lesão da cartila- apresentadas: menores de 12 anos e trauma de laringe.
gem cricoide, estrutura fundamental nessa faixa etária para Nas demais situações, preconiza-se que a traqueostomia
a sustentação da laringe. seja realizada no centro cirúrgico, após a estabilização do
paciente, como nas circunstâncias em que se pretende ven-
tilação mecânica por tempo prolongado.
5. Resumo
Quadro-resumo
- Garantir a permeabilidade das vias aéreas e a ventilação
adequada é prioridade no atendimento do politraumatizado;
- Todo doente com risco de comprometimento da via aérea
necessita de uma via aérea definitiva. A 1ª opção é a intubação
traqueal;
Figura 2 - Via aérea
- Na impossibilidade da intubação, realiza-se a
A cricotireoidostomia pode ser cirúrgica ou por punção. cricotireoidostomia. Só se realiza a traqueostomia na sala de
emergência em situações especiais;
No 1º caso (Figura 3), realiza-se uma incisão na pele sobre
a membrana cricotireoidiana, podendo ser longitudinal ou - Durante toda avaliação das vias aéreas, deve-se proteger a
coluna cervical.
transversa. Em seguida, incisa-se a membrana cricotireoi-
diana que será dilatada com uma pinça hemostática para
introdução de cânula de traqueostomia de pequeno calibre
(5 ou 7mm).
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CAPÍTULO
3
Trauma torácico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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CI RUR G I A D O TRAU M A
ponamentos cardíacos, pneumotórax hipertensivo, hipovo- da traqueia (Figura 3). Dessa forma, há menor resistência
lemia profunda e ruptura cardíaca. A avaliação neurológica à entrada de ar por esse orifício. A entrada de ar no espa-
e a exposição seguem as condutas habituais. ço pleural leva a um colabamento do pulmão e só cessa
Entre as medidas complementares ao exame primário, quando a pressão intrapleural se equilibra com a pressão
o raio x de tórax em incidência anteroposterior pode forne- atmosférica. A ventilação fica prejudicada, com consequen-
cer informações importantes. Entretanto, as condições com te hipóxia e hipercapnia. Ocorrem também diminuição do
risco imediato de morte são de diagnóstico clínico e não de- retorno venoso e hipotensão.
vem esperar pela radiografia para confirmação diagnóstica.
A - Pneumotórax hipertensivo
Ocorre quando há um vazamento de ar para o espaço
pleural por um sistema de “válvula unidirecional”. Progres-
sivamente, acontece o colapso do pulmão com deslocamen-
to do mediastino para o lado oposto, levando à diminuição
do retorno venoso e à compressão do pulmão contralate-
ral (Figura 2A). O óbito, nesses casos, acontece justamente
pela interrupção do retorno venoso pelos vasos da base.
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TRAUMA TORÁCICO
CIRURGIA DO TRAUMA
pneumotórax associado.
O diagnóstico também é eminentemente clínico, não
sendo necessária a confirmação radiológica. Além dos si-
nais de choque e da insuficiência respiratória, o exame físi-
co revela ausência de murmúrio vesicular do lado afetado.
Diferentemente do pneumotórax hipertensivo, há macicez
à percussão.
Para tratamento, realiza-se reposição volêmica agressi-
va, com cristaloide e sangue. A cavidade torácica é descom-
primida com a drenagem de tórax. Se estiver disponível o
Figura 4 - Respiração paradoxal no tórax flácido
equipamento necessário, será possível realizar autotransfu-
O quadro clínico típico é de movimentos torácicos assi- são do sangue aspirado. Indica-se toracotomia de urgência
métricos e descoordenados (movimento paradoxal), o que em caso de drenagem imediata >1.500mL de sangue ou
acarreta dificuldade respiratória e dessaturação. Observa- >200mL/h nas 2 a 4 horas seguintes à drenagem.
-se crepitação à palpação das costelas, e a dor torácica é
intensa (Figura 4). E - Tamponamento cardíaco
O doente deve receber oxigênio suplementar, reposição
volêmica adequada e analgesia. A ventilação muitas vezes
é inadequada, em razão da dor causada pelas fraturas, por
esse motivo é importante uma analgesia adequada. Se o
doente apresentar insuficiência respiratória, poderá ser ne-
cessária a ventilação mecânica (Tabela 2).
Tabela 2 - Critérios de indicação de ventilação mecânica
FR >35 ou <8irpm
pCO2 >55mmHg
Figura 6 - Tamponamento cardíaco: (A) acúmulo de sangue no
pO2 <60mmHg com FiO2 >50
pericárdio, visualizado pelo ultrassom – extraído de www.trauma.
Relação PO2/FiO2 <300 org; (B) pericardiocentese ou punção de Marphan
Shunt >0,2
Ocorre por um acúmulo de sangue no saco pericárdi-
D - Hemotórax maciço co, estrutura inelástica, levando à compressão cardíaca,
ao comprometimento do retorno venoso e ao choque car-
diogênico (Figura 6A). É mais frequentemente causado por
ferimentos penetrantes, porém pode ocorrer por trauma
contuso. A cavidade mais comumente lesada é o ventrículo
direito, por sua localização mais anterior.
A apresentação clássica é descrita como tríade de Beck,
entretanto ela está presente em apenas 30% dos casos.
Caracteriza-se por pulso paradoxal (diminuição da PAS
>10mmHg durante inspiração espontânea), abafamento de
bulhas cardíacas e estase jugular (não ocorre em caso de
hipovolemia significativa). Outros sinais são o de Kussmaul
(aumento da pressão venosa na inspiração espontânea) e a
Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP).
Se for realizada uma ultrassonografia na sala de emer-
gência, será possível avaliar a presença de líquido no saco
pericárdico (Figura 6A). O exame que dá diagnóstico de cer-
Figura 5 - Hemotórax maciço: observar a opacidade ocupando 2/3 teza é o ecocardiograma, porém dificilmente está disponí-
do hemitórax esquerdo, com desvio da traqueia para o lado direi- vel no serviço de emergência.
to. Assim, como no caso de pneumotórax hipertensivo, esse raio x Em caso de suspeita clínica, está indicada pericardiocen-
não deveria existir, pois o diagnóstico é clínico tese na sala de emergência (Figura 6B). O doente deve estar
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CI RUR G I A D O TRAU M A
monitorizado para que seja realizada a punção subxifóidea. trauma penetrante ou contuso (nesse último, geralmente
Quando a agulha toca o epicárdio, ocorre arritmia ou au- em razão de vazamento de ar por laceração pulmonar). Em
mento de voltagem da onda “T” no eletrocardiograma. A 90% dos casos, o ar vem do parênquima pulmonar ou da
punção será positiva se houver aspiração de sangue não parede torácica, enquanto os 10% restantes vêm de lesões
coagulado presente no saco pericárdico, sendo indicada a de esôfago, traqueia e brônquios.
toracotomia. O sangue não coagulado decorre da presença Observa-se diminuição do murmúrio vesicular no lado
de substâncias anticoagulantes no saco pericárdico. Após a afetado, podendo haver hipertimpanismo à percussão. O
retirada da agulha, deixa-se o cateter que a envolvia (Gelco) diagnóstico pode ser feito ou confirmado com uma radio-
conectado a uma torneira de 3 vias para eventuais retiradas grafia de tórax em expiração, bem mais sensível que em
de sangue que porventura se acumule novamente, até que inspiração, para o pneumotórax.
se realize a toracotomia.
Por vezes, o tamponamento pode ser progressivo e
não se manifestar no início do quadro. Nesse caso, pode-
-se fazer o diagnóstico por uma janela pericárdica subxifói-
dea, com o paciente sob anestesia geral no bloco cirúrgico,
ou por via transdiafragmática, se o doente for submetido
à laparotomia. A sensibilidade da janela é de 100% para o
diagnóstico de lesão cardíaca. Em se confirmando a lesão
cardíaca, o acesso pode se dar por esternotomia ou toraco-
tomia esquerda.
O socorrista deve estar alerta para ferimentos penetran-
tes na zona de Ziedler, a qual tem como limite superior o
Figura 8 - Pneumotórax simples: (A) raio x mostrando a aumento
2º espaço intercostal, inferior, o 10º espaço intercostal, me- da transparência, o que caracteriza a presença de ar no espaço
dial, o paraesternal direito e lateral a linha axilar anterior pleural e (B) destaque do ar no espaço pleural
esquerda (Figura 7A). A importância dessa zona está na epi-
demiologia do ferimento cardíaco: 70% dos ferimentos car- Drenagem de tórax é o tratamento em todos os casos
díacos acontecem por ferimentos penetrantes nesta zona. de pneumotórax traumático e deve ser realizado no 4º ou
Dado igualmente importante é que, dos ferimentos da zona no 5º espaço intercostal anterior à linha axilar média, adap-
de Ziedler, só 30% apresentam ferimento cardíaco. tado ao sistema de selo d’água. O tratamento conservador,
Indivíduos que chegam ao pronto-socorro com ferimen- comum no pequeno pneumotórax espontâneo, deve ser
to na zona de Ziedler merecem atenção especial. Se chega- evitado no traumático, sendo proibido no paciente que será
rem com estabilidade hemodinâmica, deverão ser subme- submetido à ventilação sob pressão positiva. Doentes com
tidos à janela pericárdica no centro cirúrgico. Se chegarem
pneumotórax que necessitem de transporte aéreo também
instáveis hemodinamicamente, terão indicação de toraco-
devem ser drenados previamente.
tomia, preferencialmente no centro cirúrgico, caso as con-
dições do paciente a permitirem (Figura 7B).
B - Hemotórax
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TRAUMA TORÁCICO
Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso in- PEEP, pressão positiva das vias aéreas em valores supra-at-
tercostal ou da artéria mamária interna, ou fratura-luxação mosféricos no final da expiração, é benéfica, pois aumenta
da coluna torácica. A maioria dos sangramentos é autolimi- o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual
tada e não necessita de tratamento cirúrgico hemostático funcional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental
CIRURGIA DO TRAUMA
específico, apenas de drenagem pleural, em 85% dos ca- a restrição de líquidos intravenosos após a estabilização he-
sos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno (300 a modinâmica.
500mL), médio (500 a 1.500mL) e grande ou maciço (acima
de 1.500mL). D - Lesão da árvore traqueobrônquica
Clinicamente, há diminuição do murmúrio vesicular do
lado afetado com discreta macicez à percussão. O raio x de Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma
tórax evidencia hemotórax a partir de 200mL de volume. passar despercebido no exame inicial. As lesões mais fre-
O tratamento consiste na drenagem de tórax, que remove quentes ocorrem próximas à carina no trauma contuso (por
o sangue, monitoriza o sangramento e diminui o risco de exemplo, a avulsão do brônquio-fonte direito). Acarreta alta
formação de coágulo. Haverá indicação de toracotomia se mortalidade, geralmente no local do acidente.
houver drenagem inicial acima de 1.500mL de sangue ou Os sinais e sintomas podem ser inespecíficos como
superior a 200mL de sangue por hora nas 2 a 4 horas sub- dispneia, cianose, hemoptise, enfisema de subcutâneo e
sequentes. O tratamento conservador não é recomendado, dispneia. Pode haver associação a fraturas de costela e es-
pois, se o hemotórax não for drenado precocemente, ha- terno, e o pneumotórax é um achado comum. O principal
verá risco de evoluir para um hemotórax coagulado e até elemento clínico para diagnóstico é o grande vazamento de
empiema. ar após drenagem torácica. O diagnóstico é confirmado por
broncoscopia. Mais recentemente, tem sido utilizada a TC
C - Contusão pulmonar multislice, por ser menos invasiva.
Em doentes com insuficiência respiratória, pode ser
Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais necessária a intubação seletiva do pulmão oposto ao lado
comum (Figura 10), especialmente perigosa nos idosos, da lesão. A intubação pode ser difícil, em razão de hema-
cuja reserva funcional pulmonar é menor. A insuficiência tomas, lesões orofaríngeas associadas ou lesão traqueo-
respiratória desenvolve-se progressivamente e decorre de brônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúrgica
hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando à imediata.
hipóxia. Aos doentes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser
postergado até a diminuição do processo inflamatório local
e do edema. Em lesões menores que 1/3 do diâmetro da
traqueia e em lesões brônquicas, pode-se optar por trata-
mento conservador. Lesões maiores que 1/3 do diâmetro
da traqueia geralmente são tratadas com reparo primário.
Lesões maiores de traqueia, carina e brônquio-fonte direito
deverão ser tratadas por toracotomia.
E - Contusão cardíaca
Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por
contusão da musculatura cardíaca, ruptura de câmara
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) desta-
(em geral, apresentam tamponamento cardíaco) ou lace-
que para a presença de fratura de costela, muitas vezes associada ração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos de tórax
aos casos de contusão graves, mais frequentemente em associação à fratura de
esterno. A lesão mais frequente é a do ventrículo direi-
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x to, que se encontra mais próximo ao esterno em posição
de tórax inicial pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evi- anterior.
denciar área de contusão, sendo a Tomografia Computado- Ocorrem desconforto torácico e hipotensão. Ao ECG,
rizada (TC) de tórax o exame indicado para melhor avaliação estão presentes extrassístoles ventriculares múltiplas, ta-
da área de contusão pulmonar. Uma complicação possível quicardia sinusal, fibrilação atrial, bloqueio de ramo (prin-
é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e doentes cipalmente à direita) e alteração dos segmentos ST e onda
com DPOC. T. Pode ser realizado um ecocardiograma para avaliação
O doente deve ser monitorizado com oximetria, gaso- diagnóstica e dosagem dos níveis de CKMB. O doente deve
metria arterial e ECG. Se a insuficiência respiratória for im- permanecer sob monitoração eletrocardiográfica por, pelo
portante (PaO2 <65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a menos, 24 horas, devido ao risco de desenvolvimento de
ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização de arritmias.
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CI RUR G I A D O TRAU M A
F - Ruptura traumática da aorta Outros exames que auxiliam o diagnóstico são a tomogra-
fia de tórax simples ou multislice com contraste (que isolada-
mente pode fornecer o diagnóstico de certeza), a angiotomo-
grafia e o ecocardiograma transesofágico. Por serem menos
invasivos e mais acessíveis, os exames tomográficos são bem
mais solicitados que a arteriografia. O tratamento pode ser
feito por cirurgia convencional ou intravascular.
Em caso de alteração radiográfica sugestiva, deve-se re- Figura 12 - Hérnia diafragmática esquerda: (A) raio x de tórax com
petir a radiografia em posição ortostática (se as condições nível hidroaéreo no hemitórax esquerdo; (B) intraoperatório com
do paciente a permitirem). Se permanecer o alargamento, grande abaulamento do diafragma esquerdo; (C) estômago após
estará indicada a arteriografia, ainda o método diagnóstico redução do conteúdo herniado, com grande necrose de grande
padrão, que evidencia lesão em apenas 3% dos traumatiza- curvatura e (D) gastrectomia total após a redução e a correção
dos com alargamento do mediastino. do diafragma
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TRAUMA TORÁCICO
CIRURGIA DO TRAUMA
é feito pela presença de orifício de entrada em um hemotó-
rax e saída no outro, ou presença do projétil ao raio x no he-
motórax contralateral ao do orifício de entrada. A presença
de enfisema de mediastino sugere lesão esofágica ou tra-
queobrônquica, e hematoma de mediastino ou extrapleural
apical sugere lesão traumática de grandes vasos.
Os pacientes com instabilidade hemodinâmica devem
ser encaminhados ao centro cirúrgico, assim como aque-
les que preenchem os critérios de toracotomia de emer-
gência. Aos pacientes estáveis, a TC contrastada de tórax
ou, preferencialmente, a angiotomografia, é o exame de
escolha para a avaliação diagnóstica inicial, associada ou
não ao ecocardiograma, reservando-se a endoscopia ou o
esofagograma e a arteriografia para aqueles com suspei-
ta tomográfica de lesão esofágica ou vascular, respectiva-
mente (Figura 13). Figura 14 - TC de tórax evidenciando enfisema subcutâneo, prin-
A mortalidade dessas lesões é de 20%, e 50% dos do- cipalmente à esquerda; há também derrame pleural à esquerda
entes são admitidos instáveis. A maioria dos estáveis terá
avaliação diagnóstica positiva, que indica uma intervenção
cirúrgica. O tratamento dessas lesões varia de acordo com a B - Lesões torácicas por esmagamento (asfixia
situação hemodinâmica do paciente e as estruturas lesadas. traumática)
O paciente com este tipo de trauma apresentará pleto-
ra no tronco, na face e nos membros superiores; além de
petéquias secundárias à compressão aguda e transitória da
veia cava superior. Podem estar presentes edema maciço e
até edema cerebral.
15
CI RUR G I A D O TRAU M A
7. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com trauma de tórax segue as
prioridades do ATLS®;
- Apesar da alta mortalidade, cerca de 85% dos casos são
tratados apenas com drenagem pleural;
- Pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço, pneumotórax
aberto, tórax flácido e tamponamento cardíaco são lesões com
risco imediato à vida e devem ser diagnosticadas e tratadas no
exame primário.
16
CAPÍTULO
4
Choque
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
- Tipos de choque;
- Classes de choque hipovolêmico;
- Tratamento do doente com choque hemorrágico.
1. Definição
Define-se choque como a situação em que há perfusão
orgânica e oxigenação tecidual inadequadas. No doente
politraumatizado, a causa mais comum de choque é a hi-
povolemia decorrente da hemorragia. Logo, toda vítima de
trauma que se apresente fria e taquicárdica está em choque Figura 1 - Fisiopatologia do choque
até que se prove o contrário.
2. Fisiologia 3. Diagnóstico
Os primeiros sinais clínicos do choque são taquicardia e
A resposta inicial do organismo diante da perda san-
vasoconstrição cutânea, que se manifestam como pele fria
guínea consiste em vasoconstrição periférica (circulação
e pegajosa. A FC normalmente é maior em recém-nascidos,
cutânea, muscular e visceral), na tentativa de preservar a diminuindo progressivamente até a idade adulta. Assim,
perfusão de órgãos nobres (rins, coração e cérebro). Ocorre valores considerados normais para crianças e adolescentes
também um aumento da Frequência Cardíaca (FC), com o não são os mesmos em adultos (Tabela 1).
intuito de manter o débito cardíaco. Na maioria das vezes, a
taquicardia é o sinal mais precoce do choque. Tabela 1 - Frequência cardíaca considerada taquicardia conforme
a idade
A vasoconstrição e o aumento da FC decorrem da libe-
ração de catecolaminas endógenas, que aumentam a resis- Lactente >160bpm
tência vascular sistêmica. Inicialmente, com a vasoconstri- Pré-escolar >140bpm
ção e o aumento da FC, a Pressão Arterial (PA) permanece Puberdade >120bpm
inalterada. Se a perda sanguínea persistir, sem que haja re- Adulto >100bpm
posição, o paciente apresentará hipotensão. Se o processo
Após a taquicardia, o próximo sinal hemodinâmico é a
não for revertido, ocorrerão, em sequência, lesão celular
diminuição da pressão de pulso, que é a diferença entre as
progressiva, agravamento do edema tecidual e morte ce-
pressões sistólica e diastólica. A queda da Pressão Arterial
lular. Esse processo é resultante da perda sanguínea e da Sistêmica (PAS) ocorre em uma fase mais tardia do choque.
hipoperfusão. Em razão dos mecanismos compensatórios já expostos, a
Outros tipos de choque serão discutidos posteriormen- diminuição da PAS acontece após perda de pelo menos 30%
te neste capítulo, mas apesar de diferentes mecanismos, da volemia.
a resposta final acaba sendo semelhante. A fisiopatologia A estimulação adrenérgica causa sudorese e deixa a
dos diferentes tipos de choque pode ser representada na pele fria e pegajosa. Há redução do fluxo urinário levando
Figura 1. à oligúria e anúria. O doente apresenta ainda taquipneia,
17
CI RUR G I A D O TRAU M A
com alteração do nível de consciência que varia desde con- Tabela 3 - Diagnóstico: sinais clínicos
fusão mental até coma, quando há perda volêmica superior Hipovolê- Cardiogê- Neurogê-
Séptico
a 50% da volemia. mico nico nico
Estase Sem Sem Sem
Distendida
4. Etiologia jugular estase estase estase
Cor da
No trauma, divide-se a etiologia do choque em hemor- Pálida Rosada Pálida Rosada
pele
rágica e não hemorrágica, sendo o choque hemorrágico o
mais comum, responsável por 90% dos casos. As causas de Tempe-
choque não hemorrágico são menos frequentes, porém se ratura da Fria Quente Fria Quente
pele
deve suspeitar delas como diagnóstico diferencial nos casos
em que não há resposta clínica com as medidas iniciais. Aumen-
FC Aumentada Aumentada Aumentada
tada
A - Tipos de choques não hemorrágicos Sensório Ansiedade
Ansieda-
Ansiedade Ansiedade
de
a) Choque cardiogênico Diurese Diminuída Diminuída Diminuída Diminuída
Consiste na falência do mecanismo de bomba do cora-
ção, causando uma diminuição da pós-carga. Pode ser cau- B - Choque hemorrágico
sado por contusão miocárdica, tamponamento cardíaco, Hemorragia consiste em perda aguda de volume sanguí-
embolia gasosa e infarto agudo do miocárdio associado ao neo. O sangue é responsável por 7% do peso corpóreo nos
trauma. Normalmente, a FC estará normal, com hipoten- adultos e, nas crianças, por 8 a 9%, sempre considerando o
são. peso ideal do paciente. Dessa maneira, um adulto de 70kg
b) Choque neurogênico tem, aproximadamente, 5L de sangue.
Acontece na lesão medular, e a hipotensão decorre da Todo doente traumatizado em choque, até que se prove
perda do tônus simpático, que causa diminuição da resis- o contrário, deve ser conduzido como vítima de choque hi-
tência vascular periférica, levando à queda da PA. O efeito povolêmico. É possível estimar o percentual volêmico per-
é acentuado pela hipovolemia. Se o doente não apresen- dido por meio de parâmetros clínicos (Tabela 4). A partir
tar hipovolemia, o quadro clínico do choque neurogêni- disso, orienta-se a reposição volêmica, que deve ser moni-
co será de hipotensão sem taquicardia ou vasoconstrição torizada pela melhora desses parâmetros.
cutânea. É útil lembrar que fraturas e lesões de partes moles
podem ser responsáveis por alterações hemodinâmicas.
c) Choque séptico A perda sanguínea local pode ser volumosa. Em fratu-
É raro na admissão do doente traumatizado e possível ras de ossos longos, úmero e tíbia, há perda de cerca de
em paciente com contaminação peritoneal por conteúdo 750mL de sangue. Fraturas de fêmur podem sangrar até
intestinal, que demora algumas horas para chegar ao hospi- 2.000mL. Em fraturas de bacia, vários litros de sangue
tal. O doente apresenta-se, inicialmente, com volume circu- podem acumular-se no retroperitônio. A lesão de partes
lante normal, discreto aumento da FC, pele rósea e quente, moles acarreta, também, edema local com perda adicio-
discreta queda pressórica e pulso cheio. Com a evolução do nal de líquido, diminuindo ainda mais o volume intravas-
choque, o quadro clínico torna-se semelhante ao do cho- cular.
que hipovolêmico. Tabela 4 - Classificação do choque hemorrágico
É possível determinar o tipo de choque com base em
Classe I Classe II Classe III Classe IV
parâmetros clínicos e hemodinâmicos (Tabelas 2 e 3).
Perda sanguí- 1.500 a
Até 750 750 a 1.500 >2.000
Tabela 2 - Diagnóstico: resposta hemodinâmica nea (mL) 2.000
Hipovolê- Cardiogê- Perda sanguí-
Séptico Neurogênico nea (% volume Até 15% 15 a 30% 30 a 40% >40%
mico nico
Inicial sanguíneo)
Débito
Diminuído alto, tar- Diminuído Aumentado Frequência de
cardíaco <100 >100 >120 >140
dio baixo pulso (bpm)
RVS Aumentada Diminuída Aumentada Diminuída Pressão arte- Diminu- Diminu-
Normal Normal
Aumen- rial ída ída
Volemia Diminuída Aumentada Normal
tada Normal ou
Pressão de Diminu- Diminu-
Pré- aumen- Diminuída
Diminuída Diminuída Aumentada Diminuída pulso ída ída
-carga tada
18
CHOQUE
Classe I Classe II Classe III Classe IV le do quadro hemorrágico), amilase, beta-HCG e eventuais
Frequência exames toxicológicos.
respiratória 14 a 20 20 a 30 30 a 40 >35 A passagem de cateter venoso central não deve ser rea-
lizada no atendimento inicial, pois, além de consistir em um
CIRURGIA DO TRAUMA
(irpm)
Oligo/
acesso longo e fino, apresenta o risco de punção iatrogênica
Diurese (mL/h) >30 20 a 30 5 a 15 com pneumotórax ou hematoma de carótida. Na impossibi-
anúria
lidade de acesso periférico, as dissecções venosas (fleboto-
Modera-
Estado mental
Levemen-
damente
Ansioso, Confuso, mias) devem ser realizadas. Em crianças menores de 6 anos,
te ansioso confuso letárgico é possível realizar o acesso intraósseo, que deverá ser uti-
ansioso
lizado apenas durante a reanimação. A punção é realizada
Crista- Crista-
Reposição na superfície anteromedial da tíbia, de 1 a 3cm abaixo da
Cristaloide Cristaloide loide e loide e
volêmica tuberosidade tibial.
sangue sangue
Para a reposição volêmica, devem ser utilizadas solu-
ções cristaloides isotônicas aquecidas, preferencialmente a
5. Avaliação inicial do paciente com cho- 39°C. O Ringer lactato é a solução preferencial por apresen-
que hemorrágico tar composição mais semelhante à do plasma humano (Ta-
bela 5). Mesmo assim, há risco de acidose hiperclorêmica,
O doente traumatizado em choque é sempre tratado
principalmente em doentes com insuficiência renal.
inicialmente como hipovolêmico, com o objetivo de resta-
belecer a perfusão orgânica e celular com sangue adequa- Tabela 5 - Principais soluções utilizadas na prática diária, compa-
damente oxigenado. O princípio básico a ser seguido é o de radas com o plasma e o sangue total
interromper o sangramento e repor as perdas de volume. É Calo-
importante lembrar que, durante o atendimento inicial, as Solução Na+ K+ Cl- HCO3- Ca++ Mg++
rias
prioridades são seguidas conforme o ABCDE.
Solução
Durante a avaliação de via aérea, deve-se lembrar sem- fisioló- 154 - 154 - - - -
pre do fornecimento de oxigênio suplementar, para manter gica
os níveis de saturação de hemoglobina acima de 95%. A
Ringer
avaliação neurológica do doente em choque provavelmen- 130 4 109 28 3 - -
lactato
te estará alterada e não implicará necessariamente lesões
intracranianas, podendo refletir apenas a perfusão inade- Glicose
- - - - - - 200
quada do cérebro. a 5%
A dilatação gástrica pode ser causa de hipotensão inex- Glicose
- - - - - - 400
plicada ou de arritmias cardíacas, por estímulo vagal. Está a 10%
frequentemente presente no traumatizado, principalmente Plasma 142 5 105 27 5 3 -
na criança, e torna difícil o tratamento do choque, além de Sangue
elevar o risco de aspiração do conteúdo gástrico. Deve-se 75 2 50 14 3 2 -
total
passar uma sonda nasogástrica ou orogástrica, para des-
compressão, e aspirá-la para remover o conteúdo gástri- É importante lembrar que 2/3 da “água corporal” estão
co. Em todo traumatizado, deverá ser colocada uma sonda no intracelular, e apenas 1/3 no extracelular. Do volume ex-
urinária para monitoração contínua da diurese e avaliação tracelular, apenas 1/3 fica no espaço intravascular, ficando
da presença de hematúria, exceto em caso de suspeita de os 2/3 restantes no espaço intercelular. Daí a regra “3 para
traumatismo uretral. 1”, ou seja, para cada 3L de volume reposto, apenas 1L vai
para o intravascular. Assim, com base no quadro clínico,
6. Tratamento do choque hemorrágico estima-se a perda sanguínea, sendo necessária a reposição
de 3 vezes esse valor.
A 1ª etapa no tratamento das hemorragias é o controle
Dessa maneira, o volume inicial a ser infundido, rapida-
do sangramento. Hemorragias externas devem ser compri-
mente, é de 2.000mL no adulto e de 20mL/kg na criança. As
midas ou tratadas com elevação do membro. O uso de tor-
decisões terapêuticas seguintes são baseadas na resposta
niquetes deve ser restrito ao intra-hospitalar e desde que
seja possível controlar o tempo em que o membro fica gar- do doente à reposição volêmica inicial. O principal parâme-
roteado. Medidas hemostáticas como suturas não devem tro para avaliar a reposição volêmica é a diurese. A reposi-
ser realizadas durante o exame primário. ção adequada de volume deve restabelecer, no adulto, o
A reposição volêmica, quando indicada, deve ser preco- débito urinário de aproximadamente 0,5mL/kg/h. Na crian-
ce. Preconiza-se a punção de 2 acessos venosos periféricos, ça de 0 a 3 anos, o objetivo é uma diurese de 2mL/kg/h; na
já que o fluxo de líquido será maior quanto mais curto e de 3 a 5 anos, de 1mL/kg/h; e na criança entre 5 e 12 anos,
calibroso for o cateter (Lei de Poiseuille). No ato da pun- espera-se atingir de 0,5 a 1mL/kg/h. A resposta à reposição
ção, deve ser colhida uma amostra de sangue para tipagem, volêmica inicial pode ser rápida, transitória ou mínima, ou
dosagem de hemoglobina, hematócrito (úteis para contro- ausente (Tabela 6).
19
CI RUR G I A D O TRAU M A
20
CAPÍTULO
5
Trauma abdominal
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais aos sinais sugestivos dessas lesões para não retardar o tra-
tamento definitivo.
- Avaliação inicial; Define-se como abdome anterior a área entre a linha
transmamilar superiormente, os ligamentos inguinais e a sínfi-
- Exames complementares: FAST x lavado peritoneal se púbica inferiormente, e as linhas axilares anteriores, lateral-
diagnóstico x tomografia computadorizada; mente. Pode ser dividido em 9 regiões: região de hipocôndrios
- Indicações de cirurgia. direito e esquerdo, região epigástrica, região de flancos direito
e esquerdo, região mesogástrica, região ilíaca direita e esquer-
1. Introdução da e região hipogástrica (Figura 1). Há, ainda, outra divisão em
quadrantes: quadrantes superiores direito e esquerdo e qua-
O abdome é sede frequente de lesões traumáticas, tan- drantes inferiores direito e esquerdo. Do ponto de vista inter-
to contusas como penetrantes, muitas das quais necessita- no, o abdome possui 3 compartimentos distintos: a cavidade
rão de tratamento cirúrgico. O socorrista deve estar atento peritoneal, o retroperitônio e a pelve (Figura 1).
21
CI RUR G I A D O TRAU M A
22
TRAUMA ABDOMINAL
B - Lavagem peritoneal diagnóstica É importante entender que o FAST substitui a LPD, portanto
só está indicado a pacientes hemodinamicamente instáveis.
Consiste na realização de uma pequena incisão infraum-
bilical, com abertura da aponeurose e colocação de um
CIRURGIA DO TRAUMA
cateter ou sonda dentro da cavidade abdominal, pela qual
será infundido soro. Em caso de refluxo de sangue ou mate-
rial entérico, diz-se que o exame é positivo, e está indicada
a laparotomia exploradora. Quando há refluxo do soro ins-
tilado aparentemente sem alterações, esse material deve
ser enviado para estudo laboratorial em que a presença de
alguns itens caracteriza o lavado como positivo (Tabela 1).
Tabela 1 - Critérios de positividade da LPD
- Aspiração de mais de 10mL de sangue, conteúdo gastrintestinal,
fezes ou bile;
- Bactérias pelo Gram;
- ≥100.000mm3 de hemácias/mL; Figura 4 - FAST: (A) pesquisa no espaço hepatorrenal; (B) esplenor-
- ≥500mm3 de leucócitos/mL; renal; (C) subxifóideo e (D) FAST positivo no espaço hepatorrenal
- Amilase >175mg/dL.
D - Tomografia de abdome
Apresenta alta sensibilidade (95 a 98%) para o diagnósti-
É o exame mais específico e não invasivo, mas que só
co de hemorragia intraperitoneal, com a desvantagem de ser
um exame invasivo. Sua realização está indicada no doente deve ser realizado nos pacientes hemodinamicamente es-
instável, com trauma multissistêmico e alteração do nível de táveis, sem indicação de laparotomia de urgência. As con-
consciência ou modificação da sensibilidade (lesão medular). traindicações são instabilidade hemodinâmica, alergia ao
No doente estável, poderá ser utilizado em serviços que não contraste iodado, não colaboração do doente e demora na
dispõem de ultrassonografia e/ou tomografia. As contraindi- disponibilidade do recurso.
cações do procedimento estão citadas na Tabela 2. A tomografia computadorizada pode não diagnosticar
lesões gastrintestinais, diafragmáticas e pancreáticas. Se
Tabela 2 - Contraindicações da LPD houver líquido livre na cavidade e ausência de lesões de vís-
Contraindicação absoluta ceras parenquimatosas, deve-se suspeitar da ocorrência de
- Indicação de laparotomia. lesões de vísceras ocas.
Contraindicações relativas De modo geral, a indicação de exames complementares
Cirurgia Devem-se realizar a incisão e a colocação da no trauma abdominal está resumida na Tabela 3.
prévia sonda com cuidado pela presença de aderências. Tabela 3 - Métodos diagnósticos no trauma abdominal fechado
Obesidade A hemostasia durante o procedimento deve ser LPD USG de abdome TC de abdome
mórbida rigorosa para não haver falsos positivos.
- Doente - Doente está-
Cirrose instável; - Doente instável; vel;
Exigem cuidados com hemostasia e assepsia
avançada e Indicações - Documen- - Documentação - Documenta-
para evitar contaminação do líquido ascítico.
coagulopatia tação de de líquido livre. ção de lesão
Gravidez sangramento. visceral.
A incisão deve ser supraumbilical.
avançada - Não invasiva;
- Possível repeti- - Especificidade
C - Ultrassonografia de abdome - Diagnóstico ção; para definir a
Vantagens precoce e - Diagnóstico lesão;
O ultrassom abdominal, quando disponível na sala de sensível. precoce; - Acurácia de
emergência, pode ser realizado no doente instável, pelo ci- - Acurácia de 86 98%.
rurgião, com o objetivo de pesquisar sangue na cavidade. a 97%.
Esse tipo de ultrassonografia é conhecido pela sigla FAST e - Operador-de-
não deve ser confundido com a ultrassonografia abdominal pendente;
- Invasivo;
- Não diagnostica
convencional. Tem a vantagem sobre a LPD de não ser inva- - Não diag- - Custo alto;
lesões do dia-
siva e pode ser repetida se necessário. nostica - Não diagnos-
Desvanta- fragma, delgado
O exame avalia os espaços hepatorrenal (espaço de lesões do tica lesões de
gens e pâncreas;
diafragma e diafragma e
Morrison), esplenorrenal, subfrênico, saco pericárdico e - Distorção por
do retroperi- delgado.
escavação pélvica na procura de hemoperitônio (Figura 4). meteorismo e
tônio.
A análise ultrassonográfica pode ficar comprometida em enfisema de
obesos, com enfisema de subcutâneo ou cirurgias prévias. subcutâneo.
23
CI RUR G I A D O TRAU M A
24
TRAUMA ABDOMINAL
se sucedem em um ciclo vicioso que podem levar à morte mento preferencial. Próteses e shunts podem ser utilizados,
rapidamente se não forem corrigidos. desde que não prolonguem muito o tempo cirúrgico. Na
Nesses pacientes, a chance do óbito pela falência meta- presença de múltiplas lesões em alças, é preferível ressecar
bólica no intraoperatório é maior do que a falha no reparo todo segmento quando possível. O uso de grampeadores
CIRURGIA DO TRAUMA
completo das lesões. Baseando-se nesse conceito, surgiu a contribui muito nesses procedimentos (Figura 9).
cirurgia de controle de danos, ou damage control. O princí-
pio desse procedimento consiste na cirurgia para controle
da hemorragia e prevenção de contaminação maciça, segui-
do da recuperação clínica em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) e de reoperação programada.
Didaticamente, indica-se o damage control para pacien-
tes com pH <7,2, T <32oC e necessidade de transfusão acima
de uma volemia. O juízo do cirurgião é fundamental para
eleger essa modalidade logo nos primeiros minutos da ci-
rurgia, e ele deve contar com a colaboração do anestesista
e da equipe da UTI que receberá o paciente.
Do ponto de vista técnico, realiza-se uma incisão am- Figura 9 - (A) Empacotamento hepático e (B) ressecção intestinal
com grampeador mecânico
pla xifopúbica, com empacotamento dos 4 quadrantes do
abdome. O controle das hemorragias ativas é obtido com O fechamento abdominal também deve ser rápido, por
compressão manual ou empacotamento com compressas. vezes temporário com peritoniostomias (Figura 10), técnica
O controle aórtico é necessário por vezes. conhecida como bolsa de Bogotá. Essa técnica é especial-
Realiza-se um exame completo, porém rápido do abdo- mente útil quando há grande edema de alças e compressas
me e retroperitônio. O cirurgião deve estar familiarizado dentro da cavidade abdominal. A peritoniostomia, além de
com as manobras de acesso ao retroperitônio, como Catel e facilitar a abertura na reoperação, também é utilizada para
Mattox (Figura 8). A contaminação deve ser prevenida com evitar a síndrome compartimental abdominal que pode
suturas rápidas, evitando-se enterectomias e anastomoses. acontecer nesses casos.
Ao término da cirurgia, o paciente é levado à UTI para
monitorização hemodinâmica, correção da coagulopatia e
aquecimento. A reoperação deve ocorrer entre 48 e 72 ho-
ras e servirá para a retirada das compressas, inspeção com-
pleta da cavidade, restabelecimento do trânsito intestinal,
limpeza e, sempre que possível, fechamento definitivo. Em
algumas situações, podem ser necessárias novas cirurgias.
Lesões esplênicas são rapidamente tratadas com esple- Figura 10 - Peritoniostomia ou “bolsa de Bogotá”
nectomia. Lesões hepáticas podem ser resolvidas tempo-
rariamente com empacotamento (Figura 9). A manobra de 7. Principais manobras cirúrgicas de acor-
Pringle (clampeamento do hilo hepático) permite ao cirur-
gião diferenciar se o sangramento é intra-hepático ou não. do com o sítio da lesão
Ressecções hepáticas amplas são desaconselhadas nessas
situações.
A - Fígado e baço
Lesões de aorta e veia cava inferior necessitarão de con- Conforme citado, o tratamento das lesões esplênicas é
trole distal e proximal rápido. Suturas primárias são o trata- mais bem obtido com esplenectomia total. A ressecção par-
25
CI RUR G I A D O TRAU M A
cial ou medidas hemostáticas costumam não ser efetivas, B - Pâncreas e vias biliares
com o risco de ressangramento no pós-operatório. A classi-
Lesões da cauda pancreática podem ser simplesmente
ficação para as lesões esplênicas está na Tabela 4.
drenadas. As ressecções corpo-caudais devem ser realiza-
Tabela 4 - Classificação das lesões esplênicas das nas fraturas do pâncreas ou na lesão do Wirsung (lesão
do ducto pancreático principal). Lesões da cabeça pancre-
Grau da lesão
ática e da via biliar principal são um desafio para o cirur-
Hematoma <10% área subcapsular, sem expansão. gião. Na maioria das vezes, é preferível realizar a drenagem
I Penetração da cápsula <1cm de profundidade, externa e reservar a reconstrução do trânsito para um 2º
Laceração
sem sangramento. tempo, com equipe especializada. Realizar duodenopancre-
De 10 a 50% da superfície, subcapsular; atectomia é desaconselhável pelo tempo cirúrgico prolon-
Hematoma
hematoma intraparenquimatoso. gado e pela morbimortalidade do procedimento, associado
II
Laceração
1 a 3cm de profundidade, sem envolvimento à gravidade do trauma em si.
de vasos trabeculares, sem sangramento ativo.
Intraparenquimatoso até 5cm ou em expansão C - Estômago, duodeno, intestino delgado e có-
Hematoma
III >50% subcapsular. lon
Laceração Ruptura do parênquima com sangramento. Lesões gástricas podem ser rafiadas. Na presença de
Ruptura do parênquima com sangramento lesões múltiplas, ou na 1ª porção do duodeno, a gastrecto-
Hematoma
átrio. mia subtotal pode ser uma opção. Nas lesões de 2ª porção
IV
Lesão vascular hilar com desvascularização duodenal, associadas ou não a lesões pancreáticas, uma
Laceração
>25%. opção é a cirurgia de Vaughan, que consiste no reparo da
Laceração Destruição completa do baço. lesão duodenal, seguido de cerclagem pilórica com fio ab-
V Lesão vascular hilar com desvascularização sorvível por gastrostomia e uma gastroenteroanastomose
Vascular
total. laterolateral isoperistáltica aproveitando a gastrostomia
(Figura 11).
As lesões hepáticas podem ser classificadas conforme a
Tabela 5. Na maioria das vezes, as lesões param de sangrar
espontaneamente e o cirurgião não consegue identificar a
origem da hemorragia. Entre as medidas hemostáticas, cau-
terização, sutura, balão intra-hepático e tampões de peritô-
nio são as mais utilizadas. As ressecções hepáticas devem
ser realizadas para pacientes estáveis, e por cirurgião habi-
tuado com a técnica.
26
TRAUMA ABDOMINAL
CIRURGIA DO TRAUMA
do trauma. De maneira geral, todos os hematomas por
trauma penetrante devem ser explorados. Os hemato-
mas resultantes de trauma contuso podem ser conduzi-
dos conforme a Tabela 6.
27
CI RUR G I A D O TRAU M A
28
CAPÍTULO
6
Trauma cranioencefálico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Tabela 1 - Classificação
Mecanismo
- Alta energia: acidentes automobilísticos;
Fechado
- Baixa energia: quedas e agressões.
- Ferimento por arma de fogo;
Penetrante
- Outros ferimentos.
Gravidade
Leve - Escore GCS 14 a 15: 3% de craniotomia.
Moderado - Escore GCS 9 a 13: 9% de craniotomia.
Grave - Escore GCS 3 a 8: 19% de craniotomia.
Figura 1 - Doutrina de Monro-Kellie
29
CI RUR G I A D O TRAU M A
O aumento da PIC leva a uma queda na Pressão de Per- As pupilas devem ser comparadas em tamanho e ava-
fusão Cerebral (PPC), sendo esta dependente também da liadas quanto à fotossensibilidade (Tabela 3). Diferenças
Pressão Arterial Média (PAM). Logo, PPC = PAM – PIC. maiores que 1mm entre os diâmetros pupilares, bem como
É importante manter a PAM normal para manter a per- pupilas mióticas ou midriáticas fixas, indicam lesão intracra-
fusão cerebral. PPC menor que 70mmHg está relacionada niana.
a uma evolução desfavorável. Outro índice importante é o
fluxo sanguíneo cerebral, cujo valor normal é de 50mL por Tabela 3 - Avaliação da reação pupilar
100g de cérebro por minuto. Se esse fluxo diminui para me- Tamanho da Resposta à
Interpretação
nos de 20 a 25mL, a atividade eletroencefalográfica desapa- pupila luz
rece. Se menor de 5mL, há morte celular com consequente - Compressão do III nervo
lesão irreversível. Se a PAM cai para valores menores que (oculomotor) secundário à
50mmHg, há uma diminuição abrupta do fluxo sanguíneo Midríase Lenta ou herniação tentorial. Seguem
cerebral. Para evitar a ocorrência de lesões, deve-se tentar unilateralmente ausente ptose palpebral e paresia
manter a PAM e evacuar hematomas precocemente. muscular medial (olho para
baixo e para fora).
4. Avaliação inicial - Perfusão cerebral
Midríase Lenta ou inadequada;
A avaliação inicial segue a padronização do ATLS®. Como bilateralmente ausente - Paralisia bilateral do III
a hipóxia pode causar alteração do nível de consciência, do- nervo.
entes com rebaixamento sensório têm indicação de via aé-
Reação
rea definitiva. A proteção da coluna cervical deve ser man- Midríase
cruzada
tida até a exclusão completa de lesão. A correção de perdas unilateralmente - Lesão do II nervo (óptico).
(Marcus-
volêmicas também é importante, pois alguns casos de al- ou igual
Gunn)
teração neurológica podem ser secundários à hipovolemia.
- Drogas (opiáceo);
Durante o exame primário, a avaliação neurológica Difícil
consta de um exame rápido, em que se avaliam o nível de Miose bilateral - Lesão da ponte;
determinar
consciência, pupilas e sinais de localização de lesões. O nível - Encefalopatia metabólica.
de consciência é estimado pela Escala de Coma de Glasgow Miose unilateral Preservada - Lesão do trato simpático.
(ECG ou GCS – Glasgow Coma Score), em que são atribuídos
pontos às melhores respostas do paciente em 3 parâmetros Já no exame primário, o socorrista deve determinar se o
clínicos (Tabela 2). doente necessitará de avaliação de neurocirurgião e trans-
feri-lo caso não disponha desse especialista no serviço. No
Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow - GCS
exame secundário, realiza-se um exame neurológico mais
Espontâneo 4 minucioso, à procura de sinais indiretos de lesão de Sistema
A estímulo verbal 3 Nervoso Central (SNC), além da investigação de níveis de
Abertura ocular (O)
A estímulo doloroso 2 comprometimento sensitivo e motor.
Sem resposta 1
Obedece a comandos 6 5. Gravidade
Localiza dor 5
30
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
CIRURGIA DO TRAUMA
perda ou piora do nível de consciência, cefaleia de modera-
da à grave, intoxicação significativa por álcool/drogas, fratu-
ras de crânio, rinorreia ou otorreia, traumatismos significa-
tivos associados, falta de acompanhante confiável em casa
ou impossibilidade de retornar rapidamente ao hospital. Os
pacientes que necessitarem de avaliação de neurocirurgião
deverão ser transferidos precocemente.
31
CI RUR G I A D O TRAU M A
E
Figura 5 - (A) e (B) Hematoma extradural: aspecto tomográfico –
notar a forma biconvexa e o respeito pelas suturas; (C) hematoma
subdural; (D) lesão difusa: aspecto tomográfico (lesões hiperden-
sas); e (E) lesão por projétil de arma de fogo
a) Hematoma extradural
Também conhecido como epidural ou, menos comu-
mente, peridural. Localizado fora da dura-máter, dentro do
crânio, é mais frequente por ruptura da artéria meníngea
média por fratura craniana. A maioria tem origem arterial,
porém 1/3 pode ser de origem venosa, por ruptura do seio
parieto-occipital ou da fossa posterior.
Está presente em 0,5% dos TCEs e em 9% dos doentes
comatosos. Os doentes com essa lesão costumam apresen-
tar um intervalo lúcido entre o trauma e a piora neurológi-
ca, dado da história que obriga a observação neurológica do
paciente. A TC do crânio apresenta uma lesão com forma de
lente biconvexa, de localização principalmente temporal e
temporoparietal (Figuras 5A e B). O tratamento consiste na
drenagem do hematoma, que deve ser precoce, para evitar
lesão cerebral.
Figura 4 - Fratura de base de crânio: (A) aspecto tomográfico e (B)
sinal dos “olhos de guaxinim” b) Hematoma subdural
É mais comum, presente em 30% dos TCEs. Ocorre pela
ruptura do plexo venoso meníngeo, entre o córtex cerebral
B - Lesões intracranianas focais e o seio venoso. São comuns em pacientes com quedas re-
petidas, principalmente etilistas e idosos. A TC de crânio
apresenta lesão com forma côncava, reveste e comprime os
giros e sulcos, e causa desvio ventricular e da linha média
(Figura 5C).
O prognóstico é pior que o do hematoma extradural,
pela presença de lesão parenquimatosa grave mais comu-
mente associada. Assim, o tratamento cirúrgico, quando
indicado, deve ser feito rapidamente.
c) Contusões e hematomas intracerebrais
São as lesões focais mais comuns e frequentemente
associadas ao hematoma subdural. Localizam-se, prefe-
32
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
rencialmente, nos lados frontal e temporal. As contusões cidade, posturas de descerebração, decorticação, flacidez
podem expandir e coalescer, formando um hematoma in- ou midríase fixa, lesões cruzando a linha média e transce-
tracerebral. rebrais e/ou transventriculares. Pacientes com ferimentos
penetrantes e Glasgow de 3 a 4, na maioria das vezes, não
CIRURGIA DO TRAUMA
C - Lesões intracranianas difusas são considerados cirúrgicos.
São mais comuns que as lesões focais, e o mecanismo de
trauma relacionado é a aceleração/desaceleração (Figura 5D). 7. Tratamento clínico
a) Concussão leve Devem ser adotadas medidas que visem prevenir lesão
O doente apresenta consciência preservada, porém com secundária em um cérebro já lesado. Devem-se evitar a de-
sidratação e a sobrecarga hídrica, além de manter o doente
disfunção neurológica temporária, e pode muitas vezes pas-
normovolêmico e euglicêmico, e recomenda-se o uso de so-
sar despercebido. Nos quadros mais leves, a vítima apre-
lução salina isotônica ou de Ringer lactato. A hiponatremia
senta confusão e desorientação, sem amnésia. O quadro
causa edema cerebral e deve ser evitada ou tratada agressi-
é totalmente reversível e não deixa sequela. Nos quadros
vamente quando presente.
mais graves, há amnésia retrógrada e anterógrada (antes e
Atualmente, alguns autores defendem o uso de solu-
depois do trauma).
ções salinas hipertônicas nos politraumatizados com TCE,
b) Concussão cerebral clássica pela demonstração de melhora no prognóstico, em compa-
Causa perda da consciência, transitória e reversível. O ração ao uso de soluções isotônicas. Essa conduta, entre-
grau de amnésia está relacionado à magnitude da lesão. Os tanto, ainda não é a recomendação-padrão e está restrita a
déficits podem estar ausentes ou permanecer como perda protocolos de estudo. O ATLS® preconiza o uso de soluções
da memória, tontura, náuseas, anemia ou depressão (sín- salinas isotônicas ou de Ringer lactato.
drome pós-concussão). A hiperventilação deve ser usada com moderação, man-
tendo a pCO2 ao redor de 30mmHg e por um período limita-
c) Lesão axonal difusa do. Deve-se evitar pCO2 <25mmHg. Sua diminuição resulta
Trata-se de coma pós-traumático prolongado sem lesão em vasoconstrição cerebral, que leva à redução do volume
de massa ou lesões isquêmicas. A vítima pode apresentar intracraniano. Inicialmente, ajuda a reduzir a pressão intra-
decorticação ou descerebração e disfunções autonômicas cerebral, porém, se prolongada ou agressiva, pode levar à
(hipertensão, hiper-hidrose, hiperpirose), além de sequelas isquemia cerebral.
neurológicas tardias. Muitas vezes, a TC de crânio é normal. O manitol é um diurético osmolar utilizado para a re-
Portanto, pacientes com TCE grave e TC de crânio normal dução da PIC e deve ser evitado em doentes hipotensos,
podem ter lesão axonal difusa. pois agrava a hipovolemia. As indicações mais precisas são
O mecanismo do trauma é uma força de cisalhamento doentes comatosos que apresentavam pupilas normais e
consequente à aceleração rotacional da cabeça. Em estudos evoluem com dilatação pupilar com ou sem hemiparesia,
anatomopatológicos, as anormalidades fundamentais en- ou doentes com ambas as pupilas dilatadas e não reativas e
contradas são lesão focal do corpo caloso, lesão da porção que não estão hipotensos. A furosemida pode ser utilizada
rostral do tronco encefálico e alterações morfológicas dos junto com manitol quando a PIC está elevada, após consulta
axônios sob a forma de esferoides de retração. com neurocirurgião.
Esteroides não são recomendados no tratamento agudo
D - Ferimento penetrante de crânio do TCE. Barbitúricos são eficientes na redução da PIC re-
fratária a outras medidas, mas não devem ser usados na
São, normalmente, lesões graves, que necessitam do presença de hipotensão ou hipovolemia. Quanto aos anti-
mesmo tratamento inicial de qualquer outro trauma. Essas convulsivantes, pode-se utilizar a fenitoína na 1ª semana
lesões em pacientes suicidas têm características próprias pós-trauma, como profilaxia de convulsões. A epilepsia pós-
que as tornam mais graves, pela pouca distância e pelo tra- -traumática ocorre em 5% dos doentes admitidos com TCE
jeto provável com alta incidência de lesão vascular (artéria e em 15% dos doentes com TCE grave.
cerebral média e seus ramos – Figura 5E).
A maioria desses pacientes requer tratamento cirúrgico,
pois mesmo os que estão sem déficits motores e de consci- 8. Tratamento cirúrgico
ência quando não são operados podem apresentar compli- Está indicado nas lesões de couro cabeludo (debri-
cações tardias, como meningite e/ou abscesso cerebral. Os damento, hemostasia e sutura da lesão), fraturas com afun-
objetivos do tratamento cirúrgico são a retirada das lesões damento de crânio (devem ser reduzidas, se profundas) e
expansivas, a prevenção de infecção, a hemostasia e o re- lesões intracranianas de massa (devem ser tratadas pelo
paro dural. neurocirurgião). Em geral, realiza-se a preparação do lado
Alguns fatores estão associados a um pior prognóstico, em que a pupila está dilatada. A trepanação de emergência
como ECG menor que 5, lesões por projéteis de alta velo- só deve ser realizada por médico treinado com a anuência e
33
CI RUR G I A D O TRAU M A
9. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com TCE segue a padronização do
ATLS®. A coluna cervical deve permanecer imobilizada até a
exclusão de lesão. Doentes inconscientes têm indicação de via
aérea definitiva (tubo na traqueia com balão insuflado);
- Durante o exame primário, avalia-se o nível de consciência (pela
escala de coma de Glasgow) e pupilas. Se, nesse momento, for
necessária a avaliação de neurocirurgião, o paciente deverá ser
transferido precocemente;
- Mesmo traumas leves necessitam de observação neurológica,
quando não é possível realizar a tomografia de crânio.
34
CAPÍTULO
7
Trauma raquimedular
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
35
CI RUR G I A D O TRAU M A
O nível neurológico é definido como o ponto mais cau- grupos musculares apresentam uma única raiz nervosa
dal com preservação bilateral sensitivo-motora. As lesões espinhal. Os músculos-chave devem ser testados bilateral-
acima de T1 geralmente causam tetraplegia e, as abaixo, mente e avaliados em relação à força muscular. O esfíncter
paraplegia. O nível ósseo pode ser diferente do neurológi- externo do ânus é testado durante o toque retal.
co. Este pode ser dividido em níveis sensitivo e motor, dis- A documentação da força muscular permite avaliar a
cutidos a seguir. melhora ou a piora da função neurológica em exames se-
quenciais. Deve ser quantificada em uma escala de força
a) Nível sensorial que vai de 0 a 5, pois podem ocorrer déficits parciais (Tabela
É definido como o dermátomo mais baixo com funções 3). Grupos musculares, com respectivas raízes nervosas, a
sensitivas normais. Dermátomo é uma área de pele inerva- serem pesquisados nos exames sequenciais são apresenta-
da por uma raiz nervosa segmentar (Figura 1). Os pontos- dos a seguir.
-chave, em termos de sensibilidade, são:
Tabela 2 - Grupos musculares pesquisados nos exames sequenciais
Tabela 1 - Pontos-chave em termos de sensibilidade C5 Deltoide extensores.
C5 Área sobre o deltoide. C6 Extensores de punho.
C6 Dedo polegar.
C7 Extensor do cotovelo
C7 Dedo médio.
C8 Flexores dos dedos até o dedo médio.
C8 Dedo mínimo.
T1 Adutores do dedo mínimo.
T4 Mamilo.
L2 Flexores do quadril.
T6 Xifoide.
T10 Umbigo. L3 Extensores do joelho.
T12 Sínfise púbica. L4 Flexores dorsais do tornozelo.
L4 Face medial da coxa. L5 Extensores longos do hálux.
L5 Espaço entre o 1º e o 2º pododáctilos. S1 Flexores plantares do tornozelo.
S1 Borda lateral do pé.
Tabela 3 - Graduação da sensibilidade muscular
S3 Área da tuberosidade isquiática.
Escore Achados ao exame
S4 e S5 Região perianal.
0 Paralisia total.
1 Contração visível de palpação.
Movimentação total, desde que eliminada a força da
2
gravidade.
3 Movimentação total contra a força da gravidade.
4 Movimentação total, mas com a força muscular diminuída.
5 Força normal.
3. Avaliação radiológica
O único exame radiológico que pode ser solicitado como
complemento à avaliação primária é o raio x de perfil da
coluna cervical. Demais exames devem ser solicitados em
doentes estáveis hemodinamicamente, conforme o nível
em que se suspeita de lesão.
O raio x simples cervical em incidência lateral ou em
perfil deve mostrar a base do crânio, as 7 vértebras cervi-
cais e a transição com a 1ª vértebra torácica (Figura 2A).
Sua sensibilidade é de 85% para a detecção de fraturas.
Quando não é possível a visualização das últimas vértebras
Figura 1 - Inervação cutânea dividida por dermátomos
cervicais ou da transição toracolombar, podem-se tracionar
os membros superiores para baixo ou colocar o paciente na
b) Nível motor chamada “posição do nadador”, com extensão anterior de
Os músculos são inervados por mais de 1 raiz nervosa, um e posterior do outro membro superior, para a retirada
e cada uma inerva mais de 1 músculo. Entretanto, certos dos ombros do campo radiológico.
36
TRAUMA RAQUIMEDULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
4. Conduta terapêutica
A - Imobilização
A imobilização manual deve ser instituída imediatamen-
te, não sendo retardas as medidas terapêuticas do atendi-
mento inicial para a colocação de dispositivos apropriados.
A imobilização adequada em doentes com fratura de coluna
cervical inclui colar cervical semirrígido, prancha longa, es-
paradrapo e atadura. Deve-se manter a imobilização até a
exclusão da presença de fraturas (Figura 3).
C
Figura 2 - Radiografias normais de coluna cervical: (A) perfil, (B)
anteroposterior e (C) transoral
37
CI RUR G I A D O TRAU M A
38
TRAUMA RAQUIMEDULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 4 - (A) Deslocação atlanto-occipital: radiografia lateral
mostra um hematoma enorme pré-vertebral (setas) com deslo-
camento anterior do côndilo occipital (seta); (B) fratura do Atlas Figura 5 - (A) Classificação esquemática das fraturas de odontoide:
(fratura de Jefferson) tipo I – processo odontoide propriamente dito, tipo II – base do
processo odontoide e tipo III – com acometimento do corpo verte-
As fraturas do áxis (C2) correspondem a 18% das fratu- bral de C2; (B), (C) e (D) fraturas de processo odontoide visualiza-
ras da coluna cervical, e cerca de 60% são fraturas do odon- das na tomografia computadorizada
toide (Figura 4). São 3 os tipos de fratura do odontoide (Fi-
gura 5), sendo o tipo II (base do odontoide) a mais comum.
B - Coluna torácica
A chamada fratura do enforcado compromete o processo
espinhoso e os elementos posteriores do C2 e acontece por Entre T1 e T10, há 4 tipos de lesão, sendo a maioria fra-
lesão em extensão. turas estáveis:
As demais fraturas (20%) afetam o corpo, o pedículo, as - Lesões em cunha por compressão anterior;
massas laterais, as lâminas e o processo espinhoso. Podem - Lesões por explosão do corpo vertebral;
ocorrer fraturas e luxações de C3 a C7. O local mais fre- - Fraturas de Chance (fraturas transversas do corpo ver-
quente de fratura da coluna cervical é C5, e o local mais co- tebral);
mum de subluxação está entre C5 e C6. Nas crianças, pode - Fraturas-luxações.
ocorrer a pseudoluxação de C3-C4, que normalmente é um
achado incidental no exame radiológico, sem repercussões As fraturas da junção toracolombar de T11 a L1 ocorrem
clínicas. por hiperflexão e rotações agudas; costumam ser instáveis
39
CI RUR G I A D O TRAU M A
C - Coluna lombar
Estão associadas a um menor risco de déficit neurológi-
co completo.
A fratura de Chance deve ser investigada em traumas
com mecanismo de desaceleração e implica a investiga-
ção de lesões associadas, principalmente de duodeno e
pâncreas.
7. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com TRM segue a padronização do
ATLS®, com imobilização adequada de coluna cervical até a
exclusão de lesão;
- O choque neurogênico ocorre por lesão das vias descendentes
do sistema simpático da medula espinhal, causando perda do
tônus vasomotor e perda da inervação simpática do coração;
- No choque medular, há flacidez e perda aguda dos reflexos
após lesão medular de duração variável;
- Não há evidências quanto ao uso de corticosteroides na fase
aguda do TRM fechado.
40
CAPÍTULO
8
Trauma musculoesquelético
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
41
CI RUR G I A D O TRAU M A
42
T R A U M A M U S C U LO E S Q U E L É T I C O
CIRURGIA DO TRAUMA
controle do sangramento e a reanimação com soluções sali-
nas. O controle da hemorragia é obtido com a estabilização
mecânica do anel pélvico. As técnicas de redução na rea-
nimação variam desde tração esquelética com dispositivo
aplicado sobre a pele (alça em C ou até mesmo contenção
com lençol) até o dispositivo pneumático antichoque (PASG
– Figura 4A e B).
43
CI RUR G I A D O TRAU M A
as opções cirúrgicas, é possível realizar desde o reparo das hemoglobina, ausente na urina). Outros dados laboratoriais
lesões até derivações como colostomia e cistostomia. O fe- são a hipocalcemia e a hipercalemia. O potássio deve ser
rimento deverá ser irrigado e desbridado nos dias consecu- controlado pelo risco de arritmias. O tratamento também
tivos, conforme a necessidade. envolve administração vigorosa de solução salina intrave-
nosa e alcalinização da urina com bicarbonato de sódio nos
casos em que não há resposta com a hidratação.
D - Amputação traumática
O músculo não tolera interrupção do fluxo sanguíneo ar-
terial por um período superior a 6 horas. Nos casos de am-
putação traumática, deve ser considerada a possibilidade
de reimplante. No entanto, se o doente apresentar lesões
múltiplas, que necessitem de reanimação intensiva e inter-
venção cirúrgica de urgência, ele não será um candidato ao
reimplante. Em geral, este é indicado em lesão isolada de
extremidade, abaixo do joelho ou do cotovelo (Figura 6).
A parte amputada deve ser lavada com solução hipotô-
nica e envolta em gaze umedecida e toalha estéril. É, então,
colocada em um saco plástico e transportada, com o doen-
te, em uma caixa de isopor com gelo.
44
T R A U M A M U S C U LO E S Q U E L É T I C O
CIRURGIA DO TRAUMA
luxação de ombro ruptura da aorta.
queimaduras. - Lesão da artéria braquial;
A pressão intracompartimental pode ser medida. Valo- Fratura/luxação de cotovelo - Lesão de nervo mediano,
res de pressões teciduais acima de 35 a 45mmHg causam ulnar e radial.
isquemia e indicam tratamento imediato. Quanto menor a
- Fratura de colo de fêmur;
pressão sistêmica, menor a pressão compartimental. A me- Fratura de fêmur
dida da pressão está indicada a todos os que apresentam - Luxação posterior do quadril.
alteração da resposta aos estímulos dolorosos. - Fratura de fêmur;
Durante o tratamento, devem ser retirados curativos, - Luxação posterior do quadril;
Luxação posterior do joelho
gessos ou imobilizações da extremidade comprometida. O - Lesão de artéria e nervo
doente é então reavaliado após 30 a 60min. Se não houver poplíteo.
mudança na avaliação clínica, estará indicada a fasciotomia - Lesão ou fratura de coluna;
descompressiva (Figura 7). O retardo na realização da fas- - Fratura do platô tibial;
ciotomia pode resultar em mioglobinemia e insuficiência Fratura de calcâneo
- Fratura ou luxação da parte
renal, e o prognóstico depende do tempo de evolução do
posterior do pé.
quadro até a realização do procedimento.
6. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com trauma musculoesquelético
segue a padronização do ATLS®. Sempre que possível, a
avaliação deve ser multidisciplinar;
- Lesões de partes moles e, principalmente, fraturas pélvicas,
podem sequestrar grandes quantidades de volume e devem
ser controladas precocemente;
- As lesões musculoesqueléticas devem alertar para a presença
de lesões associadas.
5. Lesões associadas
As lesões musculoesqueléticas costumam estar asso-
ciadas a outras lesões, que nem sempre são diagnosticadas
de imediato e podem passar despercebidas. É importante
sempre alertar para o mecanismo de trauma e repetir o
exame físico, detalhadamente, se necessário. Em virtude
de mecanismo semelhante, algumas lesões frequentemen-
te se associam a certas lesões osteomusculares (Tabela 2).
Tabela 2 - Lesões associadas a fraturas e luxações
Lesões associadas com
Lesão musculoesquelética
maior frequência
Fratura de coluna - Lesões intra-abdominais.
Fraturas ou luxações de coluna
- Ruptura de aorta torácica.
torácica
- Lesão abdominal, torácica ou
Lesão pélvica grave craniana;
- Hemorragia vascular pélvica.
45
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
9
Trauma pediátrico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
46
TRAUMA PEDIÁTRICO
CIRURGIA DO TRAUMA
Não sustentáveis -1
180 a
0 a 6m 3a6 60 a 80 60 2 >90mmHg +2
160
Lactente 12 160 80 40 1,5 PAS 50 a 90mmHg +1
Pré-escolar 16 120 90 30 1 <50mmHg -1
Pulso palpável no punho +2
Adolescente 35 100 100 20 0,5 Se não houver
Pulso palpável na virilha +1
medida de PAS
Uma maneira rápida para avaliação dos sinais vitais es- Pulso não palpável -1
perados para cada idade é a régua de Broselow. A partir da Acordado +2
medida da criança (Figura 1) estima-se o peso corporal, si- Parcialmente consciente +1
nais vitais e dose das principais medicações. Estado SNC
Comatoso ou
-1
descerebrado
Nenhuma +2
Feridas abertas Pequena +1
Grande -1
Nenhuma +2
Lesão esquelética Fratura fechada +1
Fratura aberta -1
Total -6 a +12
A - Vias aéreas
A causa mais comum de parada cardíaca em crianças é
a incapacidade de estabelecer e/ou de manter a via aérea
pérvia, com consequente falta de oxigenação e ventilação.
Como no adulto, a via aérea da criança deve ser a priori-
dade do tratamento. Entretanto, há diferenças importantes
com relação à anatomia das vias aéreas nessa faixa etária
Figura 1 - Régua de Breselow: a partir da medida da criança, são que podem dificultar a intubação.
estimados peso, sinais vitais e dose das principais medicações Quanto menor a criança, maior a desproporção crânio/
face, e há maior tendência de a faringe posterior colabar-se
3. Especificidades do atendimento inicial e ficar obliterada. As partes moles (língua, amígdalas) são
relativamente maiores, a laringe é mais alta e mais anterior,
da criança as cordas vocais formam um ângulo anterocaudal, e o com-
A criança, per se, não constitui uma prioridade no aten- primento da traqueia é menor.
dimento a situações com múltiplas vítimas. O socorrista
deve ter em mente as peculiaridades na avaliação e no tra-
tamento, mas ela será atendida conforme a gravidade e os
recursos disponíveis, à semelhança das outras vítimas.
A Tabela 4 mostra o escore de traumatismo pediátrico.
Vítimas com escore menor que 9 têm maior risco de óbito
e devem ser atendidas em centros especializados em trau-
ma pediátrico. Cerca de 5 a 10% das crianças traumatizadas
apresentam escore menor que 9.
Tabela 4 - Escore de traumatismo pediátrico (PTS - Pediatric Trau-
ma Score)
Parâmetro Valor
>20kg +2 Figura 2 - Diferenças anatômicas das vias aéreas na criança que
Tamanho 10 a 20kg +1 dificultam a intubação: (A), (B) e (C) posição da base da língua pre-
dispondo a obstrução da via aérea e (D) altura da epiglote; no nível
<10kg -1
de C2 e C3
47
CI RUR G I A D O TRAU M A
Caso a criança apresente respiração espontânea, com utilizados drenos de tórax de menor diâmetro, locados no
via aérea parcialmente obstruída, deve-se posicionar a ca- 5º espaço intercostal, anteriormente à linha axilar média.
beça da criança na “posição de cheirar”, tracionar o mento A parede torácica da criança é mais flexível e compla-
e a mandíbula, limpar secreções e retirar corpos estranhos, cente, o que permite a transmissão de energia para o inte-
além de administrar oxigênio suplementar. Na criança in- rior, causando lesão do parênquima pulmonar, muitas vezes
consciente, são necessários métodos mecânicos para per- sem lesão óssea. Dessa maneira, a força necessária para fra-
meabilizar a via aérea. turar os arcos costais da criança é significativamente maior
A cânula de Guedel deve ser introduzida diretamente que a necessária para fraturar os do adulto. É comum a pre-
na orofaringe, e não voltada para o palato. Se necessitar sença de contusão pulmonar.
de intubação orotraqueal, a cânula deve ser sem cuff e de
tamanho apropriado. O menor diâmetro da via aérea da C - Circulação
criança é o anel cricoide que funciona como um selo natural
Em virtude da reserva fisiológica aumentada, os sinais
ao tubo traqueal (dispensando o uso dos cuffs). O tamanho
vitais da criança se mantêm mesmo com choque grave. Os
da cânula pode ser estimado pelo diâmetro da narina ou do
sinais de choque são mais sutis e aparecem somente após
dedo mínimo da mão da criança.
uma perda maior que 25% do volume sanguíneo. O 1º sinal
As indicações de via aérea definitiva na criança são as
de choque é o aumento da frequência cardíaca, entretanto
mesmas do adulto (Tabela 5). Para a intubação, recomen-
isso ocorre nas crianças também por dor, medo ou estres-
da-se utilizar atropina para manter a frequência cardíaca e
se. Outros sinais de choque são má perfusão da pele (pele
depois sedar a criança, e deve-se usar um curare de ação
mosqueada, extremidade fria), alteração do nível de cons-
rápida para paralisia muscular (ex.: succinilcolina). Como a
ciência e resposta alterada ao estímulo doloroso (Tabela 6).
via aérea da criança é mais curta, há uma chance maior de
A hipotensão indica choque não compensado, com
intubação seletiva ou de mudança da posição da cânula du-
perda sanguínea grave, maior que 45% do volume total. A
rante o transporte ou mobilização.
criança hipotensa pode evoluir com bradicardia, principal-
Tabela 5 - Indicações de via aérea definitiva mente os lactentes. A queda do débito urinário é, também,
um evento tardio do choque em crianças.
- Apneia;
- Proteção das vias aéreas contra aspiração por vômitos ou sangue; Tabela 6 - Resposta sistêmica à hipovolemia na criança
- TCE com ECG ≤8; Perda
<25% 25 a 40% >45%
- Risco de obstrução por lesão de traqueia ou laringe, hematoma volêmica
cervical ou retrofaríngeo, estridor; Pulso fraco, Hipotensão,
Sistema
- Fraturas maxilofaciais graves; filiforme, Taquicardia taquicardia ou
cardíaco
taquicardia braquicardia
- Convulsão persistente;
Letárgico, Mudança no nível
- Incapacidade de manter oxigenação com máscara de O2;
SNC irritável, de consciência, fraca Comatosa
- Necessidade de ventilação: paralisia neuromuscular, movimentos confuso resposta à dor
respiratórios inadequados, TCE grave com necessidade de
hiperventilação. Cianose,
enchimento Pálida, muito
Pele Fria e úmida
A intubação nasotraqueal não deve ser realizada na capilar retardado fria
criança com idade inferior a 12 anos, pelo risco de lesão extremidades frias
de partes moles e/ou penetração no crânio. A cricotireoi- Redução
dostomia cirúrgica também é contraindicada aos menores mínima
de 12 anos, pelo risco de estenose. As opções são a cricoti- do débito Diminuição
Ausência de
Rins urinário, acentuada do débito
reoidostomia por punção com agulha ou a traqueostomia. débito urinário
aumento da urinário
desistência
B - Ventilação urinária
A frequência respiratória é normalmente alta em lacten-
tes (40 a 60irpm) e diminui com a idade. A etiologia mais Para a reposição volêmica, o acesso preferencial é a
comum de parada cardíaca na criança é a hipoventilação, punção periférica percutânea. Deve-se evitar a punção fe-
caso em que ela apresentará acidose respiratória. moral, devido ao alto risco de trombose. A infusão intraós-
sea está indicada para crianças abaixo de 6 anos, caso não
- Trauma torácico pediátrico seja possível punção periférica (após 2 tentativas), sempre
Cerca de 10% dos traumas comprometem o tórax, e 2/3 utilizando um membro não traumatizado.
apresentam lesões associadas. A maioria das lesões é cau- A infusão intraóssea deve ser interrompida assim que se
sada por trauma fechado, principalmente acidente automo- estabelece um acesso venoso apropriado. As complicações
bilístico. Na necessidade de drenagem torácica, devem ser desse procedimento incluem celulites e, raramente, osteo-
48
TRAUMA PEDIÁTRICO
mielites. O local preferencial de punção intraóssea é o terço O cirurgião pediátrico deverá, sempre que possível, acom-
proximal da tíbia, abaixo da tuberosidade (Figura 3). Se a panhar os exames de imagem. Como sangramentos intra-ab-
tíbia estiver fraturada, a agulha poderá ser introduzida no dominais decorrentes de trauma de vísceras parenquimatosas
segmento distal do fêmur. A punção não deve ser realizada
CIRURGIA DO TRAUMA
(baço, fígado e rim) costumam cessar espontaneamente, o
distalmente à fratura. Tratamento Não Operatório (TNO) poderá ser indicado desde
que a criança esteja hemodinamicamente normal. A criança
deve ser mantida em unidade de terapia intensiva, com moni-
torização contínua dos sinais vitais e disponibilidade imediata
de equipe cirúrgica e de sala de operação.
Tabela 7 - Lesões mais comuns em crianças do que em adultos
Hematoma de duodeno
Mais frequente em crianças por falta de desenvolvimento da
musculatura; acontece, frequentemente, por queda sobre um
Figura 3 - Punção intraóssea: (A) agulhas especiais para punção e guidão de bicicleta. Pode ser tratado de forma conservadora
(B) local apropriado para a punção com sonda nasogástrica e dieta parenteral.
Lesões de delgado
O volume sanguíneo da criança pode ser estimado em Mais comuns em crianças com perfurações do intestino delgado
80mL por kg de peso. O tratamento inicial da criança con- próximo ao ângulo de Treitz e avulsão de mesentério.
siste na administração de cristaloides, 20mL/kg em bolus, Ruptura de bexiga
podendo repetir essa dose 3 vezes após avaliação clínica
Na criança, ocorre mais lesão pela pequena profundidade da
(total de 60mL/kg). Deve-se considerar a conveniência de pelve.
administração concentrada de hemácias, na dose inicial de Lesão de órgãos parenquimatosos (baço, fígado e rins)
10mL/kg, persistindo a instabilidade.
São frequentes no trauma fechado e raramente necessitam
O retorno à estabilidade hemodinâmica é indicado por de tratamento cirúrgico. Em geral, há um rápido retorno à
diminuição da frequência cardíaca, aumento da pressão de normalidade hemodinâmica com a reanimação rápida com
pulso, reaquecimento das extremidades, elevação da PAS cristaloides. O diagnóstico é feito, então, com uma tomografia
(>80mmHg), retorno à cor normal da pele e melhora do ní- de abdome.
vel de consciência. O débito urinário é o melhor parâmetro
para avaliar a resposta à reposição volêmica. Espera-se um Lesões pélvicas podem acarretar sangramentos de gran-
débito de 1mL/kg/h nas crianças com mais de 1 ano e 2mL/ de monta. A hemorragia associada à fratura da pelve e dos
kg/h nas menores. ossos longos é proporcionalmente maior na criança do que
no adulto.
- Trauma abdominal pediátrico
Toda criança traumatizada deve ter o estômago des- D - Estado neurológico
comprimido por meio da passagem de sonda gástrica du- Utiliza-se a Escala de Coma de Glasgow (ECG), no entan-
rante a reanimação. Os lactentes e as crianças menores, to a resposta verbal deve ser modificada nas crianças com
devido ao choro, deglutem grande quantidade de ar, o que idade abaixo de 4 anos (Tabela 8). O atendimento inicial
aumenta a tensão da parede abdominal e dificulta o exame adequado requer restauração rápida do volume circulante,
do abdome. Há preferência pela sondagem orogástrica no evitando a hipóxia. O vômito e a amnésia por traumas são
lactente. A descompressão vesical por sondagem também mais comuns. Logo, sempre se deve realizar descompressão
facilita a avaliação abdominal, com a ressalva de que não gástrica com sonda.
devem ser utilizadas sondas com Foley em crianças com
menos de 15kg. Tabela 8 - Resposta verbal pediátrica
Nas crianças instáveis hemodinamicamente, realiza-se 5 Palavras apropriadas ou sorriso social, fixa e segue objeto.
o Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD) ou aspirado abdo- 4 Chora, mas é consolável.
minal. O ultrassom na sala de emergência (FAST – Focused 3 Persistente, irritável.
Assessment with Sonografic for Trauma) também pode ser 2 Inquieto, agitado.
utilizado para detecção de sangramento intra-abdominal. A 1 Nenhuma.
tomografia de abdome constitui a melhor forma de diag-
nóstico, mas só deve ser realizada na criança hemodina- O acompanhamento neurocirúrgico deve ser adequado
micamente normal. Em geral, a criança precisa de sedação e precoce, e é fundamental a reavaliação continuada de to-
para realizar o exame. É necessário uso de contraste intra- dos os parâmetros. A monitorização da pressão intracrania-
venoso oral e, em alguns casos, retal. na é realizada na criança com maior frequência, pelo maior
49
CI RUR G I A D O TRAU M A
50
TRAUMA PEDIÁTRICO
- Hemorragia retiniana;
- Queimaduras de 2º e 3º graus nitidamente demarca-
das e em áreas não usuais;
- Evidência de lesões traumáticas repetidas, cicatrizes e
CIRURGIA DO TRAUMA
fraturas consolidadas;
- Trauma genital ou na região perianal;
- Lesões bizarras como mordedura, queimaduras por ci-
garro ou marcas de cordas;
- Hematomas subdurais múltiplos;
- Ruptura de vísceras, sem antecedente de trauma grave;
- Lesões periorais;
- Fraturas de ossos longos em crianças abaixo de 3 anos.
A criança agredida tem risco maior de lesões fatais,
portanto ninguém está livre da obrigação de notificar. A
notificação de espancamento de crianças assume maior
importância quando se lembra que 50% das vítimas de
maus-tratos, atendidas e liberadas para o convívio com os
responsáveis pelo abuso, retornam mortas ao hospital.
4. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento à criança politraumatizada deve seguir a
padronização proposta pelo ATLS®;
- A criança não deve ser considerada prioridade no atendimento,
mas apresenta peculiaridades que devem ser conhecidas;
- Diferenças anatômicas e de parâmetros vitais podem mimetizar
falsos diagnósticos de normalidade;
- Na suspeita de maus-tratos, é obrigação do médico que atende
o caso notificar às autoridades competentes.
51
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
10
Queimaduras
José Américo Bacchi Hora / André Oliveira Paggiaro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
- Atendimento inicial;
- Fisiopatologia das queimaduras;
- Bases do tratamento;
- Tipos específicos de queimaduras.
1. Introdução
As queimaduras são causas frequentes de trauma em
todas as idades, sendo mais comuns nos extremos de idade.
Nesse tipo de trauma, há liberação de mediadores celulares
e humorais que determinam alteração das permeabilidades
capilar, metabólica e imunológica, levando a distúrbio hi-
droeletrolítico, desnutrição e infecção. Podem ser causados
por uma série de agentes físicos, químicos, radiação e ele-
tricidade. Temperaturas muito baixas também podem cau-
sar lesões semelhantes a queimaduras. Na população adul-
ta, elas são mais encontradas em homens, principalmente
em razão dos acidentes de trabalho.
2. Classificação Figura 2 - Camadas de pele: (1) superficial, (2) média e (3) profun-
da; queimaduras da pele em 1º (4), 2º (5) e 3º (6) graus
A principal classificação utilizada para as queimaduras
considera a profundidade da lesão. São consideradas de Outra maneira de dividir as queimaduras são os graus
espessura parcial aquelas em que há preservação da inte- (Tabela 1).
gridade de alguma porção das camadas da pele, e de es-
pessura total, quando todas essas camadas estão lesadas Tabela 1 - Graus de queimadura
(Figura 2). 1º grau 2º grau 3º grau
Acomete todas as
camadas da pele,
Compromete total- inclusive o subcu-
Compromete ape-
mente a epiderme e tâneo, podendo
nas a epiderme
parte da derme lesar tendões,
ligamentos, ossos e
músculos
Apresenta dor, Causa lesão branca
Apresenta eritema, eritema, edema, ou marrom, seca,
calor e dor bolhas, erosão e dura e inelástica
ulceração (branca nacarada)
Não há formação de Há regeneração
É indolor
bolhas espontânea
Figura 1 - Estrutura da pele
52
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
mação em poucos anexos subcutâneos espontânea, neces-
dias (folículo piloso e sitando de enxertia cuidados intensivos.
glândulas) 3 - Zona de hiperemia externa: formada por tecidos
Eventualmente, edemaciados viáveis.
Cicatrização mais
Regride sem deixar pode cicatrizar, po-
lenta (2 a 4 sema-
cicatrizes
nas)
rém, com retração
das bordas
3. Fisiopatologia das lesões térmicas
Pode deixar seque- A lesão térmica exerce efeitos deletérios sobre os dife-
Pouca repercussão las como discromia rentes sistemas do organismo, sendo proporcional à exten-
-
sistêmica (superficial) e cica- são da queimadura (Figura 4). Ocorrem alterações bifásicas
triz (profunda) na função orgânica, com hipofunção inicial e hiperfunção
Fonte: “Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem posterior, exceto o sistema imune, em que a sequência é
do dermatologista”, Everton Carlos Siviero do Vale, An. Bras. Der- inversa. As alterações metabólicas e as perdas líquidas nas
matol. vol.80 no.1 Rio de Janeiro Jan./Feb. 2005. queimaduras de 2º grau profundas são as mesmas das quei-
maduras de 3º grau.
53
CI RUR G I A D O TRAU M A
54
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
em virtude do aumento da permeabilidade capilar. Logo, a
intercostal, quadro broncoespástico e presença de partícu-
reposição volêmica deve ser mais agressiva aqui do que a
las de carbono. A radiografia inicial de tórax é normal, mas
preconizada para o doente politraumatizado.
costuma apresentar infiltrados intersticiais nas primeiras 24
Devem ser puncionados pelo menos 2 acessos calibro-
a 48 horas. A lesão é considerada grave quando há neces-
sos periféricos, preferencialmente em áreas não queima-
sidade de ventilação mecânica por mais de 96 horas, PaO2
das, para infusão de volume, preferencialmente soluções
<250mmHg com FiO2 de 100% e radiografia de tórax com
salinas isotônicas. Para o cálculo adequado da reposição vo-
edema intersticial difuso. O diagnóstico precoce se faz por
lêmica é importante saber a porcentagem de SCQ. O cálculo
broncoscopia. Devem ser realizadas IOT, ventilação mecâni-
é baseado nas áreas de queimaduras de 2º e de 3º graus,
ca com FiO2 >50% e limpeza frequente com aspiração da via
sendo desconsideradas as áreas de 1º grau.
aérea. A antibioticoterapia não deve ser usada profilatica-
Há 3 métodos mais frequentemente utilizados:
mente, e os corticoides não mostraram eficácia.
Além disso, a presença de trauma de coluna cervical - Regra da palma da mão
deve ser investigada principalmente nas lesões por queima- A superfície da palma da mão do indivíduo, excluindo os
duras elétricas extensas e explosões, pois são comuns as dedos, equivale a 1% da área de superfície corpórea, sendo
fraturas nesses tipos de mecanismo de trauma. utilizado para calcular o restante. É o menos fidedigno para
avaliação da área queimada.
B - Ventilação
- Regra dos 9
Vítimas de explosões podem apresentar frequentemen-
É um guia útil para determinar a extensão da área quei-
te quadro de pneumotórax simples ou até mesmo hiperten-
mada e baseia-se no fato de que as regiões anatômicas cor-
sivo, que precisa ser diagnosticado e tratado na avaliação
respondem a 9% ou o múltiplo de 9% da superfície corpó-
inicial. Pneumotórax aberto também é possível.
rea (Figura 6).
As queimaduras torácicas e abdominais de 3º grau po-
Nas crianças, o tamanho da cabeça costuma ser maior
dem formar uma espécie de carapaça, que pode impedir a
do que nos adultos, enquanto os membros inferiores são
incursão respiratória, gerando distúrbio de ventilação. Nesse
menores, proporcionalmente em relação ao restante do
tipo de situação, é obrigatório realizar escarotomias para li-
corpo (Tabela 2).
beração da caixa torácica. As escarotomias são incisões line-
ares que se estendem por meio de toda a espessura da pele
queimada e permitem a separação da escara constritora.
Devem ser realizadas 2 incisões bilaterais na linha axilar
anterior para liberação torácica e, caso não sejam suficien-
tes, podem ser interligadas por uma incisão horizontal na
margem do gradeado costal como um grande “H” para libe-
ração abdominal.
55
CI RUR G I A D O TRAU M A
D - Neurológico
Em razão da perda de líquidos e da hipotensão, algumas
vezes os pacientes apresentam confusão mental ou incons-
ciência, exigindo reposição hídrica vigorosa imediata. Nas
explosões ou traumas elétricos, há uma grande associação
aos traumatismos cranioencefálicos. Exames diagnósticos
só podem ser realizados após a estabilização respiratória e
Figura 7 - Esquema de Lund e Browder para o cálculo de SCQ em hemodinâmica do paciente.
adultos e em crianças
E - Exposição e prevenção de hipotermia
Com base no cálculo da SCQ, começaram a ser desen-
volvidas fórmulas de hidratação (Tabela 3). A 1ª – fórmula Devem-se calcular a extensão e a profundidade da le-
de Evans e Brooke – pregava o uso de cristaloides e coloides são, que influirão diretamente tanto na conduta quanto à
em associação. Imaginava-se que o uso de coloides aumen- hidratação, como no encaminhamento para centro de quei-
taria a manutenção de líquidos no intravascular. Entretanto, maduras. A SCQ e a profundidade da lesão são essenciais
isso não se confirmou, e surgiram novas fórmulas baseadas no prognóstico do paciente. A remoção de roupas, agentes
apenas no uso de cristaloides – Parkland e Brooke modifi- plásticos e piche deve ser feita para evitar a exposição pro-
cado. Estas 2 últimas são as mais utilizadas, e a de Parkland longada e o aumento das lesões.
costuma ser a mais usada: O resfriamento com água fria nas queimaduras causa
- Fórmula de Parkland alívio, mas só deve ser usado em queimaduras pequenas,
Reposição de 2 a 4mL de solução cristaloide x o peso para não causar hipotermia, sendo contraindicado nos lo-
corporal (kg) x a SCQ (queimaduras de 2º e 3º graus). cais de queimaduras com mais de 10% de SCQ. Envolver
56
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
Nitrato de Ag - Descoloração da ferida;
- Indolor;
lesão. Nas queimaduras por chama, a gravidade é propor- a 0,5% - Troca várias vezes ao
- Não resistência
cional à chama e à duração da exposição. Nos extremos de dia;
bacteriana.
- Hipo Na e Hipo K.
idade, observam-se lesões mais profundas, uma vez que a
pele é mais fina, o que é praticamente visto em crianças Deve ser administrado toxoide tetânico a todos os pa-
com menos de 2 anos. cientes. Antibióticos profiláticos normalmente não costu-
Nas queimaduras químicas, as roupas devem ser re- mam ser necessários, são inclusive contraindicados pela
movidas imediatamente. Agentes sólidos e pós devem ser possibilidade de indução à resistência bacteriana.
removidos primeiro. A irrigação local exaustiva com água
e soro deve ser iniciada, evitando-se o uso de agentes B - Tratamento cirúrgico: excisão e enxertia de pele
neutralizantes. A concentração do agente e a duração de-
terminam a gravidade. Depois da estabilização do paciente, começam a ser reali-
Nas queimaduras elétricas, deve-se remover a vítima zadas as escarectomias, que consistem no desbridamento do
imediatamente da fonte de energia, com o cuidado de não tecido queimado inviável. É um procedimento extremamen-
vir a fazer parte do circuito elétrico, desligando a fonte de te sangrante, com limite de ressecção de 10 a 20% de SCQ.
energia ou usando materiais não condutores. Queimaduras Atualmente, o tratamento padrão-ouro nos casos de
elétricas profundas causam graves lesões musculares, e a queimadura de espessura total é a excisão tangencial do
presença de área de entrada e saída da corrente levanta a tecido queimado e sua cobertura cutânea imediata. Há 2
suspeita dessas lesões. técnicas principais: uma excisão sequencial de uma camada
fina de todos os tecidos inviáveis até atingir uma camada de
tecidos viáveis; ou a ressecção de todo o tecido até encon-
5. Tratamentos específicos trar a fáscia muscular, para posterior enxertia. A enxertia de
pele pode ser de espessura total ou parcial, ou por meio de
A - Antibióticos lâmina ou em malha (mesh graft).
Com a melhora do atendimento inicial dos pacientes
grandes queimados, a principal causa de morte atualmente C - Nutrição
é o risco de infecção. As escaras das queimaduras de 3º grau O grande queimado apresenta uma resposta hipermeta-
provocam um risco aumentado para o desenvolvimento de bólica e por isso tem grande gasto energético. Esta situação
infecção. O tratamento ideal para esses casos é a ressecção persiste enquanto as feridas permanecerem abertas. Por
precoce das escaras e cobertura cutânea com enxertos de isso, o suporte nutricional deve ser iniciado em todo grande
pele, com redução do risco de sepse. Entretanto, nos gran- queimado o mais precocemente possível, preferencialmen-
des queimados, a falta de áreas doadoras limita a possibili- te por via enteral, por ter menor incidência de complica-
dade de desbridamento ao máximo de 20% de SCQ. Nestes ções, manter o trofismo intestinal e diminuir a translocação
casos, recomenda-se o uso de microbianos tópicos para bacteriana.
reduzir o risco de crescimento bacteriano e consequente A ingesta proteica recomendada é de 2,5 a 3g/kg/dia.
invasão da corrente sanguínea (Tabela 4). Para o cálculo da quantidade de calorias que deve ser for-
necida, utilizamos a fórmula de Curreri e Luterman (1978)
Tabela 4 - Antimicrobianos tópicos mais comuns e suas vantagens
= adultos: (25Kcal x P) + (40Kcal x %SCQ); e crianças: (40 a
e desvantagens
60Kcal) x P.
Vantagens Desvantagens
Como cerca de 20% dos pacientes desenvolvem íleo
- Indolor; paralítico nas primeiras 24 horas, deve ser passada sonda
- Visibilidade da
Silvadene
ferida;
nasogástrica. As úlceras gástricas pelo estresse, também
(sulfadiazina - Neutropenia. chamadas úlceras de Curling, são comuns nos pacientes
- Fácil uso (1 a 2x/d);
de prata)
- Mantém queimados. Por isso, sempre se deve realizar profilaxia com
mobilidade. protetor gástrico.
- Boa penetração na
escara;
- Visibilidade da
- Doloroso; 6. Tipos específicos de queimaduras
Sulfamylon - Droga de 2ª escolha;
ferida;
(acetato de - Hipocalemia;
- Não resistência
mafenida)
bacteriana;
- Inibição da anidrase A - Queimadura elétrica
carbônica pulmonar.
- Mantém Existem as lesões de baixa voltagem (<1.000V) e as de
mobilidade.
alta voltagem (>1.000V). Estas provocam destruição mais
57
CI RUR G I A D O TRAU M A
importante de tecidos. A queimadura elétrica verdadeira é - 3º grau >5% SCQ em qualquer idade;
aquela que apresenta porta de entrada e de saída da cor- - Queimaduras elétricas;
rente, e a lesão profunda é causada pela passagem da mes-
- Lesão inalatória;
ma. A lesão é proporcional à resistência do tecido, sendo
osso >músculo >nervo e vasos. - Queimadura circunferencial;
Outro tipo de situação é aquela chamada flash burn, em - Queimadura em pacientes com doenças associadas;
que não existe realmente a passagem de corrente pelo or- - Qualquer queimadura associada a trauma;
ganismo. Na verdade, ocorre uma explosão, e a queimadura - Hospitais sem condições ou pessoal especializado.
é causada por fogo. Não existe porta de entrada ou de saída
da lesão, e as feridas são mais simples e menos profundas.
É essencial a investigação completa do trauma, porque cos-
8. Resumo
tuma estar associado a explosões com risco de fraturas e Quadro-resumo
traumas abdominais. - O atendimento ao doente vítima de queimadura segue a
A lesão cardíaca é extremamente rara, com arritmias mesma padronização proposta pelo ATLS®;
transitórias. A monitoração cardíaca deve ser instituída nas - A indicação de via aérea definitiva deve ser precoce;
primeiras 24 a 48 horas. Ocorre lesão renal com a destrui-
- A reposição volêmica deve ser agressiva. A fórmula mais
ção de tecido muscular, havendo liberação de mioglobina utilizada é a proposta por Parkland, que repõe de 2 a 4mL/kg,
e a sua excreção renal (mioglobinúria). Esse pigmento gera por SCQ nas primeiras 24 horas;
nefrotoxicidade e risco de insuficiência renal. Para evitar tal - O socorrista deve ter em mente as situações que exigirão
quadro em traumas elétricos deve-se realizar uma hiper- tratamento em centro especializado.
-hidratação com 7mL/kg/%SCQ de cristaloide em 24h, al-
calinização da urina e estímulo de uma diurese osmótica
com manitol, para facilitar a eliminação de pigmentos de
mioglobina.
Também ocorre intenso dano muscular, com liberação
de mioglobina e edema muscular. Esse edema pode aumen-
tar a pressão dentro da fáscia, com risco de desenvolver sín-
drome compartimental. Assim, em toda queimadura elétri-
ca deve-se monitorar a circulação periférica nos membros.
Em caso de aumento, deve-se realizar a fasciotomia.
B - Queimaduras químicas
Geralmente, são mais profundas do que parecem. Po-
dem ser causadas por ácidos, álcalis, fenol ou fósforo. Em
geral, o tratamento principal deve ser a diluição com água
ou soro fisiológico. As queimaduras por ácidos são doloro-
sas, com ulcerações e lesões por necrose. Já as queimadu-
ras por álcalis são mais comuns no cotidiano, sendo mais
profundas que as provocadas por ácidos. Ocorre necrose de
liquefação e de coagulação.
58
CAPÍTULO
11
Lesões cervicais
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais músculo platisma, são as mais comuns e podem ser causa-
das por projéteis de arma de fogo, arma branca e objetos
- Divisão anatômica do pescoço; pontiagudos. Resultam, frequentemente, em lesões vascu-
- Avaliação inicial no trauma cervical; lares, nervosas ou de estruturas esqueléticas do pescoço. O
- Indicações de cervicotomia x possibilidade de trata- trauma fechado, geralmente, apresenta lesões associadas
mento conservador. extracervicais, particularmente lesões maxilofaciais, da ca-
beça e do tórax.
1. Introdução
A região cervical caracteriza-se pela concentração de es-
truturas vitais representativas de diversos sistemas diferen-
tes em uma área limitada. Estão presentes os sistemas car-
diovascular (artérias subclávia, carótida e vertebral, veias
jugulares e subclávias), respiratório (traqueia e laringe), di-
gestivo (faringe e esôfago), endócrino (tireoide) e nervoso
central (medula).
As lesões apresentam mortalidade de 7 a 18% quando
tratadas. O trauma cervical pode ser fechado ou penetrante
(Figura 1). As lesões penetrantes, aquelas que atravessam o Figura 1 - Ferimento cervical
59
CI RUR G I A D O TRAU M A
60
LESÕES CERVICAIS
Tabela 1 - Sinais e sintomas de lesões específicas na região cervical A - Tratamento não operatório
- Estridor;
A condução não operatória das lesões cervicais depen-
- Enfisema subcutâneo; de de alguns pré-requisitos. O doente deve estar estável do
Lesão de via aérea
CIRURGIA DO TRAUMA
- Disfagia; ponto de vista respiratório e hemodinâmico. Outro ponto
e digestiva superior
- Hemoptise ou hematêmese; importante é a disponibilidade de recursos diagnósticos no
- Epistaxe. serviço. Caso esses critérios não sejam estabelecidos, indi-
- Sangramento ativo; ca-se a cervicotomia.
- Hematoma expansivo ou pulsátil; Os exames realizados devem abranger os 3 principais
componentes anatômicos do pescoço, ou seja, os sistemas
- Sopro;
Lesão vascular
cardiovascular, respiratório e digestivo. Dessa maneira, a in-
- Ausência de pulso carotídeo, temporal vestigação deve incluir:
ou oftálmico;
- Hemiplegia, hemiparesia, afasia, cegueira Tabela 2 - Investigação para tratamento conservador
monocular hemisférica.
- Raio x de coluna cervical anteroposterior e lateral, incluindo as
- Desvio da língua; 7 vértebras cervicais, a base do crânio e a 1ª torácica;
- Déficit sensorial; - Angiografia dos sistemas carotídeo e vertebral. É o padrão-
Lesão neurológica
- Queda do canto da boca; ouro na lesão vascular, apesar de ser possível a utilização da
- Síndrome de Horner. ultrassonografia com Doppler ou da TC helicoidal multislice;
- Endoscopia digestiva alta rígida ou flexível e/ou esofagograma:
a sensibilidade do esofagograma é de 70 a 80%; a probabilidade
4. Tratamento de diagnóstico de lesão esofágica aumenta quando associado à
Há 2 condutas aceitas no tratamento dos ferimentos esofagoscopia;
cervicais (Figura 5). A 1ª opção é o tratamento cirúrgico - Laringoscopia e broncoscopia: para exclusão de lesão da laringe
mandatório para todas as lesões que violam o platisma. A e traqueia. A TC também pode avaliar lesão laríngea.
porcentagem de exploração negativa varia de 35 a 67%. As O trauma contuso é mais raro. A avaliação das lesões
vantagens são baixa incidência de lesões despercebidas e vasculares nesse caso começa com a realização de ultras-
morbimortalidade relativamente baixa. sonografia com Doppler, complementada, posteriormente,
A 2ª opção é a exploração seletiva. Nesse caso, quando com arteriografia, se necessário. Pode ocorrer lesão da
não estão presentes os fatores que indicam cervicotomia íntima com trombose de carótidas. A lesão raquimedular
imediata, o doente é submetido a uma série de exames, que deve ser avaliada com parâmetros clínicos e radiografia de
podem reduzir a taxa de exploração negativa em 10 a 20%. coluna cervical. A tomografia pode ser útil para as lesões de
laringe, principalmente nas tentativas de estrangulamento.
A lesão esofágica no trauma contuso é muito rara, e, geral-
mente, o diagnóstico é clínico.
Algumas lesões traqueais podem ser tratadas conserva-
doramente, desde que sejam menores que 1/3 da circun-
ferência da traqueia ou cartilaginosas. Também podem ser
tratadas conservadoramente lesões isoladas em doentes
oligossintomáticos.
B - Tratamento cirúrgico
Além das contraindicações para o tratamento não ope-
ratório, são indicações de cervicotomia exploradora a ins-
tabilidade hemodinâmica não responsiva, o hematoma em
expansão, a hemorragia externa profusa, a obstrução das
vias aéreas, a piora dos sinais neurológicos e o enfisema de
subcutâneo rapidamente progressivo.
a) Vias de acesso
A exploração do pescoço é feita por meio de incisão na
borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, esten-
dendo-se desde o ângulo da mandíbula até a junção ester-
noclavicular. Para melhor exposição da zona III, é possível
Figura 5 - Conduta no trauma cervical deslocar a mandíbula anteriormente. Um prolongamento
61
CI RUR G I A D O TRAU M A
62
LESÕES CERVICAIS
CIRURGIA DO TRAUMA
- O atendimento ao doente com lesão cervical deve seguir as
A lesão carótida pode acontecer no trauma contuso, prioridades do ATLS®;
sendo, em 90% dos casos, lesão da artéria carótida interna. - A via aérea definitiva deve ser precoce na presença de lesões
Metade dos doentes permanece assintomática. suspeitas como hematomas expansivos ou sangramentos;
- O tratamento não operatório só pode ser indicado a doentes
estáveis hemodinamicamente em centros com todos os
recursos diagnósticos necessários;
- Ferimentos na zona I podem necessitar de acesso combinado
com toracotomias. Ferimentos na zona III, na presença de lesão
vascular, devem ser tratados com arteriografia seletiva.
63
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
12
Trauma vascular
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
64
TRAUMA VASCULAR
cam lesão da íntima, hematoma de parede ou compressão A ligadura pode ser realizada em todas as periféricas e
externa. Pode ocorrer extravasamento de contraste nas na maioria das veias do tronco. Pequenas artérias periféri-
lesões maiores, além de enchimento venoso precoce nas cas abaixo do joelho e do cotovelo podem ser ligadas, além
fístulas arteriovenosas. de outras maiores, como a artéria carótida externa e a ar-
CIRURGIA DO TRAUMA
Na indisponibilidade do meio, ou a pacientes instáveis téria ilíaca interna.
hemodinamicamente, indica-se a cirurgia. Algumas lesões Os shunts intraluminais temporários são utilizados para
com indicação cirúrgica sem a necessidade de exames são manter a perfusão distal à artéria lesada e estão indicados
os sangramentos maciços, hematomas pulsáteis ou expan- quando o doente necessita de transferência para um cen-
sivos, sintomas isquêmicos ou indicação de cirurgia de ur- tro de trauma, em cirurgias combinadas ou na cirurgia de
gência por outras lesões. controle de danos. O tempo de patência dos shunts sem
Do ponto de vista técnico, o controle do sangramento é anticoagulação é de, pelo menos, 6 horas.
o princípio mais importante. O objetivo é prevenir a isque- Indica-se fasciotomia aos casos de síndrome comparti-
mia com um reparo rápido. O diagnóstico preciso é mais mental, para prevenir lesões nervosas ou isquêmicas irre-
importante para prevenir complicações tardias, como pseu- versíveis. Pode ser necessária em decorrência do atraso do
doaneurisma e fístulas arteriovenosas. reparo vascular e da intensidade do edema. É importante
Os princípios cirúrgicos baseiam-se em controle e expo- ressaltar que o 1º sintoma da síndrome compartimental é a
sição. Inicialmente, é feito um controle proximal e distal, e dor, e não a ausência de pulso.
só posteriormente é acessado o sítio da lesão. As pequenas
lacerações ou ferimentos puntiformes podem ser tratados
com sutura da parede do vaso (Figura 1A). Se a sutura de-
termina estenose, é feita uma angioplastia.
Quando houver destruição maior da parede, poderá ser
feita ressecção com anastomose terminoterminal. Ressecção
com interposição de enxerto é mais usada em decorrência
de lesões maiores causadas por projéteis de arma de fogo. O
enxerto com veia safena invertida do membro não envolvido
é a melhor escolha para a maioria dos traumas periféricos
(Figura 1B). Se não houver essa possibilidade, poderão ser
utilizados enxertos sintéticos de PTFE ou dácron.
A - Cervicais
A oclusão completa da artéria carótida extracraniana
pode levar à hemiplegia aguda, afasia e outros sintomas em
20 a 50% dos doentes, dependendo do polígono de Willis,
do nível de oclusão da carótida (comum ou interna) e da
pressão sanguínea.
Figura 1 - Manejo do trauma vascular: (A) sutura direta do vaso A carótida comum ou interna deve ser sempre reparada,
com ponto contínuo de fio absorvível e (B) reparo arterial e inter- enquanto a carótida externa pode ser ligada. A veia jugular
posição de enxerto de safena para reparo venoso externa geralmente é ligada quando lesada, e a veia jugular
65
CI RUR G I A D O TRAU M A
interna tem, como conduta preferencial, a sutura lateral; da cava retro-hepática. Outro grupo importante de lesões
porém, quando a lesão é extensa, pode ser ligada. Frequen- são os hematomas de retroperitônio (Tabela 2).
temente, os pacientes evoluirão com edema de face, princi-
palmente nas lesões bilaterais. Tabela 2 - Conduta nos hematomas retroperitoneais
Zona Limites anatômicos Conduta
B - Torácicas Sempre devem ser explorados
Central: compreende
São lesões graves e de mortalidade extremamente ele- cirurgicamente (manobra de
I pâncreas, aorta e
vada. Apenas 10% dos pacientes chegam com vida ao hos- Kocher e acesso pela abertura
cava abdominal
pital. A lesão da aorta torácica é a mais comum, e o princi- do ligamento gastroepiploico)
pal mecanismo de trauma que ocasiona as lesões torácicas Laterais direita
é a desaceleração vertical ou horizontal. A localização mais e esquerda; Devem ser explorados os
comum é o ligamento arterial (ligamento de Botallo), por compreende os hematomas expansivos ou
II
rins, baço e porções pulsáteis (manobra de Catel e
ser o ponto mais fixo do arco aórtico. A 2ª lesão mais co-
retroperitoneais Mattox)
mum é de veia inominada. do cólon
O diagnóstico torna-se suspeito com a radiografia de tó-
Não devem ser abordadas
rax na avaliação inicial (Figura 3A). Na presença de alterações
cirurgicamente. Lesões dessa
radiográficas e nos doentes estáveis hemodinamicamente, é III Pelve região devem ser conduzidas
possível realizar exames complementares para a confirmação com arteriografias diagnóstica
diagnóstica. A arteriografia ainda é considerada padrão-ouro e terapêutica
(Figura 3B), mas, com as melhores máquinas de Tomografia
Computadorizada (TC), diversos centros estão adotando a TC
helicoidal multislice na avaliação dessas lesões.
66
TRAUMA VASCULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 6 - Manobra de Catell: tração do duodeno e do pâncreas
com exposição da aorta
D - Extremidades
Podem ocorrer em traumas penetrantes ou contusos.
É bem estabelecida a relação entre luxação posterior do
joelho com lesão de artéria poplítea (Figura 8). As le-
sões de membros devem ser avaliadas de forma multi-
disciplinar por cirurgiões geral, vascular e ortopedista. A
principal preocupação nesses casos é a preservação do
membro, o que nem sempre é possível, principalmente
na presença de fraturas e de lesões de partes moles as-
sociadas.
Aos doentes estáveis hemodinamicamente, indica-se a
arteriografia com embolização seletiva. Caso a cirurgia seja
necessária, o tratamento pode ser feito com rafia primária,
derivações ou colocação de próteses, dependendo da ex-
Figura 5 - Manobra de Kocher: rotação medial do duodeno para tensão da lesão e das condições clínicas do doente no in-
liberação deste órgão do retroperitônio traoperatório.
67
CI RUR G I A D O TRAU M A
Figura 8 - Aneurisma de poplítea: (A) apresentação clínica; (B) confirmação por tomografia computadorizada com contraste; (C) achado
operatório e (D) retirada do aneurisma com colocação de prótese sintética
E - Complicações pós-operatórias
Podem ser divididas em precoces (sangramento, trombose e infecção) e tardias (pseudoaneurisma, fístula arterioveno-
sa e trombose). As ligaduras venosas podem evoluir com edema da região a montante, que tendem a regredir com o tempo.
O tratamento pode variar de acordo com a gravidade do caso e dos recursos da instituição.
6. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com lesões vasculares deve seguir a padronização do ATLS®;
- Sempre que possível, a arteriografia deve ser realizada. Além de diagnóstica, pode ser terapêutica, com a vantagem de ser minimamente
invasiva;
- A avaliação deve ser multidisciplinar na conduta terapêutica e no tratamento das complicações.
68
CAPÍTULO
13
Avaliação inicial do trauma de face
André Oliveira Paggiaro / Eduardo Bertolli
2. Avaliação inicial
O atendimento segue a padronização do ATLS®. Muitas
vezes, a via aérea pode estar comprometida por sangra-
mento, corpos estranhos ou fraturas. A intubação traqueal
pode ser difícil nesses casos, e por vezes a via aérea definiti-
va só é obtida por meio de cricotireoidostomia. A proteção
à coluna cervical é indispensável aos pacientes, pelo risco Figura 1 - Radiografias de face: (A) PA axial; (B) perfil axial; (C)
de lesão associada. submento-vértice; (D) AP axial da mandíbula; (E) parietoacantal e
A avaliação da face também pode sugerir lesões neu- (F) panorâmica de mandíbula
rológicas. Equimose periorbital, equimose do mastoide e
saída de sangue ou liquor pelo ouvido indicam trauma de A realização dessas radiografias exige radiologistas habi-
base de crânio. Lesões de grande impacto, com exposição tuados, e elas podem ser de difícil interpretação. O exame
ou crepitação da calota craniana devem, obrigatoriamente, considerado padrão-ouro na avaliação do trauma de face é
ser avaliadas por neurocirurgião. a Tomografia Computadorizada (TC) em incidência coronal
Durante o exame secundário, toda a face e o couro ca- e axial (Figura 2). Sempre que possível, a reconstrução tri-
beludo devem ser examinados, à procura de lesões de par- dimensional deve ser realizada, principalmente no planeja-
tes moles, fraturas e lesões combinadas. Sempre que pos- mento terapêutico das fraturas faciais.
sível, o cirurgião plástico deve avaliar os pacientes após a É importante ressaltar que a TC só deve ser realizada em
estabilização respiratória e hemodinâmica. doentes estáveis hemodinamicamente e não deve retardar
69
CI RUR G I A D O TRAU M A
70
CAPÍTULO
14
Trauma da transição toracoabdominal
Eduardo Bertolli
71
CI RUR G I A D O TRAU M A
5. Condutas
A conduta a ser seguida dependerá principalmente da
estabilidade do paciente e do mecanismo de trauma. Pa-
cientes estáveis do ponto de vista respiratório e hemodi-
nâmico permitem a realização de exames complementares
antes que se decida pela necessidade ou não de cirurgia.
Já nos pacientes instáveis e com trauma penetrante, está
indicada cirurgia, que pode ser por via torácica, abdominal
ou combinada.
72
TRAUMA DA TRANSIÇÃO TORACOABDOMINAL
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 4 - Trauma transfixante do mediastino e da transição toracoabdominal, com paciente estável durante toda a avaliação inicial: (A)
raio x de tórax evidenciando orifício de entrada à esquerda e projétil alojado no hipocôndrio direito; (B) TC de tórax evidenciando hemope-
ricárdio, contusão pulmonar e hemotórax esquerdo; (C) TC de abdome com líquido livre peri-hepático; e (D) achado de lesão do ventrículo
direito. O paciente foi submetido à esternotomia com laparotomia exploradora que também evidenciou lesão hepática. Recebeu alta
hospitalar no 5º dia de pós-operatório (Bertolli et al., Anais do Congresso da SBAIT, 2006; Revista MedAtual nº 1, 2010)
Exames como broncoscopia, endoscopia digestiva alta Lesões complexas, como lesão da veia cava retro-hepá-
e arteriografia podem ser realizados de acordo com o caso. tica, podem necessitar de acesso combinado por toracofre-
Na indisponibilidade desses recursos diagnósticos, ou caso nolaparotomia. Na suspeita de lesão cardíaca, é possível
o doente evolua com instabilidade hemodinâmica, indica- realizar a janela pericárdica transdiafragmática. Caso haja
-se a cirurgia conforme será discutido a seguir. confirmação do achado de lesão cardíaca, é possível combi-
nar uma toracotomia esquerda ou esternotomia mediana.
B - Paciente instável hemodinamicamente
Mesmo no paciente instável hemodinamicamente, o 6. Resumo
raio x de tórax pode ser realizado na sala de emergência. Na
presença de achados torácicos, realiza-se a drenagem pleu- Quadro-resumo
ral. Na saída de mais de 1.500mL de sangue, está indicada - Define-se TTA a região localizada anteriormente no 4º espaço
a toracotomia. Caso o tórax não apresente nenhuma lesão intercostal, lateralmente no 6º espaço intercostal e, posterior-
mente, no rebordo costal;
aparente, e persistindo o choque, está indicada a laparoto-
mia exploradora. - O atendimento dos pacientes segue as prioridades do ATLS®;
O achado de hérnia diafragmática pode ser tratado tan- - No doente estável hemodinamicamente, é possível realizar exa-
to por via abdominal quanto por via torácica. Entretanto, mes complementares, além de toracoscopia e laparoscopia. Ao
a maioria dos serviços acaba realizando a correção por la- doente instável, indica-se a cirurgia de acordo com o principal
parotomia, eventualmente com toracoscopia associada ou sítio lesado.
simplesmente com a drenagem torácica após a redução da
hérnia.
73
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
15
Trauma na gestante
Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
1. Introdução
Qualquer mulher em idade fértil pode estar grávida. A
gravidez causa mudanças anatômicas e funcionais que de-
vem ser consideradas no atendimento à gestante politrau-
matizada. Além disso, o socorrista deve se lembrar que está
diante de 2 vítimas: a mãe e o feto. O melhor tratamento
inicial para o feto é a adoção das medidas adequadas de
reanimação para a mãe. Uma abordagem multidisciplinar é
fundamental para obtenção de bons resultados.
74
T R A U M A N A G E S TA N T E
CIRURGIA DO TRAUMA
manutenção do hematócrito; - Alteração na interpretação de dados hemodinâmicos no
Hemodinâmico - Aumento do DC e FC, e queda da PA; diagnóstico de choque;
- Compressão da veia cava pelo útero - Pode ocorrer diminuição do retorno venoso que mimetiza
gravídico. choque hipovolêmico.
- Aumento do volume/minuto e diminuição do
Respiratório - Maior consumo de oxigênio.
volume residual pulmonar.
- Retardo no esvaziamento gástrico e êmese
Gastrintestinal - Maior risco de vômitos e aspiração.
gravídica.
- Aumento FG e fluxo plasmático renal; a
Urinário
glicosúria é comum.
-
- Aumento da hipófise, podendo levar à
Endócrino
necrose anterior e insuficiência hipofisária.
-
- Alargamento da sínfise púbica;
- Interpretação de imagens no trauma pélvico;
Musculoesquelético - Embebição das articulações pélvicas e
- Maior gravidade do sangramento nas lesões da bacia.
hipertensão do sistema venoso pélvico.
- Eclâmpsia (convulsões, hipertensão, hiper-
Neurológico - Diagnóstico diferencial com TCE.
reflexia e proteinúria).
75
CI RUR G I A D O TRAU M A
B - Avaliação fetal
As principais causas de morte fetal são o choque ma-
terno e a morte da mãe. A 2ª causa é o descolamento de
placenta, que pode ser sugerido por sangramento vaginal,
dor à palpação uterina, contrações frequentes, tetania ou
irritação uterina. A ruptura uterina é uma lesão rara.
A monitorização contínua dos batimentos cardíacos fe-
tais deve ser feita após 20 a 24 semanas. O obstetra deve
ser envolvido precocemente e conduzir o caso em conjunto
com a equipe do serviço de emergência.
A internação é obrigatória quando há sangramento va-
ginal, irritabilidade uterina, dor abdominal, evidência de hi-
povolemia ou sinais de sofrimento fetal. O feto pode correr
risco mesmo em traumatismos maternos aparentemente
leves.
C - Tratamento definitivo
O obstetra deve ser consultado diante de problemas
específicos, como descolamento placentário e embolia am-
niótica, pela possibilidade de a paciente necessitar de uma
evacuação uterina.
Quando a mãe for Rh negativo, haverá o risco de isoimu-
nização, sendo necessária a terapêutica com imunoglobuli-
na Rh nas primeiras 72 horas após o trauma. Somente ges-
tantes Rh negativo com lesões isoladas em extremidades
não necessitarão de imunoglobulina.
São poucas as evidências na literatura que apoiam a
cesariana post mortem em gestantes que sofrem parada
cardíaca por hipovolemia. É possível obter algum resultado
caso a parada aconteça por outra causa e a cesariana possa
ser realizada em até 5 minutos após o ocorrido.
5. Resumo
Quadro-resumo
- O melhor tratamento para o feto é o tratamento adequado da
mãe;
- O choque deve ser tratado agressivamente, mesmo que os
sintomas sejam pouco evidentes;
- O obstetra deve ser envolvido precocemente;
- Questões como compressão uterina e isoimunização devem ser
sempre lembradas.
76
cirurgia do trauma – cirurgia plástica – ortopedia
volume 3
cirurgia do trauma
cirurgia plástica
ortopedia
CIRURGIA PLÁSTICA
1
Cicatrização
José Américo Bacchi Hora / André Oliveira Paggiaro / Eduardo Bertolli / Fábio Del Claro
Pontos essenciais será criada uma nova estrutura (a cicatriz), cujas caracterís-
ticas finais, principalmente estéticas, nem sempre são pre-
- Anatomia da pele; visíveis, dependendo de fatores como quantidade e profun-
- Fases da cicatrização; didade do tecido lesado, localização, grau de pigmentação
- Tipos de fechamento; cutânea e tratamento à ferida.
- Fatores que influenciam a cicatrização; A cicatrização caracteriza-se por uma série complexa de
- Cicatrizes patológicas; fenômenos celulares e bioquímicos desencadeados a partir
- Fios de sutura. de uma lesão na pele. Esses processos são inter-relaciona-
dos e muitas vezes ocorrem em paralelo, mantendo-se du-
1. Introdução rante meses, mesmo após a integridade cutânea estar res-
A agressão a um tecido desencadeia uma cascata de re- tabelecida. Entretanto, para fins descritivos, a cicatrização é
ações celulares e bioquímicas que levam à sua cura, sendo dividida em fases: a fase de hemostasia e inflamação, a fase
esse processo de reparação tecidual de grande importância proliferativa e a de remodelação.
para a sobrevivência de todos os seres vivos. Dependendo
da lesão, a resolução de uma ferida pode ocorrer pela sim- 2. Anatomia da pele
ples regeneração tecidual até a resolução com a formação
de uma cicatriz. A pele é constituída por uma porção epitelial de origem
A compreensão do conceito de resolução da ferida é ectodérmica – a epiderme – e uma porção conjuntiva de
fundamental para qualquer profissional de saúde que pre- origem mesodérmica – a derme – unidas pela membrana
tenda tratar pacientes com ferimentos agudos ou crônicos. basal (CMB) ou junção dermoepidérmica (Figura 1).
A profundidade e a amplitude da lesão cutânea determina- A epiderme é constituída por melanócitos, células de
rão a intensidade da resposta que será necessária para que Langerhans e queratinócitos. Os melanócitos estão localiza-
a ferida se resolva, culminando ou não com a formação de dos na transição dermoepidérmica e produzem a melanina,
uma cicatriz. com função protetora contra os raios ultravioleta.
Em queimaduras de 1º grau, por exemplo, são destru-
As células de Langerhans são responsáveis por funções
ídas apenas algumas células da camada epidérmica, sem
imunológicas da pele. Os queratinócitos são as células mais
danos à camada dérmica. Nesse tipo de situação, bastam
numerosas da epiderme e formam um epitélio multiestrati-
simples proliferação e migração de queratinócitos da mem-
brana basal para a cura (regeneração). Em contrapartida, ficado pavimentoso que se renova constantemente a cada
em danos mais profundos envolvendo os componentes 20 ou 30 dias. Os queratinócitos, com potencial prolifera-
dérmicos, a restauração dependerá não apenas do proces- tivo, estão distribuídos na camada basal e multiplicam-se,
so de regeneração epitelial, mas também da reorganização permitindo a renovação fisiológica do epitélio e a reepiteli-
da derme e da contração do leito da ferida. Nesse processo, zação de áreas cruentas.
77
CI RUR G I A P LÁ STI CA
Fibrina
78
C I C AT R I Z A Ç Ã O
fago libera fatores de crescimento, como interleucina I, aumentam a permeabilidade capilar; na fibroplasia:
fator transformador alfa e beta, fatores de crescimento de estimulam a migração e proliferação de fibroblastos;
fibroblastos (FGF), entre outros, essenciais à iniciação e à a interação de prostaglandinas, tromboxanos e ma-
propagação da deposição de tecido conjuntivo neoforma- crófagos é responsável pela proliferação endotelial.
do, que deverá se seguir. Por exemplo, o fator transforma- A contração do tecido de granulação é mediada pelas
dor alfa e o fator de crescimento para fibroblastos básico prostaglandinas.
(bFGF), produzidos pelos macrófagos, estimulam a migra-
ção de queratinócitos, a produção de matriz pelos fibroblas- Sintetizando, inicialmente a solução de continuidade é
tos e a neoangiogênese pelas células endoteliais. preenchida por sangue coagulado, exsudato inflamatório e
A queda da população de neutrófilos acompanhada fibrina. Sobre este suporte, os fibroblastos e endotélio neo-
do predomínio da presença de macrófagos no local do fe- formado edificam o tecido de granulação.
rimento, o que geralmente acontece após as primeiras 72 Observação: fibrina em excesso impede a migração dos fibro-
horas da lesão, marca o fim do fenômeno da inflamação. No
CIRURGIA PLÁSTICA
blastos; para tanto, as células endoteliais produzem o fator ati-
entanto, a presença de bactérias, de corpos estranhos e de vador do plasminogênio, que diminui a quantidade de fibrina e
tecido desvitalizado no ferimento pode levar à ativação da possibilita a deposição e multiplicação dos fibroblastos.
via alternativa do complemento continuamente, gerando
mais C3a e C5a e perpetuando a fase inflamatória. B - Fase proliferativa
A diminuição da quantidade de macrófagos na ferida de-
Nesta fase, estimula-se a elaboração de substâncias
termina o final da fase inflamatória da cicatrização. Segue-
(mediadores químicos) que promovem o desenvolvimento
se então, no ferimento, uma intensa proliferação de células
do fenômeno inflamatório e que são:
epiteliais (reepitelização), de células endoteliais (neoangio-
- Histamina: resultante da descarboxilação da histidina gênese – neovascularização) e de fibroblastos (formação
nos mastócitos, granulócitos e plaquetas. Ação sobre a
de tecido de granulação – síntese da matriz celular), o que
permeabilidade capilar;
marca a chamada fase proliferativa.
- Serotonina: sintetizada a partir do triptofano; captada
e liberada pelas plaquetas e mastócitos. É mais poten- a) Deposição de matriz extracelular/formação de teci-
te que a histamina, ambas, porém, com ação efêmera do de granulação
(30 minutos) sobre a permeabilidade capilar; Quando os fibroblastos chegam ao ferimento (aproxi-
- Leucotaxina: polipeptídio resultante da degradação da madamente 4 dias depois), começam a depositar uma ma-
albumina. Tem ação duradoura sobre a permeabilida- triz extracelular provisória formada por fibronectina, per-
de capilar e substitui a histamina e serotonina; tam- mitindo a movimentação de células atraídas para o local.
bém é quimiotática para leucócitos; Aproximadamente 5 dias após a lesão, a matriz provisória
- Anafilotoxinas (C3a e C5a): fatores do complemento já estará povoada por tecido vascular em proliferação, fi-
ativado, com ação direta na parede dos vasos, aumen- broblastos e células inflamatórias, configurando o tecido
tando a permeabilidade vascular e também quimiotá- de granulação. É um tecido especializado, com o objetivo
tica para neutrófilos e monócitos; de debridar as áreas lesadas de fragmentos desvitaliza-
- Bradicinina: faz parte do sistema das cininas, que é de- dos, nutrir o novo tecido mesenquimal em crescimento e
sencadeado com a ativação do fator XII de Hageman. preencher o defeito tecidual existente (pela deposição de
Resulta da ação da calicreína sobre a alfa-2-globulina e colágeno), constituindo um substrato para a progressão do
tem ação sobre a permeabilidade capilar; epitélio neoformado.
- Linfocinas: produzidas pelos linfócitos, participam dos Os fibroblastos, as células endoteliais e os queratinóci-
aspectos imunológicos da cicatrização e também da tos secretam fatores de crescimento que continuam a es-
fibroplasia; timular a proliferação, a síntese de matriz extracelular e a
- Interleucina-1: peptídio sintetizado pelo complexo angiogênese. Mais adiante, a matriz extracelular adquirirá
monócito/macrófago. Estimula a produção de prosta- uma composição mais definitiva, sendo composta princi-
glandinas e de outras proteínas presentes no tecido de palmente por colágeno tipo III e, em menor proporção, por
granulação; mitogênica para os fibroblastos; ativa as glicosaminoglicanas e proteoglicanas.
colagenases; Esse fenômeno pode perdurar por várias semanas,
- Prostaglandinas e tromboxanos: após ação de fos- até que esteja restabelecida a continuidade do epitélio.
folipases sobre os fosfolípides da membrana, estes A prolongação da fase de granulação leva a uma maior
convertem-se em ácidos graxos insaturados, dentre deposição de colágeno. A presença de bactérias ou cor-
eles o ácido araquidônico. Este ácido sofre ação de ci- pos estranhos no ferimento mantém o recrutamento de
cloxigenase, formando as prostaglandinas e tromboxa- neutrófilos, resultando no prolongamento da inflamação,
nos. São os mediadores químicos mais importantes da com maior dano tecidual e subsequente maior formação
cicatrização, pois atuam nas 3 fases. Na inflamatória: de tecido fibroso.
79
CI RUR G I A P LÁ STI CA
b) Contração da ferida substituição do colágeno tipo III pelo tipo I na relação 4:1.
Após 2 semanas de lesão, o tecido de granulação já está Histologicamente, as fibras inicialmente desorganizadas
formado e pode-se observar que a área da ferida é redu- tornam-se mais espessas, formando fascículos e, eventual-
zida progressivamente. Esse fenômeno, representado pela mente, fibras compactas. Tal aumento no diâmetro da fibra
redução dos limites da ferida, é chamado de contração e é diretamente proporcional ao ganho de força tênsil.
ocorre gradualmente, com o intuito de diminuir a área a ser O processo da remodelação é dinâmico. Nele, a matura-
reepitelizada. A contração começa cerca de 4 a 5 dias após a ção da cicatriz ocorre durante meses ou anos. Estudos em
lesão inicial e atinge seu máximo em torno de 12 a 15 dias, feridas de ratos mostram que, por volta de 3 meses, ocorre
embora possa continuar a agir por períodos maiores, se a estabilização da resistência tênsil da cicatriz, mas esta só vai
ferida permanece aberta. atingir seu ponto máximo após 1 ano da lesão. Entretanto, a
Duas hipóteses tentam atualmente explicar o mecanis- resistência mecânica final do tecido cicatricial é equivalente
mo da contração das feridas. A 1ª afirma que são os mio- a apenas 80% da resistência da pele íntegra.
fibroblastos os responsáveis por esse fenômeno. Esse tipo a) Substância fundamental
especializado de célula é formado por fibroblastos que so-
Água + eletrólitos + glicosaminoglicanos (sintetizados
freram alterações fenotípicas e passaram a produzir prote-
pelos fibroblastos). A síntese é máxima 2 semanas após
ínas contráteis (actina e miosina). Os miofibroblastos cons-
a lesão. A função destes está envolvida com a produção,
tituem a maior população de células localizada no tecido
orientação e comprimento da fibra colágena. Os principais
de granulação maduro. Tais células podem ser encontradas
glicosaminoglicanos são: condroitina, sulfato 4-condroitina,
dispostas na área do ferimento, posicionadas ao longo das
sulfato 6-condroitina, sulfato de dermatan, sulfato de que-
linhas de contração, desde o 3º dia após a lesão inicial. Outra
ratina, sulfato de heparina e ácido hialurônico. Durante os
teoria afirma que a contração acontece pela remodelação
4 primeiros dias de formação do tecido de granulação, o
do colágeno, gerada por fibroblastos da derme. Estes origi-
principal componente é o ácido hialurônico, que mantém
nariam uma contração da ferida a partir da reorganização
a hidratação e promove a migração celular; nos estágios
espacial das fibrilas de colágeno em feixes mais espessos.
finais da cicatrização, é substituído pelos outros proteogli-
Estudos com biópsias seriadas de feridas que cicatrizam por
canos (PTG).
2ª intenção mostram que há contração da lesão semanas
Também faz parte da matriz extracelular (MEC) a fibro-
antes do surgimento de miofibroblastos no seu leito.
nectina, substância secretada pelos macrófagos, cuja ativi-
c) Reepitelização dade relaciona-se com fenômenos de aderência e migração
Pode-se identificar, nas bordas do ferimento, uma zona celulares. Verifica-se acúmulo de substância fundamental
marginal uniforme com tecido mais delicado, correspon- durante os cinco primeiros dias da cicatrização; a presença
dente ao novo epitélio que prolifera e avança em direção do colágeno começa a ser notada após o 6º dia, quando os
ao centro da ferida – a epitelização. Esse processo se inicia níveis de substância fundamental começam a declinar com
paralelamente à hemostasia e ocorre em razão da perda de rapidez.
inibição por contato das células epiteliais. Os queratinócitos b) Colágeno
da camada basal começam a proliferar e a migrar para o Molécula com 3.000Å de comprimento e 270.000 de
centro da lesão, com o objetivo de restabelecer a integrida- peso molecular.
de da epiderme. As fontes para a proliferação de queratinó- - Estrutura primária – protocolágeno: alternância de
citos são as células das bordas da lesão e as de dentro das 3 cadeias peptídicas (prolina-glicina-hidroxiprolina e
glândulas sebáceas e dos folículos pilosos. A completa epi- lisina-glicina-hidroxilisina). A glicina/prolina/lisina têm
telização da ferida inibe a formação de matriz extracelular e origem fora do fibroblasto, porém as hidroxilações e o
induz ao desaparecimento dos miofibroblastos. agrupamento se fazem no seu interior. Para tanto ne-
cessita de O2, vitamina C, íons ferrosos, cetoglutarato
C - Fase de maturação e remodelamento e radical sulfidrila;
Uma vez que a ferida esteja epitelizada, o colágeno pro- - Estrutura secundária – procolágeno: a molécula ante-
duzido durante a fase de deposição de matriz extracelular rior é excretada pelo fibroblasto e sofre clivagem nas
continua a ser remodelado em resposta às solicitações de extremidades (peptidase), daí agregam-se outras mo-
tensão sobre a pele reparada. Nos casos em que houve for- léculas e forma o procolágeno: 3 cadeias polipeptídicas
mação de cicatriz visível, diz-se que corresponde à fase de com 1.000 aminoácidos; são 2 cadeias alfa-1 e 1 alfa-2;
amadurecimento, em que o fenômeno se dá por processo - Estrutura terciária – tropocolágeno: aqui as cadeias
dinâmico e contínuo de produção e degradação de colágeno. alfa-1 e alfa-2 se unem em forma de hélice; inicialmen-
Durante esse processo, a resistência tênsil da área re- te esta união é à base de pontes de H2, que vão sendo
parada aumenta continuamente, apesar da redução da substituídas por ligações tipo aldeído e aldeído-amina,
síntese de colágeno. Esse ganho de força se deve à modi- as quais conferem maior insolubilidade e resistência
ficação estrutural desse novo colágeno depositado com a ao colágeno;
80
C I C AT R I Z A Ç Ã O
- Estrutura quaternária – fibra colágena: surge após po- tória prolongada, impedindo a reepitelização, a contração e
limerização do tropocolágeno; inicialmente filamen- a deposição de colágeno. Pode ser uma causa importante
tos, a seguir fibrilas, por fim, as fibras, cuja arquitetura para a cronificação das feridas.
é peculiar a cada tecido. Existem drogas que podem interferir na cicatrização. Os
corticoides têm efeito inibitório direto nos macrófagos, leu-
Treze tipos de colágeno já foram identificados; o colá-
cócitos e fibroblastos, diminuindo a reação inflamatória ao
geno tipo III é depositado na cicatriz após 2 dias da lesão,
trauma, resultando em diminuição da deposição do coláge-
posteriormente é substituído pelo tipo I, que é mais estável.
no, retardamento da epitelização, diminuição da contração
da ferida e aumento de infecção. Pacientes em uso crônico
4. Fatores que influenciam a cicatrização de corticoides têm avulsão da derme facilitada, resultando
A desnutrição é uma causa importante de falha no pro- em grandes feridas por mínimos traumas. A colchicina in-
cesso cicatricial. A hipoalbuminemia gera redução do pro- terfere na produção de colágeno e ativa a colagenase com
CIRURGIA PLÁSTICA
cesso de angiogênese e a proliferação de fibroblastos, re- maior degradação proteica. A d-penicilamina inibe a poli-
duzindo a síntese e a remodelação de colágeno. A albumina merização do colágeno.
e a prealbumina, com meia-vida de aproximadamente 20 e
3 dias respectivamente, são indicadoras do estado nutricio- 5. Tipos de cicatrização
nal, embora elas devam ser interpretadas com cautela em
pacientes com hepatopatia, sepse e estado inflamatório.
- Cura da ferida de espessura parcial: há lesão apenas
da epiderme e de uma parte superficial da derme.
A vitamina C é o cofator necessário para a hidroxila-
Exemplos deste tipo de ferimento são as áreas doado-
ção da prolina e lisina, durante a formação do colágeno.
ras de enxerto de pele de espessura parcial ou as áreas
Deficiências de zinco, cobre e ferro causam problemas cica-
que sofreram abrasão superficial. Nesse caso, a cura
triciais. A vitamina K é um cofator na cascata de coagulação,
acontece principalmente por reepitelização, e as prin-
sendo importante na fase inflamatória da cicatrização.
cipais estruturas doadoras de queratinócitos são as
A radiação tem efeitos deletérios na vascularização local,
células provenientes da borda da ferida ou dos pelos
atividade dos fibroblastos, níveis de fatores de crescimento
e glândulas sebáceas;
e população de stem cell mesenquimais. O exame micros-
cópico de tecidos irradiados revela trombose microvascular - Por 1ª intenção: quando as bordas da lesão são coap-
e vascularização anormal. Clinicamente, feridas irradiadas tadas logo após o seu surgimento, por exemplo, por
são associadas com lentidão da epitelização, diminuição meio de suturas (Figura 3). Neste caso, a produção de
da força tênsil e aumento das taxas de infecção e deiscên- colágeno pelos fibroblastos gera uma cicatriz resisten-
cia. Múltiplos agentes estão sendo investigados tanto para te, e a sua posterior remodelação por meio de meta-
profilaxia, como para tratamento de feridas induzidas por loproteinases geralmente culmina em uma cicatriz de
radiação, incluindo: oxigenoterapia hiperbárica, pentoxifili- linhas finas. A epitelização cobre a ferida, gerando uma
na e fatores de crescimento tópicos, embora nenhum seja barreira contra a atmosfera. Assim, um ferimento cica-
largamente utilizado. Um dos tratamentos é a excisão da trizado por 1ª intenção se vale muito mais dos proces-
pele e tecido subcutâneo irradiados e cobertura do defeito sos de deposição de tecido conjuntivo e epitelização
com um retalho bem vascularizado. Embora os dados sejam do que de contração;
ainda limitados, tem sido descrita melhora com enxerto au-
tólogo de gordura.
A quimioterapia também pode ter efeitos prejudiciais na
cicatrização. Múltiplos modelos animais têm demonstrado
diminuição da inflamação, função dos fibroblastos e quebra
da força da ferida em feridas submetidas à ação de vários
agentes quimioterápicos. Quando combinados com radia-
ção, esses efeitos podem ser cumulativos. Recomenda-se,
em geral, aguardar a quimioterapia, antes de começar a re-
alização de reconstruções complexas.
O diabetes mellitus também influencia a cicatrização. A
hiperglicemia crônica é responsável por alterações no me-
canismo cicatricial. O tecido de granulação é pobre em ma-
crófagos, com menor crescimento de fibroblastos, menos Figura 3 - Cicatrização por 1ª intenção com sutura da área aco-
deposição de matriz e alterações da angiogênese. metida
O oxigênio é essencial para o metabolismo celular e
para a atividade enzimática, portanto é fundamental para - Por 2ª intenção: quando a ferida de espessura to-
o processo cicatricial. A ferida infectada tem a fase inflama- tal da pele é deixada a fechar-se sem coaptação das
81
CI RUR G I A P LÁ STI CA
bordas. A cicatrização acontece principalmente por As cicatrizes hipertróficas são mais frequentes que os
contração e deposição de colágeno, ao invés de re- queloides. São elevadas, tensas, dolorosas, pruriginosas e
epitelização; avermelhadas. Não ultrapassam as bordas da lesão inicial e
- Por 3ª intenção (ou 1ª intenção retardada): quando tendem a regredir. Em geral, ligadas à tensão envolvida no
uma lesão contaminada ou cuja extensão ainda está fechamento da ferida. Costumam melhorar com o uso de
mal delimitada é deixada aberta e, após um período de malhas compressivas, placas de silicone e injeção de corti-
tratamento, é suturada (Figura 4). No período em que coide intralesional.
a pele e o subcutâneo não estão coaptados, ocorre o Os queloides são mais raros, não respeitam as margens
debridamento, realizado por mecanismos de fagocito- da ferida e formam verdadeiras massas tumorosas de tecido
se e intervenções cirúrgicas. Após um período de 3 a 4 fibroso. São extremamente dolorosas e pruriginosas e pare-
dias, inicia-se a neoangiogênese, momento no qual se cem ter relação com fatores de predisposição genética, sen-
pode suturar o ferimento. Neste caso, não ocorre alte- do mais comuns nas raças negra e oriental. Não costumam
ração na metabolização do colágeno, e a cicatrização é regredir espontaneamente. O tratamento é bastante com-
semelhante à de 1ª intenção. plicado, envolvendo métodos compressivos, injeção de cor-
Em todos esses tipos de tratamento, os mesmos mecanis- ticoide, betaterapia e ressecção intralesional dos queloides.
mos de cicatrização (deposição de matriz extracelular, reepi-
telização, contração da ferida) estão envolvidos, porém com
maior ou menor intensidade, dependendo da profundidade
da lesão e do tipo de tratamento a ser adotado.
7. Cicatrização excessiva
A - Definição
O queloide afeta somente o Homo sapiens e não está li-
mitado à pele. É tecido cicatricial espesso de pele e córnea,
que ultrapassa os limites da ferida original e invade a pele e
córnea normal adjacente; é consequência de desequilíbrio
entre síntese e degradação, ocasionando deposição exces-
siva de colágeno por longo período de tempo.
B - Epidemiologia
Figura 4 - Evolução de uma ferida com cicatrização por 3ª intenção a) Fatores pessoais
(ou 1ª intenção tardia)
Ocorre em todas as raças, porém negros e asiáticos são
mais suscetíveis. Autores sugerem alteração no metabolis-
mo do MSH, baseados no fato de que o queloide ocorre em
6. Cicatrizes patológicas partes do corpo com maior concentração de melanócitos e
Falhas na remodelação da cicatrização, causadas por de- é raro nas palmas e solas, onde a concentração é mínima.
sequilíbrio entre a síntese e a degradação do colágeno, bem Parece ter caráter familiar, porém o modo de herança ain-
como em sua organização espacial, resultam em cicatrizes da é incerto; acredita-se que seja autossômica dominante.
exuberantes, chamadas cicatrizes hipertróficas e queloides Peles mais jovens possuem maior tensão, enquanto que
(Figura 5). a pele idosa possui menos elasticidade e mais flacidez; pois
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C I C AT R I Z A Ç Ã O
a taxa de síntese de colágeno é maior em indivíduos jovens. Tabela 2 - Queloide X cicatriz hipertrófica
Assim, as crianças manifestam grande incidência, inclusive Queloide (K) Cicatriz Hipertrófica (CH)
em áreas onde não são comuns no adulto; idosos não for- - Feixes colágenos maiores e - Feixes colágenos menores,
mam queloide, o que também pode estar ligado a fatores irregulares; achatados e esparsos;
hormonais. - Menor distância interfibrilar; - Maior distância interfibrilar;
b) Suscetibilidade regional - Orientação ao acaso; - Paralela à superfície epitelial;
A tendência regional ao queloide varia de uma região - Maior quantidade de matriz
- Matriz mucoide escassa.
para outra no mesmo indivíduo, mas é semelhante nas mucoide.
mesmas regiões dos diversos indivíduos.
- Máxima: regiões pré-esternal e dorsal; D - Imunologia
- Acentuada: pavilhão auricular, tórax deltoide e abdo- Parece haver uma resposta imune localizada envolvida
me; na patogênese do queloide, tipo reação de hipersensibilida-
CIRURGIA PLÁSTICA
- Média: mastoide, barba, região cervical, axila, regiões de a antígenos cutâneos. Outros autores descreveram uma
pubiana e inguinal; resposta sistêmica, onde há produção de anticorpos antinu-
- Mínima: couro cabeludo, região frontal, membros e cleares contra os fibroblastos.
glúteos; Outro achado que sugere um cunho alérgico para o que-
- Zero: terço médio da face, genitais, região lombar, pal- loide: fibroblastos de pele e cicatrizes normais e de queloi-
mas e plantas. des proliferam, em cultura, na presença de histamina, o que
é suprimido com a adição de anti-histamínico.
c) Fatores lesionais
Uma maior tensão contribui para cicatrização anormal; E - Bioquímica
frequentemente, o queloide ocorre em áreas de alta tensão A síntese de colágeno é 20 vezes maior no queloide do
como pré-esternal e deltoide. Autores mostraram que os que na pele normal e 3 vezes maior do que na cicatriz hi-
fibroblastos sob tensão produzem mais colágeno, que se- pertrófica. Para tanto, é necessária prolina hidroxilase; a
creta fibrilas orientadas na direção da tensão. atividade desta enzima está significativamente aumentada
O posicionamento da sutura contra as linhas de força no queloide. Há também diminuição dos inibidores plasmá-
e queimaduras, principalmente quando a lesão dérmica é ticos de proteinases (alfa-1-antitripsina e alfa-2-macroglo-
extensa e houve cicatrização por 2ª intenção, são fatores bulina), o que contribui para maior deposição de colágeno,
que predispõem a cicatrizes hiperplásicas. tanto no queloide, como na cicatriz hipertrófica. Em contra-
Tabela 1 - Cicatrização queloidiana x hipertrófica partida, a atividade da colagenase está 14 vezes maior no
Queloidiana Hipertrófica queloide que na cicatriz normal e 4 vezes maior na cicatriz
hipertófica. É a desproporção entre síntese e degradação
- Violácea: invade tecidos - Rósea: limitada às bordas da feri-
que determina o excesso de deposição de colágeno.
vizinhos; da;
Alguns autores sugerem que o estímulo para produção
- Geralmente prurido, dor e - Apresenta prurido, eventual-
de novo colágeno está no excesso de sulfato 4 condroitina;
ardor; mente dor;
as fibras por ele revestidas tornam-se mais resistentes à di-
- Não regride e continua - Para de crescer e regride com o gestão pela colagenase. Parece que o queloide possui mais
crescendo; tempo;
colágeno tipo III do que tipo I, indicando um processo em
- Geralmente não cede à que há falha na maturação do colágeno, que não adquire
compressão; estabilidade.
- Pode regredir com compressão.
- Independente da técnica Hipóxia também contribui para a formação de cicatriz
cirúrgica. patológica; o lactato, em cultura de fibroblastos, induz ao
aumento da síntese colágena.
C - Histologia
Histologicamente, queloide e cicatriz hipertrófica dife- F - Tratamento
rem da cicatriz normal pela rica vasculatura, maior densi-
dade mesenquimal e camada epidérmica mais espessa. O a) Métodos físicos
queloide consiste de feixes densos de colágeno eosinofílico, - Pressão:
hialino, numa configuração nodular, com poucos fibroblas- • Quando aplicada corretamente, a pressão pode ser
tos e frequente matriz mucoide entre as fibras. A microvas- uma terapia efetiva para cicatrizes hiperplásicas ou uma
cularização está parcial ou totalmente ocluída, pelo excesso medida profilática. Seu mecanismo de ação é incerto:
de células endoteliais, o que produz certo grau de hipóxia * Hipóxia → degeneração de fibroblastos → altera-
tecidual. Em longo prazo, pode calcificar e até sofrer meta- ção taxa metabólica do colágeno → catabolismo
plasia óssea. predomina;
83
CI RUR G I A P LÁ STI CA
* Não há necrose; a pressão diminui o fluxo sanguí- • Podem ser utilizados raios x, em doses totais entre
neo, diminuindo alfa-2-macroglobulina, que é um 1.500 e 2.000rads; porém, sabe-se que a radiação
inibidor da colagenase; aumenta a incidência de neoplasias.
* A pressão induz diminuição da disponibilidade de - Outros:
água, o que estabiliza os mastócitos, diminuindo • Crioterapia;
o neocrescimento de vasos e alterando a matriz • Laser.
extracelular.
b) Tratamento farmacológico
A pressão exercida deve ser no mínimo de 24mmHg - Corticoide (triancinolona):
para exceder a pressão capilar. Deve ser mantida dia e noite
• Aumenta a degradação do colágeno, pois diminui
por, no mínimo, 6 meses; o período de descontinuidade di-
o nível dos inibidores da colagenase (alfa-2-macro-
ária não deve passar de 30 minutos.
globulina e alfa-1-antitripsina). Possui também ação
- Radioterapia: sobre o DNA, diminuindo a celularidade das lesões.
Seus principais efeitos colaterais são a atrofia, des-
• O tipo de radiação a ser empregada e sua energia
pigmentação e telangiectasias;
depende da natureza da lesão, de sua localização,
da espessura da pele a ser tratada e de órgãos adja- • Cremes e pomadas à base de corticoides podem ser
centes que devam ser poupados; utilizados, mas, mesmo com massagem, sua pene-
tração é mínima; apresentam algum resultado ape-
• Os raios beta do estrôncio 90 são os mais utilizados. nas nas cicatrizes hipertróficas, não tendo qualquer
Trata-se de radiação corpuscular negativa que, ao efeito nos queloides. Estão contraindicados como
atravessar os tecidos, provoca ionização, modifi- preventivos nos primeiros 30 dias de pós-operatório,
cando o núcleo e citoplasma, rompendo ligações e sob o risco de inibir o processo de cicatrização nor-
oxidando compostos. As células são mais sensíveis a mal.
esses efeitos na fase pré-mitótica, por isso a neces- - Outros:
sidade de aplicações repetidas em determinados in- • Colchicina/penicilamina: diminui a secreção de co-
tervalos, para atingir a célula na divisão; o resultado lágeno pelos fibroblastos, aumenta a atividade da
final é a diminuição dos fibroblastos; colagenase, porém com grandes efeitos sistêmicos;
• Pacientes submetidos a tratamentos com poucas • Fitas de silicone: boas taxas de resposta têm sido
frações e dose elevada obtêm o mesmo controle, relatadas (65% a 86%); no entanto o mecanismo de
porém com resultados cosméticos tardios pouco ação do silicone é incerto;
satisfatórios. Os fracionamentos mais longos apre- • Ácido retinoico: efeito inibitório sobre a síntese de
sentam menor incidência de efeitos colaterais (hi- DNA nos fibroblastos;
percromia, acromia e telangiectasias); • Fitas adesivas de zinco (ZnO2): inibe a lisil oxidase,
• Com relação ao início do tratamento, a literatura suge- enzima que participa da estabilização da fibra colá-
re que deve ser o mais precoce possível. Mas o trata- gena; também estimula a colagenase;
mento nas primeiras 24 horas não mostrou diferença • Ácido asiático (Madecassol®): interfere no metabo-
estatística significativa no controle local, quando com- lismo do miofibroblasto do queloide, transforman-
parado ao início após 7 dias. É importante ressaltar do-o em fibrócito normal.
que a sensibilidade à irradiação é diretamente propor- Para estes 3 últimos faltam estudos, com seguimento
cional à imaturidade das células, demonstrando que em longo prazo.
os pacientes podem ser tratados no pós-operatório
c) Tratamento cirúrgico
imediato, ou a qualquer momento em que se observe
o início de crescimento exacerbado da cicatriz; Quando o queloide é extenso, pode-se realizar:
- Ressecção intralesional;
• A ação dos raios beta não vai além de 8mm de pro- - Ressecções múltiplas;
fundidade e o máximo de seu efeito terapêutico
está ao redor dos 3 a 4mm. Como terapia isolada,
- Expansão progressiva da pele;
não é eficiente, devendo ser associada ao método
- Ressecção com enxertia de pele ou rotação de retalhos
de vizinhança.
cirúrgico. A irradiação sem excisão possui taxa de
70% de persistência; quando associados, a taxa de Como se vê, não existe nenhum método rotineiro efe-
recorrência é de 13%, com controle local da ordem tivo no tratamento do queloide. Para lesões pequenas,
de 88%. Preconizam-se 10 sessões de 250cGy, em os tratamentos farmacológicos com corticoide e mecâni-
dias alternados, iniciando no 1º pós-operatório. O co através de pressão são preferidos inicialmente. Lesões
acompanhamento deverá ser de, no mínimo, 2 anos maiores requerem tratamento cirúrgico, sempre combina-
para o efetivo controle da recidiva; do com outra modalidade, principalmente a radioterapia e
84
C I C AT R I Z A Ç Ã O
infiltração de corticoides (na tentativa de diminuir a respos- cipalmente o couro cabeludo. Diminuem a probabilidade
ta inflamatória pós-operatória), pois a taxa de recorrência de infecção, mas não ajudam na conexão dos tecidos mais
com a cirurgia isolada é alta (55%). profundos. Não podem ser utilizados nas feridas sangrantes
ou com áreas de superfície complexas, como o períneo.
8. Fios de suturas
- Perspectivas
O material de sutura ideal deve ser flexível, forte, coeso
e facilmente amarrado. Deve também promover pouca res- As células-tronco têm enorme potencial para regene-
posta tecidual e não servir de sítio para infecção. ração da pele – podem tanto regenerar o tecido perdido
a) Fio de metal de alumínio: é um material inerte e se quanto promover reparação da ferida. Dados recentes mos-
mantém fixado por anos. É difícil de amarrar e ser removi- tram resultados promissores com o uso de stem cell mesen-
do em um período pós-operatório tardio, devido à dor que quimais autólogas na reparação cutânea este que, prova-
causa. Não tem a possibilidade de portar agentes microbia- velmente, trará bons resultados na medicina moderna.
CIRURGIA PLÁSTICA
nos; pode ser deixado nos tecidos de granulação e ser reco-
berto pelo mesmo sem a formação de abscessos. 9. Resumo
b) Fio de seda: é uma proteína animal, mas é relativa-
Quadro-resumo
mente inerte nos tecidos humanos. Comumente utilizada
por facilidade de manuseio, embora perca a capacidade - Neutrófilos são as primeiras células que chegam à ferida, mas
de aproximação dos tecidos ao longo do tempo. Não pode os macrófagos são as células mais importantes;
ser utilizada nas suturas vasculares, valvulares ou enxer- - Na fase de fibroplasia, que dura até 21 dias, predomina o co-
tos. Por ser multifilamentado, proporciona maior risco de lágeno tipo III;
infecção pela maior probabilidade de portar bactérias. - Na fase de maturação, ocorre a troca do colágeno tipo III pelo
Ocasionalmente, o fio de seda forma reações locais com tipo I;
abscessos que podem migrar para a superfície da pele, - São fatores que afetam no processo de cicatrização: o aporte
formando pertuitos que não se fecharão até a retirada do de O2, estado nutricional, quadros de imunossupressão e téc-
material. nica cirúrgica adequada.
c) Categute: é fabricado da submucosa de intesti-
nos. Pode ser absorvível, mas o tempo é muito variável.
Promove intensa resposta inflamatória e tem tendência a
potenciais infecções. Perde a capacidade de adesão ao lon-
go do tempo, num intervalo curto, e não pode ser utilizado
nas suturas intestinais e no fechamento de parede abdo-
minal infectada, devido à presença de um meio ácido e de
enzimas nesses tecidos.
d) Suturas sintéticas não absorvíveis: são, geralmente,
inertes e de boa apreensão (não quebram) por muito mais
tempo, entretanto o seu manuseio não é tão bom como o
do fio de seda, e deve ser amarrado com, no mínimo, 4 nós.
Os materiais plásticos multifilamentados podem carrear
bactérias e causar migração para a superfície. Os materiais
monofilamentados, como fios contínuos, não portam bac-
térias. O náilon monofilamentado é praticamente não rea-
tivo, mas pode ser difícil de amarrar. Os monofilamentos de
polipropileno são de dificuldade intermediária. As suturas
plásticas são recomendadas nas cirurgias cardiovasculares
porque não são absorvíveis. Anastomoses vasculares com
enxertos artificiais são mantidas intactas, ao longo do tem-
po, com esses materiais. O uso de material absorvível em
suturas vasculares promove a formação de aneurismas.
e) Suturas absorvíveis sintéticas: são fortes e têm maior
risco de desgarramento das tensões ao longo do tempo;
promovem mínima reação inflamatória e têm vantagem nas
anastomoses gastrintestinais, urológicas e na cirurgia gine-
cológica. Comparadas ao categute, ácido poliglicólico, as
sintéticas retêm mais tempo nas anastomoses intestinais.
f) Grampos metálicos: são de escolha para a pele, prin-
85
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
2
Enxertos de pele
André Oliveira Paggiaro / Fábio Del Claro
1. Definição
Enxerto de pele é a transferência de um seguimento de
derme e epiderme de uma determinada região (área do-
adora) para outra (área receptora) sem conexão vascular.
Para que isso seja possível, devemos ter, na área receptora,
a presença de um tecido que seja capaz de nutrir aquela
pele que vai chegar. A este, damos o nome de tecido de
granulação.
O tecido de granulação é aquele tecido vermelho-vivo
presente em muitos ferimentos. Será ele que fornecerá to-
dos os nutrientes necessários para que o enxerto consiga
Figura 1 - Anatomia da pele
se integrar.
86
ENXERTOS DE PELE
CIRURGIA PLÁSTICA
e plantar.
- Células de Langerhans (3ª em frequência) Desembocam no folículo pilossebáceo, proteção da pele
por camada lipídica.
• * Origem: células mesenquimais, provavelmente de
medula óssea, dispostas no meio da epiderme. Apre- c) Pelos
sentam função imunológica, possuem antígenos de Estruturas filiformes, constituídas por células queratini-
superfície e receptores de membrana e participam zadas produzidas pelos folículos pilosos. Atuam na proteção
nas reações existentes aos aloenxertos. nas narinas, do conduto auditivo, dos olhos e do couro ca-
- Células de Merkel (menos frequentes) beludo.
Encontradas nas bases das papilas dérmicas, na face vo- d) Unhas
lar dos dedos, nos leitos ungueais e na genitália, exercendo
Lâminas queratinizadas que recobrem a última falange
função especializada no tato. dos dedos.
C - Composição da derme
3. Indicações
- Dividida em 2 camadas: papilar (mais superficial) e - Cobertura de feridas agudas (queimaduras, trauma)
reticular (mais profunda). Os fibroblastos são as princi-
ou crônicas (úlceras varicosas, diabéticas);
pais células presentes na derme e são os responsáveis
pela produção de colágeno, que constituem a matriz
- Escassez de tecidos adjacentes para a cobertura de lesão;
extracelular, que na pele é formada principalmente - Incerteza quanto à erradicação completa do tumor,
devendo-se evitar reconstruções mais complexas;
por colágenos tipos I e III;
- Fechamento de áreas doadoras de retalhos;
- Oitenta por cento – colágeno tipo I: forma a rede reti- - Situações de alto risco para complicações, morbidade
cular na porção profunda; ou mortalidade inviabilizando reconstruções comple-
- Quinze por cento – colágeno tipo III: na região da xas (exemplo: paciente com doenças de base ou ins-
membrana basal e serve para ancorar a epiderme à tabilidade hemodinâmica que indicam pouco tempo
derme (derme papilar) – ancorada entre as papilas da cirúrgico).
epiderme.
A - Fisiopatologia da integração do enxerto
Atenção:
Existem 13 tipos diferentes de colágenos no nosso organismo. Denominamos integração todo o processo pelo qual a
Alguns são exclusivos de determinados tecidos como, por exem- pele irá se fixar na nova área receptora.
plo, o tipo II presente apenas nas cartilagens. A integração de um enxerto de pele pode ser dividida
Para que o colágeno seja sintetizado, determinadas substâncias em 3 fases: embebição, inosculação e revascularização.
são essenciais como a vitamina C (ácido ascórbico). Por isso, do-
enças como o escorbuto (falta de vitamina C) são tão prejudiciais
- Fase 1 – Embebição plasmática
ao processo de cicatrização. Ocorre, em geral, nos primeiros 2 a 3 dias. A sobrevi-
vência do enxerto nesta fase inicial depende da embebição
a) Derme papilar plasmática. A embebição serosa, inicialmente, forma uma
camada de fibrina no leito receptor. A absorção de nutrien-
Delgada de fibras colágenas finas, fibras elásticas, fibro-
tes ocorre por ação da capilaridade.
blastos e substância fundamental, formando as papilas dér-
micas que se amoldam aos cones epiteliais da epiderme. - Fase 2 – Inosculação
Nutre a epiderme. Recebe este nome porque sua forma Ocorre entre o 3º e o 4º dias e se caracteriza pelo ali-
lembra a de várias papilas. nhamento entre os capilares do leito receptor e do enxerto.
87
CI RUR G I A P LÁ STI CA
Poeticamente, dizemos que os microvasos do leito recep- cesso resulta da ação das fibras elásticas presentes na
tor “beijam” os microvasos do leito doador (ósculo significa derme, portanto, quanto mais derme tiver o enxerto
beijo, daí o nome de inosculação). maior será a sua contração primária (maior no enxerto
de pele total);
- Fase 3 – Revascularização
A circulação está completamente recuperada entre 6 - Contração secundária: é a contração que acontece de-
e 7 dias. pois que o enxerto já está integrado à área receptora,
Quatro teorias são propostas para a revascularização: entre 6 e 18 meses. Ocorre pela interação dos miofi-
• Novos vasos do leito receptor invadem o enxerto, broblastos com as fibras colágenas, gerando contração
formando uma estrutura vascular definitiva; da cicatriz. Enxertos de pele total têm menor contra-
ção secundária.
• Comunicação entre vasos existentes no enxerto e
na área receptora; Atenção:
• Combinação do crescimento de novos vasos e resta- A contração primária de um enxerto de pele total é de aproxi-
belecimento do fluxo de vasos preexistentes; madamente 40%.
• Vascularização do enxerto feita a partir de vasos
preexistentes da área receptora. F - Classificação dos enxertos
B - Reinervação de um enxerto Os enxertos de pele podem ser classificados de acordo
com diferentes características, como procedência, espessu-
A reinervação de um enxerto de pele é incompleta, ra e tipo.
jamais atinge a especificidade da pele normal e costuma
demorar entre 10 e 15 meses. Quanto mais delgado for o Tabela 1 - Classificação dos enxertos de acordo com a procedência
enxerto, mais rápida será a reinervação. Entretanto, os en- Autógeno ou Áreas doadoras e receptoras do mesmo indiví-
xertos de espessura total, embora demorem mais, acabam autogênico duo.
desenvolvendo inervação mais completa. Isogênico ou Entre indivíduos geneticamente idênticos (ir-
singênico mãos gêmeos).
Enxertos de pele são reinervados por crescimento de fi-
Entre diferentes membros da mesma espécie e
bras nervosas originárias da periferia do leito receptor, por- Homólogo
linhagem.
tanto seguem as características do leito receptor.
Entre diferentes membros de uma mesma
Alógeno
espécie, porém de linhagem diferente.
C - Regeneração dos apêndices dérmicos
Heterógeno/ Entre diferentes membros de espécies diferen-
O número de anexos epidérmicos transferidos com o xenogênico tes.
enxerto varia de acordo com a espessura da derme transfe-
rida, ou seja, quanto mais espesso o enxerto, maior será o Tabela 2 - Classificação dos enxertos de acordo com a espessura
número de anexos com possibilidade de se regenerar. Fino: epiderme e 1/3 da espessura da
Em relação às glândulas sudoríparas, a capacidade de Pele parcial: contém epi- derme.
derme e uma espessura Médio: epiderme e 2/3 da espessura
transpiração de um enxerto varia de acordo com o núme-
parcial variável de der- da derme.
ro de glândulas transferidas e com a reinervação simpática me. Espesso: epiderme e 3/4 da espessu-
destas glândulas, assumindo as características das áreas
ra da derme.
doadoras.
Pele total: inclui epider-
As glândulas sebáceas conservam as características da me e todas as camadas Epiderme e derme total.
área doadora. da derme.
D - Pigmentação Atenção:
Os enxertos de pele total não levam junto o tecido celular subcu-
A cor da pele resultante dos enxertos de pele é mais
tâneo, pois como dito anteriormente ele não faz parte da estru-
previsível naqueles de espessura total, enquanto os de es-
tura anatômica da pele.
pessura parcial tendem à hiperpigmentação. Geralmente, a
hiperpigmentação irreversível decorre da exposição ao sol a) Enxerto de pele total
antes da maturação completa da cicatriz.
- Indicação: face (principalmente pálpebras) e mãos. Os
E - Contração do enxerto enxertos de pele total conservam maior semelhança
com a pele normal e sofrem contração mínima;
Existem 2 tipos de contração de um enxerto: - Áreas doadoras: preferencialmente em regiões mais
- Contração primária: ocorre após a retirada do enxer- escondidas (retroauricular, supraclavicular, palpebral
to, com imediata redução de seu tamanho. Esse pro- superior, abdominal, coxa, prega inguinal).
88
ENXERTOS DE PELE
Existem poucas áreas doadoras disponíveis. A área doa- Tabela 5 - Enxerto em malha X em lâmina
dora é fechada por uma sutura primária. Enxerto em malha Enxerto em lâmina
b) Enxerto de pele parcial - Cobre uma área maior; - Cobre uma área menor;
CIRURGIA PLÁSTICA
Tabela 3 - Comparação dos enxertos de pele parcial e total G - Cuidados locais que propiciam a integração
Enxerto de pele parcial Enxerto de pele total de um enxerto
- Epiderme e parte da derme; - Epiderme e toda a derme; Atenção:
- Sobrevivência mais fácil; - Melhor resultado estético; A causa mais comum de falência do enxerto é hematoma ou se-
- Menos contração primária; - Maior contração primária; roma. A 2ª causa é infecção.
- Mais contração secundária; - Menos contração secundária; Deve haver leito vascular adequado para receber o en-
- Área doadora cicatriza por Área doadora fecha por su- xerto (tecido de granulação).
reepitelização primária. tura. Fundamental ausência de exposição do osso, da cartila-
gem ou do tendão desprovidos de periósteo, pericôndrio e
Tabela 4 - Enxertos de pele de acordo com o tipo paratendão, evitando assim um enxerto inadequado.
Estampilha Também chamado de enxerto em selo. O movimento do enxerto no seu leito leva à interrupção
Malha – mesh graft – da neovascularização. Técnicas de imobilização incluem o
Expansão do enxerto.
em rede uso de curativo acolchoando o enxerto (curativo de Brown).
Laminar Enxerto em lâmina. Molde a partir de gaze ou morim do tamanho da ferida, fi-
xado à área enxertada por meio de fios longos de sutura nas
bordas da ferida. Permanece por 4 a 5 dias.
a) Complicações
- Não integração do enxerto;
- Cicatrizes queloidianas e hipertróficas;
- Discromias;
- Retrações.
b) Curativos biológicos
Existem enxertos que podem ser usados como cobertura
temporária de ferimentos (substitutos biológicos de pele):
- Aloenxertos de cadáver (perdem por reação imunoló-
gica);
Figura 2 - Enxerto em malha
- Xenoenxertos (enxertos de pele de outra espécie –
porco, rã);
- Âmnio.
Estes casos estão indicados principalmente para situa-
ções em que não temos tecidos autólogos suficientes para
a cobertura de uma grande lesão como, por exemplo, nos
grandes queimados.
89
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
3
Retalhos
André Oliveira Paggiaro / Fábio Del Claro
90
R E TA L H O S
CIRURGIA PLÁSTICA
Quando se eleva um retalho cutâneo, há lesão de va-
b) Retalhos axiais
sos e também do sistema nervoso simpático. Nas primeiras
Possuem um vaso sanguíneo predominante, conhecido horas, há uma redução do fluxo sanguíneo e da pressão de
como fonte de irrigação. perfusão tecidual e uma vasoconstrição. Ocorrerá necrose
c) Retalhos de fluxo invertido tecidual caso o fluxo seja insuficiente na porção distal do
Também conhecidos como retalhos de pedículo distal retalho. Porém, com o passar do tempo e com a redução
ou retalho de padrão axial invertido. Os vasos sanguíneos dos elementos vasoconstritores liberados pelo sistema sim-
proximais são cortados, deixando o retalho depender dos pático, há um aumento do fluxo local e uma vasodilatação
vasos sanguíneos distais intactos para sua sobrevivência local suficiente para a sobrevivência do retalho.
(por exemplo, retalho invertido de artéria radial do ante-
braço, retalho invertido de artéria sural superficial). 6. Fenômeno da autonomização
B - Localização do defeito a ser reparado É a intervenção cirúrgica preliminar seccionando-se parte
do suprimento sanguíneo do tecido antes de o retalho ser
a) Local elevado definitivamente. Esse procedimento tem como be-
nefício o maior alcance do pedículo vascular, o que possibilita
O retalho compartilha um dos lados do defeito (exem-
a remoção de um retalho mais amplo, em razão da sobre-
plo: retalho de Limberg).
vivência de um componente cutâneo randômico distal aos
b) Regional limites definidos pela irrigação sanguínea original.
O retalho está próximo, mas não mantém continuidade O mecanismo de explicação desse fenômeno é contro-
imediata com a falha (exemplo: retalho frontal). verso, existindo diversas teorias:
- Aumento da vascularização por simpatectomia;
c) Distante
- Reorientação vascular longitudinal;
O retalho não está perto da falha (exemplo: retalho in- - Melhora da tolerância à hipóxia (adaptação metabólica);
guinal ou cross leg) – mantém-se a área do defeito em con-
tato (pediculado) com a área doadora até que ocorra a irri-
- Dilatação de capilares e captura de angiossomos ad-
jacentes.
gação da área receptora, para só então liberar o pedículo.
O intervalo recomendado entre os procedimentos de
d) Retalho livre (ou microcirúrgico)
protelação varia, mas em geral são suficientes de 7 a 14 dias
Transferência do tecido com uso de técnica microcirúr- entre os procedimentos.
gica. Transplante de tecido a distância, graças à anastomose
microcirúrgica de veia e artéria.
7. Planejamento de um retalho
C - Mecanismo de transferência do tecido
- Avanço; A - Princípios
- Transposição; - Planejamento adequado do retalho;
- Rotação; - Técnica menos traumática e mais segura possível;
- Interpolação; - Sutura sem tensão;
- Livre: uso de técnica microcirúrgica (a distância). - Cuidados com o pedículo.
D - Em relação à composição do retalho B - Padrão de perda
- Cutâneo; - Pediculados: perde em geral apenas a porção distal do
- Fasciocutâneo/ou fascial apenas; retalho;
91
CI RUR G I A P LÁ STI CA
92
R E TA L H O S
c) Retalhos de transposição
- Zetaplastia:é a transposição de 2 retalhos triangu-
lares adjacentes, resultando em um aumento longi-
tudinal do comprimento dos tecidos. Classicamente,
essa técnica consiste em um componente central com
segmentos adjacentes orientados em 60°. As 3 linhas
têm o mesmo comprimento. Os ângulos podem variar
de 30 a 90°. A ampliação do ângulo aumenta o ganho
porcentual de comprimento. Várias plásticas “em Z”
podem ser efetuadas em série.
CIRURGIA PLÁSTICA
Figura 6 - Zetaplastia
C - Retalhos fasciocutâneos
Estes retalhos são aqueles que incluem a fáscia profun-
da, incorporando uma rede vascular abundante: o plexo
fascial (confluência de múltiplas e adjacentes redes vascu-
lares e seus ramos, do qual emanam perfurantes cutâneas
diretas e indiretas). Podem ser usados como retalhos locais,
Figura 5 - Retalho bilobulado regionais ou de transferência de tecidos livres.
93
CI RUR G I A P LÁ STI CA
Classificação dos retalhos fasciocutâneos (RFC) – exis- As principais vantagens destes retalhos são: o volume para
tem 2 classificações mais conhecidas: preencher os planos profundos, o encaixe numa ferida irregu-
lar e a irrigação sanguínea abundante, transformando estes
a) Cormack-Lamberty
retalhos nos mais confiáveis e seguros. Porém, a principal des-
- Tipo A: múltiplas perfurantes no sentido do maior vantagem é sacrificar um músculo funcionante.
eixo. Exemplo: sartório, toracodorsal;
- Tipo B: perfurante fasciocutânea calibrosa. Exemplo: a) Tipos de pedículo dos retalhos musculares
RFC artéria temporal, artéria safena; - Pedículo dominante: capaz de manter todo o músculo
- Tipo C: múltiplas perfurantes ao longo de seu compri- sem colaterais;
mento que provêm de uma artéria profunda na fáscia - Pedículo menor: pode ter um tamanho razoável, mas
do septo intermuscular. Exemplo: chinês; pode manter somente uma porção do músculo;
- Tipo D: retalhos osteomiofasciocutâneos ou osteos- - Pedículo segmentar: nutre apenas um pequeno seg-
septocutâneos livres. Exemplo: chinês, fíbula. mento do músculo.
94
R E TA L H O S
10. Microcirurgia
Na década de 1970, iniciou-se o desenvolvimento de
uma técnica cirúrgica que iria modificar a classificações de
CIRURGIA PLÁSTICA
grandes tumores antes considerados irressecáveis: a micro-
cirurgia.
Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a mi-
crocirurgia não é pequena. É uma das cirurgias mais com- Figura 9 - Retalho microcirúrgico fasciocutâneo do músculo ante-
plexas e tecnicamente difíceis de serem realizadas em ci- rolateral da coxa utilizado para a reconstrução da meninge e par-
rurgia plástica. A sua denominação de micro vem de sua tes moles de grande área cruenta decorrente da ressecção de um
anastomose que ocorre em vasos pequenos, em média com carcinoma basocelular avançado. Note que sem o recurso da mi-
2,3mm de diâmetro que necessita da ajuda de microscópio crocirurgia tal ressecção Wseria incompatível com a vida, pois não
ou lupas de grandes aumentos para ser realizada. há tecido local de vizinhança suficiente para a sua reconstrução
O princípio desta técnica é o de realizar transplantes
Atenção:
de pele ou pele e tecidos adjacentes como fáscia, múscu-
- São considerados irressecáveis aqueles tumores que, quando
lo, osso para a reconstrução de grandes defeitos que não retirados, tornam o paciente incompatível com a vida. Exem-
possuam tecidos de vizinhança suficientes para a sua rea- plos: tumores que acometem a artéria aorta ou outro órgão
lização. vital, tumores de grandes proporções que não possibilitam a
Hoje, esta tem sido considerada a técnica mais atual e sua reconstrução.
refinada para as reconstruções dos mais diversos segmen- - São considerados inoperáveis os pacientes com grande com-
tos corporais do nosso corpo e é a base fundamental para prometimento clínico nos quais um procedimento cirúrgico
a realização dos transplantes de face recentemente reali- levaria a óbito.
zados. - A principal causa de perda de retalhos microcirúrgicos é o he-
matoma que comprime as veias que foram anastomosadas,
- Exemplos de reconstruções com a microcirurgia levando a uma congestão venosa e consequente trombose da
artéria retrógrada.
- Reconstruções mamárias após mastectomias; - Os retalhos microcirúrgicos mudaram a classificação de tumo-
- Reconstruções de cabeça e pescoço: língua, soalho de res antes considerados irressecáveis, uma vez que tornaram
boca, esôfago, mandíbulas com ossos da fíbula; possível a reconstrução de defeitos enormes, pela transferên-
cia de tecidos a distância.
- Traumas complexos de membros inferiores;
- Grandes defeitos no tronco e períneo.
95
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
4
Trauma de face
André Oliveira Paggiaro / Fábio Del Claro
96
TRAUMA DE FACE
zigomático), um processo frontal (que se articula superior- b) Músculos superficiais da expressão facial:
mente com o osso frontal), um processo palatino (que se - Músculos do epicrânio e da orelha:
estende horizontalmente para se encontrar com o do lado • Músculo occipitofrontal: o ventre frontal origina-se
oposto e formar a grande parte do esqueleto do palato) e na gálea aponeurótica e insere-se nos músculos da
um processo alveolar (que contém os dentes superiores). raiz do nariz e ao longo do supercílio; elevam o su-
O corpo da maxila é piramidal e apresenta: uma face percílio. O ventre occipital origina-se na linha nucal
nasal ou base (contribui para a parede lateral da cavidade suprema e insere-se na gálea aponeurótica; fornece
nasal), uma face orbital (forma a maior parte do assoalho suporte ao músculo frontal e a ação alternada entre
da órbita), uma face infratemporal e uma face anterior, que eles move o couro cabeludo para frente e para trás;
está coberta pelos músculos faciais. Cerca de 1cm abaixo da • Músculos da orelha: dos músculos intrínsecos da
borda infraorbital, está o forame infraorbital, que dá passa- orelha, somente 3 conectam-se à fáscia lateral do
gem à artéria e nervos infraorbitais. crânio – auriculares anterior, superior e posterior.
CIRURGIA PLÁSTICA
f) Mandíbula - Músculos da pálpebra e em torno do ádito da órbita:
Também chamada de maxilar inferior, apresenta um • Músculo orbicular dos olhos: é um músculo sepa-
corpo e um par de ramos. Sua maior proeminência está rado, diferentemente do orbicular do lábio, forma-
dirigida lateralmente e denomina-se gônio. O corpo possui do por feixes de uma série de músculos. Possui 3
forma de “U” e contém a sínfise do mento em sua região partes: orbital (prende-se à borda medial da órbita
mediana (linha de fusão das 2 metades da mandíbula fetal). – ossos frontal e maxilar – e ao ligamento palpebral
Aproximadamente abaixo do 2º pré-molar, apresenta o fo- medial); palpebral (suas fibras originam-se do liga-
rame mental, que dá passagem ao nervo e vasos mentais. A mento palpebral medial; as fibras pré-társicas for-
borda superior do corpo denomina-se parte alveolar e con- mam 1 tendão comum – ligamento palpebral lateral
tém os dentes inferiores. – que se insere no tubérculo orbital do osso zigomá-
O ramo da mandíbula é uma lâmina óssea quadriláte- tico); e lacrimal (localiza-se atrás do saco lacrimal);
ra; sua superfície lateral dá inserção ao masseter. A su- • Músculo prócero: origina-se no dorso do nariz e
perfície medial contém o forame mandibular, por onde insere-se na pele da fronte, entre os supercílios.
passam os nervos e vasos alveolares inferiores. Mais in- Encontra-se entre os orbiculares; enruga a pele da
feriormente, existe o sulco milo-hióideo, que contém o região intersupraciliar;
nervo e vasos milo-hióideos; atrás deste sulco, a super- • Músculo corrugador do supercílio: origina-se na parte
fície medial torna-se irregular e dá inserção ao músculo nasal do osso frontal e insere-se na pele do supercí-
pterigóideo medial. lio; encontra-se abaixo dos orbiculares. É um músculo
Na borda superior do ramo, está o processo coronoide, oblíquo que auxilia a aproximar ambos os supercílios.
no qual se insere o músculo temporal. O processo condilar - Músculos do nariz:
compreende a cabeça e colo mandibulares; a cabeça (côn- • Músculo nasal: com origem na maxila, está no dor-
dilo), coberta com fibrocartilagem, articula-se diretamente so do nariz; é um músculo delgado em forma de “V”
com o osso temporal (juntura temporomandibular). O colo voltado para baixo. Possui a parte transversa (ori-
dá inserção ao músculo pterigóideo lateral. gem acima dos dentes caninos) e a parte alar (ori-
gem acima dos incisivos laterais), a qual auxilia na
B - Músculos abertura das narinas;
• Músculo depressor do septo nasal: em forma de
a) Introdução “V”, origina-se na maxila, acima dos incisivos me-
Os músculos estriados da face são estruturas particu- diais; insere-se na parte cartilaginosa do septo.
lares, pois se prendem em ossos e na porção profunda da
derme; desta forma, não são nem músculos cutâneos, nem
- Músculos da boca:
tampouco músculos estriados esqueléticos verdadeiros. A • Músculo elevador da asa do nariz e lábio superior:
contração e descontração deles promovem saliências e de- corre ao longo da parede lateral do nariz; origina-se no
processo frontal da maxila e insere-se na cartilagem
pressões, determinando a expressão facial. Todos os mús-
alar e pele do nariz, bem como no lábio superior;
culos superficiais desenvolvem-se a partir do 2º arco farín-
gico e são inervados pelo facial. • Músculo elevador do lábio superior: corre lateral-
mente ao anterior; origina-se na porção infraorbital
Atenção: da maxila e insere-se no lábio superior;
“SMAS”: fáscia formada por tecido conjuntivo denso, com embe- • Músculo elevador do ângulo da boca: origina-se na
bição gordurosa, que recobre os músculos superficiais da face; o fossa craniana da maxila e insere-se na musculatura
nome correto é fáscia superficial da face.
do lábio superior e ângulo da boca;
97
CI RUR G I A P LÁ STI CA
• Músculos zigomáticos menor e maior: por cima do dial do nervo mandibular. Junto com o masseter, eleva
músculo anterior; o menor é inconstante; já o maior a mandíbula e, junto com o pterigóideo lateral, faz sua
sempre existe. Originam-se na face lateral do osso protrusão;
zigomático e prendem-se ao ângulo da boca; - Músculo pterigóideo lateral: ocupa a fossa infratem-
• Músculo risório: origina-se na fáscia massetérica e poral. Também possui 2 cabeças de origem: a mais su-
insere-se no ângulo da boca; perficial origina-se da asa maior do esfenoide; a mais
• Músculo depressor do ângulo da boca: com for- inferior do processo pterigoide. Unem-se e inserem-se
mato triangular, origina-se na base da mandíbula e no disco articular da ATM (articulação temporomandi-
prende-se ao ângulo da boca e lábio inferior; bular) e colo mandibular. É inervado pelo ramo pteri-
• Músculo depressor do lábio inferior: origina-se na góideo lateral do nervo mandibular, sendo o principal
base da mandíbula e insere-se no lábio inferior; músculo responsável pela protrusão.
• Músculo bucinador: é um músculo inconstante; si-
tua-se entre o osso maxilar e a mandíbula, entre as Movimentos da mandíbula:
arcadas dentárias superior e inferior. Está coberto - Depressão: pterigóideo lateral, digástrico e gravidade;
pela fáscia bucofaríngica e é perfurado pelo ducto - Elevação: temporal, masseter e pterigóideo medial;
de Stenon; sua superfície profunda está revestida - Protrusão: pterigóideos lateral e medial, masseter;
pela membrana mucosa da boca. Tem função de - Retração: temporal;
contenção do alimento e de dar forma constante - Movimento lateral e circundução: temporal e masse-
à bochecha, evitando sua lesão pelos dentes; atua ter (ipsilateral), pterigóideos (contralateral).
no assobio/sopro e no riso (repuxa os ângulos da
boca). Estende-se posteriormente e se continua
com o músculo constritor da faringe; 4. Irrigação e inervação
• Músculo mental ou mentual.
Observação: o músculo orbicular da boca é um esfíncter com- A - Irrigação
plexo, que contém fibras de músculos faciais (as mais profundas São ramos da carótida externa que irrigam a face:
derivam do bucinador e as mais superficiais do elevador e de-
pressor do ângulo da boca) e fibras próprias dos lábios. a) Artéria lingual
- Músculo platisma: Origina-se da parte anterior da carótida externa, ao ní-
vel do osso hioide. Durante seu trajeto emite os ramos:
• Origina-se no ramo e corpo mandibulares. Desce
recobrindo a face anterolateral do pescoço e a re-
- Artéria supra-hióidea;
gião anterior do tórax; encontra-se em processo de - Ramos dorsais para o dorso da língua;
atrofia. - Artéria sublingual para a glândula sublingual.
b) Artéria facial
3. Músculos profundos da mastigação Inicialmente é denominada artéria maxilar externa,
- Músculo masseter: músculo quadrilátero, espesso, origina-se da carótida externa, normalmente junto com a
que se origina na borda inferior do arco zigomático e artéria lingual, com o tronco lingofacial. A parte cervical da
se insere no ramo ao ângulo da mandíbula. A glându- artéria dá origem aos ramos:
la parótida repousa sobre ele; é inervado pelo nervo - Artéria palatina ascendente: irriga o palato mole e par-
massetérico, ramo do mandibular. Quando se contrai, te da faringe;
eleva a mandíbula; - Artéria tonsilar;
- Músculo temporal: músculo em forma de leque, que - Ramos glandulares para a glândula submandibular;
repousa sobre a fossa temporal, abaixo do osso zigo- - Artéria submental.
mático. Origina-se do assoalho da fossa e insere-se no
processo coronoide e ramo da mandíbula. É inervado Após um trajeto curto no pescoço, ela passa pelas bor-
pelos ramos temporais profundos do nervo mandibu- das inferiores da mandíbula e anteriores do masseter e as-
lar. Mantém a postura mandibular em repouso e faz cende na face, até o ângulo medial do olho, onde se anasto-
sua elevação durante o fechamento da boca; mosa com ramos da artéria oftálmica. Irriga os lábios e nariz
- Músculo pterigóideo medial: localiza-se na face me- externo, através de seus ramos:
dial do ramo mandibular. Possui 2 cabeças de origem: a - Artéria labial inferior: penetra no orbicular da boca,
mais profunda origina-se do processo pterigoide (base irrigando pele, músculos e membrana mucosa do lábio
do crânio); a mais superficial do tubérculo da maxila. inferior e anastomosa-se com a do lado oposto;
As 2 cabeças se unem e prendem-se no ângulo interno - Artéria labial superior: mesmo comportamento que a
da mandíbula. É inervado pelo ramo pterigóideo me- anterior, só que no lábio superior e com trajeto maior
98
TRAUMA DE FACE
e mais tortuoso; fornece ramos septais e alares para eles: temporal profundo anterior e posterior, pteri-
o nariz; góideo, massetérico e bucal.
- Ramo nasal lateral: irriga a asa e o dorso do nariz; - Porção pterigopalatina
- Artéria angular: é a terminação da facial. No ângulo • Distribuição extensa que inclui dentes superiores,
medial do olho, ela se anastomosa com os ramos dor-
porções da face e da órbita, palato e cavidade nasal.
sal nasal e palpebral da artéria oftálmica e, desta ma-
neira, estabelece uma comunicação entre as artérias * Artéria alveolar superior posterior: irriga dentes
molares e pré-molares;
carótidas externa e interna.
* Artérias alveolares superior anterior e média:
c) Artéria occipital caninos e dentes incisivos;
Origina-se da parte posterior da carótida externa e, du- * Artéria infraorbital: irriga órbita, pálpebra infe-
rante seu trajeto, ao perfurar o músculo trapézio, divide-se rior, saco lacrimal, lábio superior e bochecha;
CIRURGIA PLÁSTICA
em ramos para o couro cabeludo. * Artéria palatina descendente: divide-se em maior
d) Artéria auricular posterior e menor e irriga o palato;
* Artéria do canal pterigóideo;
Origina-se do dorso da artéria carótida externa, imedia-
tamente acima do ventre posterior do digástrico. Ascende, * Ramo faríngico: para o teto do nariz e faringe;
coberta pela glândula parótida até o processo mastoide, * Artéria esfenopalatina: considerada como uma
onde se divide em ramos auricular e occipital, que irrigam terminação da artéria maxilar; irriga o septo e
as regiões acima e atrás da orelha e o couro cabeludo. conchas nasais, meatos e seios paranasais.
99
CI RUR G I A P LÁ STI CA
si para formar o plexo parotídico. A partir daí, emergem os chega à órbita pela fissura orbital inferior e termina
ramos terminais, que se irradiam na face, com inúmeras co- na face, emergindo pelo forame infraorbital.
nexões entre eles e outros ramos e com grande variedade • Ramos:
de distribuição: * Nervos alveolares superior e posterior: inervam
- Ramos temporais: distribuem-se para o músculo au- seio maxilar, bochechas, gengivas e dentes mola-
ricular anterior e pequenos músculos do pavilhão au- res e pré-molares;
ditivo; também inervam o ventre frontal do músculo * Nervo zigomático: inerva pele da região zigomá-
occipitofrontal; tico-temporal;
- Ramos zigomáticos: distribuem-se pelo orbicular dos * Nervo infraorbital: considerado como a continu-
olhos e corrugador; comunicam-se com ramos que se ação do maxilar, possui os ramos: palpebral infe-
dirigem para as pálpebras e com os bucais, formando rior, nasal, labial superior, alveolar superior mé-
um plexo infraorbitário, que inerva os músculos zigo- dio e alveolar superior.
máticos, elevador do lábio superior, elevador da asa do
nariz e lábio superior, nasal e depressor do septo; - Divisão mandibular
- Ramos bucais: são os maiores da divisão temporofa- • Juntamente com a raiz motora, passa para a fossa
cial, com inúmeras conexões com os ramos zigomáti- infratemporal pelo forame oval. Daí, divide-se em
cos; inervam os músculos peribucais, orbicular do lá- ramos classificados em divisão anterior e posterior.
bio e bucinador;
- Ramos marginais da mandíbula: passam abaixo do 5. Avaliação
músculo platisma e depressor do ângulo da boca, su-
prindo os músculos do lábio inferior e mento; A - Anamnese
- Ramos cervicais: correm abaixo do platisma e suprem a É importante avaliar o mecanismo de trauma (exemplo:
porção cervical lateral e região supra-hióidea.
impacto no queixo sugere fratura nos côndilos bilaterais da
Os ramos terminais do nervo facial contêm tanto fi- mandíbula) e o tempo de exposição do ferimento (se o tem-
bras aferentes como fibras motoras. Acredita-se que as fi- po é prolongado, o risco de infecção é maior, embora a face
bras aferentes sejam proprioceptivas a partir dos músculos seja bastante irrigada).
da expressão facial e/ou relacionadas com a dor profunda
da pele, músculo e ossos da face. B - Exame clínico
b) Nervo trigêmeo Inspeção de toda a face, palpação de estruturas ósseas,
A inervação sensitiva da face é feita totalmente através procura por crepitações, avaliação de sangramentos, limpe-
de ramos do nervo trigêmeo, que é sensitivo para a face, za de crostas, teste neurológico de todos os pares cranianos
metade anterior do couro cabeludo, dentes, boca, cavida- (motricidade e sensibilidade facial), avaliação da movimen-
tação ocular, da resposta pupilar e da distância entre os
de nasal e seios paranasais e é motor para os músculos da
ângulos dos olhos (telecanto), exame otológico, do nariz e
mastigação. Prende-se na ponte por uma raiz motora e uma
do septo nasal (especular), avaliação da cavidade oral, dos
sensitiva; a sensitiva expande-se ao gânglio trigeminal, que
dentes e da articulação temporomandibular (ATM) e avalia-
origina 3 grandes divisões: oftálmica, maxilar e mandibular.
ção da mordida do paciente e da relação da maxila com os
A raiz motora se junta à divisão mandibular.
terços médio e superior da face (se há mobilidade ao fixar a
- Divisão oftálmica mandíbula, trata-se de provável LeFort).
• Divide-se em lacrimal, frontal e nasociliar na dura-
-máter do seio cavernoso e penetra na órbita pela C - Radiologia
fissura orbital superior: O raio x simples é pouco importante em trauma de face,
* Nervo lacrimal: glândula lacrimal, conjuntiva e exceto panorâmica de mandíbula e incidências de submen-
pele da pálpebra superior; to-vértice (Hirtz) para a análise do arco zigomático.
* Nervo nasociliar: nervo sensitivo para o olho; Tomografia de face: melhor exame para análise de trau-
* Nervo frontal: num ponto extremamente variá- ma de face, sendo essenciais os cortes coronais e os axiais.
vel, divide-se em ramos supraorbital (deixa órbita
pelo forame supraorbital e inerva fronte, couro 6. Lesões de partes moles na face
cabeludo, pálpebra superior e seio frontal) e su-
pratroclear (inerva fronte e pálpebra superior). Deve-se lembrar sempre que qualquer politraumatizado
deve ser atendido segundo os preceitos do ATLS (ABCDE) e
- Divisão maxilar que o tratamento das lesões de face, na maioria dos casos,
• Passa pelo forame redondo e entra na fossa pteri- pode ser postergado até a estabilização do paciente (exce-
gopalatina; a partir daí, como o nervo infraorbital, ções: sangramento incoercível de face ou obstrução de via
100
TRAUMA DE FACE
aérea por uma fratura de maxila ou mandíbula, ou por as- e) Laceração simples
piração por alguma lesão importante na cavidade oral que - Forma mais comum de lesão facial;
provoque risco de aspirar). - O intervalo de tempo entre a lesão e o reparo é impor-
Se necessário, tais lesões podem ser postergadas até 24 tante, pelo risco de infecção;
horas sem comprometer o resultado final. Neste caso, usar
antibioticoterapia sistêmica. Fotografar as lesões.
- Com exceção de FAF, mordedura de animais e tatua-
gem acidental, lesões limpas e adequadamente ocluí-
das podem aguardar o reparo definitivo até 24 horas,
7. Diagnóstico de lesões faciais sem o risco de infecção;
Podem ser divididas em 2 grupos: - Tratamento primário: limpeza e desbridamento de te-
cidos desvitalizados e de corpo estranho;
- Lesões fechadas: - Zetaplastias raramente são usadas nesta fase;
• Contusão (com ou sem hematomas); - Suturas por planos, a fim de diminuir o espaço morto.
CIRURGIA PLÁSTICA
• Distensão muscular; • Músculo e derme: fios absorvíveis sem corantes 4-0
• Fratura. e 5-0;
- Lesões abertas: • Pele: fios 5-0 ou 6-0.
• Abrasão; - Remoção de suturas:
• Tatuagem acidental; • Pálpebras: de 3 a 4 dias;
• Retenção de corpo estranho; • Restante da face: de 4 a 6 dias;
• Laceração; • Orelhas: de 10 a 14 dias.
• Avulsão; f) Retalho de avulsão
• Retalho de avulsão;
• Ferimentos incisivos;
- Laceração tipo alçapão, tangencial na derme ou no te-
cido celular subcutâneo;
• Esmagamentos.
- Ingurgitamento venoso e linfedema edemaciam o re-
- Lesões de partes moles. talho e, juntamente com a retração cicatricial, contri-
buem para o pobre resultado estético;
a) Contusão (com ou sem hematoma)
- Quando o retalho é pequeno, o tratamento consiste
- Lesão causada por trauma fechado; em excisão total;
- Conduta: em geral, limpeza e observação; - Quando a avulsão é maior, adota-se tratamento con-
- Hematomas pequenos em geral são reabsorvidos; nos servador, sendo importante desengordurar a pele e
maiores e encapsulados, o melhor é realizar drenagem usar curativos compressivos.
cirúrgica (incisão ou punção).
b) Abrasão
- Limpeza e degermação com sabão suave;
- Tratamento: curativos oclusivos úmidos parecem ace-
lerar a epitelização.
c) Tatuagens acidentais
- Pequenas partículas embebidas na derme: devem ser
retiradas prontamente antes de se tornarem fixas (o
que ocorre em 12 horas);
- São retiradas pela escovação com sabão suave;
- Quando a lesão está suja de óleo ou graxa, é possível,
se necessário, o uso de pequenas quantidades de éter,
acetona ou xylol; Figura 1 - Trauma de face
- Uma vez fixadas, são tratadas por abrasão cirúrgica
para retirada.
8. Condutas em suturas de locais espe-
d) Corpos estranhos
ciais da face
- Partículas maiores que as de tatuagem acidental;
- Devem ser rotineiramente removidos, com exceção de A - Região frontal e sobrancelha
projéteis de arma de fogo, que promovem em geral
mínima reação tecidual local. a) Atenção ao alinhamento da sobrancelha.
101
CI RUR G I A P LÁ STI CA
b) Aproximação de planos musculares, visando evitar ou uma enxertia de pele total da mesma área ou de
depressões. pele pós-auricular.
B - Pálpebras
a) Pesquisar possíveis lesões do globo ocular.
102
TRAUMA DE FACE
- Às vezes, é necessário o uso de tampões para manter - Em caso de fístula persistente sem condições de trata-
o posicionamento das cartilagens, apenas nos casos mento cirúrgico, pode-se realizar a irradiação da glân-
instáveis. dula para coibir sua função.
CIRURGIA PLÁSTICA
- Ramos anteriores (mais terminais) à região do duto pa- - Antibióticos sistêmicos e higiene oral nas lesões mais
rotídeo (medial à linha pupilar média) usualmente não extensas.
resultam em perda permanente da função muscular,
pois os músculos faciais são inervados na sua porção
posterior. O reparo é desnecessário;
9. Fraturas da face
- Nos casos de secção completa da porção posterior dos Fases de tratamento:
ramos do nervo facial, a bainha nervosa é cuidadosa- - Emergência;
mente aproximada em unidades fasciculares com fios - Tratamento definitivo da fratura.
apropriados;
- Nos casos de lesões extensas, é realizado o debrida- A - Tratamento de emergência em pacientes com
mento das extremidades nervosas, com recuperação fraturas de face
pobre da função. O uso de enxertos nervosos em geral Deve seguir o algoritmo de atendimento de politrauma-
é reservado à reconstrução secundária. tizados (ATLS).
a) Particularidades importantes:
F - Glândula parótida e duto de Stenon
- Manutenção de vias aéreas: em fraturas de face, prin-
- Sinais sugestivos: drenagem de líquido claro pela lesão, cipalmente nas de mandíbula, é comum a obstrução
queda de metade do lábio superior (os ramos bucais de vias aéreas por queda da língua. As fraturas de
correm paralelos e obliquamente ao duto parotídeo); maxila e mandíbula podem culminar na perda da es-
- O duto parotídeo cursa ao longo de uma linha imaginá- trutura de sustentação da cavidade oral. A intubação
ria entre o tragus e a porção média do lábio superior; dos pacientes pode ser bastante difícil, exigindo uma
- A glândula não precisa ser suturada, porém a patência traqueostomia de urgência;
do duto deve ser determinada antes do fechamento - Risco de aspiração: há grande risco de aspiração de
da lesão; secreções, como sangue e vômitos, ou de dentes, que
- A fístula da parótida usualmente fecha espontanea- podem estar fraturados;
mente após alguns dias e quase sempre dentro de 3 - Identificação de lesões ocultas: em geral, as fraturas
a 4 semanas; de face são lesões provocadas por traumas de grande
- A canulação do duto parotídeo pode ser feita de modo impacto e costumam estar associadas a traumas ocu-
retrógrado (pela lesão) ou por meio do óstio localizado lares, cranioencefálicos e de coluna cervical;
ao nível do 2º molar superior (cateter de polietileno - Sangramentos: geralmente as lesões profusas são
número 2 ou fio de nylon 0); mais comuns nas lesões maxilofaciais, como as fratu-
- Uma vez cateterizado, as extremidades distais são ras de LeFort e as nasoetmoidais.
aproximadas com sutura de nylon 6-0 ou 7-0. Se a lesão
b) O sangramento profuso pode ser controlado por:
for parcial e houver pouca lesão adjacente associada,
o cateter poderá ser removido logo após o reparo. Nos - Tamponamentos nasais anterior e posterior e redução
casos de lesão total ou complexa, o cateter é mantido manual (em geral, suficiente);
por 5 a 7 dias ou até que o edema seja reabsorvido; - Curativo facial compressivo;
- Nos casos de lesão extensa proximal ao duto, esta - Redução manual e bloqueio intermaxilar (BIM);
deve ser suturada em um novo óstio na mucosa oral, - Angiografia e embolização do ponto de sangramento;
mantendo a função da glândula; - Ligadura bilateral da carótida externa e temporal su-
- O duto pode ser ligado simplesmente, o que leva à perficial (raríssimo);
atrofia da parótida; - Reposição de fatores de coagulação.
103
CI RUR G I A P LÁ STI CA
a) Fratura nasal
- Anatomia nasal
• Ossos nasais propriamente ditos;
• Processo frontal da maxila;
• Cartilagens nasais;
• Septo nasal (cartilagem quadrangular + lâmina per-
pendicular do etmoide + vômer). Figura 4 - Deformidade nasal por fratura
104
TRAUMA DE FACE
CIRURGIA PLÁSTICA
• Com exceção das fraturas puras de arco zigomático, gião maxilar);
todas incluem componentes da órbita lateral e/ou • Combinação (associação de mais de 1 tipo);
do assoalho da órbita. Essas lesões podem ser line- • Nas fraturas puras de arco zigomático, realiza-se
ares ou mais severas, com porções da órbita deslo- pela incisão na região temporal, dentro do cabelo,
cadas para dentro ou para fora; com dissecção pela fáscia temporal (abre a fáscia),
• A articulação mais forte do zigoma é a sutura zigo- abaixo do arco, e elevação do mesmo com movi-
mático-frontal. As demais são fracas e normalmen- mento de alavanca;
te apresentam fraturas completas; • Fraturas com grandes deslocamentos laterais ne-
• Muitas fraturas de zigomático são pouco desloca- cessitam de incisões coronais para a redução do
das, não necessitando de redução cirúrgica. Todas arco. Em geral, a redução de 3 das articulações do
aquelas que apresentam deslocamento na sutura zigoma é suficiente para a redução da fratura.
zigomática frontal necessitam de redução aberta.
c) Fratura de órbita
- Anatomia
A órbita é uma pirâmide modificada. Suas paredes são
formadas por 7 ossos principais: asas do esfenoide, etmoi-
de, frontal, zigoma, maxila, lacrimal e palatino. As margens
são formadas por ossos grossos, que vão afinando em di-
reção ao ápice, onde se localizam a fissura orbital superior
(por onde passam os nervos III, IV, VI e ramos do V) e o
forame óptico (por onde passa o nervo óptico). O nervo in-
fraorbital atravessa o assoalho da órbita em seu 1/3 medial
anteriormente e lateral e entra posteriormente na fissura
orbital. Ramos do nervo vão para a bochecha, o lábio su-
perior e os dentes maxilares anteriores ipsilaterais. O ramo
alveolar atravessa a parede anterior do seio maxilar, sendo
normalmente lesado nas fraturas orbitozigomáticas.
Figura 5 - Anatomia do osso zigomático
- Quadro clínico
• Movimentação mandibular limitada;
• Hematoma periorbital e subconjuntival;
• Hipoestesia do lado fraturado;
• Epistaxe ipsilateral;
• Hematoma intraoral;
• Ausência de proeminência malar, podendo ser per-
cebida se o edema não for acentuado;
• Pode haver deslocamento da órbita inferiormente
e enoftalmo, bem como deslocamento da fissura
orbital inferior. Figura 6 - Anatomia da órbita
105
CI RUR G I A P LÁ STI CA
As fraturas internas da órbita podem acometer as pare- • Encarceramento muscular (confirmado pela TC e
des medial e lateral, o assoalho ou o teto da órbita. A mais por teste de ducção forçada);
frequente é a fratura tipo blow-out, normalmente na por- • Aumento do volume da órbita em mais de 2cm2
ção medial do assoalho (medialmente ao nervo infraorbital) e deslocamento maior que 3mm, o que implicará
e na porção inferior da parede medial da órbita (lâmina pa- enoftalmo e distopia.
pirácea). Essas 2 áreas são as mais fracas da órbita e funcio-
nam como mecanismo de defesa do olho nos traumas que
- Via de acesso
poderiam levar à ruptura dele, caso não houvesse fratura Subciliar, com retalho musculocutâneo e deslocamento
concomitantemente em tal região. subperiostal. A via de Caldwell-Luc não deve ser usada iso-
As fraturas tipo blow-out podem ser puras, quando iso- ladamente, pois a redução do conteúdo encarcerado “às ce-
ladas, ou impuras, quando associadas a fraturas da margem gas” pode levar a complicações, como lesão do nervo óptico.
orbital. O encarceramento de estruturas nas fraturas do Após a redução do conteúdo, faz-se a reconstrução do
assoalho normalmente ocorre por mecanismo de alçapão, assoalho com enxerto ósseo ou de cartilagem, ou ainda im-
em que o osso fraturado retorna mais rapidamente que o plantes aloplásticos.
tecido afundado, prendendo-o. O encarceramento é mais - Complicações
frequente nas fraturas pequenas, e o tecido usualmente
• Pode ocorrer diplopia por lesão muscular durante
encarcerado é a gordura extraocular, raramente o músculo. a cirurgia;
Nessas situações, há urgência no tratamento da fratura.
• Hematomas (podem comprometer a acuidade vi-
- Quadro clínico sual);
• Hematoma palpebral; • Ectrópio ou escleral show;
• Diplopia; • De 10 a 20% dos pacientes precisarão de uma 2ª
• Movimentação ocular limitada; cirurgia para correções das posições da pálpebra ou
• Hipoestesia na região infraorbital. do olho;
- Diplopia • Lesão do sistema lacrimal;
Pode ser causada por encarceramento da gordura, • Hipoestesia ou anestesia do infraorbital;
edema de tecido mole, contusão muscular ou lesão do • Escleral show: complicação frequente devido à re-
nervo oculomotor. Isoladamente, não é indicação cirúrgi- tração palpebral, em que a esclera fica mais apa-
ca. Geralmente ocorre quando se olha para cima e para rente. Muitas podem melhorar com o tempo, mas
baixo. algumas requerem correção com enxerto de pele.
Deve-se pesquisar a acuidade visual, pois fratura de Ectrópio persistente pode levar à irritação da cór-
órbita tem de 10 a 25% de incidência de lesões oculares nea e a olho seco.
associadas.
- Síndrome da fissura orbital superior – características
Deve-se realizar o teste de ducção forçada para diagnos- clínicas
ticar o encarceramento dos músculos extraoculares.
• Oftalmoplegia traumática total;
- Enoftalmo • Dormência;
Envolve o alargamento da cavidade orbital, por meio da
• Oftalmoplegia interna (midríase);
descida do tecido mole para o seio maxilar e/ou da atro-
fia da gordura orbital. Na maioria dos casos, desenvolve- • Trauma envolvendo a órbita, com comprometimen-
-se com a melhora do edema, e com hemorragia. O globo to do forame orbital superior.
é deslocado lateral e inferiormente. Quando o enoftalmo • Lesão do III par craniano (oculomotor), com para-
desloca o globo menos que 3mm, não causa deformidades lisia de:
cosméticas. Não há relação entre enoftalmo e diplopia, e a * Levantador da pálpebra;
correção do 1º não implica a melhora do 2º. * Reto superior;
- Diagnóstico * Reto inferior;
• Tomografia de face de órbita em cortes coronais e * Reto medial;
axiais, janela óssea e partes moles; * Oblíquo inferior.
• Raio x simples tem pouca importância. • IV par craniano (troclear), com paralisia do oblíquo
superior;
- Tratamento • VI par craniano (abducente), com paralisia do reto
Duas indicações básicas: lateral.
106
TRAUMA DE FACE
CIRURGIA PLÁSTICA
* Dormência;
* Oftalmoplegia interna não fotorreagente;
* Cegueira.
d) Fratura de maxila Figura 8 - Fraturas de LeFort: (A) LeFort I; (B) LeFort II; e (C) LeFort III
A maxila compõe o chamado terço médio da face, for- As fraturas tipo LeFort I e III são usualmente cominutivas
mando os pilares de sustentação vertical. Esses pilares são e consistem em fragmentos das fraturas descritas por LeFort,
os Processos Frontal (PF), zigomático (PZ) e palatino (PL). que são bastante raras. Cerca de 10% das fraturas maxilares
são acompanhadas de abertura sagital do palato, normal-
mente com laceração do lábio e/ou do palato. Apresentam
movimento lateral excessivo dos alvéolos maxilares.
- Quadro clínico
• Hematoma periorbital;
• Sangramento nasofaríngeo profuso;
• Dor;
• Má oclusão;
• Lacerações intraorais;
• Sintomas de fraturas zigomáticas, orbitais, nasoet-
moidais, dependendo do local;
• O sinal mais importante é a mobilidade do arco den-
tário maxilar;
• Os alvéolos maxilares usualmente estão retraídos,
com contato prematuro (mordida aberta);
• Rinorreia e pneumoencéfalo podem acompanhar as
fraturas LeFort I e II em até 25% dos casos.
Figura 7 - Maxila: pilares de sustentação da face
- Tratamento
As fraturas de maxila podem ocorrer de diversas manei- • Princípio: estabilização da oclusão, com reconstru-
ras. LeFort estudou os traços de fratura de milhares de crânios, ção dos pilares;
quando arremessados ao chão, e observou que a maxila apre- • Geralmente restauram-se 2 dos pilares e consegue-
sentava 3 diferentes padrões básicos de traços de fratura. -se estruturar a face;
- Classificação de LeFort • Fixação semirrígida acompanhada de bloqueios;
• LeFort I: fratura transversa separando os alvéolos • Fixação rígida com mini ou microplaca.
maxilares do restante da face superior;
e) Fraturas frontobasilares
• LeFort II: fratura piramidal, separando um fragmen-
to central em forma de pirâmide contendo a denti- - As fraturas frontais, do seio frontal e em regiões supra-
ção da maxila do restante da face; orbitais, são menos frequentes que as demais;
• LeFort III: disjunção craniofacial, separa a maxila ao - São frequentemente acompanhadas por injúria cere-
nível da porção superior do zigomático, do assoalho bral ou fístula dural, que se manifesta por rinorreia e/
da órbita e da região nasoetmoidal do esqueleto da ou pneumoencéfalo;
face. - Requerem tratamento com neurocirurgia;
107
CI RUR G I A P LÁ STI CA
- Fraturas supraorbitais: envolvem o osso frontal e a mar- II - Favorável/desfavorável (se houver traço de fratura,
gem superior da órbita. Pode ser uma simples fratura da separa-se ou se aproxima pela ação da musculatura)
margem ou envolver todo o osso frontal. Lesões mais ex- A mandíbula tem inserções musculares fortes que influen-
tensas são, em geral, acompanhadas de lesão cerebral; ciam o seu deslocamento após a fratura. A ação desses mús-
- Quadro clínico: hematomas e lacerações periorbitais e culos pode afastar (desfavoráveis) ou aproximar (favoráveis).
depressão óssea ou da órbita. Ptose está presente com
frequência pelo dano do músculo elevador da pálpe-
- Músculos que elevam a mandíbula:
bra. Pode haver síndrome da fissura orbital superior • Masseter;
caso a lesão se estenda até o teto da órbita. • Pterigóideo medial;
• Temporal.
f) Fratura do seio frontal
- Músculo protrusor da mandíbula:
- O seio frontal ocupa a porção central do osso frontal; • Pterigóideo lateral.
- Forma 2 cavidades irregulares divididas por um septo - Músculo depressor da mandíbula:
que drenam para o meato nasal por meio do duto na-
• Geni-hióideo;
sofrontal pelo assoalho do seio de cada lado;
• Digástricos.
- Seu desenvolvimento inicia-se entre os 5 e 10 anos;
- Poucos sintomas agudos são característicos deste tipo III - Direção (oblíqua/transversa/cominutiva/“em galho ver-
de fratura; de”)
- Frequentemente estão associados às fraturas nasoet- - Quadro clínico
moidal, supraorbital e da fossa cranial anterior;
- Diagnóstico: TC de face; • Dor;
- Fístula liquórica é frequente quando a parede anterior • Edema;
está fraturada. • Sensibilidade;
- Tratamento: depende do número de paredes envolvidas: • Má oclusão;
• Parede anterior: observação se não houver deslo- • Dentes fraturados;
camento. Se houver, realizar elevação por incisão • Gaps e discrepâncias no nível da dentição;
coronal; • Assimetrias no arco dentário;
• Lesão envolvendo o duto nasofrontal: monitoração
• Perda de dentes;
com TC para observar opacificação do seio. Se esti-
ver envolvido, a mucosa do seio é removida; • Crepitação;
• Parede posterior: cranialização do seio (cranioto- • Hipoestesia do nervo mentual;
mia frontal com exposição da dura e da base cra- • Deformidade em mordida aberta;
nial anterior). A parede posterior é removida, e o • Trismo;
duto, obliterado. Retalho pericranial no assoalho e • Laceração do canal auditivo (côndilo).
reconstrução da parede anterior.
- Diagnóstico
g) Fratura de mandíbula • Tomografia de face;
Terceiro osso mais fraturado na face. • Panorâmica de mandíbula.
- Classificação - Tratamento
I - Quanto à localização • Fraturas subcondilares, de ângulo, corpo e sínfise:
Sínfese, parassínfese, ramo, ângulo e côndilo (mais comum). poderão ser tratadas por bloqueio intermaxilar (BIM)
somente se não há deslocamento significativo. Se há
deslocamento, proceder à redução aberta.
• Na mandíbula edentada, as fraturas sem deslo-
camento podem ser tratadas por dieta pastosa. A
maior parte, porém, necessita de redução aberta e
fixação com placas e parafusos.
- Complicações
• Infecção;
• Não união;
• Má oclusão;
Figura 9 - Regiões da mandíbula • Hipoestesia.
108
TRAUMA DE FACE
h) Fratura naso-etmoido-orbital
- Lesão de 1 ou de ambos os processos frontais da ma-
xila e do nariz;
- O processo frontal da maxila contém a inserção do li-
gamento cantomedial, que pode estar deslocado, cau-
sando telecanto;
- 50% das fraturas nasoetmoidais são unilaterais;
- 50% são isoladas;
- Com frequência, acompanha fratura LeFort ou frontal;
- Estas fraturas têm o maior potencial de todas as fratu-
ras de face de produzir deformidade. São acompanha-
CIRURGIA PLÁSTICA
das, com frequência, de lesões da dura-máter ou de
estruturas craniais anteriores;
- Quadro clínico: sangramento nasal, fratura nasal comi-
nutiva, deprimida, com nariz encurtado, sensibilidade
sobre o processo frontal da maxila, crepitação sobre o
ligamento cantomedial;
- Tratamento: redução aberta e fixação rígida. É impor-
tante reduzir o nariz por via transnasal, para manter a
distância intercantal. A via de acesso pode ser coronal
ou por incisão local vertical no canto da órbita.
109
cirurgia do trauma – cirurgia plástica – ortopedia
volume 3
cirurgia do trauma
cirurgia plástica
ortopedia
ORTOPEDIA
CAPÍTULO
1
Conceitos gerais
Gustavo Merheb Petrus
1. Terminologia ortopédica
A - Anquilose
Perda da mobilidade articular decorrente da evolução
natural de uma doença ou trauma.
D - Artrose ou osteoartrite
É o processo degenerativo que acomete as articulações,
com diminuição progressiva da cobertura cartilaginosa e
desenvolvimento de deformidades.
E - Artrodese
Perda intencional da mobilidade articular decorrente de
Figura 1 - Anquilose do quadril uma cirurgia realizada com essa finalidade.
F - Axonotmese
B - Artrite
Lesão parcial do tecido nervoso, em que pode ocorrer
Processo inflamatório que acomete uma articulação. recuperação parcial espontânea.
110
CONCEITOS GERAIS
ORTOPEDIA
Figura 4 - Radiografia de uma escoliose
K - Fratura
Perda ou solução de continuidade no tecido ósseo.
L - Fratura exposta
Fratura cujos fragmentos ósseos ou o hematoma fratu-
rário são expostos ao meio ambiente.
Figura 3 - Cifose
H - Claudicar
Mancar.
I - Consolidação
Processo fisiológico que leva à formação óssea no foco
de uma fratura.
Figura 5 - Fratura exposta grau IIIC de Gustillo e Anderson
J - Escoliose
Curvatura da coluna no plano coronal, tanto fixa quanto
corrigível e maior que 10°. A Figura 4 mostra o cálculo da
M - Fratura cominuta
deformidade vertebral. Fratura que apresenta mais de 3 fragmentos.
111
ORTO P ED I A
P - Axoniotmese
Interrupção do axônio com bainhas conectivas intactas.
Há degeneração walleriana causando paralisia motora, sen-
sitiva e autonômica, porém pode haver recuperação, com
tempo variável de acordo com o nível da lesão.
Q - Neurotmese
Lesão completa de um nervo, não sendo possível a re-
cuperação espontânea. Todo o nervo e suas estruturas es-
tão lesados. Não há integridade do epineuro e a reparação
sempre é cirúrgica. A regeneração e a reinervação nunca
são completas e, geralmente, os pacientes evoluem com
alguma deficiência residual quanto à função motora e sen-
sitiva.
R - Osteomielite
Processo infeccioso que atinge os ossos agudamente,
Figura 6 - Fratura cominuta podendo cronificar.
S - Pseudoartrose
N - Luxação
Falha da consolidação óssea, resultando em uma falsa
Perda de congruência articular.
articulação com franco movimento, podendo ser ou não
infectada.
O - Neuropraxia
A estrutura do nervo permanece intacta, porém a con-
dução axonal é interrompida. Figura 8 - Fratura distal de tíbia e fíbula esquerdas
112
CONCEITOS GERAIS
T - Redução
Manobra que permite o alinhamento de um osso com
fratura e desvios dos fragmentos ou a correção de uma lu-
xação.
U - Redução cruenta
Correção do alinhamento de uma fratura por meio de
acesso cirúrgico.
V - Redução incruenta
Correção do alinhamento de uma fratura utilizando
tração manual ou por aparelhos sem abertura do foco de
fratura.
W - Retardo de consolidação
Demora para a consolidação de uma fratura além do
tempo médio.
ORTOPEDIA
X - Sequestro
Fragmento de tecido ósseo desvitalizado encontrado
nas osteomielites crônicas.
Y - Tratamento conservador
Por medidas não cirúrgicas, geralmente com uso de ges-
so ou órteses.
113
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
2
Doenças do metabolismo ósseo
Gustavo Merheb Petrus
114
D O E N Ç A S D O M E TA B O L I S M O Ó S S E O
O equilíbrio entre as concentrações de formas mais Raquitismo por redução do fosfato extracelular
ou menos ativas de vitamina D está relacionado aos níveis - Síndrome de má absorção intestinal;
sanguíneos de cálcio e paratormônio. Quando ocorre de-
- Drogas: hidróxido de alumínio, glicocorticoides;
ficiência da 1,25-diidroxivitamina D, como nas deficiências
- Causas genéticas.
nutricionais, não ocorre absorção adequada de cálcio pelo
intestino delgado, com resultante hipocalcemia, que esti- Raquitismo por redução do cálcio extracelular
mula a paratireoide a manter a calcemia à custa de baixa - Síndrome de má absorção intestinal;
reabsorção de fósforo pelo rim. - Drogas: glicocorticoides, colestiramina;
Os baixos níveis de cálcio e fósforo levam à falha na mi- - Ingestão deficiente de cálcio.
neralização da matriz óssea e na calcificação da cartilagem Raquitismo por defeitos primários da mineralização
e tecidos osteoides, com alteração do processo de cresci-
- Drogas: etidronato, fluoretos, alumínio, chumbo;
mento epifisário, quadro conhecido como raquitismo. A
- Causas genéticas: hipofosfatasia autossômica recessiva, hipo-
osteodistrofia renal é a denominação para o raquitismo de-
fosfatasia autossômica dominante.
corrente de insuficiência renal crônica.
* Fator de crescimento dos fibroblastos-23.
C - Etiologia
D - Diagnóstico
O raquitismo nutricional inclui o causado por deficiência
de vitamina D e por carência na ingesta de cálcio ou fos- As manifestações clínicas do raquitismo dependem da
fato. São raros atualmente, encontrados em prematuros, etiologia, da idade de início e da intensidade, manifestan-
do-se desde a infância até a adolescência, quando ocorre
crianças com dietas atípicas ou que não tenham exposição
fusão da placa de crescimento. Os sintomas iniciais geral-
adequada ao sol.
mente são inespecíficos, incluindo retardo ponderal, esta-
ORTOPEDIA
Causas gastrintestinais incluem problemas hepáticos e
tural e da erupção dentária; infecções de vias aéreas, irrita-
do intestino delgado, icterícia obstrutiva e enteropatias e os
bilidade e sudorese cefálica são relatadas. Somente em fase
casos de síndromes de má absorção, como colite ulcerativa,
posterior, as deformidades ósseas são notadas nos mem-
doença de Crohn, enteropatia sensível ao glúten, sarcoido-
bros inferiores, submetidos às maiores cargas, geralmente
se e tuberculose.
mais intensas nos lactentes do que nas crianças maiores.
Outras causas incluem raquitismo resistente à vitamina
No lactente que engatinha, o encurvamento pode ocorrer
D, como diabetes fosfato (defeito dos túbulos renais com
nos antebraços, mas menos pronunciado.
falha na reabsorção de fosfato); falha na síntese de 1,25-dii-
Ao exame físico, observam-se alargamento de punhos,
droxivitamina D; insensibilidade a 1,25-diidroxivitamina D;
joelhos e tornozelos (por expansão metafisária), deformi-
e acidose tubular renal.
dades em membros superiores e inferiores (joelho varo,
A hipofosfatemia familiar (raquitismo tubular renal) é
joelho valgo – Figura 1), fronte proeminente, rosário raquí-
uma doença genética ligada ao cromossomo X, com he-
tico (notado na extremidade anterior das costelas, por ex-
rança dominante, causando deformidade óssea aguda. As
pansão da junção costocondral), deformidade torácica por
crianças são hipodesenvolvidas; os meninos, os mais aco-
projeção esternal anterior (tórax em “peito de pombo”) e
metidos, mas não acontece miopatia, e o cálcio sérico está sulco de Harrison (deformidade torácica determinada pela
normal, assim como o paratormônio. ação do diafragma na respiração).
Tabela 1 - Tipos de raquitismo e suas causas
Raquitismo por falta ou ação deficiente da vitamina D
- Exposição solar deficiente;
- Ingestão de vitamina D insuficiente;
- Síndrome de má absorção;
- Alterações do metabolismo da vitamina D: hepatopatias crô-
nicas, insuficiência renal crônica, uso crônico; de anticonvulsi-
vantes (fenobarbital, difenil-hidantoína), acidose prolongada;
- Causas genéticas: raquitismo dependente da vitamina D tipo I
(deficiência da 1-alfa-hidroxilase), raquitismo dependente da vi-
tamina D tipo II (defeito no receptor da 1,25(OH)2 vitamina D).
Raquitismo por redução do fosfato extracelular
- Doenças que cursam com aumento da fosfatúria:
· FGF-23* independente: tubulopatias, síndrome de Fanconi;
· FGF-23 dependente: tumores mesenquimatosos, displasia
fibrosa poliostótica, síndrome dos nevos epidérmicos. Figura 1 - (A) Joelho varo e (B) joelho valgo. Fonte: uptodate.com
115
ORTO P ED I A
E - Laboratório
No raquitismo por falta da vitamina D, as alterações
laboratoriais dependem da intensidade da deficiência,
Figura 3 - Criança com raquitismo avaliada pelo calcidiol plasmático. Em crianças, valores de
116
D O E N Ç A S D O M E TA B O L I S M O Ó S S E O
calcidiol plasmático inferiores a 10 a 12ng/mL indicam defi- do-se da má qualidade do osso, do tempo aumentado para
ciência de vitamina D, sendo inferiores a 5ng/mL na maioria obtenção da consolidação e da tendência para recidiva das
das crianças com raquitismo por deficiência dessa vitamina. deformidades, principalmente em crianças jovens.
No início da deficiência da vitamina D, o hiperparatireoidis-
mo secundário mantém a calcemia e o calcitriol plasmático, 3. Osteodistrofia renal
com tendência à hipofosfatemia e à elevação da FA sérica.
O agravamento da deficiência da vitamina D resulta em
alterações mais evidentes – hipocalcemia, hipofosfatemia, A - Definição
elevação da FA sérica, redução do calcitriol plasmático, hi- A osteodistrofia renal é definida como o conjunto de
pocalciúria e hiperparatireoidismo secundário. Nas formas anormalidades ósseas que se estabelece em pacientes
genéticas de raquitismo relacionado à vitamina D, as altera- com insuficiência renal crônica, gerando quadros como os-
ções laboratoriais são intensas – hipocalcemia acentuada, teoporose, osteomielite, gota, distúrbios do metabolismo
hipofosfatemia, acentuada elevação da FA sérica, hipocalci- do cálcio e do fósforo, ou decorrentes de complicações do
úria e elevação significativa do PTH. tratamento instituído (osteoporose pelo uso de corticoide,
Resumidamente, o cálcio e o fósforo abaixo do normal, necrose asséptica).
fosfatase alcalina e paratormônio elevados e baixos níveis Os distúrbios osteometabólicos que acontecem durante
de 1,25-diidroxivitamina D no sangue. Na urina, os níveis de a progressão da insuficiência renal crônica concorrem para
cálcio e fosfato estão diminuídos. o surgimento do hiperparatireoidismo secundário, um tipo
de osteodistrofia de alto turnover ósseo. Assim, a retenção
Tabela 2 - Alterações laboratoriais dos diferentes tipos de raquitismo
de fósforo e a redução dos níveis de vitamina D e conse-
Deficiência de Tubular renal Glomerular quentemente da concentração de cálcio são fatores mais
vitamina D (familiar) renal que suficientes para estimular a secreção de PTH.
ORTOPEDIA
Soro A osteodistrofia renal compreende 4 entidades: raqui-
- Ca ↓ Normal ↓ tismo (osteomalácia), osteíte fibrosa, osteoesclerose e cal-
-P ↓ ↓ cificação ou ossificação patológicas.
↑ Por conta do dano renal, há retenção de fosfato e di-
- FA ↑ ↑ minuição da produção renal de 1,25-diidroxivitamina D, le-
↑
Urina vando à diminuição da reabsorção de cálcio no intestino,
acarretando hipocalcemia e hiperparatireoidismo secundá-
- Ca ↓ ↓ ↓
rio. Clinicamente, instala-se um quadro de raquitismo e de
-P ↓ ↓ osteíte fibrosa.
Ca = Cálcio; P = fosfato; FA = Fosfatase Alcalina.
F - Tratamento
O tratamento envolve níveis aumentados de fósforo, fos-
fato e vitamina D na dieta. A exposição aos raios solares ultra-
violeta, azeite de oliva e ergosterol são fontes de vitamina D.
Uma quantidade suficiente de raios ultravioleta do sol
a cada dia e o fornecimento adequado de cálcio e fósforo
na dieta podem prevenir o raquitismo. Comprovou-se que
a reposição de vitamina D corrige o raquitismo ao serem
usados métodos de medicina e terapia de luz ultravioleta.
O tratamento do raquitismo pela simples deficiência de
vitamina D consiste na administração oral diária de 2.000 a
5.000UI de vitamina D por 6 a 10 semanas. Se a criança não
responde a esse regime de terapia, provavelmente tem um
raquitismo refratário à vitamina D.
Geralmente, crianças menores que 6 anos, com defor-
midades leves de até 15° de desvio, tendem a responder Figura 6 - Radiografia do úmero proximal mostrando alterações
positivamente ao tratamento para controle metabólico. devido à osteodistrofia renal
Podem-se tentar órteses corretivas.
O tratamento cirúrgico é indicado para crianças acima
de 6 anos e com graves deformidades, refratárias a outras
B - Clínica
medidas de tratamento. Realizam-se osteotomias correti- A clínica é semelhante à do raquitismo. Além disso,
vas, e deve-se ponderar a fixação a ser utilizada, lembran- como pode ocorrer calcificação periarticular, causando limi-
117
ORTO P ED I A
118
D O E N Ç A S D O M E TA B O L I S M O Ó S S E O
Raquitismo
- Cálcio e fósforo abaixo do normal, fosfatase al-
calina e paratormônio elevados e baixos níveis
Exames
de 1,25-diidroxivitamina D no sangue;
laboratoriais
- Na urina, os níveis de cálcio e fosfato estão di-
minuídos.
- Administração oral diária de 2.000 a 5.000UI
de vitamina D por 6 a 10 semanas;
Tratamento - O tratamento cirúrgico é indicado para crian-
ças acima de 6 anos e com graves deformida-
des, e realizam-se osteotomias corretivas.
ORTOPEDIA
119
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
3
Ortopedia pediátrica
Gustavo Merheb Petrus
1. Acondroplasia
A acondroplasia é o tipo mais comum de nanismo, em
que se observa alteração na formação de osso endocon-
dral, mas com formação normal de osso intramembranoso.
Caracteriza-se por membros curtos, com cabeça protube-
rante (principalmente testa), nariz “em sela”, canal verte-
bral lombar estreitado e alterações pélvicas.
Apresenta herança autossômica dominante, porém, em
85% dos casos, é causada por uma mutação genética alea-
tória. A mutação do gene foi localizada no receptor do fa-
tor de crescimento do fibroblasto tipo 3 (FGFR3). Acomete
ambos os sexos, e sabe-se que pais mais velhos têm maior Figura 1 - Características da acondroplasia
chance de ter filhos acondroplásicos.
Ocorre uma lordose lombar, com protrusão caracterís-
O acometimento da acondroplasia ocorre na placa de
tica das regiões glútea e abdominal. As mãos são curtas e
crescimento, principalmente na camada proliferativa, le-
alargadas, com todos os dedos do mesmo tamanho, e há
vando a alterações na região metafisária do osso. Deste
um aumento do espaço entre o 3º e o 4º quirodáctilos (mão
modo, o crescimento longitudinal do osso ocorre de forma
“em tridente”). O desenvolvimento muscular é acima do
mais lenta. A ossificação periosteal é normal, levando a um normal, as funções endócrinas e sexuais normalmente são
crescimento normal em largura dos ossos longos que pode normais, e a inteligência é normal ou acima do normal.
ser confundido como uma largura anormal, pois o osso está
diminuído em comprimento.
O diagnóstico é feito ao nascimento, com o bebê muito
pequeno, principalmente seus membros. Com a evolução,
observam-se o tamanho do tronco normal e um encurtamen-
to dos membros. Os acondroplásicos não conseguem colocar
as mãos abaixo do trocânter maior (na posição ereta); nas
pessoas normais, a mão encosta no terço médio da coxa.
Observa-se um crânio braquicefálico, com uma cabeça
aumentada de diâmetro, o que pode ser confundido com
hidrocefalia. O comprimento anteroposterior está diminuí-
do, e a testa aumentada com face alargada e com dentição
normal. Figura 2 - Criança com acondroplasia
120
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
A radiografia caracteriza-se por todos os ossos longos cabeça do rádio, talvez pelo fato de haver um alargamen-
de tamanho reduzido, com largura e densidade normais, to da cabeça do rádio que dificulta sua articulação com o
assim como as epífises, com metáfises alargadas e epífi- úmero.
ses normais (a acondroplasia não acomete a epífise). Os A frouxidão ligamentar também está presente e por isso
seguimentos proximais (úmero e fêmur) são mais acome- muitas crianças acondroplásicas podem flexionar a articu-
tidos que os distais, a fíbula é maior que a tíbia, e observa-
lação dos dedos, punhos, cotovelos, cintura e joelhos a um
-se na placa de crescimento o formato de V no centro. A
ângulo extremo.
bacia apresenta as asas do ilíaco quadradas, com o sacro
diminuído de tamanho e o teto acetabular largo e achata- Pode ocorrer a nítida curvatura da tíbia em virtude dos
do; o osso frontal proeminente com calvária aumentada e joelhos e pés varos. Porém há alguns casos clínicos caracte-
base do crânio pequena. Na coluna, diminuição progressi- rizados por valgismo.
va no sentido descendente da distância interpedicular da
região dorsal até a lombar, ao contrário do que acontece 2. Doença de Legg-Calvé-Perthes
fisiologicamente.
O tórax apresenta diâmetro anteroposterior diminuí-
do, com costelas curtas e esterno alargado e curto. Ocorre A - Definição e considerações gerais
uma sinostose entre os corpos vertebrais com diminuição A doença de Legg-Calvé-Perthes é definida como uma
progressiva do tamanho do canal vertebral entre a 1ª e a necrose isquêmica ou avascular do núcleo secundário de
5ª vértebras lombares, podendo causar estenose do canal ossificação da epífise proximal do fêmur durante o desen-
vertebral.
volvimento, podendo acontecer entre os 2 e os 16 anos de
Quanto aos adolescentes, o nanismo acondroplásico
idade, com predominância entre os 4 e 9 anos.
pode fazer diagnóstico diferencial com cretinismo, raquitis-
ORTOPEDIA
mo e síndrome de Morquio. A evolução do nanismo é óti- Recebe essa denominação porque 3 autores a descreve-
ma e não apresenta, normalmente, artrose, pois as epífises ram ao mesmo tempo: Legg (americano), Calvé (francês) e
são normais. Podem evoluir com dor frequente nas costas Perthes (alemão). O acometimento inicia-se na região ante-
acompanhada de ciatalgia e, em cerca de 11% dos casos, rolateral da epífise e progride para a região posteromedial
com paraplegia devido à estenose progressiva da coluna do núcleo de ossificação.
lombar. A cartilagem hialina é nutrida por embebição do líqui-
Dentre as principais desvantagens citadas pelos acon- do sinovial, portanto não é acometida por essa condição.
droplásicos não estão suas respectivas limitações físicas, A doença é totalmente autolimitada, apresentando a sua
mas sim a percepção da sociedade frente às suas condições. fisiopatologia dividida em 4 fases:
Muitos relataram provocações, grosserias, discriminações, - Necrose;
entre outras formas de preconceito, como sendo as piores
dificuldades encontradas para o envolvimento com a socie- - Fragmentação (radiograficamente, caracterizada pela
dade, prejudicando o convívio social e consequentemente cabeça pulverizada; é a fase em que acontece a defor-
a qualidade de vida. midade da cabeça femoral, caso tenha contato entre a
Não há prejuízo do desenvolvimento mental, mesmo epífise e o lábio do acetábulo);
nos casos que apresentam a referida hidrocefalia, que pode - Reossificação;
estar presente na infância. - Remodelação ou residual.
Em crianças acondroplásicas, admitem-se 2 mecanis-
mos na gênese da hidrocefalia decorrentes das alterações É importante lembrar que a cura da necrose ocorre de
esqueléticas da base do crânio: anterior para posterior e de lateral para medial.
- Obstrução liquórica no nível da cisterna magna;
- Diminuição da absorção liquórica, ocasionada por uma B - Incidência
hipertensão venosa, decorrente de uma constrição das
A doença acomete 4 vezes mais meninos que meninas,
veias jugulares no nível dos forames jugulares.
sendo o lado esquerdo mais comum. De 10 a 20% são bila-
As mãos são pequenas, largas e os dedos curtos com terais, e a principal idade para o seu acometimento é entre
separação entre a 3ª e 4ª falanges (mão em tridente). A 4 e 9 anos.
postura do paciente se caracteriza por uma acentuação da
cifose torácica e da lordose lombar, com abdome protru- C - Etiologia
so, no qual o surgimento de hérnia umbilical não é raro.
Alguns autores ainda citam o surgimento de uma cifose Não há etiologia definida. Há teorias, como sinovite com
toracolombar e ainda uma exacerbação das massas mus- aumento da pressão hidrostática intracapsular, aumento da
culares glúteas. São relatados, também, certa limitação na coagulação e da viscosidade sanguínea, aumento dos lipí-
movimentação dos cotovelos e subluxação congênita da dios e infartos de repetição.
121
ORTO P ED I A
E - Classificação
Catterall, em 1971, descreveu uma classificação prog-
nóstica em 4 grupos: grupo I – acometimento de até 25%
Figura 4 - Vascularização da região proximal do fêmur da cabeça femoral; grupo II – até 50%; grupo III – até 75%;
grupo IV – acima de 75%. Outra classificação utilizada é a
de Salter e Thompson, que avalia o sinal da lise subcondral
D - Quadro clínico radiograficamente (sinal de Caffey), dividindo o quadril em:
O quadro clínico é de dor na região do quadril ou joe- A – sinal de Caffey <50%; B – sinal de Caffey >50% da super-
lhos, devido à irradiação do nervo obturatório. Podem-se fície articular. Essa é uma classificação precoce, que permite
observar limitação da abdução, rotação interna e flexão do prever o grau de necrose da cabeça femoral.
quadril em graus variados, dependendo do grau de acome- No mesmo ano, Catterall criou 5 critérios para a cabeça
timento da necrose. Quanto menor a idade de acometi- em risco: calcificação lateral na epífise, lise metaepifisária
mento, melhor o prognóstico; quanto maior o grau de obe- (sinal da unha), presença de cisto metafisário (geoides),
sidade, pior o prognóstico. horizontalização da fise e subluxação lateral da epífise.
No início, os sintomas são pouco intensos, e, ao exame Atualmente, além desses sinais, são considerados sinais da
clínico articular, haverá maior ou menor restrição dos movi- cabeça em risco a extensão da cabeça femoral descoberta
122
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
G - Tratamento
O objetivo do tratamento é obter e manter o quadril
centralizado durante o período ativo da doença para, no fi-
nal do processo, obter uma cabeça femoral perfeitamente
congruente com o acetábulo.
A congruência articular pode ser mantida por métodos
cirúrgicos e não cirúrgicos.
ORTOPEDIA
Figura 5 - Classificação grau I de Catterall e sua evolução
Figura 7 - Gesso pelvipodálico (ou broomstick) para manter a ca-
beça femoral centrada no quadril
123
ORTO P ED I A
B - Etiologia
A etiologia permanece desconhecida. No entanto, há
um consenso em relacioná-la com o processo infeccioso
ativo ou recente, com reações alérgicas e trauma. Autores
demonstraram associação a infecções virais e bacterianas,
Figura 9 - Órtese em repouso em especial com focos amigdalianos.
C - Incidência
A predominância é de 2:1 no sexo masculino, em rela-
ção ao feminino.
O número aproximado de casos é difícil de ser determi-
nado, já que boa parte não procura atendimento médico
especializado.
É, geralmente, unilateral. A faixa etária mais comum
ocorre entre 3 e 8 anos, com pico em torno dos 6 anos.
D - Quadro clínico
Figura 10 - Osteotomia de Salter
A queixa principal é de dor de início súbito no quadril de
uma criança saudável, localizada na face anterior da coxa ou
do joelho. Existe limitação funcional do membro afetado,
que é mantido em flexão e rotação externa. A claudicação
acontece durante a marcha. Além disso, podem estar pre-
sentes outros sintomas e sinais clínicos comuns aos proces-
sos inflamatórios articulares.
Os sintomas duram alguns dias (de 1 a 10 dias). A evolu-
ção é benigna, sem deixar sequelas anatômicas e funcionais.
Achados laboratoriais e de imagens são normais.
E - Diagnóstico diferencial
Artrite séptica, doença de Legg-Calvé-Perthes, artrite
Figura 11 - Radiografia pós-operatória: osteotomia acetabular e reumatoide juvenil, febre reumática, leucemia e tumores
osteotomia valgizante do fêmur fixado com placa angulada malignos ou benignos.
124
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
F - Tratamento B - Etiologia
O tratamento é sintomático, e parece essencial repou- A etiologia da luxação congênita do quadril pode ser
sar a articulação afetada. Medicações analgésicas e anti- hiperfrouxidão ligamentar, fatores relacionados à estabili-
-inflamatórias não hormonais podem ser usadas. dade do quadril, posição intrauterina, fatores genéticos e
A punção da articulação não está indicada como trata- ambientais. Sabe-se que a displasia acetabular é resultado
mento da sinovite, somente para fins de diagnóstico dife- de uma luxação do quadril e não a causa da mesma.
rencial com outras condições. A incidência de luxação é bem maior em crianças que
nasceram de parto pélvico; outro fator de aumento dessa
4. Displasia congênita do quadril incidência é a diminuição do volume intraútero (oligodram-
nia), que faz diminuir a mobilidade intraútero e aumentar a
A - Introdução pressão abdominal sobre o feto. O lado esquerdo é acome-
tido, na maioria das vezes, pela posição fetal mais comum
Embriologicamente, o desenvolvimento dos MMIIs e dos
ser o dorso lateral esquerdo. O sexo feminino é acometido
MMSSs inicia-se na 5ª semana de gestação, e a cartilagem arti-
cerca de 4 a 6 vezes mais do que o masculino.
cular do acetábulo e a cabeça femoral iniciam o seu desenvol-
Nos diversos tipos de displasia do quadril, podem ser ob-
vimento na 8ª semana de gestação. Com 11 semanas, o qua-
servadas diversas alterações estruturais que variam de inten-
dril está totalmente formado; a cabeça femoral já é esférica,
sidade de acordo com a gravidade da displasia. Por exemplo:
com 5 a 10° de anteversão, e o acetábulo com 40°. A criança
cápsula frouxa e hiperelástica, ligamento redondo alongado
dentro do útero encontra-se com os quadris em flexão, adução
e distendido, inversão do labrum. Pode apresentar dificulda-
e rotação externa, sendo essa posição a mais estável.
de para redução devido à inversão do labrum, interposição
A definição de displasia do quadril é ampla, pois vai da
do ligamento redondo e pulvinar fibrogorduroso.
simples instabilidade do quadril com frouxidão ligamentar
ORTOPEDIA
até a luxação completa do mesmo. A displasia é uma anor- A maioria das crianças com displasia do desenvolvimen-
malidade da articulação do quadril na qual o fêmur, o ace- to do quadril nasce com instabilidade, mas cerca de 90%
tábulo e a cápsula estão alterados. dos casos se resolvem em 3 meses de forma espontânea.
C - Diagnóstico
O diagnóstico dos recém-nascidos de até 2 meses é feito
por meio da manobra de Ortolani (flexão, abdução e rota-
ção externa simultâneas do quadril, com o dedo indicador
pressionando o trocânter maior em direção ao acetábulo), a
qual é responsável pela redução de um quadril luxado (ruído
de Clumk). No recém-nascido, a cabeça luxada posterolate-
ralmente é facilmente reduzida, porém, no bebê de maior
idade, a contratura das partes moles dificulta a redução.
O teste de Barlow determina se o quadril é luxável ou
não, portanto é um teste provocativo de luxação. A criança
deve ter os 2 quadris fletidos, e se deve examinar 1 quadril
Figura 13 - Luxação do quadril
por vez; o quadril examinado deve estar fletido a 90° e deve-
A displasia pode ser classificada em teratogênica ou tí- rá ser aduzido (essa posição é a de máxima instabilidade para
pica. A teratogênica normalmente está associada a outras a luxação do quadril). Quanto ao recém-nascido, a posição
malformações, como artrogripose e mielomeningocele. fisiológica do quadril e do joelho é de 15 a 20° de flexão (po-
Apresenta uma acentuada luxação do quadril, já diagnos- sição de maior estabilidade), e, com o desenvolvimento, essa
ticada intraútero, e, ao nascimento, a luxação não pode ser flexão diminui. Diante de um recém-nascido com quadril em
reduzida pela manobra de Ortolani. extensão, deve-se sempre pensar em luxação.
A luxação típica ocorre em criança normal e pode ser in- Outros sinais clínicos devem ser observados, como o en-
traútero (fetal ou pré-natal), ao nascimento (perinatal), ou curtamento do fêmur em relação ao lado contralateral, obser-
após o nascimento (pós-natal). É importante determinar o vado com o quadril e joelhos fletidos a 90° (sinal de Galeazzi),
momento da luxação para a determinação do prognóstico. hipotrofia da musculatura do membro inferior, proeminência
A luxação típica pode ser dividida em 3 tipos: quadril lu- do trocânter maior, assimetria das pregas inguinais e glúteas
xado, quadril luxável e quadril subluxado. O quadril luxado (sinal de Peter-Bade) e limitação da abdução do quadril.
em neonatos pode ser facilmente reduzido pela manobra Outras doenças musculoesqueléticas podem estar fre-
de Ortolani; o quadril luxável pode ser provocado (para que quentemente associadas à luxação do quadril: torcicolo
a luxação ocorra) pela manobra de Barlow; e o quadril su- muscular congênito, metatarso varo, pé calcâneo valgo e
bluxável pode mostrar-se com hiperfrouxidão. hiperfrouxidão ligamentar.
125
ORTO P ED I A
É importante saber que a radiografia normal não signi- Radiograficamente, observa-se um retardo na ossifica-
fica quadril normal, pois, muitas vezes, não houve tempo ção da cabeça femoral.
para que ocorressem alterações ósseas identificáveis ao
raio x. O exame radiográfico do recém-nascido é prejudica-
do, já que a ossificação da cabeça femoral ocorre com 3 a
6 meses, estando indicada a avaliação com ultrassom nesta
faixa etária. O ultrassom dinâmico do quadril sob estresse
confirmará o diagnóstico.
As radiografias devem ser feitas com 20 a 30° de flexão
dos quadris e devem ser marcadas as seguintes linhas: linha
de Hilgenreiner ou linha Y – que passa no topo da cartila-
gem trirradiada; linha de Perkins – traçada a partir da mar-
gem mais lateral do acetábulo, é perpendicular à linha de
Hilgenreiner e determina os quadrantes de Ombrédanne, e
a epífise femoral deve ficar no quadrante inferior e medial;
linha de Menard ou de Shenton – é traçada a partir da bor-
da medial do colo femoral com a borda superior do forame
obturatório e deve ser suave e sem quebra. Outra medida
de extrema importância é o índice acetabular, traçado a par- Figura 16 - Radiografia com luxação da cabeça femoral esquerda
tir da linha de Hilgenreiner e o ponto mais alto da superfície
lateral do acetábulo, sendo o normal 27,5° com variação de No diagnóstico, após a idade em que se inicia a mar-
2,5°, e, acima de 30°, o quadril é considerado displásico. cha, ocorre o sinal de Trendelenburg positivo. Na luxação
bilateral, há a marcha de pato ou de marinheiro. O achado
radiográfico é óbvio, com a cabeça deslocada superolate-
ralmente.
D - Tratamento
O tratamento da displasia do desenvolvimento do qua-
dril deve considerar a idade do paciente e objetiva manter,
o mais precocemente possível, um contato concêntrico da
cabeça femoral no acetábulo displásico e, com isso, promo-
ver o desenvolvimento do acetábulo.
a) De 0 a 6 meses
O dispositivo de Pavilik é a órtese mais utilizada atual-
mente, pois permite a mobilidade ativa do quadril. Suas
indicações são crianças de até 4 a 6 meses, com luxação
perinatal típica do quadril e quadris instáveis, reduzidos su-
Figura 15 - Assimetria dos membros inferiores avemente por meio da manobra de Ortolani.
126
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
a zona de segurança de Ramsey. No acompanhamento dos Pode-se tentar a redução incruenta após tenotomia dos
casos de redução fácil, deve ser retirado o suspensório de adutores e GPP, em caso de sucesso na redução. Caso não
Pavilik em 3 semanas para realizar um estudo radiográfico e se obtenha a redução ou ela se mantenha instável, deve ser
observar a concentricidade da cabeça. O tempo mínimo de feito o tratamento cirúrgico com redução cruenta e poste-
imobilização é de 6 semanas; uma boa regra é o tempo de rior imobilização com GPP.
tratamento ser igual ao dobro da idade da criança em se-
manas quando se inicia a utilização do dispositivo. Quando d) Maiores de 18 meses
não se consegue reduzir um quadril, deve-se realizar tração. O tratamento nesta faixa etária é quase sempre cirúrgi-
co. Se houver instabilidade após redução, deve-se realizar
b) De 6 a 12 meses
osteotomia acetabular (Salter) associada, e pode-se realizar
Em crianças de 6 a 12 meses, deve ser realizada redução osteotomia varizante do fêmur proximal a partir dos 3 anos
incruenta sob anestesia e gesso pelvipodálico (GPP). Caso de idade nos casos em que o colo femoral for valgo.
não se obtenha uma redução satisfatória, deve-se realizar A osteotomia de Salter está indicada a crianças maiores
uma artrografia para verificar como estão a cápsula, a posi- de 18 meses e menores de 6 anos. Sabe-se que a cirurgia
ção do limbo, a presença e o estado do ligamento redondo e de Salter é de redirecionamento, não alterando o tamanho
pulvinar e a profundidade e a forma do acetábulo. Durante a da cavidade acetabular, sendo o fulcro realizado na sínfise
execução da artrografia, pode-se determinar a zona de segu- púbica. Por isso a osteotomia deve ser realizada até 6 anos,
rança de Ramsey. pois, a partir dessa idade, não se consegue dar fulcro na
sínfise pubiana. O máximo de abaixamento do índice ace-
tabular conseguido com o Salter é de 10°. Portanto, deve-
-se realizar a cirurgia de Salter com o índice acetabular até
40°; a partir de então, realiza-se a acetabuloplastia tipo
Pemberton.
Um pré-requisito para a realização do Salter: deve ape-
nas estabilizar uma articulação concêntrica e completa-
mente reduzida e não reduzir uma articulação. O quadril
a ser operado deve ter movimento normal ou próximo do
normal, pois, caso haja limitação da mobilidade após a ci-
rurgia, ocorrerá uma mudança do eixo de deambulação da
criança sem melhora do movimento.
As complicações mais comuns são lesão do nervo is-
quiático, lesão do nervo femoral, perda da correção obtida
devido ao esmagamento do enxerto, necrose avascular, re-
Figura 19 - Artrografia do quadril luxação ou ressubluxação.
127
ORTO P ED I A
Outra técnica é a osteotomia do inominado pericapsu- lógica. O acometimento bilateral é de cerca de 25 a 70%
lar do ílio (Pemberton), a qual se inicia entre as 2 espinhas dos casos.
ilíacas e continua posterior até a cartilagem trirradiada. O A descrição do biótipo mais comum acometido pela
fulcro dessa osteotomia é na cartilagem trirradiada e, para doença é a criança obesa com atraso do desenvolvimento
realizá-la, deve-se ter a cartilagem aberta. sexual (tipo Frölich) e, em poucos casos, os pacientes altos
As complicações mais comuns do tratamento cirúrgico e magros (tipo Mikulicz).
são as recidivas e a necrose avascular da cabeça femoral.
C - Etiologia
A etiologia não está bem definida, e existem várias te-
orias, mas nenhuma explica completamente a razão do
deslizamento. As mais discutidas são as teorias traumática,
anatômica, familiar, hormonal e a causada pela sinovite.
A etiologia do deslizamento é multifatorial, e as 4 prin-
cipais causas são:
- Aumento na altura da fise;
- Alteração do ângulo de inclinação e aplanamento da fise;
- Carregamento anormal da placa de crescimento;
- Insuficiência do colágeno e proteoglicanos.
D - Patogenia
Para ocorrer o escorregamento, deve haver uma força
de cisalhamento maior que as forças estabilizadoras da epí-
fise da cabeça femoral. Essas forças estabilizadoras intrínse-
cas da epífise femoral são pericôndrio, anel pericondral, in-
clinação da fise, altura da fise, processos mamilares e fibras
colágenas transfisárias.
Sabe-se que o pericôndrio se estabiliza cerca de 75% da
cabeça femoral na infância e que, com o envelhecimento,
diminui progressivamente.
O aumento da fise acontece por conta do excesso
do hormônio do crescimento e de testosterona, hipoti-
reoidismo, hipopituitarismo, hipogonadismo e diminuição
da função da vitamina D. Deve-se saber que um descola-
Figura 21 - Tipos de osteotomia para tratamento de displasia do mento epifisário pode associar-se a alterações endócrinas,
quadril por isso a grande maioria dos pacientes apresenta síndro-
me adiposo-genital (obeso e genitália subdesenvolvida) ou,
5. Epifisiólise bem raramente, é muito magra e alta.
O descolamento normalmente acontece na camada hi-
pertrófica da fise. Sabe-se que o hormônio do crescimento
A - Introdução leva a um aumento da altura da fise, estimulando o desliza-
A epifisiólise, ou coxa vara do adolescente, ocorre du- mento, e que o estrogênio leva a uma diminuição da altura
rante o período de crescimento rápido da adolescência, da fise, dificultando muito o deslizamento. Sabe-se, ainda,
quando há o enfraquecimento da fise femoral superior as- que o deslizamento mais comum é o posterior.
sociado às forças de cisalhamento do peso do corpo que
podem levar ao escorregamento da epífise em relação ao E - Quadro clínico
colo femoral. Trata-se de uma alteração da relação anatô- O quadro clínico varia de acordo com o estágio da doen-
mica normal entre a cabeça e o colo femoral. ça. Nos casos crônicos, a dor é na virilha, com irradiação para
a região anterolateral da coxa e joelhos. Essa dor pode piorar
B - Epidemiologia com atividade e esforço físicos. A dor pode ter-se originado
É mais comum no sexo masculino, em negros, em me- há vários meses, e o paciente caminha com marcha antálgica
ninos com idade de 13 a 15 anos e em meninas, de 11 com o membro rodado externamente. O grau de limitação
a 13 anos. É raro acometer meninas após a menarca. Em de mobilidade de movimento depende do grau de desliza-
relação a meninos antes dos 13 anos que apresentem des- mento. Os movimentos mais limitados são abdução, rotação
lizamento, deve-se sempre solicitar avaliação endocrino- interna e flexão do quadril; quando forçados, pode haver dor.
128
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
ciente que deambule; deve-se passá-lo para a maca e rea-
(envolve história crônica e agudização). Foi classificada por
lizar o raio x com o maior cuidado possível, internando-o
Fish, de acordo com o grau de deslizamento, em:
com tração. Esse é considerado um caso de emergência.
Além disso, realizar radiografias simples nas posições ante- - Pré-deslizamento ou grau I: observa-se apenas um
roposterior e Lauenstein (posição de rã). alargamento da fise com rarefação, e não há desloca-
Aos achados radiográficos, observa-se alargamento da mento real;
fise, com medialização da epífise. Caso se trace uma linha - Deslizamento mínimo ou grau II: observa um desloca-
paralela ao eixo superior do colo do fêmur, ela deve cortar a mento máximo de menos de 1/3 do diâmetro da me-
epífise da cabeça femoral nos casos normais (linha de Klein). táfise do colo femoral;
Se essa linha não cruzar a epífise femoral, haverá indica-
ção de que houve o escorregamento (sinal de Trethowan).
- Deslizamento moderado ou grau III: deslizamento
Outro parâmetro é a área justa-articular metafisária do colo menor que metade do diâmetro;
que está dentro do acetábulo nos quadris normais e fora - Deslizamento grave ou grau IV: deslizamento maior
nos quadris deslizados. Outro sinal muito importante é o de que metade do diâmetro.
Steel, uma linha de esclerose sobreposta no colo femoral,
observado no deslizamento precoce, quando a cabeça fe- Essa medida se dá sempre na radiografia de maior des-
moral deslizou apenas para posterior. lizamento.
Pode-se medir o ângulo da fise com o colo, que, no quadril
normal, é de, no mínimo, 87° e é menor no quadril doente. G - Tratamento
A epifisiólise é uma emergência ortopédica; deve-se
sempre internar o paciente em tração de Russel e realizar
tratamento cirúrgico, pois qualquer movimento intempes-
tivo do indivíduo pode aumentar o deslizamento. O trata-
mento definitivo com tração ou gesso não deve ser utiliza-
do, pois levaria muito tempo para que a fise se fechasse, e
o risco de condrólise seria muito alto.
Alguns autores preconizam o uso de hormônios sexuais
nos pacientes com a fise quase fechando, porém não há ne-
nhuma prova de sua função.
Recomenda-se a fixação in situ aos casos de deslizamen-
to menor de 2/3 da cabeça femoral (60%). O objetivo do
tratamento da epifisiólise é impedir o aumento do desliza-
Figura 23 - Linha de Klein na radiografia anteroposterior mento e aumentar a rapidez do fechamento da fise.
129
ORTO P ED I A
A - Introdução
Figura 25 - Fixação in situ na epifisiólise
A coxa vara congênita compreende uma anormalidade
A fixação profilática do lado contralateral é indicada a na extremidade proximal do fêmur caracterizada por uma
pacientes de baixo nível socioeconômico (não consegue diminuição do ângulo cervicodiafisário e presença de defei-
acompanhar), com doenças endócrinas e negros, na pre- to primário no colo femoral. Deformidade progressiva, em
sença radiológica de sinais de pré-deslizamento, com bióti- que ocorre deslocamento posteroinferior gradual da epífise
proximal do fêmur.
pos típicos relacionados à doença e a crianças muito jovens
A coxa vara do desenvolvimento pode ser definida como
devido à incidência aumentada. O parafuso deve sempre
uma deformidade não detectável ao nascimento que acar-
entrar mais anteriormente no colo, pelo fato de o desliza-
reta diminuição do ângulo cervicodiafisário para menos de
mento ser posterior; quanto maior o deslizamento, mais
120 a 135°.
anterior a entrada do parafuso.
Sabe-se que o tratamento cirúrgico com fixação in situ
sem tentativa de redução oferece melhor resultado. Nos ca-
sos de escorregamento crônico agudizado, pode-se tentar 1
ou, no máximo, 2 reduções; não se deve tentar a redução
anatômica do escorregamento.
Caso haja mais de 80% de escorregamento, podem ser
realizadas osteotomias do fêmur proximal, porém têm indi-
cação restrita, devido ao grande número de complicações.
Figura 27 - (A) Coxa vara, <120°; (B) normal, 120 a 135° e (C) coxa
valga, >135°
B - Incidência
Não há predileção por etnia ou sexo, e o acometimento
unilateral é de 2 a 3 vezes mais comum que o bilateral.
C - Diagnóstico diferencial
Displasias ósseas, como doença de Morquio, disostose
Figura 26 - Pós-operatório: osteotomia do fêmur proximal bilateral cleidocraniana, displasia epifisária múltipla, condrodispla-
130
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
sia metafisária, doença de Gaucher, deficiência focal pro- O defeito em varo é progressivo e tanto maior quanto
ximal do fêmur, displasia espondiloepifisária congênita e mais vertical é a zona de ossificação irregular. O trocânter
osteogênese imperfeita. maior torna-se relativamente elevado, e há diminuição da
A deformidade em varo do fêmur pode, ainda, ocorrer distância articulotrocantérica.
após necrose avascular da cabeça, epifisiólise, osteomielite,
artrite séptica, raquitismo, traumatismos e doença de Paget.
D - Etiologia
A causa exata não é conhecida, mas têm sido demons-
trados aspectos hereditários. A deformidade está relaciona-
da a um gene mutante herdado de forma dominante.
Além da hereditária, outras teorias para explicar a etio-
logia da deformidade incluem anormalidades metabólicas
que causam deficiência ou retardo no processo de ossifica-
ção, anormalidades mecânicas que acontecem no início da
marcha, dano vascular ao aspecto inferior do colo femoral e
anormalidades do desenvolvimento que causam alterações
na formação e na maturação da cartilagem.
A deformidade em varo acontece por alteração biome-
cânica do local.
E - Clínica
ORTOPEDIA
O diagnóstico costuma ser tardio. Mais da metade dos
casos é diagnosticada após os 5 anos de idade. Dificilmente
a doença é notada antes do desenvolvimento da marcha
independente.
A claudicação, indolor, é a queixa inicial dos pais. O tro-
cânter maior torna-se relativamente proeminente e eleva-
do no lado afetado. Nas deformidades unilaterais, ocorrem
diminuição do comprimento do membro afetado e marcha
de Trendelenburg por insuficiência do músculo glúteo mé-
dio. Costuma haver diminuição da amplitude de abdução e
rotação medial do quadril.
F - Aspectos radiográficos
Figura 29 - Radiografia mostrando coxa vara
Há diminuição do ângulo cervicodiafisário (< 90°), e a
placa fisária se apresenta afilada e se torna verticalizada. G - Tratamento
Os objetivos do tratamento são a correção do ângulo
cervicodiafisário, a obtenção de um melhor posicionamento
da epífise femoral proximal e a prevenção de deformidades
secundárias. O tratamento conservador é ineficaz (gessos e
órteses de abdução e rotação medial e tração).
Os pais devem ser orientados quanto ao aspecto pro-
gressivo da deformidade e à necessidade de tratamento
cirúrgico corretivo, em grande parte das vezes.
São critérios para intervenção cirúrgica: ângulo cervico-
diafisário <90° e marcha de Trendelenburg. Para a decisão
do tratamento, o paciente deve ser avaliado quanto à idade
e limitações funcionais.
A indicação cirúrgica é de osteotomia valgizante, que
promove a mudança da posição vertical da epífise femoral
para posição horizontal, diminuindo, assim, as forças de
cisalhamento sobre o colo e favorecendo a ossificação do
Figura 28 - Radiografia com coxa vara à direita defeito ósseo.
131
ORTO P ED I A
H - Complicações B - Epidemiologia
Recorrência da deformidade, fechamento prematuro Acomete mais o sexo feminino, e a idade relatada do
da fise, crescimento excessivo do trocânter maior, displasia 1º episódio de luxação é após os 12 anos. Não há relação
acetabular e pseudoartrose, necrose avascular da cabeça entre o 1º episódio e os subsequentes, e consideram-se 3
femoral, discrepância do comprimento dos membros infe- episódios no mínimo para achar o diagnóstico, bem como o
riores e artrite degenerativa. medo do paciente e a falta de segurança em usar o joelho
para atividades esportivas.
7. Luxação recidivante da patela São fatores que podem determinar luxação recidivante:
alterações congênitas na inserção do músculo vasto late-
ral, determinando maior tensionamento lateral; patela alta
A - Introdução que permite à patela sair do sulco intercondilar e se des-
Trata-se de instabilidade patelar, em geral progressiva, locar lateralmente quando o joelho é fletido; desequilíbrio
que permite que o mecanismo femoropatelar tenha mais muscular; frouxidão ligamentar pós-traumática; luxações
mobilidade e que a patela sofra deslocamentos laterais traumáticas maltratadas ou não tratadas podem levar ao
periódicos. As alterações podem ser de partes moles ou ós- deslocamento repetitivo; e, finalmente, fatores congênitos,
seas, da patela ou do fêmur. como agenesia ou hipoplasia da patela, hipoplasia do côn-
dilo lateral ou alterações na profundidade do sulco inter-
condilar e assimetria da patela.
C - Diagnóstico
Dor articular exacerbada com esportes e atividades físi-
cas mais intensas, principalmente que exigem muita potên-
cia muscular do quadríceps. Podem ocorrer sinovite com
leve derrame articular e, ainda, uma sensação de falta de
força ou bloqueio articular e o relato do paciente de que
sente que vai cair durante a marcha ou a corrida.
132
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
Ao exame físico, devem-se observar a altura da patela, superfícies articulares, com erosões na cartilagem hialina,
dos côndilos femorais e o alinhamento do joelho para de- de início na articulação femoropatelar e, posteriormente,
terminar um possível valgo prévio. Testam-se a força mus- na femorotibial.
cular do quadríceps, a presença de atrofia muscular, o grau Existe um processo reacional inflamatório, com quadro de
de flexão-extensão e a mobilidade laterolateral da patela, sinovite crônica, dor, derrame articular e atrofia quadricipital.
bem como a possibilidade ou não de luxá-la manualmente.
Em caso de luxação provocada ao exame físico, em geral E - Tratamento
há uma dor aguda ou o paciente refere uma sensação igual Devem-se avaliar fatores etiológicos, grau de desloca-
à que acontece nas recidivas. mento e instabilidade, tempo de evolução, número e cau-
Faz-se o estudo radiográfico de rotina com radiografias sas dos episódios e grau de artrose, se existente.
em anteroposterior e perfil e axiais da patela em 45 e 90° Deformidades angulares do joelho, em varo ou valgo, se
de flexão, que mostram com clareza as alterações articu- existentes, devem ser corrigidas simultaneamente.
lares femoropatelares e femorotibiais, a forma da patela e Inicia-se o tratamento com medidas conservadoras,
os sinais de alterações congênitas e de degenerações que como órtese e fisioterapia.
podem estar presentes. A fisioterapia objetiva fortalecer a musculatura do vasto
medial e alongar as estruturas posteriores e laterais do jo-
elho. A maioria dos pacientes é tratada através de medidas
conservadoras, sendo indicada cirurgia à minoria.
Preconiza-se o tratamento cirúrgico se há falha no trata-
mento conservador. A cirurgia básica é uma quadricepsplas-
tia, além de tensionamento do vasto medial associado à libe-
ração do retináculo lateral da patela. Quando se observa uma
ORTOPEDIA
lateralização da inserção do tendão patelar, deve-se reinseri-
-lo mais medialmente e fixá-lo com parafuso esponjoso.
No pós-operatório, a imobilização é mantida em 20° de
flexão por 4 semanas, em caso de cirurgia apenas em partes
moles. Se ocorrer reinserção do tendão patelar, o prazo será
de 6 a 8 semanas.
Após a retirada do gesso, deve-se iniciar fisioterapia
para recuperar a mobilidade articular e as atrofias muscula-
Figura 33 - RM do joelho mostrando a luxação lateral da patela res, geralmente bastante intensas nesses pacientes.
133
ORTO P ED I A
Nesta patologia, ocorre um afastamento do fêmur e da O exame físico mostra ressalto do menisco discoide na
tíbia. Sendo uma estrutura “anormal” interposta na interli- interlinha articular lateral, que pode ser considerado audí-
nha articular do joelho, promove uma compressão nas car- vel, visível e palpável ao levar o joelho de flexão para exten-
tilagens hialinas principalmente do côndilo femoral. são, que também pode ser bloqueada nos graus finais de
Trata-se de uma malformação congênita, cuja etiologia ain- movimento.
da não está esclarecida. Na grande maioria dos casos, localiza- Atrofia do quadríceps e derrame articular podem estar
-se no menisco lateral (externo). Pode atingir ambos os sexos. presentes.
D - Diagnóstico
O diagnóstico é geralmente tardio, costuma acontecer
após os 5 anos, quando surgem os primeiros sintomas.
Inicia-se dor indefinida e progressiva aos movimentos
finais da extensão ou da flexão, e pode ocorrer sensação
de falseio ou queda iminente durante a marcha e a corrida.
Motivos de queixa são ruídos articulares ou cliques que cor- Figura 37 - (A) RM mostrando menisco discoide e (B) menisco nor-
mal e forma discoide
respondem ao deslocamento meniscal.
Progressivamente, a sintomatologia torna-se mais evi-
dente em relação à dor. A redução das atividades habituais
F - Tratamento
ou esportivas da criança e o surgimento de claudicação e O tratamento quase sempre é cirúrgico, uma vez que
bloqueio da mobilidade articular são sinais mais evidentes medidas conservadoras, como repouso, imobilização, fisio-
de menisco discoide e surgem mais tardiamente. terapia e anti-inflamatório não curam a deformidade nem
134
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
promovem a volta do paciente a suas atividades normais. As anormalidades em varo ou valgo determinarão com-
A cirurgia realizada é a meniscoplastia realizada por via ar- pressões em um ou outro compartimento do joelho e dis-
troscópica. tensões constantes às estruturas capsuloligamentares. Sem
as correções, têm-se a presença de instabilidades e o de-
senvolvimento de artrose.
ORTOPEDIA
de vitamina D, fósforo e cálcio podem ocasionar arque-
Figura 38 - Artroscopia do joelho amento dos membros inferiores;
- Displasias ósseas: displasias epifisárias e metafisárias,
9. Joelho varo exostose múltipla familiar congênita, acondroplasia e
encondromatose afetam o crescimento, podendo oca-
sionar alterações em varo;
A - Introdução
- Deformidades congênitas: tíbia vara congênita, pseu-
O varismo do joelho consiste em um desvio do eixo lon- doartrose congênita da tíbia e alterações congênitas
gitudinal em direção lateral, com afastamento entre as 2 do fêmur podem ocasionar varismo do joelho;
articulações. Ocorre um desvio da perna em direção à linha - Alterações epifisárias: ocorrem secundariamente à
média do corpo, e há aumento da distância intercondilar. doença de Blount, às fraturas e lesões epifisárias, à
O ângulo entre o fêmur e a tíbia depende da idade: varia sequela de osteomielite do fêmur ou tíbia, além de tu-
de 5 a 10° de varo ao nascimento até 10 a 12° de valgo na mores situados nessas localizações.
fase dos 3 anos e normaliza para 5 a 7° de valgo a partir dos
6 anos de idade até a fase adulta. O exame radiográfico é importante, pois fornece a me-
dida exata do eixo femorotibial, mais preciso do que a medi-
ção clínica. A radiografia é realizada com filme panorâmico
em posição ortostática.
135
ORTO P ED I A
A - Introdução
A doença de Blount é uma alteração da porção medial
da epífise proximal da tíbia que ocasiona um varismo tibial.
Possivelmente, o distúrbio é causado por forças de com-
pressão excessivas sobre a fise medial durante a fase de
varismo fisiológico do joelho.
Pode acometer ambos os sexos, com leve predominân- Figura 44 - Radiografia com tíbia vara de Blount
cia em meninas. A idade de aparecimento está entre o 1º e
o 10º ano de vida, e é mais frequente a apresentação uni-
lateral.
C - Tratamento
Classifica-se, segundo Blount, em 3 tipos: Órteses corretivas podem ser usadas para o tratamento
a) Infantil: quando se inicia entre 1 e 3 anos. da forma infantil nos estágios I e II, embora não haja com-
b) Juvenil: afeta crianças de 4 a 10 anos. provação científica consistente de sua efetividade. Acredita-
136
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
se que o uso de órtese do tipo longa possa ser efetivo até - Displasias epifisárias;
os 3 anos de idade. Se a correção não for obtida até essa - Tumores benignos: osteocondroma, encondroma, cis-
idade, indica-se o tratamento cirúrgico. tos ósseos que causam pressões anormais nas placas
Do estágio III em diante, o tratamento é sempre cirúrgico. de crescimento, provocando desvios em valgo;
Nos estágios III e IV, a osteotomia valgizante proximal da tíbia, - Frouxidão ligamentar: síndromes de hiperelasticidade
na maioria dos casos, é suficiente para corrigir a deformidade. como Ehlers-Danlos, Down e osteogênese imperfeita;
Já nos estágios V e VI, se faz presente a fusão da fise medial. - Raquitismo.
Portanto, é necessário associar à osteotomia outros procedi-
mentos, como a hemiepifisiodese lateral da tíbia e da fíbula.
ORTOPEDIA
Figura 46 - Criança de 3 anos com joelho valgo
137
ORTO P ED I A
e) Tratamento
Quando há dor moderada, é melhor proteger o pé em
um gesso deambulatório abaixo do joelho, e, durante as 3
semanas iniciais, é melhor evitar apoio mediante o uso de
muletas. Após a remoção do gesso, deve-se utilizar uma
cunha para elevação do arco plantar medial e evitar ativida-
des físicas, como corridas e esportes ativos.
Quando a dor é mínima ou o pé assintomático, um su-
porte para o arco longitudinal é o único tratamento neces-
sário. O prognóstico é bom; o navicular reconstitui-se em
um mínimo de 6 meses.
Figura 47 - Epifisiodese medial
B - Infração de Freiberg
12. Osteocondrites
As osteocondrites são definidas como um distúrbio idio- a) Introdução
pático na ossificação endocondral de epífises ou apófises. Trata-se de uma metatarsalgia anterior, na qual a cabeça
Ocorre fragmentação do osso subcondral e de sua cartila-
do 2º metatarsiano tem uma aparência esmagada. A doen-
gem. As teorias mais aceitas associam as osteocondrites à
isquemia e trauma. ça é vista em adolescentes, geralmente após os 13 anos de
idade. Mais prevalente no sexo feminino, com cerca de 75%
A - Doença de Köhler dos casos, pode ser bilateral e ocorrer na cabeça dos outros
metatarsianos.
a) Introdução
É uma doença autolimitada do navicular do tarso carac- b) Etiologia
terizada por achatamento, esclerose e rarefação irregular. A causa exata não é conhecida, mas a etiologia mais
Incomum, acontece mais em meninos (cerca de 80%). A aceita é a insuficiência vascular.
idade média de início dos sintomas se dá aos 5 anos nos
meninos e 4 anos nas meninas, e, em 1/3 dos casos, ambos c) Achados clínicos e radiológicos
os pés são envolvidos. Dor sob a 2ª ou quaisquer das cabeças metatarsianas
b) Etiologia afetadas, edema local e limitação do movimento da articu-
Há evidências de que existe uma base mecânica, resul- lação metatarsofalângica. A radiografia demonstra achata-
tado de forças de compressão repetidas. mento e irregularidade da cabeça metatarsiana.
c) Clínica
Marcha antálgica, apoiando seu peso no lado lateral do
pé para aliviar o estresse sobre o arco longitudinal medial.
Dor e sensibilidade sobre o osso navicular, espessamento e
edema na área afetada.
d) Achados radiológicos
Achatamento do navicular, estreitamento, rarefação ir-
regular e esclerose do osso afetado.
138
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
Figura 49 - Radiografia com infração de Freiberg na cabeça do 2º
metatarso
d) Tratamento Figura 50 - Anatomia e local do acometimento da osteocondrite da
tuberosidade anterior da tíbia no joelho
O tratamento é conservador em se tratando do adoles-
cente. No estágio agudo doloroso, o pé é protegido por um O estresse sobre o tendão patelar no nível do ponto
gesso deambulatório abaixo do joelho até o alívio dos sin- de sua inserção é a causa primária da doença de Osgood-
tomas, geralmente em 3 a 4 semanas. A seguir, a pressão Schlatter. A causa é o trauma, não a necrose avascular do
sobre a cabeça metatarsiana deve ser aliviada por um coxim tubérculo tibial proximal.
metatarsiano.
Quanto aos casos em que persistem os sintomas, o osso c) Quadro clínico
avascular ou a cabeça metatarsiana é curetada, e é preen- O quadro clínico é composto de dor local na porção an-
chida a cavidade com enxerto ósseo autógeno. Em relação terior do joelho. O desconforto e a dor são agravados ao
aos adultos, se os sintomas forem incapacitantes, indicam- correr, subir e descer escadas, pular ou submeter o joelho à
-se medidas cirúrgicas que consistem na ressecção da cabe- pressão direta, como ajoelhar-se.
ça metatarsiana. Com o repouso, a dor diminui ou desaparece. À inspeção
e à palpação, o espessamento do tendão patelar e o aumen-
C - Doença de Osgood-Schlatter to excessivo da tuberosidade são evidentes. A área de sensi-
bilidade máxima é a inserção do tendão patelar ao osso.
a) Introdução
d) Achados radiográficos
A doença de Osgood-Schlatter consiste em uma síndro-
Inchaço de tecidos moles anterior à tuberosidade tibial
me caracterizada por dor e edema no nível do tendão pate-
e espessamento do ligamento patelar. É mais bem visualiza-
lar e aumento excessivo do tubérculo tibial proximal. Essa é
do na incidência lateral.
uma doença da pré-adolescência, comumente encontrada
Fragmentação da epífise não é uma característica da
entre os 11 e 15 anos em meninos e 8 e 13 anos em meni-
doença.
nas. A proporção encontrada de meninos é de 3 a 4:1 em
Há 3 tipos distintos de manifestações radiográficas nos
relação às meninas. Geralmente, há um rápido estirão de
estágios tardios:
crescimento e participação ativa em esportes. Pode ser bi-
lateral de 25 a 50% dos casos.
- Tuberosidade proeminente e irregular;
- Tuberosidade proeminente e irregular, além de uma
b) Etiologia pequena partícula livre de osso localizado anterior e
A doença é causada pelo estresse traumático de um superior à tuberosidade da tíbia;
mecanismo quadricipital encurtado sobre a tuberosidade - Partícula livre de osso anterior à tuberosidade, mas,
tibial proximal, em um período de crescimento, quando o fora isso, a tuberosidade parece normal.
139
ORTO P ED I A
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ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
B - Quadro clínico
Os achados clínicos dependem do grau de acometimen-
to da doença, mas em geral os pacientes apresentam baixa
estatura, deformidades torácicas, deformidades dos mem-
bros, alargamento da parte superior do crânio e face com
forma triangular.
As deformidades ósseas seguem um padrão predeter-
minado. Geralmente, ocorrem encurvamento anterior do
úmero, da tíbia e da fíbula e encurvamento anterolateral do
fêmur, do rádio e da ulna. Com relação à coluna vertebral,
as vértebras podem ser achatadas ou bicôncavas, e a cifo-
escoliose torácica é a deformidade mais comum, agravada
por frouxidão ligamentar, osteoporose e fraturas de com-
pressão da vértebra.
ORTOPEDIA
Figura 55 - Esclera azulada
C - Classificação
Sillence classificou a doença em 4 tipos, considerando o
tipo de herança e a apresentação clínica da doença:
- Tipo I: forma mais leve e comum, herança autossômica
dominante. Subclassificada em A e B, de acordo com
Figura 54 - Deformidades ósseas e baixa estatura a ausência e a presença de dentinogênese imperfeita.
As escleras são azuladas, e as primeiras fraturas ocor-
Em virtude da deformidade torácica e da coluna, asso-
rem em idade pré-escolar. Deformidades significativas
ciadas à hipotonia muscular, ocorrem insuficiência respira-
estão ausentes;
tória e infecções pulmonares de repetição, que limitam a
vida desses pacientes. - Tipo II: forma perinatal letal, herança autossômica re-
À radiografia, o sinal mais característico é a osteopenia cessiva, o óbito ocorre logo após o nascimento. A cau-
difusa, que pode estar associada às múltiplas fraturas e de- sa da morte se deve à hemorragia intracraniana;
formidades. - Tipo III: forma mais grave de acometimento (a despei-
Os dentes são translúcidos e com coloração amarelada. to do tipo II). Acontecem fraturas no 1º ano de vida, e
Em geral, a 1ª dentição é mais acometida que a 2ª, com as deformidades, ao longo dos meses. Herança autos-
desgaste da dentina, aparecimento de cárie e encurtamen- sômica recessiva;
to dos dentes. - Tipo IV: forma intermediária entre os tipos I e II. É o
A esclera azulada é um achado frequente e resulta do tipo menos comum; a esclera é normal, a dentinogê-
aumento da permeabilidade à luz, revelando os pigmentos nese imperfeita é comum, e a herança é autossômica
e os vasos sanguíneos presentes no fundo do olho. dominante.
141
ORTO P ED I A
D - Tratamento
O objetivo é obter o máximo de função, reduzindo a
incapacidade e oferecendo ao paciente independência nas
atividades do dia a dia. É importante que diversas especiali-
dades participem do tratamento.
Mais recentemente, os bifosfonados, inibidores da rea-
bsorção óssea, têm sido utilizados como terapêutica sistê-
mica com bons resultados, uma vez que reduzem a dor, au-
mentam a reabsorção e a densidade mineral óssea, levando
à diminuição da fragilidade óssea e, consequentemente, à
redução das fraturas. Dentre os bifosfonados, utiliza-se o
pamidronato dissódico em intervalos de 4 meses em um
total de 3 tratamentos por ano.
Em relação ao tratamento ortopédico, suas funções são
o tratamento e a prevenção de fraturas, a redução de defor-
midades secundárias e a preservação da função do membro.
Devem-se estimular exercícios para o fortalecimento
muscular, os quais, por sua vez, promovem aumento da
densidade óssea, além de utilizar órteses quando indicado
para prevenir fraturas e deambular.
No caso de fraturas, estas devem ser imobilizadas com
Figura 57 - Radiografia com deformidades dos membros inferiores gesso, o menor tempo possível, para evitar perda de massa
em uma criança com osteogênese imperfeita tipo IV óssea e muscular e, consequentemente, fraturas de repeti-
142
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
tura extraforaminal, devem ser realizados a ressecção do
clusive da mão. É o 2º tipo mais comum, e a recuperação
neuroma e o enxerto local com o nervo sural.
espontânea com frequência é incompleta.
Desde o nascimento, as crianças que apresentam lesão
c) Paralisia baixa (Klumpke): lesão isolada das raízes de
total e/ou síndrome de Horner (miose, ptose palpebral, enof-
C8 a T1. É raramente encontrada.
talmia e anidrose) têm prognóstico reservado devido à ocor-
rência de avulsão das raízes. Nesses casos, pode ser utilizada Tabela 1 - Classificação da paralisia braquial obstétrica
alguma técnica de neurotização (transferência de nervo). Tipo Raízes Manifestações
Nas lesões não tratadas, após os 2 anos de vida, diversas - Braço acometido sem movimento,
técnicas de liberação articular, transferência tendinosa e os- ao lado do corpo, com o ombro ro-
teotomias têm sido descritas e empregadas. dado internamente, cotovelo esten-
dido e punho ligeiramente fletido;
B - Anatomia - Perda da abdução e da rotação ex-
terna do braço. Incapacidade para
O plexo braquial é formado pelas raízes de C5, C6, C7, Erb-Duchenne a flexão do cotovelo e supinação do
C8 e T1. C5 a C7
(paralisia alta) antebraço. Ausência do reflexo bici-
pital e de Moro no lado acometido;
- Preservação da força do antebraço e
da capacidade de preensão da mão.
Possibilidade de deficiência sensorial
na face externa do braço, antebraço,
polegar e indicador.
- Flexão do cotovelo e supinação do
antebraço;
- Acometimento dos músculos da
mão com ausência do reflexo de pre-
Klumpke ensão palmar. Reflexos bicipital e ra-
(paralisia C8 e T1 dial presentes. Síndrome de Horner
baixa) (ptose palpebral, enoftalmia, miose,
e anidrose facial) quando há envolvi-
mento das fibras simpáticas cervicais
e dos primeiros nervos espinhais to-
rácicos.
- Membro superior acometido fláci-
Completa C5 a T1
do com todos os reflexos ausentes.
Fonte: Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação.
Figura 59 - Formação do plexo braquial
143
ORTO P ED I A
E - Diagnóstico G - Tratamento
O exame físico bem realizado é o método mais prático e Nos primeiros 3 meses, considerado um período de
confiável de avaliar a severidade da lesão neural. Devem-se observação de possível recuperação neurológica, deve ser
avaliar as movimentações espontâneas do ombro, cotovelo, instituído o tratamento conservador. A manipulação articu-
punho e dedos e realizar testes provocativos como reflexo lar do ombro e do cotovelo deve ser realizada pelos pais e
de Moro. Além disso, avaliar presença ou ausência da sín- orientada pelo médico e pelo fisioterapeuta. O objetivo é
drome de Horner. evitar contraturas que se instalam com rotação interna e
adução do braço e pronação do antebraço.
O tratamento cirúrgico compreende a tentativa de re-
paração direta da estrutura neural com emprego de técni-
cas microcirúrgicas e técnicas ortopédicas convencionais de
atuação nas sequelas ocorridas no membro superior.
A intervenção cirúrgica direta do plexo braquial tem sido
realizada a partir do 3º mês de vida até 1 ano. De 1,5 a 2 anos,
a resposta à reconstrução neurológica não é tão boa, e as alte-
rações esqueléticas secundárias tendem a se estabelecerem.
O reparo microcirúrgico pode ser feito por liberações
Figura 60 - Exame físico mostrando a ausência de mobilidade do externas e internas; enxertos e neurorrafias para rupturas,
membro superior esquerdo e transferências de nervo ou neurotização para as avulsões
ou lesões intraforaminais.
É importante monitorizar o retorno da função do bíceps Diversas técnicas cirúrgicas são descritas para a corre-
como indicador de recuperação do plexo braquial. ção das sequelas, baseadas no alongamento das partes mo-
Radiografias são realizadas para descartar fraturas ou les e transferências musculares. A cirurgia mais utilizada é
paralisia do diafragma do lado acometido. RM pode ser re- a de Sever e L’Episcopo, que consiste na liberação do peito-
alizada na tentativa de distinguir as avulsões das rupturas ral maior e do subescapular, com transferência do redondo
extraforaminais. maior para rotador externo.
Não é utilizado, como rotina, exame eletroneuro-
miográfico. 15. Escoliose idiopática
A - Definição
A escoliose idiopática é uma deformidade tridimensio-
nal da coluna, de causa ainda não conhecida, caracterizada
por um desvio no plano frontal maior que 10°. A escoliose
também inclui alterações no plano sagital e rotacional.
A escoliose desvia a coluna da linha média no plano fron-
tal, e a maior rotação está localizada no ápice da curva. A ro-
tação é feita em direção à convexidade da curva que produz
a giba costal, proeminência observada no teste de Adams.
F - Diagnóstico diferencial
Pseudoparalisia por fratura da clavícula ou úmero proxi-
mal; aplasia congênita das raízes do plexo braquial; varicela
congênita do membro superior; paralisia cerebral; com-
pressão intrauterina por banda de constrição ou cordão
umbilical; paralisia por má adaptação intrauterina. Figura 62 - Deformidades da escoliose
144
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
Figura 64 - Teste de Adams, normal na figura à esquerda e com a
curvatura da escoliose à direita
C - Classificação
Quanto à idade, divide-se em escoliose:
- Infantil: até os 3 anos;
- Juvenil: de 4 a 10 anos;
- Adolescente: de 11 a 17 anos; Figura 65 - Linha do prumo mostrando coluna vertebral com esco-
E - Exames complementares
Devem-se observar alguns fatores, como a idade no
momento do aparecimento, história familiar, velocidade de A avaliação radiográfica é feita com o paciente em pé,
crescimento, sinal de puberdade e presença da menarca em incidência em perfil e frente, expondo toda a coluna em um
meninas. só filme.
145
ORTO P ED I A
A - Introdução
A escoliose idiopática do adolescente é a forma mais
Figura 66 - Radiografia anteroposterior da coluna total com es-
comum de escoliose, que incide em até 2% dos adolescen-
coliose
tes. Em curvas de pequena magnitude, a distribuição entre
Deve-se observar a existência de alterações de partes meninos e meninas é igual; em curvas com mais de 20°, a
moles e ósseas, como acunhamento vertebral, hemivérte- incidência de meninas é de 4:1 em relação aos meninos.
bras e barra óssea, para descartar a escoliose de origem O sexo feminino é mais sujeito à progressão do que o
congênita. masculino. A 2ª fase do estirão do crescimento é um fator
A quantificação da curva é realizada pelo método de potencial de piora da deformidade, pois metade desse cres-
Cobb. Tomam-se, como referência, a placa superior da vér- cimento se faz no nível do tronco. Quando o Risser for zero
tebra terminal cranial e a placa inferior da vértebra caudal. ou 1, a chance de piora será maior.
Desenha-se uma perpendicular a essas linhas, medindo o Nem todas as curvas se estabilizam após o término do
crescimento.
ângulo formado com o encontro delas. O ângulo mostra o
grau da escoliose.
B - Tratamento
- Tratamento conservador: nas curvas com menos de
20°, a minoria delas progride, requerendo somente
observação. As curvas com menos de 25° devem ser
avaliadas a cada 4 a 12 meses. O principal fator de-
terminante do intervalo do retorno é a fase de cresci-
mento em que a criança se encontra. As que estão no
estirão do crescimento devem ser vistas a cada 4 a 6
meses.
146
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
147
ORTO P ED I A
D - Tratamento
O tratamento conservador com fisioterapia é indicado
no dorso curvo postural ou nas deformidades discretas,
Figura 73 - Dorso curvo com cifose <50°.
A órtese mais empregada é o colete de Milwaukee, in-
B - Etiologia dicado aos casos de deformidades não graves, flexíveis em
A etiologia é desconhecida. Sabe-se que a deformidade geral, com cifose <70° e aos casos de pacientes com poten-
acomete, igualmente, ambos os sexos. cial de crescimento.
C - Quadro clínico
Frequentemente, surge perto da puberdade como um
defeito postural, o que usualmente retarda o diagnóstico.
Inicia-se com um aumento da cifose torácica ou toracolom-
bar, algumas vezes acompanhada de dor não intensa, que
piora aos esforços.
Figura 74 - (A) Paciente com dorso normal e (B) paciente com dor- Figura 76 - Tratamento conservador do dorso curvo como colete
so curvo de Milwaukee
148
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
O colete gessado, empregado aos casos mais graves com que permanecerão, independentemente do tratamento
cifose acima de 70° e deformidades rígidas, é conhecido instituído e do resultado final. A avaliação da torção tibial é
como gesso antigravitacional (descrito por Risser), em que a muito difícil nos recém-nascidos, mas torna-se mais eviden-
correção é realizada em mesa ortopédica. Frequentemente, te a torção interna à medida que a criança cresce, estando
são necessárias trocas de gesso. sempre associada, em maior ou menor intensidade.
O tratamento cirúrgico, indicado a deformidades graves Classifica-se o pé torto em postural, idiopático ou verda-
e rígidas no final do crescimento ou a pacientes adultos, é deiro e teratológico.
raramente empregado.
A - Definição
O Pé Torto Congênito (PTC) é uma deformidade com-
plexa que compromete as estruturas ósseas e partes moles
caracterizada, clinicamente, por equino do retropé, varo do
calcâneo, adução e supinação do médio e antepé e cavo.
O PTC idiopático ocorre em crianças sem alterações sub-
jacentes que justifiquem o quadro e não se resolve de forma
espontânea. Outros tipos de pés tortos são: o postural, que Figura 77 - Criança com pé torto bilateral
se resolve habitualmente com manipulações; o neurológico,
O PTC postural é flexível e corrigido com manipulação ou
ORTOPEDIA
associado à mielomeningocele; e o sindrômico, presente nas
crianças com outras anomalias congênitas; os 2 últimos, ge- necessita somente de algumas trocas de gesso para obter a
ralmente rígidos e muito resistentes ao tratamento. correção das deformidades. Quanto ao PTC idiopático ou ver-
A incidência é de 1:1.000 nascidos vivos, é bilateral em dadeiro, a deformidade é mais acentuada e pouco flexível. Já
50% dos casos e acomete, mais frequentemente, o sexo o teratológico caracteriza-se pela rigidez, associação a síndro-
masculino, a uma proporção de 2:1. mes, dificuldade de correção e altas taxas de recidiva.
A radiografia avalia os ossos do pé, mas o exame é de
B - Etiologia pouca importância porque se encontram pouco ossificados
e não aparecem bem na radiografia. Deve-se avaliar o ân-
A etiologia é desconhecida. A incidência aumenta em gulo entre o eixo longitudinal do talo e do calcâneo que se
ocorrência de casos familiares, sugerindo influência ou de- encontra diminuído (ângulo de Kite).
terminação genética. Na radiografia anteroposterior avaliamos os ângulos ta-
Na anatomia patológica, praticamente todas as estrutu- localcâneo (normal de 20 a 50°), talo-1º meta (normal de 0
ras do pé apresentam anormalidade, mas as principais es- a 20°) e talo-5º meta (o normal é zero).
tão no retropé. A deformidade óssea mais importante ocor- No perfil avaliamos os ângulos talocalcâneo (normal de
re no talo, que apresenta a extremidade anterior desviada 25 a 50°), o tibiotalar (70 a 100°) e o tibiocalcâneo com dor-
medial e plantar, o colo encurtado e o corpo pequeno. siflexão máxima (25 a 60°).
Os ligamentos são espessados, e os músculos, hipoplá- O osso que apresenta maior deformidade é o tálus, que
sicos. tem seu colo encurtado e sua superfície medial diminuída.
O ângulo formado pelo eixo longo da cabeça e do colo com
C - Diagnóstico o eixo longo do corpo do tálus é chamado ângulo de decli-
O diagnóstico do PTC é evidente, observando-se as de- nação, que no pé normal do adulto é de aproximadamente
formidades referidas, pé equino varo, cavo, aduto e supino. 150 a 160° e no PTC seu valor está entre 115 e 135°.
O grau de deformidade e flexibilidade é variável.
O diagnóstico do PTC no recém-nascido é essencialmen- D - Tratamento
te clínico. O objetivo do tratamento é um pé plantígrado, indolor,
Existe grande dificuldade em avaliar e reproduzir as me- flexível, com boa força muscular e que permita o uso de cal-
dições radiográficas. Os núcleos de ossificação são arredon- çado comum. O tratamento é iniciado o mais precocemente
dados e excêntricos em seus moldes cartilaginosos, impos- possível, por meio de manipulação e trocas de gesso. Caso
sibilitando, por vezes, o correto traçado de seus eixos. Além não se obtenha um resultado satisfatório, indica-se o trata-
disso, raramente conseguem-se radiografias com adequado mento cirúrgico.
posicionamento dos pés. Os métodos de manipulação para corrigir a deformida-
Além das deformidades características do PTC, obser- de e a imobilização com trocas seriadas de gesso mais co-
vam-se uma atrofia da perna e um tamanho menor do pé, nhecidos são de Kite e Ponseti.
149
ORTO P ED I A
19. Resumo
Quadro-resumo
Acondroplasia
- Definição: tipo mais comum de nanismo, caracteriza-se por mem-
bros curtos, com cabeça protuberante e alterações pélvicas;
- Etiologia: apresenta herança autossômica dominante, porém, em
85% dos casos, é causada por uma mutação genética aleatória;
- Fisiopatologia: ocorre na placa de crescimento, principalmente
na camada proliferativa, levando a alterações na região metafi-
sária do osso; o crescimento longitudinal do osso ocorre de for-
ma mais lenta;
- Diagnóstico: feito ao nascimento, com o bebê muito peque-
no, principalmente seus membros, uma cabeça aumentada de
diâmetro, lordose lombar; as mãos são curtas e alargadas; as
funções endócrina e sexuais normalmente são normais, assim
como a inteligência;
- Radiografia: ossos longos de tamanho reduzido, com largura e
densidade normais, assim como as epífises, com metáfises alar-
gadas e epífises normais.
Doença de Legg-Calvé-Perthes
- Definição: necrose isquêmica ou avascular do núcleo secundário
de ossificação da epífise proximal do fêmur durante o desenvol-
vimento;
Figura 78 - (A) Manipulação e gesso para correção do pé torto con- - Incidência: acomete 4 vezes mais meninos do que meninas;
gênito e (B) órtese utilizada após a retirada do gesso lado esquerdo mais comum; 10 a 20% são bilaterais; idade en-
tre 4 e 9 anos;
O tratamento cirúrgico é indicado após os 9 meses, e é - Etiologia: indefinida; há teorias, como sinovite com aumento da
realizada uma liberação das estruturas mediais e postero- pressão hidrostática intracapsular, aumento da coagulação e da vis-
laterais do pé, com a correção da deformidade e fixação da cosidade sanguínea, aumento dos lipídios e infartos de repetição;
articulação talonavicular e subtalar. - Quadro clínico: dor na região do quadril ou dos joelhos; limita-
Em crianças com mais de 4 anos e deformidades rígidas, ção da abdução, rotação interna e flexão do quadril em graus
pode-se usar a talectomia. variados; marcha com claudicação; nos casos crônicos graves,
Deformidades graves em crianças acima de 10 anos po- pode haver sinal de Trendelemburg;
dem ser corrigidas com fixador externo de Ilizarov ou com - Classificação: Catterall e Stulberg;
artrodese tríplice. - Diagnóstico diferencial: sinovite transitória, pioartrite, artrites
reumáticas, tumores ósseos, displasias epifisárias, hipotireoidis-
mo e anemias hemolíticas;
- Tratamento: obter e manter o quadril centralizado durante o perí-
odo ativo da doença; utilizar aparelhos ou órtese tipo Atlanta (ou
Scottish Rite); gesso tipo broomstick; os meios cirúrgicos consistem
em osteotomias para reorientação do acetábulo sobre a cabeça
femoral (osteotomia de Salter) ou osteotomia varizante do fêmur.
Sinovite transitória do quadril
- Definição: caracteriza-se por um quadro agudo de dor, afetando
um dos quadris de uma criança sadia. Apresenta uma limitação
funcional da articulação e dificuldade na marcha. Os sintomas
duram por um tempo curto, e a recuperação completa ocorre
em todos os casos;
Figura 79 - Cirurgia para correção do pé torto congênito e uso do - Etiologia: desconhecida. No entanto, relaciona-se com o processo
fixador externo tipo Ilizarov para correção progressiva das defor- infeccioso ativo ou recente e associação a infecções virais e bacte-
midades rianas, em especial com focos amigdalianos;
150
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
ORTOPEDIA
- Classificação pelo grau de deslizamento:
- Incidência: maior em crianças que nasceram de parto pélvico; · Pré-deslizamento ou grau I: deslizamento mínimo ou grau II;
oligodramnia; · Deslizamento moderado ou grau III: deslizamento grave ou
- Localização: lado esquerdo é mais comum; grau IV.
- Sexo feminino: acometido cerca de 4 a 6 vezes mais do que o - Tratamento: emergência ortopédica; deve-se sempre internar
masculino; o paciente em tração e realizar tratamento cirúrgico com fi-
- Diagnóstico: xação com parafuso in situ nos casos de deslizamento menor
· Recém-nascidos de até 2 meses de idade – manobra de de 2/3 da cabeça femoral (60%). Caso haja mais de 80% de
Ortolani, teste de Barlow, encurtamento do fêmur em relação escorregamento, podem ser realizadas osteotomias do fêmur
ao lado contralateral (sinal de Galeazzi), hipotrofia da muscu- proximal, porém têm indicação restrita, em razão do grande
latura do membro inferior, proeminência do trocânter maior, número de complicações;
assimetria das pregas inguinais e glúteas (sinal de Peter-Bade) - Objetivo do tratamento: impedir o aumento do deslizamento
e limitação da abdução do quadril; e aumentar a rapidez do fechamento da fise.
· Após a idade em que se inicia a marcha, ocorre o sinal de Coxa vara congênita
Trendelenburg positivo. Na luxação bilateral, há a marcha de - Definição: anormalidade na extremidade proximal do fêmur ca-
pato ou de marinheiro. O achado radiográfico é óbvio, com a racterizada por uma diminuição do ângulo cervicodiafisário;
cabeça deslocada superolateralmente; - Epidemiologia: não há predileção por etnia ou sexo, e o acome-
· É importante saber que a radiografia normal não significa qua- timento unilateral é 2 a 3 vezes mais comum que o bilateral;
dril normal, pois, muitas vezes, não houve tempo para que - Diagnóstico diferencial: displasias ósseas, como doença de
ocorressem alterações ósseas identificáveis ao raio x; Morquio, disostose cleidocraniana, displasia epifisária múltipla,
· Ultrassom dinâmico do quadril sob estresse confirmará o diag- condrodisplasia metafisária, doença de Gaucher, deficiência fo-
nóstico. cal proximal do fêmur, displasia espondiloepifisária congênita e
- Tratamento: tem como objetivo manter, o mais precocemente osteogênese imperfeita;
possível, um contato concêntrico da cabeça femoral no acetábu- - Etiologia:
lo displásico e, com isso, promover o desenvolvimento do acetá- · Diagnóstico: costuma ser tardio, após os 5 anos de idade; clau-
bulo; considera a idade do paciente: dicação, diminuição da amplitude de abdução e rotação medial
· De 0 a 6 meses: órtese de Pavilik; do quadril;
· De 6 a 12 meses: realizada redução incruenta sob anestesia e · Radiografia: diminuição do ângulo cervicodiafisário (<90°), e a
GPP; placa fisária se apresenta afilada e se torna verticalizada;
· De 12 a 18 meses: redução incruenta após tenotomia dos adu- · Tratamento: cirurgia para a correção do ângulo cervicodiafisá-
tores e GPP; rio, a obtenção de um melhor posicionamento da epífise femo-
· Maiores de 18 meses: cirúrgico; osteotomia acetabular (Salter) ral proximal e a prevenção de deformidades secundárias.
associada, e pode-se realizar osteotomia varizante do fêmur Luxação recidivante da patela
proximal a partir dos 3 anos nos casos em que o colo femoral - Definição: instabilidade patelar que permite deslocamentos la-
for valgo. terais periódicos;
151
ORTO P ED I A
152
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA
Paralisia obstétrica
- Diagnóstico diferencial: pseudoparalisia por fratura da clavícula
ou úmero proximal; aplasia congênita das raízes do plexo bra-
quial; varicela congênita do membro superior; paralisia cerebral;
compressão intrauterina por banda de constrição ou cordão um-
bilical; paralisia por má adaptação intrauterina;
- Tratamento: nos primeiros 3 meses, tratamento conservador
com manipulação articular para evitar contraturas;
- Tratamento cirúrgico: reparação direta da estrutura neural com em-
prego de técnicas microcirúrgicas e técnicas ortopédicas convencio-
nais de atuação nas sequelas ocorridas no membro superior.
Escoliose idiopática
- Definição: deformidade tridimensional da coluna, de causa ain-
da não conhecida, caracterizada por um desvio no plano frontal
maior que 10;
- Etiologia: desconhecida;
- Classificação quanto à idade:
· Infantil;
· Juvenil;
· Adolescente;
· Adulta;
- Exame físico: forma do tronco, compensação das curvas, exame
ORTOPEDIA
neurológico e desenvolvimento puberal. Exame do alinhamento
com o prumo e o teste de Adams;
- Avaliação radiográfica: paciente em pé, incidência em perfil e
frente, expondo toda a coluna em um só filme. A quantificação
da curva é realizada pelo método de Cobb;
- Índice de Risser: a maturidade esquelética é avaliada pela radio-
grafia da pelve.
Pé torto congênito
- Definição: deformidade que se caracteriza por equino do retro-
pé, varo do calcâneo, adução e supinação do médio e antepé e
cavo;
- Incidência: bilateral em 50%; mais frequentemente no sexo
masculino;
- Etiologia: desconhecida;
- Localização: deformidade óssea mais importante ocorre no talo;
- Diagnóstico clínico: pé equino varo, cavo, aduto e supino; atrofia
da perna e um tamanho menor do pé, que permanecerão, inde-
pendentemente do tratamento instituído e do resultado final;
- Radiografia: avalia o ângulo entre o eixo longitudinal do talo e
do calcâneo que se encontra diminuído (ângulo de Kite);
- Tratamento: iniciado o mais precocemente possível, por meio
de manipulação e trocas de gesso. Caso não se obtenha resulta-
do satisfatório, indica-se o tratamento cirúrgico.
153
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
4
Doenças neuromusculares
Gustavo Merheb Petrus
1. Paralisia cerebral vando à PC, e é uma das principais causas de morte nesse
período.
Sabe-se que os eventos que levam ao comprometimen-
A - Conceito to cerebral são diminuição de O2, devido à hipoxemia (di-
A Paralisia Cerebral (PC) diz respeito à lesão em um cé- minuição da concentração de O2 no sangue), ou isquemia
rebro imaturo, determinando alterações motoras, como (diminuição da perfusão de sangue no cérebro). A isquemia
distúrbios da postura e do movimento. Os distúrbios não é a mais importante forma de privação de O2. No período
são progressivos, mas permanentes. neonatal, ocorre a soma destas 2 situações, hipoxemia e
Com a evolução, pode ocorrer uma piora do quadro clí- isquemia. A encefalopatia hipóxico-isquêmica se caracte-
nico devido ao aumento das contraturas musculares e da riza, portanto, pelo conjunto hipoxemia e isquemia, que,
rigidez articular. associadas a alterações metabólicas, principalmente do
As lesões cerebrais podem causar rebaixamento mental, metabolismo da glicose, levam a alterações bioquímicas,
alteração da visão, fala e audição, comprometendo a intera- biofísicas e fisiológicas, que se traduzem por manifestações
ção e o aprendizado. clínicas secundárias ao comprometimento fisiológico ou es-
O comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) trutural. Provavelmente a depressão cerebral é uma forma
nos casos de PC decorre de fatores endógenos e exógenos, de proteção na hipóxia severa.
que em diferentes proporções estão presentes em todos os As alterações neuropatológicas da encefalopatia hipó-
casos. Deve-se considerar, dentre os fatores endógenos, o xico-isquêmica variam com a idade, com a natureza da le-
potencial genético herdado, ou seja, a suscetibilidade maior são e com a forma de intervenção, resultando em necrose
ou menor do cérebro para se lesar. Junto com as potenciali- neuronal seletiva, status marmoratus, lesão cerebral paras-
dades de sua atividade motora, instintivo-afetiva e intelec- sagital, leucomalácia periventricular ou necrose isquêmica
tual, herda também a capacidade de adaptação, ou seja, a cerebral focal e multifocal.
plasticidade cerebral, que é a base da aprendizagem. Muitas vezes, não se consegue determinar a causa da
Entre os fatores exógenos, considera-se que o tipo de PC, mas um distúrbio comum é a hipóxia cerebral, que fa-
comprometimento cerebral vai depender do momento em vorece o aparecimento de hemorragias intraventriculares
que o agente atua, de sua duração e da sua intensidade. ou intracranianas, que danificam o cérebro. Outras causas
Quanto ao momento em que o agente etiológico incide so- de risco envolvem problemas maternos como pré-natal mal
bre o SNC em desenvolvimento, distinguem-se os períodos conduzido, alcoolismo, drogas, má nutrição e infecções ma-
pré-natal, perinatal e pós-natal. ternas, como rubéola, toxoplasmose e citomegalovírus.
Com o progresso da neonatologia, há um aumento da
B - Etiologia sobrevida e do número de crianças prematuras nascidas
A associação de asfixia pré e perinatal é responsável com baixo peso e com anóxia perinatal.
pelo maior contingente de comprometimento cerebral do Os cuidados pré-natais com a gestante são de funda-
RN, é a 1ª causa de morbidade neurológica neonatal, le- mental importância para a prevenção.
154
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
ORTOPEDIA
• Hiperbilirrubinemia (hemolítica ou por incompati-
Os pacientes com PC têm principalmente comprometi-
bilidade);
mento motor, influenciando o seu desempenho funcional.
• Hipoglicemia;
Segundo Schwartzman (1993) e Souza & Ferraretto (1998),
• Distúrbios hidroeletrolíticos. a PC pode ser classificada por tipo de disfunção motora ex-
- Pós-natais trapiramidal ou discinético (atetoide, coreico e distônico),
• Infecções: atáxico, misto e espástico; ou pela topografia das lesões
(localização no corpo), que inclui tetraplegia, monoplegia,
* Meningites;
* Encefalites. diplegia e hemiplegia. Na PC, a forma espástica é a mais
• Trauma craniano; encontrada e frequente em 88% dos casos.
Quanto à disfunção motora:
• Acidente cerebrovascular;
- Atetoide: caracterizada por movimentos involuntários.
• Cardiopatia congênita cianótica;
Nesse tipo, os movimentos são involuntários devido a
• Anemia falciforme; um estímulo ineficaz e excessivo que o cérebro envia
• Malformações vasculares; ao músculo, não sendo capaz de manter um padrão;
• Encefalopatias desmielinizantes (pós-infecciosas ou - Coreico: acomete crianças e jovens do sexo feminino
pós-vacinais). com movimentos involuntários e descoordenados dos
• Anóxia cerebral: membros e dos músculos da face (dança de São Guido);
* Acidente por submersão; - Distônico: incoordenação do tônus muscular;
* Aspiração de corpo estranho; - Atáxico: dificuldade de coordenação motora (tremo-
* Insuficiência/parada respiratória. res ao realizar um movimento);
• Síndromes epilépticas (West e Lennox-Gastaut);
- Mistos: quando apresentam pelo menos 2 tipos asso-
• Status epilepticus: ciados de alteração do movimento (exemplo: espásti-
* Desnutrição. co e atetoide);
C - Diagnóstico - Espástico: ocorre uma lesão do córtex cerebral, dimi-
nuindo a força muscular e aumentando o tônus mus-
O diagnóstico é clínico e deve ser feito no 1º ano de cular. A tensão muscular encontra-se aumentada ao
vida, por um especialista. A 1ª observação geralmente é a realizar algum alongamento da musculatura ou mes-
da mãe, que relata ao médico que o filho está demorando mo um estiramento.
a equilibrar-se, movimenta pouco as pernas ou tem os pés
mais duros que o normal. Quanto à topografia da lesão:
Tônus muscular anormal (espasticidade ou atetose), - Tetraplegia(hemiplegia bilateral ou quadriplegia):
contratura muscular, crescimento ósseo anormal (defor- ocorrendo em 9 a 43% dos casos, com lesões difusas
155
ORTO P ED I A
bilateral no sistema piramidal apresentando tetrapa- ficada em situação de estresse ou esforço físico maior. Em
resia espástica com retrações em semiflexão severas, um estudo com 100 casos de PC, a forma espástica ocorreu
síndrome pseudobulbar (hipomimia, disfagia e disar- 55 vezes, com predomínio para tetraparesia em 25 casos.
tria), e até microcefalia, deficiência mental e epilepsia; Nas formas coreoatetósicas, ao lado dos movimentos
- Diplegia: surge em 10 a 30% dos pacientes, mais involuntários característicos, podem-se observar alterações
comum em prematuros, comprometendo os mem- do tônus muscular do tipo distonia, com variações para
bros inferiores e podendo apresentar hipertonia dos mais ou para menos, durante a movimentação ou na ma-
músculos adutores, denominada síndrome de Little nutenção da postura. Foram observadas em 11% dos casos.
(cruzamento dos membros inferiores e marcha “em Nas formas atáxicas, encontram-se importantes altera-
tesoura”). Há vários graus para classificar a intensida- ções do equilíbrio e da coordenação motora, associadas à
de do distúrbio, podendo ser pouco afetado (com um hipotonia muscular nítida; essa forma esteve presente em
prognóstico bom, sendo capaz de se adaptar à vida 9% dos casos do estudo. As formas mistas são caracteriza-
diária) ou grave com limitações funcionais. Ao 1º ano das por diferentes combinações de transtornos motores pi-
de vida, a criança pode se apresentar hipotônica, pas- ramidoextrapiramidais, piramidoatáxicos ou piramidoextra-
sando para distonia intermitente, com tendência ao piramidal-atáxicos, tendo sido a 2ª forma mais frequente,
opistótono quando estimulada. Nos casos mais graves, 26% dos casos.
a criança pode permanecer num desses estágios por Transtornos auditivos ocorrem por comprometimento do
toda a vida, porém geralmente passa a exibir hiper- VIII nervo craniano, desde o seu núcleo até a saída pelo orifí-
tonia espástica, inicialmente extensora e, finalmente, cio auditivo interno, e podem estar relacionados ao mesmo
com graves retrações semiflexoras; fator etiológico do qual resultou o quadro de PC, ou pelo uso
- Hemiplegia: é a mais comum de todas, comprometen- de drogas que atingem o nervo auditivo, como alguns anti-
do mais o membro superior; é acompanhada de espas- bióticos usados nos casos de sepse e meningites neonatais.
ticidade, hiper-reflexia e sinal de Babinski. O padrão Alterações da movimentação ocular são frequentes,
hemiplégico caracteriza-se pela postura semiflexora sendo a mais comum o estrabismo convergente, por lesão
do membro superior, com o membro inferior hipe- do nervo abducente. A dificuldade visual pode se mani-
restendido e aduzido, e o pé em postura equinovara, festar por catarata nos casos de toxoplasmose congênita,
podendo ser encontradas hipotrofia dos segmentos hemianopsias por lesão quiasmática ou pós-quiasmática,
acometidos, hemi-hipoestesia ou hemianopsia. além de outros transtornos visuais.
Associado ao distúrbio motor presente na ECNPI, o qua-
dro clínico pode incluir:
- Deficiência mental – ocorre de 30 a 70% dos pacientes.
Está mais associada às formas tetraplégicas, diplégicas
ou mistas;
- Epilepsia – varia de 25 a 35% dos casos, mais associado
à forma hemiplégica ou tetraplégica;
- Distúrbios da linguagem;
- Distúrbios visuais – pode ocorrer perda da acuidade
Figura 2 - Classificação de PC de acordo com a localização e a visual ou dos movimentos oculares (estrabismo);
gravidade neurológica: (A) paralisia espástica unilateral; (B) tetra-
paresia espástica; (C) diplegia espástica (predomínio nos MMII);
- Distúrbios do comportamento – são mais comuns nas
(D) tetraparesia assimétrica (predomínio de um dos lados) e (E)
crianças com inteligência normal ou limítrofe, que se
diplegia assimétrica (MMII bilateralmente e um dos MMSS mais sentem frustradas pela sua limitação motora, quadro
que o outro) agravado em alguns casos pela superproteção ou re-
jeição familiar;
A forma mais frequente é espástica ou piramidal. - Distúrbios ortopédicos – mesmo aos pacientes subme-
Dependendo da localização e da extensão do comprometi- tidos à reabilitação bem orientada, são comuns retra-
mento, manifesta-se por monoplegia, hemiplegia, diplegia, ções fibrotendíneas (50%), cifoescoliose (15%), “coxa
triplegia ou tetraplegia. Nas formas espásticas, encontram- valga” (5%) e deformidades nos pés.
-se hipertonia muscular extensora e adutora dos membros
inferiores, hiper-reflexia profunda e sinal de Babinski, e dé- Tabela 1 - Classificação da PC
ficit de força localizado ou generalizado, dependendo da ex- Espástica
tensão do comprometimento. Na forma diplégica, também Diplegia
chamada de Little, a espasticidade dos membros inferiores - Boa função manual;
é muito intensa, resultando na posição em tesoura ao se
- Má função manual;
tentar colocar o paciente em pé, enquanto nos membros
- Assimétrica.
superiores a espasticidade é leve e, muitas vezes, só identi-
156
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
ORTOPEDIA
joelho e equinismo dos pés. Nos membros superiores, ocor- a maioria anda, e são estes os que mais se beneficiam com
re flexão do cotovelo, do punho e dos dedos, em associação cirurgias ortopédicas.
à dificuldade de movimentos finos da mão.
G - Tratamento
O tratamento e a reabilitação são multidisciplinares, en-
volvendo médicos de várias especialidades. O objetivo é pro-
porcionar ao paciente independência nas atividades da vida
diária, comunicação inteligível, locomoção independente,
educação e uma satisfatória integração familiar e social.
O tratamento da PC visa controlar as crises convulsivas,
as complicações decorrentes das lesões e a prevenção de
outras doenças, contraturas ou problemas.
O tratamento medicamentoso baseia-se no uso de an-
ticonvulsivantes e psiquiátricos, quando necessários, para
Figura 3 - Pé equino na paralisia hemiparética obter controle dos distúrbios afetivo-emocionais e da agi-
tação psicomotora.
O tratamento cirúrgico envolve cirurgias ortopédicas
para corrigir deformidades e estabilizar a articulação, além
de preservar a função e aliviar a dor.
A fisioterapia objetiva inibir a atividade reflexa anormal,
normalizando o tônus muscular, e facilitar o movimento
normal, consequentemente melhorando a força, flexibilida-
de, amplitude de movimento (ADM), e as capacidades mo-
toras básicas para a mobilidade funcional. As metas de um
programa de reabilitação são reduzir a incapacidade, pre-
venir contraturas e deformidades e otimizar a função. Os
Figura 4 - Paralisia tetraparética alongamentos musculotendinosos devem ser lentos e reali-
zados diariamente para manter a amplitude de movimento
b) Lesão do sistema extrapiramidal: lesão nos núcleos e reduzir o tônus muscular. Exercícios de grande resistên-
da base, condicionando o aparecimento de movimentos in- cia podem auxiliar no fortalecimento muscular, mas com
voluntários classificados em atetoide, coreico e distônico. as devidas precauções em pacientes com lesões centrais,
Existe o tipo misto, em que ocorre espasticidade associada pois reforçarão as reações tônicas anormais já existentes,
a movimentos involuntários. aumentando a espasticidade.
157
ORTO P ED I A
A - Definição
A artrogripose pode ser definida como contratura arti-
cular congênita de 2 ou mais articulações, não progressiva,
em diferentes áreas do corpo. Trata-se de entidade congê-
nita não progressiva, caracterizada por alterações da pele,
tecido celular subcutâneo, que é inelástico, e aderido aos
planos profundos, acompanhado de ausência das pregas
cutâneas, músculos atrofiados e substituídos por tecido
fibrogorduroso, articulações deformadas com limitação da
mobilidade, rigidez e espessamento das estruturas periarti-
culares e com sensibilidade conservada.
A etiologia é desconhecida, porém há uma relação entre
acinesia fetal e artrogripose. Quanto mais precocemente os
movimentos articulares forem restringidos, mais graves se-
rão as contraturas articulares ao nascimento.
As deformidades, geralmente, são simétricas e a gravi-
dade das mesmas manifesta-se mais intensamente quanto
mais distais forem as articulações na extremidade.
Estas alterações nos membros podem estar associadas
a outras malformações, tanto viscerais como neurológicas,
estando presentes em inúmeras doenças agrupadas por
Hall, sob o denominador comum das múltiplas contraturas
articulares congênitas.
Os prováveis fatores relacionados à diminuição do movi-
mento fetal são anomalias do SNC (processo neuropático), Figura 5 - Crianças com artrogripose
anormalidades musculares, anormalidades do tecido conjun-
Nos membros inferiores, os quadris geralmente em fle-
tivo, limitação do espaço intrauterino e doenças maternas.
xão, abdução e rotação externa apresentam-se luxados em
1/3 dos casos. Os joelhos podem estar em flexão ou exten-
B - Classificação de Hall são. Já os pés podem ter várias deformidades, sendo mais
- Tipo I: envolvimento principal dos membros: comum o pé torto cavo varo.
158
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
C - Tratamento
ORTOPEDIA
3. Mielomeningocele
A - Definição
A mielomeningocele, uma das mais graves anomalias
congênitas compatíveis com a vida, é uma lesão cística, con-
tendo liquor e tecido nervoso no seu interior, acompanhada
de alterações motoras e sensitivas de acordo com o nível e
a extensão do acometimento da região da coluna vertebral
e da medula espinhal. Figura 8 - Ultrassonografia com mielomeningocele
Figura 9 - Mielomeningocele
Figura 6 - Malformação e lesão cística
159
ORTO P ED I A
4. Poliomielite
A - Definição
O termo “poliomielite” é oriundo do grego – poliós (cin-
zento), myelós (medula) e ítes (inflamação). Trata-se de
uma doença aguda e infecciosa causada por um vírus com-
posto por cadeia simples de ácido ribonucleico (RNA), cuja
transmissão ocorre primariamente pela via oral-fecal (por
meio de objetos, alimentos e/ou água contaminados com
fezes) ou por transmissão direta, de pessoa a pessoa (por
meio de secreções nasofaríngeas).
A poliomielite compreende uma doença infecciosa agu-
da causada por um grupo de vírus neurotrópicos que, ini-
cialmente, invadem os tratos gastrintestinal e respiratório
e espalham-se para o SNC por meio da via hematogênica. Figura 10 - Microscopia eletrônica do vírus
160
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
C - História clínica
No Brasil, a última epidemia de poliomielite registrada
ocorreu em 1984, sendo que o último caso registrado foi em
1989. A partir de 1990, o Brasil cumpriu todos os critérios
estabelecidos pela Comissão Internacional de Certificação
da Erradicação da Poliomielite, recebendo em 1994 o cer-
tificado de interrupção da transmissão autóctone do polio-
vírus.
Com o advento da imunização, a incidência no número
de casos diminuiu drasticamente em todo o mundo. No
entanto, uma fração dos pacientes que já desenvolveu po-
liomielite, durante as décadas de 1960 e 1970, está apre-
sentando atualmente os efeitos tardios da doença. Esses Figura 11 - Sequela da poliomielite com atrofia do membro inferior
efeitos se manifestam clinicamente como nova fraqueza esquerdo
e fadiga musculares, dores musculares e articulares, dis-
túrbios respiratórios e do sono, disfagia, dentre outros, os - Síndrome pós-poliomielite
ORTOPEDIA
quais em conjunto foram denominados de “síndrome pós- A Síndrome Pós-Poliomielite (SPP) foi descrita pela 1ª
-poliomielite.” vez em 1875 por Raymond, quando descreveu o caso de
um homem de 19 anos, acometido anteriormente pela po-
a) Modo de transmissão
liomielite paralítica e que estava desenvolvendo um qua-
A transmissão ocorre principalmente por contato direto dro caracterizado por nova fraqueza e atrofia muscular. O
pessoa a pessoa. A boca é a porta de entrada do poliovírus, paciente apresentava paresia no braço e perna esquerdos.
fazendo-se a transmissão pelas vias fecal-oral ou oral-oral, Cerca de 100 anos depois, estudos demonstraram que pa-
esta última através de gotículas de muco da orofaringe (ao cientes com história médica prévia de poliomielite paralíti-
falar, tossir ou espirrar). As más condições habitacionais, a ca poderiam desenvolver, após anos de estabilidade clínica
higiene pessoal precária e o elevado número de crianças e funcional, novos sinais e sintomas, tais como perda da for-
numa mesma habitação constituem fatores que favorecem ça muscular e atrofia. A partir deste momento, a SPP passou
a transmissão do poliovírus. a ser reconhecida pela comunidade médico-científica como
uma condição clínica que pode afetar indivíduos anterior-
b) Período de incubação mente acometidos pela poliomielite paralítica.
O período de incubação é geralmente de 7 a 12 dias, A SPP pode ser definida e caracterizada por novos sinto-
podendo variar de 2 a 30 dias. mas neuromusculares que ocorrem ao menos 15 anos após
um período de estabilidade clínica e funcional ter sido atin-
c) Período de transmissibilidade gida em pacientes com história prévia de poliomielite sin-
O período de transmissibilidade pode iniciar antes do tomática. Os sinais e sintomas que caracterizam a SPP são:
surgimento das manifestações clínicas. Em indivíduos sus- nova fraqueza, fadiga, atrofia e dor musculares, dor articu-
cetíveis, a eliminação do vírus se faz pela orofaringe por um lar, distúrbio do sono, intolerância ao frio, dificuldades res-
período de cerca de 1 semana, e pelas fezes por cerca de 6 piratórias e de deglutição e aumento recente de peso. Os
semanas, enquanto que, nos indivíduos reinfectados, a eli- sintomas neuromusculares podem acontecer em membros
minação do vírus se faz por períodos mais reduzidos. previamente acometidos pela doença ou não. O processo é
O curso da doença é subdividido nos seguintes estágios: caracterizado por uma piora lenta dos sinais e sintomas da
- Fase aguda: dura de 5 a 7 dias; é o período de doença SPP sendo, portanto, uma doença progressiva.
aguda em que pode ocorrer a paralisia; Embora a fisiopatologia desses sintomas não seja clara,
diferentes mecanismos têm sido elencados. Dentre esses
- Fase de convalescença: encerra o período de 16 meses mecanismos, o mais aceito postula que a degeneração ou
após a fase aguda; durante esse tempo, há um variado disfunção das unidades motoras gigantes, manifestada pela
grau de recuperação da força muscular; deterioração periférica (axônio e/ou junção neuromuscu-
- Fase crônica ou residual: é o estágio final da doença lar), são, provavelmente, o resultado da solicitação meta-
depois da recuperação da força muscular. Acompanha bólica excessiva das unidades motoras gigantes (overuse
o resto da vida do paciente. muscular).
161
ORTO P ED I A
D - Tratamento 5. Resumo
O tratamento varia com o estágio da doença e a gravida-
de, e a extensão da paralisia. Quadro-resumo
Paralisia cerebral
- Definição: lesão em um cérebro imaturo, determinando al-
terações motoras, e os distúrbios não são progressivos, mas
permanentes;
- Etiologia: hipóxia cerebral (problemas maternos como pré-
-natal mal conduzido, alcoolismo, drogas, má nutrição e in-
fecções maternas, como rubéola, toxoplasmose e citomega-
lovírus);
- Diagnóstico: é clínico e deve ser feito no 1º ano de vida; re-
tardo do desenvolvimento neuromotor; tônus muscular anor-
mal; contratura muscular, crescimento ósseo anormal; perda
do controle muscular efetivo; e problemas com o equilíbrio;
Figura 12 - Relação entre a vacinação e o número de casos
- Tratamento e reabilitação: multidisciplinares, envolvendo
Na fase aguda, a função do médico é confortar o pacien- médicos de várias especialidades;
te e prevenir deformidade. Uma manifestação nos estágios - Objetivo: proporcionar ao paciente independência nas ativi-
iniciais é o espasmo muscular, caracterizado pela contração dades da vida diária, comunicação inteligível, locomoção in-
dependente, educação e satisfatórias integrações familiar e
protetora dos músculos para prevenir movimentos poten-
social.
cialmente dolorosos. Na fase aguda, o uso de analgésicos
Artrogripose
e calor úmido local servem para aliviar a sensibilidade dos
músculos e diminuir o desconforto. - Definição: contratura articular congênita de 2 ou mais articu-
lações, não progressiva, em diferentes áreas do corpo; doença
Na fase de convalescença, os objetivos do tratamento
congênita e não progressiva;
são obtenção de recuperação máxima dos músculos indi-
- Etiologia: desconhecida, há uma relação entre acinesia fetal e
viduais, restauração da mobilidade articular, prevenção
artrogripose;
de deformidades e alcance de um bom estado fisiológico
- Classificação de Hall:
do sistema neuromuscular tanto quanto possível. Deve-se
· Tipo I: envolvimento principal dos membros:
fazer uso de órteses para o alinhamento apropriado dos
* Amioplasia;
membros, realizar ampla mobilização articular, realizar * Acometimento distal dos membros.
exercícios ativos para interagir as unidades motoras recu- · Tipo II: envolvimento dos membros e de outras áreas do cor-
peradas em padrões normais de mobilidade e treino de po;
marcha e equilíbrio. · Tipo III: envolvimento dos membros associado à disfunção do
SNC.
- Clínica: inteligência normal; há diminuição ou ausência de
massa muscular, que é substituída por tecido fibroso ou gor-
duroso; contraturas articulares, cotovelos em extensão (em
alguns casos em flexão), punhos em flexão, quadris em flexão,
abdução e rotação externa; joelhos podem estar em flexão ou
extensão;
- Tratamento: o tratamento ortopédico visa à correção das de-
formidades e ao ganho de mobilidade das articulações acome-
tidas.
Mielomeningocele
- Definição: é uma lesão cística, contendo liquor e tecido nervo-
so no seu interior, acompanhada de alterações motoras e sen-
sitivas de acordo com o nível e a extensão do acometimento da
região da coluna vertebral e da medula espinhal;
- Etiologia: desconhecida, com alguns fatores de risco. Um dos
mais conhecidos é a deficiência de ácido fólico na nutrição ma-
terna;
Figura 13 - Órtese para auxílio na deambulação - Clínica: a paralisia resultante é simétrica e do tipo flácida;
Na fase crônica, devem-se prevenir deformidades e cor- - Diagnóstico: o diagnóstico pré-natal pode ser feito com a dosa-
gem sérica materna de alfa-fetoproteína e a ultrassonografia;
rigi-las, caso se desenvolvam.
162
DOENÇAS NEUROMUSCULARES
Mielomeningocele
- Tratamento: preconizado o fechamento da bolsa ou a repa-
ração da lesão nas primeiras 24 horas de vida do bebê, para
evitar maior comprometimento neurológico; no tratamento
neurocirúrgico, há ainda a necessidade de derivação da hidro-
cefalia, que acompanha 90% dos pacientes.
Poliomielite
- Definição: compreende uma doença infecciosa aguda causada
por um grupo de vírus neurotrópicos que, inicialmente, inva-
dem os tratos gastrintestinal e respiratório e espalham-se para
o SNC através da via hematogênica;
- Clínica: fraqueza muscular e paralisia flácida aguda, fascicula-
ção e hiporreflexia;
- Etiologia: o vírus da poliomielite é do grupo enterovírus, que
inclui os vírus coxsackie e ECHO;
- Modo de transmissão: contato direto pessoa a pessoa; a boca
é a porta de entrada do poliovírus;
- Síndrome pós-poliomielite: caracterizada por novos sintomas
neuromusculares que ocorrem ao menos 15 anos, após um pe-
ríodo de estabilidade clínica e funcional ter sido atingida em
pacientes com história prévia de poliomielite sintomática. Os
sinais e sintomas são nova fraqueza, fadiga, atrofia e dor mus-
ORTOPEDIA
culares, dor articular, distúrbio do sono, intolerância ao frio,
dificuldades respiratórias e de deglutição e aumento recente
de peso;
- Tratamento: varia com o estágio da doença e a gravidade e a
extensão da paralisia.
163
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
5
Infecção osteoarticular
Gustavo Merheb Petrus
164
INFECÇÃO OSTEOARTICULAR
velos. As articulações das mãos e dos pés não raramente O VHS e a PCR mostram-se principalmente úteis para a
são acometidas. avaliação da resposta ao tratamento. A PCR possui algumas
Na criança, a articulação mais acometida também é o vantagens, apresentando uma elevação e uma queda mais
joelho, com o quadril sendo mais frequentemente atingido precoce quando o processo inflamatório diminui ou cessa,
do que em adultos e idosos. além de sofrer menos variações com a idade e alterações mor-
O acometimento poliarticular varia de zero a 24%. fológicas e quantitativas das hemácias, como é o caso da VHS.
A análise do líquido sinovial é fundamental para o diag-
C - Quadro clínico nóstico da artrite séptica. Comumente encontram-se refe-
A duração média da sintomatologia antes da admissão rências citando que contagem de leucócitos acima de 50.000/
varia de 3 a 12 dias. A manifestação clínica mais importante mm3 é altamente sugestiva de artrite de origem infecciosa. A
é a dor tanto em repouso quanto ao movimento seguido contagem diferencial de células mostra predomínio de po-
do aumento de volume articular. Outras manifestações in- limorfonucleares (PMN), constituindo na maioria das vezes
cluem limitação de movimento articular, calor local e febre, mais de 90% das células. Estes dados ajudam e tornam a in-
presente em 44 a 58% dos pacientes. fecção altamente provável, mas não definem o diagnóstico,
uma vez que outras afecções como artrite reumatoide, psori-
ática e gota também mostram predomínio de PMN e podem,
eventualmente, ter contagem acima de 50.000 células/mm3.
ORTOPEDIA
Figura 3 - Procedimento de punção articular do quadril para aná-
lise do líquido sinovial
Figura 1 - Atrite séptica no joelho direito de uma criança
O raio x é de pouca validade diagnóstica, uma vez que
alterações características ocorrem em um estágio mais tar-
dio da artrite séptica. As manifestações precoces são repre-
sentadas pelo edema dos tecidos moles periarticulares. Já
as tardias são a osteopenia justa-articular e erosões ósseas.
Porém, o raio x pode ser utilizado para avaliar lesões arti-
culares preexistentes ou sequelas do processo infeccioso.
Osteomielite adjacente é um diagnóstico que pode ser feito
usando o raio x, principalmente em crianças.
A ultrassonografia é útil para avaliar presença de líquido
nas articulações, em especial as mais profundas como a do
quadril, bem como guiar a punção articular. No entanto, sua
utilidade para avaliar se a presença de líquido decorre de
Figura 2 - Joelho com sinais de edema, hiperemia local sugestiva um processo infeccioso ou puramente inflamatório, ou seja,
de artrite séptica ajudar no diagnóstico, é baixa.
E - Diagnóstico diferencial
D - Exames complementares
A artrite séptica entra no diagnóstico diferencial da sín-
Na população pediátrica, a febre pode ser encontrada drome da monoartrite aguda.
em uma maior parcela dos casos. As 3 maiores causas são a artrite induzida por cristais,
Leucocitose periférica é encontrada em metade dos em especial gota, trauma e infecção.
pacientes, variando nos estudos entre 35,4 e 64% dos ca-
sos. O aumento da VHS (velocidade de hemossedimenta-
F - Agente etiológico e sua identificação
ção) é observado em torno de 95% dos pacientes. A PCR
(Proteína C Reativa) parece ser mais sensível, estando au- A cultura do líquido sinovial é fonte de identificação em
mentada em alguns pacientes com VHS dentro da faixa de 70% dos casos. A hemocultura é positiva em torno de 35%
normalidade. dos casos. A bacterioscopia é positiva em apenas 50% dos
165
ORTO P ED I A
166
INFECÇÃO OSTEOARTICULAR
A localização metafisária está relacionada à vascu- gerais do paciente. Manifestações sistêmicas de septicemia
larização da região, onde as artérias nutrientes terminais aguda, como febre alta, calafrios e vômitos, podem ocorrer.
continuam por “lagos venosos” sinusoidais. Neste local, há Nos recém-nascidos e lactentes, a febre pode estar ausen-
baixo fluxo sanguíneo e pouca concentração de monócitos, o te, sendo a irritabilidade e a recusa alimentar os achados
que favorece a fixação bacteriana. A multiplicação bacteriana clínicos mais consistentes.
favorece a formação de trombos ou êmbolos sépticos e fenô- O sintoma mais frequente é a dor óssea, com piora ao
menos tromboembólicos, gerando congestão local, aumen- movimento do membro acometido. A dor é localizada; um
to da pressão intraóssea, isquemia e áreas de necrose, com aumento de volume local acompanhado de calor local está
formação progressiva de pus, o que ocasiona dor intensa. A usualmente presente. A palpação pode identificar o local
difusão do pus, através dos canais de Havers e Volkmann, mais exato da dor.
rumo à cortical externa, forma um abscesso subperiosteal,
provocando descolamento progressivo do periósteo.
ORTOPEDIA
Figura 5 - Sinais clínicos de osteomielite aguda nos ossos do pé
C - Diagnóstico
O exame radiográfico simples é a 1ª etapa na investiga-
ção por métodos de imagem em osteomielite porque pode
sugerir o diagnóstico correto, excluir outras doenças ou for-
necer indícios para outras condições patológicas.
Demora de 10 a 21 dias para que uma lesão óssea se
torne visível em um exame radiográfico convencional, pois
é necessária uma redução de 30 a 50% na densidade óssea
para que haja uma alteração radiográfica aparente.
Figura 4 - Anatomia vascular da região metafisária Essa insensibilidade para o diagnóstico precoce da infec-
ção óssea torna necessário o emprego de métodos alterna-
A secreção purulenta pode drenar espontaneamente
tivos, como a cintilografia e a ressonância magnética, para a
pelo subcutâneo e pela pele. Nas articulações em que a
detecção precoce da osteomielite.
região metafisária se encontra dentro da cápsula, como o
quadril, o ombro e o cotovelo, essa drenagem provoca uma
artrite séptica secundária, com danos para a cartilagem ar-
ticular e riscos de luxação ou subluxação.
Quanto aos recém-nascidos até os 18 meses, os vasos
metafisários atravessam a placa epifisária; assim, a fise não
constitui uma barreira para a expansão do processo infec-
cioso para a epífise e cavidade articular até essa idade.
Nos recém-nascidos, os germes mais encontrados são
o estreptococo do grupo B e os bacilos Gram negativos.
Entre os 2 meses e 3 anos de idade, o Haemophilus influen-
zae aparece como o agente etiológico. Após os 3 anos, o
Staphylococcus aureus e o estreptococo dos grupos A e B
são os agentes patógenos mais comuns.
B - Quadro clínico
Os sinais e os sintomas dependem da gravidade da in-
fecção, da localização, da idade e das condições clínicas Figura 6 - Radiografia de perna com osteomielite
167
ORTO P ED I A
B - Quadro clínico
O início dos sintomas é insidioso. A criança não de-
monstra um quadro de doença infecciosa aguda grave, com
pouca ou nenhuma limitação funcional. A queixa mais im-
portante é a dor localizada com períodos de remissão e de
exacerbação.
Os sintomas podem estar presentes por semanas, me-
Figura 8 - Radiografia e cintilografia mostrando a hipercaptação ses ou anos, e o estudo laboratorial tem pouca importância.
na osteomielite O diagnóstico baseia-se no aspecto radiográfico da lesão,
que é lítica, bem delimitada, com bordas escleróticas e co-
A leucocitose e o aumento da VHS não são específicos
nhecida como abscesso de Brodie. Essas lesões podem ser
de infecção óssea e podem, numa fase inicial, ser normais.
localizadas na metáfise, epífise e, mais raramente, diáfise.
A contagem de leucócitos é um indicador pobre de osteo-
mielite hematogênica aguda, e apenas 35% dos pacientes
apresentaram alteração no momento da admissão.
Em crianças de 1 a 36 meses de vida, níveis de PCR abai-
xo de 5mg/dia afastam a possibilidade de uma infecção bac-
teriana de maior gravidade; a osteomielite hematogênica
aguda está entre essas infecções.
Os níveis de PCR após o tratamento adequado encontram-
-se normalizados aos 9 dias de evolução, e a VHS, com 29 dias.
D - Tratamento
Um tratamento precoce e adequado é o principal fator
que influencia o resultado final da osteomielite. As 2 prin-
cipais sequelas são destruição da placa de crescimento e
osteomielite crônica. Na suspeita do diagnóstico, a criança
deve ser internada. Figura 9 - Abscesso de Brodie na região epifisária do fêmur distal
168
INFECÇÃO OSTEOARTICULAR
C - Diagnóstico
Quadro pregresso de infecção, com diagnóstico tardio
ORTOPEDIA
ou tratamento mal conduzido.
Figura 10 - Sequência do tratamento da osteomielite na tíbia pro- A infecção tardia (longa evolução) é a consequência
ximal: (A) diagnóstico; (B) tratamento cirúrgico com drenagem e natural da evolução das osteítes agudas e osteomielites
(C) curetagem e radiografia mostrando a resolução da infecção
hematogênicas agudas quando não tratadas ou tratadas in-
corretamente. Nesta patologia é importante termos em 1º
4. Osteomielite crônica lugar a certeza do diagnóstico.
O diagnóstico é baseado no quadro clínico e as sínteses
dos meios auxiliares de diagnósticos:
A - Introdução
- História de infecção;
A osteomielite crônica é, geralmente, resultante da os- - Fístulas;
teomielite aguda não diagnosticada, não tratada ou tratada - Dores na zona.
de maneira tardia ou inadequada.
B - Patogenia
A infecção normalmente tem início na metáfise dos os-
sos longos, pela sua particularidade da irrigação, já que a
área é ricamente vascularizada com numerosas anastomo-
ses. Por isso, um fluxo sanguíneo mais lento proporciona as
condições para a sedimentação do êmbolo séptico e produz
as circunstâncias ideais para o crescimento bacteriano.
Os micro-organismos (devido a vários fatores) podem
induzir a uma reação inflamatória aguda. Os restos necró-
ticos produzidos formam o pus – que não é mais do que
exsudato contendo leucócitos polimorfonucleares, fibrina e
restos necróticos que se desenvolvem formando abscessos
intraósseos, medulares e atingem muitas vezes a superfície Figura 11 - Fístula na região posterior do joelho
óssea onde forma um abscesso subperiostal (nos casos da
osteomielite hematogênica), e posteriormente este absces-
- Exames complementares
so espalha-se pelas estruturas vizinhas em ambos os casos.
Ao mesmo tempo, o periósteo reage formando o invó- - Velocidade sedimentação aumentada (se há agudiza-
lucro (osso neoformado). Se o processo não para, a infor- ção do processo ou não);
mação evolui para uma situação de cronicidade, isto é, os - Leucograma com leucocitose moderada;
produtos bacterianos, a isquemia e as enzimas dos polimor- - Hemograma normalmente baixo;
169
ORTO P ED I A
- Biópsia (pode determinar se a infecção evoluiu para A tomografia pode ser usada para melhor visualização e
um carcinoma de células escamosas ou confirmar a localização da lesão.
infecção);
- Cultura e antibiograma (normalmente polibacteriana); D - Tratamento
- Radiografia simples; Por tratar-se de osso desvitalizado e sem irrigação, ne-
- MRI e cintilografia; nhum antibiótico tem capacidade de atuação no sequestro.
- CT scan. O antibiótico deve ser utilizado para combater a bacteremia
e continuado por 3 a 6 semanas, até que a PCR se norma-
As radiografias simples indicam, na maior parte das lize. O tratamento é sempre cirúrgico, por retirada do se-
vezes do diagnóstico, presença do sequestro + invólucro. questro e do tecido necrótico.
Deve-se ter o cuidado de não fazer o diagnóstico só com
radiografias, pois é possível confundir com tumor.
170
INFECÇÃO OSTEOARTICULAR
ORTOPEDIA
cém-nascidos e lactentes, a febre pode estar ausente, sendo a
irritabilidade e a recusa alimentar os achados clínicos mais con-
sistentes. O sintoma mais frequente é a dor óssea, e aumento
de volume local acompanhado de calor local está usualmente
presente. A palpação localiza a dor;
- Exames de imagem: nos primeiros dias da doença, não apa-
recem alterações na radiografia, e há alterações a partir de 14
dias. A ecografia demonstra o edema de partes moles, o desco-
lamento periosteal ou um abscesso subperiostal. A cintilografia
óssea com tecnécio-99m é sensível no início do quadro e apre-
senta área de hipercaptação no foco da infecção. A ressonân-
cia magnética permite uma visualização precoce das alterações
teciduais na medula óssea e nas partes moles;
- Exames laboratoriais: hemograma com leucocitose e desvio à
esquerda, VHS aumentada, bem como a PCR. A hemocultura é
positiva apenas em 60% dos casos;
- Tratamento: precoce com antibiótico sistêmico; após 48 horas
do início da doença, realizar drenagem cirúrgica;
- Complicações: septicemia, pioartrite e cronificação.
Osteomielite subaguda
- Quadro clínico: o início dos sintomas é insidioso, e não ocorre
um quadro de doença infecciosa aguda grave, com pouca ou
nenhuma limitação funcional. A queixa mais importante é a
dor localizada. Os sintomas podem estar presentes por se-
manas, meses ou anos, e o estudo laboratorial tem pouca
importância;
- Diagnóstico: baseia-se no aspecto radiográfico da lesão, que
é lítica, bem delimitada, com bordas escleróticas e conhecida
como abscesso de Brodie;
- Tratamento: conservador, com antibioticoterapia por 2 a 3 sema-
nas, e, quando não há resposta ao tratamento clínico, indica-se
o tratamento cirúrgico com curetagem e limpeza da lesão, com
antibiótico pós-operatório.
171
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
6
Ortopedia adulto
Gustavo Merheb Petrus
B - Epidemiologia
Atinge homens e mulheres, com predomínio no sexo
feminino (com deficiência estrogênica) e em indivíduos
idosos.
As mulheres brancas na pós-menopausa apresentam
maior incidência de fraturas. A partir dos 50 anos, 30% das
mulheres e 13% dos homens podem sofrer algum tipo de Figura 1 - Células do tecido ósseo envolvidas no remodelamento
fratura por osteoporose ao longo da vida.
No início de cada ciclo de remodelamento, os osteoclas-
C - Fisiopatologia tos escavam o osso, formando lacunas na sua superfície e
O remodelamento ósseo é um processo contínuo de re- cavidades no seu interior. Após cerca de 2 semanas, os oste-
tirada de osso para o sangue e formação de osso novo, ocu- oclastos são deslocados pelos osteoblastos que em um pe-
pando de 20 a 30% do esqueleto a cada momento. Através ríodo aproximado de 3 meses preenchem a área absorvida
do remodelamento, o tecido ósseo substitui células velhas com osso novo.
por novas (o que ocorre em todos os tecidos) e o organismo Até, aproximadamente, 30 anos de idade a quantidade
pode dispor de elementos importantes que são armazena- de osso reabsorvido e reposto é igual. A partir daí, inicia-
172
O R T O P E D I A A D U LT O
-se um lento balanço negativo que vai provocar, ao final de D - Causas secundárias
cada ativação das unidades de remodelamento, discreta
perda de massa óssea. Inicia-se, portanto, um lento proces- Há um grande número de doenças e de drogas associa-
so de perda de massa óssea relacionada com a idade – os- das à osteoporose e ao aumento do risco de fraturas, como:
teoporose senil – no qual, ao longo de suas vidas, as mu- - Hipercortisolismo;
lheres perderão cerca de 35% de osso cortical (fêmur, por - Hiperparatireoidismo;
exemplo) e 50% de osso trabecular (vértebras), enquanto - Hipertireoidismo;
os homens perderão 2/3 desta quantidade. - Acromegalia;
Além desta fase lenta de perda de massa óssea, as mu- - Neoplasias do sistema hematopoético;
lheres têm um período transitório de perda rápida de osso
no qual a queda de estrógenos circulantes, que ocorre des-
- Cirrose biliar primária;
de a pré-menopausa, desempenha papel importante. O pe- - Doenças inflamatórias intestinais;
ríodo transitório de perda rápida pode se manter por 4 a 8 - Doença celíaca;
anos, nos quais a perda óssea chega até a 2% ao ano. O osso - Pós-gastrectomia;
trabecular é metabolicamente mais ativo e mais responsivo - Homocistinúria;
às alterações do funcionamento do organismo, o que pode - Hemocromatose;
explicar por que, neste tipo de osso, a perda óssea inicia-
-se, em ambos os sexos, na 3ª década e a massa total de
- Doenças reumáticas inflamatórias.
osso declina 6 a 8% a cada 10 anos. Também a resposta à Nos homens, a presença de uma causa secundária de
queda estrogênica é mais intensa, havendo grande acelera- osteoporose é a mais frequente (30 a 60%), sendo o uso
ção do remodelamento ósseo e perda de 5 a 10% de massa de glicocorticoide, o hipogonadismo e o alcoolismo as mais
óssea ao ano em 40% das mulheres – osteoporose da pós-
ORTOPEDIA
prevalentes. Nas mulheres na pós-menopausa, a presença
-menopausa. de causas secundárias é menos comum, embora deva ser
considerada.
E - História clínica
Deve-se considerar a avaliação de mulheres na pós-me-
nopausa que apresentem 1 ou mais fatores clínicos de risco
citados, após 65 anos, independente da presença de fatores
de risco, e de homens com fatores de risco para fraturas.
Os sintomas são secundários às fraturas. Quando ocor-
re nas vértebras, a dor pode ser de 2 tipos. Uma é agu-
da, localizada, intensa, mantendo a paciente imobilizada
e relacionada com fratura em andamento. Em situações
Figura 2 - Microscopia eletrônica do trabecular ósseo normal à es- de dor aguda, inicialmente ela pode ser mal localizada,
querda e com osteoporose à direita espasmódica e com irradiação anterior ou para bacia e
membros inferiores. A fratura vertebral pode ainda não
Observam-se, portanto, 2 padrões distintos de altera- ser observável com precisão em exame radiológico, difi-
ções no funcionamento das unidades de remodelamento cultando o diagnóstico.
que levarão à osteoporose. Um é lento e dependente da Também ocorrendo com frequência, a dor pode ser de
idade – osteoporose senil – e o outro relacionado com longa duração e localizada mais difusamente. Nestes casos,
defeito na formação óssea; os osteoclastos produzem ocorrem microfraturas que levam a deformidades verte-
lacunas de profundidade normal ou até menores, mas brais e anormalidades posturais e consequentes complica-
os osteoblastos são incapazes de preenchê-las comple- ções degenerativas em articulações e sobrecarga em mús-
tamente. culos, tendões e ligamentos.
Já as modificações que ocorrem com a queda de estró-
Apenas as medidas de DMO podem identificar os pa-
genos levam a um remodelamento em que há maior núme-
cientes com massa óssea reduzida.
ro de osteoclastos e cada um produz uma cavidade mais
A avaliação de fatores de risco clínicos pode ser útil para
profunda; também há aumento da atividade dos osteoblas-
as seguintes situações:
tos que tentam corrigir o defeito, mas não conseguem, ca-
racterizando o remodelamento acelerado onde a atividade - Identificar mulheres de elevado risco para fraturas;
de reabsorção é maior e, no final de cada ciclo, haverá um - Aumentar a conscientização sobre osteoporose;
declínio significativo de massa óssea – osteoporose da pós- - Desenvolver estratégias sociais para a prevenção de
-menopausa. fraturas e tratamento da osteoporose.
173
ORTO P ED I A
Tabela 1 - Fatores de risco clínicos para osteoporose e fraturas teoporose, mas são úteis para o diagnóstico diferencial de
Fatores maiores outras doenças que podem acometer o osso.
- Sexo feminino;
- DMO;
I - Medidas de massa óssea
- Fratura prévia; - Densitometria óssea
- Ascendência asiática ou caucasiana; A densitometria óssea, o exame de referência para o
- Idade avançada em ambos os sexos; diagnóstico da osteoporose, é realizada por técnica de
- História materna de fratura do colo femoral e/ou osteoporose; DEXA – absorciometria por raio x com dupla energia – e for-
nece valores reprodutíveis em sítios importantes de fratu-
- Menopausa precoce não tratada (antes dos 40 anos);
ras associadas à osteoporose.
- Tratamento com corticoides.
O diagnóstico é realizado pela avaliação da coluna lom-
Fatores menores bar, fêmur proximal e antebraço, segundo os critérios pro-
- Amenorreia primária ou secundária; postos pela OMS.
- Hipogonadismo primário ou secundário em homens;
- Baixo índice de massa corpórea;
- Tabagismo;
- Alcoolismo;
- Sedentarismo;
- Tratamento com drogas que induzem à perda de massa óssea,
como heparina, varfarina, anticonvulsivantes (fenobarbital, fe-
nitoína, carbamazepina), lítio e metotrexato;
- Imobilização prolongada;
- Dieta pobre em cálcio;
- Doenças que induzem à perda de massa óssea.
F - Exame físico
Devem-se avaliar estatura, peso corporal, hipercifose
dorsal, abdome protruso, deformidades esqueléticas e si-
nais físicos de doenças associadas à osteoporose.
G - Avaliação laboratorial
O critério atual para diagnóstico de osteoporose é per-
da de 25% de massa óssea quando comparada com adulto
jovem. Assim, diagnóstico precoce de osteoporose é feito
através da densitometria óssea, enquanto o estudo radio-
lógico somente mostra alterações inequívocas quando há
perda de 30% da massa óssea.
A avaliação laboratorial deve ser dirigida, primeiramen-
te, à exclusão das doenças que causam perda óssea e aos
distúrbios do metabolismo mineral que contribuem para a
perda de massa óssea.
Devem ser considerados, como avaliação mínima para
todos os pacientes, os seguintes testes laboratoriais:
- Hemograma completo;
- VHS, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina e creatinina
plasmática;
- Calciúria de 24 horas;
- Urinálise. Figura 3 - Aparelho de densitometria óssea e gráfico do resultado
174
O R T O P E D I A A D U LT O
As medidas de DMO devem ser realizadas nas seguintes dieta balanceada. Em relação ao esqueleto, o nutriente
situações: mais importante é o cálcio. Sua ingestão está relacionada
- Todas as mulheres de 65 anos ou mais; com a obtenção do pico de massa óssea, assim como o tra-
- Mulheres com deficiência estrogênica com menos de tamento e a prevenção da osteoporose.
45 anos; Leite e derivados contêm a maior proporção de cálcio
- Mulheres na peri ou na pós-menopausa (com um fator biodisponível, embora se possa valer também de outras
de risco maior ou 2 menores); fontes.
Uma adequada exposição solar é necessária para a pro-
- Mulheres com amenorreia secundária por mais de 1 dução de vitamina D na pele, fundamental para a manu-
ano;
tenção de um esqueleto de boa qualidade. A vitamina D
- Todos os indivíduos que tenham sofrido fratura por pode ser de origem vegetal ou animal, ambas equivalentes,
trauma mínimo ou atraumática;
e podem ser utilizadas igualmente na complementação vi-
- Indivíduos com evidências radiográficas de osteopenia tamínica.
ou fraturas vertebrais; Os idosos são uma população de risco para a deficiên-
- Homens com 70 anos ou mais; cia de vitamina D. A produção cutânea de vitamina D dos
- Indivíduos com perda de estatura (>2,5cm) ou hiperci- idosos equivale a 1/3 da dos jovens, quando submetidos à
fose torácica; mesma irradiação. Recomenda-se que todos os idosos de
- Indivíduos em uso de corticoide por 3 meses ou mais 70 anos ou mais recebam suplementação de vitamina D.
(dose >5mg de prednisona); A atividade física é importante para a prevenção e o tra-
- Mulheres com índice de massa corporal baixo (<19kg/m2); tamento da osteoporose. Durante a atividade física, com a
- Portadores de doenças ou uso de medicações associa- contração muscular, ocorre deformação, e o osso a inter-
preta como um estímulo à formação. O pico de massa óssea
ORTOPEDIA
das à perda de massa óssea;
é atingido entre a adolescência e os 35 anos. Uma das ma-
- Monitoramento da massa óssea durante o tratamento. neiras de evitar a osteoporose é aumentar a massa óssea
na infância e na adolescência. Quanto aos idosos, o maior
Os resultados da DMO são apresentados por meio de: objetivo da prevenção é minimizar as perdas de massa ós-
- Valores absolutos: são utilizados para monitorizar as sea e evitar as quedas.
mudanças ao longo do tempo. Embora o osso responda tanto ao aumento quanto à di-
- T-escore: é calculado em Desvio-Padrão (DP), toman- minuição da carga mecânica, é mais fácil perder osso pela
do, como referência, a DMO média do pico de massa inatividade do que ganhá-lo por meio do aumento de car-
óssea em adultos jovens: ga. Atividades com carga, como a marcha, têm mais efeito
• Até -1 DP = normal; sobre os ossos do que as sem carga, como bicicleta e nata-
• De -1,1 a -2,5 DP = osteopenia; ção. A atividade física com carga promove mais bem-estar,
• Abaixo de -2,5 DP = osteoporose; melhora a qualidade de vida e aumenta a massa muscular
• Abaixo de -2,5 DP na presença de fratura = osteopo- e a formação óssea, e deve ser feita, pelo menos, 3 vezes
rose estabelecida. por semana, em dias alternados, durante, no mínimo, 30
minutos.
- Z-escore: é calculado em DP, tomando, como referên- As quedas constituem a principal causa de morte aciden-
cia, a DMO média esperada para indivíduos da mesma tal para maiores de 65 anos. A fratura do quadril na oste-
idade, etnia e sexo. Resultados com escore z -2 DP ou oporose pode ocorrer em 90%, em virtude de quedas, e o
abaixo podem sugerir causas secundárias de osteopo- restante em virtude de movimentos de torção do fêmur com
rose. queda consequente. Se evitar a queda, serão evitadas 90%
das fraturas do quadril. Devem-se adequar o ambiente e a
J - Prevenção residência para o idoso deambular sem o risco de quedas.
A osteoporose, a respeito de outras doenças crônicas,
tem etiologia multifatorial. Fatores genéticos contribuem K - Tratamento farmacológico
com cerca de 46 a 62% da DMO, e o restante pode ser afe- Os fármacos que atuam sobre o tecido ósseo são classi-
tado por fatores relacionados ao estilo de vida, como nu- ficados em 2 grupos: agentes antirreabsortivos (reposição
trição. hormonal, raloxifeno, bifosfonatos, calcitonina, cálcio e vi-
O papel da nutrição relaciona-se ao desenvolvimento da tamina D) e os estimulantes de formação óssea (PTH).
maior e melhor massa óssea possível durante o crescimen- Estudos mostram decréscimo de 50% nas fraturas ver-
to e à proteção do esqueleto contra a perda de cálcio em tebrais e de 25% nas fraturas não vertebrais em usuárias de
longo prazo. TRH por 5 anos.
A massa óssea adequada a cada indivíduo está associa- Uma substância da classe dos moduladores seletivos de
da a uma boa nutrição, que deve ser constituída de uma receptores de estrogênios (SERMs), o raloxifeno exerce os
175
ORTO P ED I A
efeitos benéficos de estrogênio sem estimular tecidos como de mama é contraindicação ao uso de estrógenos;
mama e endométrio. Além disso, previne a perda óssea e - Quanto às doenças cardiovasculares, o uso de estróge-
diminui o risco de fratura vertebral em 40 a 55%. nos diminui os níveis de colesterol total e LDL e aumen-
Os bifosfonatos (alendronato e risedronato) reduzem o ta HDL; além disto, atua diretamente em estruturas da
risco de fraturas vertebrais em 30 a 50%. parede vascular produzindo um efeito antitrombótico.
A utilização do análogo do PTH demonstra, efetivamen- Progestágenos têm efeito contrário, mas adequando-
te, aumentar a massa óssea, quando comparada ao place- -se doses menores conseguem-se bons resultados.
bo, além de reduzir o risco de fraturas.
As drogas utilizadas no tratamento da osteoporose atuam c) Calcitonina e bisfosfonatos
diminuindo a reabsorção óssea ou aumentando sua formação. Inibem a atividade dos osteoclastos. Têm as mesmas in-
dicações e resultados que os estrógenos e ação analgésica
a) Agentes antirreabsortivos
que torna atraente seu uso em fraturas por osteoporose. É
Não há consenso se estas drogas somente estabilizam uma alternativa para as mulheres que não podem ou não
ou aumentam discretamente a massa óssea ou se produ- querem usar estrógenos.
zem ganhos significativos. O acompanhamento dos trata- As calcitoninas de salmão são as mais resistentes à
mentos tem mostrado aumento da densidade óssea e dimi- degradação no homem e, por isso, são as mais potentes.
nuição do número de fraturas, mas o ganho de massa óssea Porém, o uso de calcitonina tem se restringido aos pacien-
pode não superar o limiar de fratura, principalmente se o tes que não toleram bisfosfonatos e também aos episódios
tratamento for iniciado tardiamente. de fratura. Sempre que for prescrita calcitonina, deve-se
b) Estrógeno acrescentar pelo menos 1 tomada de cálcio suplementar 1
a 2 horas após. Densitometrias de controle não antes de 1
A Reunião de Consenso do III Simpósio Internacional so-
ano e os novos marcadores bioquímicos são indispensáveis
bre Osteoporose, em 1990, estabeleceu que estrógenos são
nestes casos.
o tratamento de escolha na osteoporose da pós-menopausa.
Há formas distintas de bisfosfonatos com potência e
A fase acelerada de perda óssea que ocorre em 40% das mu-
tempo de ação diferentes que são utilizados para outras do-
lheres logo após a menopausa é responsável por 30 a 50%
enças ósseas. Etidronato é o mais antigo bisfosfonato usado
de todo osso perdido ao longo de suas vidas. Portanto, o tra-
em osteoporose e, mais recentemente, foram lançados o
tamento deve ser iniciado precocemente a fim de prevenir a
alendronato e o risedronato. São altamente eficazes.
queda inicial de massa óssea. Com esta conduta, consegue-
Os bisfosfonatos devem ser administrados longe de re-
-se diminuir em 50% a incidência de fraturas. A reposição
feições e é necessária suplementação de cálcio.
hormonal deve ser mantida pelo menos 5 a 8 anos, corres-
pondendo ao período do climatério em que o remodelamen- d) Cálcio
to ósseo é mais acelerado. Após a suspensão do tratamento, A quantidade de cálcio alimentar necessária para man-
mesmo que seja com menor intensidade, retornam os ciclos ter a massa óssea é desconhecida. Propõe-se que adoles-
de remodelamento com balanço negativo, sendo prudente, centes recebam 1.200 a 1.500mg/dia, homens 800mg/
se não houver contraindicação, a permanência da hormono- dia, mulheres na pré-menopausa 1.000mg/dia, mulheres
terapia de reposição por 20 anos ou mais. na pós-menopausa 1.500mg/dia, mulheres grávidas e em
Quando a osteoporose está estabelecida, os resultados período de lactação devem receber 1.200 a 1.400mg/dia e
são menos eficazes mas ainda positivos. Não há idade-li- idosos, 1.200 a 1.600mg/dia.
mite para se iniciar reposição hormonal. A rigor, se houver O pico de massa óssea atingido na idade adulta tem um
densidade óssea abaixo de um desvio-padrão para a idade, componente genético importante, mas, certamente, defi-
o tratamento deve ser indicado pelo menos para mulheres ciência de ingesta e aumento de oferta interferem em al-
até 75 anos de idade. Entretanto, nestes casos, outras dro- guma proporção. Trabalhos que estudaram a influência do
gas antirreabsortivas podem estar mais bem indicadas. cálcio no ganho de massa óssea em osteoporose da pós-
Controvérsias a respeito de contraindicações e para efei- -menopausa e senil estabeleceram em 1.200 a 1.500mg a
tos de estrógenos permanecem. Recomendamos, a toda pa- quantidade a ser administrada por dia.
ciente que pretende usar hormônios, indispensável aconse- Pode haver suplementação alimentar e é importante o
lhamento e acompanhamento com ginecologista. uso noturno, principalmente em idosos, devido ao jejum
Os defensores do uso de estrógenos afirmam que: prolongado. Um copo grande de leite, um copo de iogurte
- A maior incidência de câncer de endométrio é elimina- ou um pedaço grosso de queijo têm 300mg de cálcio.
da com o uso de progestágenos; não está estabelecido
que estrógenos provocam câncer de mama e seu uso e) Vitamina D3
não se acompanha de maior mortalidade. Ao contrá- O uso de vitamina D3 nos idosos é indispensável para
rio, as tomadoras de estrógenos estão indiretamente aumentar a absorção intestinal de cálcio e estimular o re-
protegidas porque fazem acompanhamento médico modelamento ósseo. Recomenda-se o uso de 800U de vita-
adequado. Mesmo assim, história familiar de câncer mina D3 ou 0,5μg de calcitriol ou alfacalcidol.
176
O R T O P E D I A A D U LT O
f) Estimulantes da formação óssea - Mulheres com DMO baixa e limítrofe se fatores de ris-
- Fluoreto de sódio: é um potente estimulador da ativi- co presentes;
dade osteoblástica. Vários estudos mostram aumento - Mulheres para quem as medidas preventivas não far-
da densidade do osso trabecular, mas, aparentemente, macológicas não são efetivas.
sem reduzir o número de fraturas. São muito pouco
utilizados, limitando-se às situações em que precisa- São recomendações e comentários para o tratamento
mos estimular o osteoblasto; da osteoporose:
- Paratormônio (PTH) intermitente em doses baixas: o - Anticoncepcionais não devem ser indicados para o tra-
efeito positivo sobre aumento da densidade óssea com tamento ou prevenção;
o uso de PTH em doses baixas intermitentes tem sido ci- - Suplementação de cálcio e vitamina D, em geral, é in-
tado na imprensa leiga. Ainda está sendo usado somente dicada a situações clínicas bem definidas, que incluem
em pesquisa. À semelhança do que ocorre com fluoreto, baixa ingestão ou déficit de absorção pelo trato gas-
parece que, dependendo da dose e tempo de uso, PTH trintestinal;
pode aumentar a osteoporose. Enquanto estas questões - Análogos da vitamina D representam terapia coadju-
não estiverem resolvidas, o PTH não poderá ser usado ro- vante no tratamento da osteoporose.
tineiramente no tratamento da osteoporose;
- Exercícios e prevenção de quedas: em uma extensa L - Recomendações posológicas
revisão, concluiu-se que exercícios de carga são úteis
como coadjuvantes ao tratamento, em qualquer idade. - Raloxifeno: 60mg/dia, VO;
Eles devem ser mantidos regularmente, pois sedenta- - Alendronato sódico: 10mg/dia ou 70mg/semana, VO;
rismo leva à perda do que se ganha com exercícios pré- - Risedronato sódico: 5mg/dia, VO;
ORTOPEDIA
vios. Os indivíduos não osteoporóticos também devem - PTH: 20mg/dia, SC;
ser estimulados a praticar exercícios tais como cami- - Calcitonina nasal: 200UI/dia.
nhar e correr. A manutenção de musculatura potente e
a destreza que a prática de exercícios e esportes man-
têm são importantes para a prevenção de quedas. Os
2. Lombalgia e lombociatalgia
idosos devem ser aconselhados a evitar calçados com
solado de couro, escadas sem corrimão, levantar-se ra- A - Introdução
pidamente, tapetes soltos, assoalho encerado e tantos
outros fatores de risco para quedas. - Consenso Brasileiro de 2000
A dor lombar constitui uma grande causa de morbidade
g) Terapêutica combinada
e incapacidade, perdendo apenas para a cefaleia, na esca-
A racionalização desta proposta é ativar, deprimir, liberar, la dos distúrbios dolorosos que afetam o homem. Cerca de
repetir. Parece ser o esquema que mais se adapta ao trata- 80% das pessoas, em alguma fase da vida, são acometidas
mento da osteoporose senil. Inicialmente, é dado um medi- por dores lombares.
camento que estimule a formação e, após, outro que diminua
a reabsorção óssea. Um período livre, teoricamente, permite
às áreas de remodelamento aumentar a fabricação de osso.
Vários esquemas têm sido testados. Parece sensata a asso-
ciação fluoreto de sódio/cálcio como estimulantes dos oste-
oblastos e calcitonina ou bisfosfonatos como depressores da
atividade dos osteoclastos. A dose de fluoreto de sódio reco-
mendada é 30 a 40mg/dia durante 2 a 3 meses e a oferta de
cálcio diária, ao redor de 1.500mg, sempre com uma tomada
à noite. O cálcio deve ser mantido mesmo após a suspensão
do flúor. Devido à intolerância que os pacientes idosos po-
dem apresentar, a associação medicamento/leite ou iogurte
é boa alternativa. Vitamina D3 800U ou 0,50μg de calcitriol
ou alfacalcidol são indispensáveis em idosos. Quando dispo-
nível, o PTH deverá ser o estimulante de escolha.
Quando e como tratar a osteopenia ou a osteoporose?
- Mulheres com osteoporose na pós-menopausa:
• Fraturas atraumáticas e baixa DMO;
• T-escore de DMO de -2,5 DP ou menos. Figura 4 - Lombalgia
177
ORTO P ED I A
178
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
- Sinal do arco de corda: levanta-se a perna do paciente, tende a diminuir com a idade, em razão:
a) Da progressiva desidratação.
como na manobra de Lasègue, até que a dor apareça;
b) Do surgimento de fissuras na zona entre o núcleo e o
nesse momento, faz-se uma flexão do joelho. Havendo
anel fibroso.
redução e/ou desaparecimento da dor, o sinal é con-
c) Da diminuição de sua altura e consequentemente do
siderado positivo para o diagnóstico de hérnia discal;
espaço intervertebral, modificando o equilíbrio estático e
- Sinais não orgânicos de lombalgias psicossomáticas: há dinâmico da unidade funcional.
simulação de dor lombar ao se fazer compressão axial no
d) Da predisposição genética.
topo do crânio ou fazendo rotação da pelve e ombros,
e) Das alterações bioquímicas.
evitando movimentar a coluna, e discrepâncias no sinal
f) De alterações ambientais.
de Lasègue, quando pesquisado sentado ou deitado;
- Sinais de alerta: sinais ou sintomas apresentados pelo
paciente que possam ser devidos a outras enfermida-
des sistêmicas que não à lombalgia aguda mecânica.
a) De tumor ou infecção:
- Idade acima de 50 ou abaixo de 20;
- História de câncer;
- Sintomas como febre, calafrios, perda de peso, sem
outra explicação convincente;
- Infecção bacteriana recente, dependentes químicos,
imunossuprimidos;
- Dor com piora noturna;
- Dor com piora em decúbito dorsal.
b) De fratura:
- Trauma maior;
- Trauma menor em idosos ou osteoporóticos.
c) De síndrome de cauda equina:
- Anestesia em sela;
- Disfunção de bexiga;
- Déficit neurológico progressivo ou grave em membros Figura 6 - Ressonância magnética da coluna lombar mostrando
inferiores. hérnia de disco entre os segmentos L5 e S1
179
ORTO P ED I A
H - Tratamento cirúrgico
A lombalgia mecânica comum é sempre de tratamento
conservador. Se resistente e existindo um evidente substra-
to clínico-patológico para essa evolução atípica, podem ser
feitas infiltrações nas discopatias (Modic tipo I, II ou III), in-
filtração de pontos dolorosos, infiltração perifacetária, de-
Figura 7 - Anatomia da coluna lombar nervação facetária e artrose do segmento vertebral.
O tratamento cirúrgico da hérnia discal está indicado nos
F - Causas não mecânicas casos com déficit neurológico grave agudo (menos de 3 se-
manas), com ou sem dor; na lombociatalgia hiperálgica e,
a) Inflamatórias nas outras de menor intensidade, apenas para os pacientes
Espondiloartropatias soronegativas, como espondilite an- que não melhoram após 90 dias de adequado tratamento de
quilosante, síndrome de Reiter, espondilite psoriásica, espon- caráter emergencial, como também, nas lombalgias infeccio-
diloartropatias associadas a doenças inflamatórias intestinais. sas (espondiodiscites) com evolução clínica desfavorável. Na
Acometem pessoas geneticamente predispostas e têm síndrome da cauda equina (alteração de esfíncter, potência
como marcadores os antígenos de histocompatibilidade sexual e paresia dos membros inferiores) a cirurgia está indi-
(HLA-B27); nesta enfermidade, os ligamentos longitudinal cada em caráter emergencial, como também, nas lombalgias
anterior e posterior da coluna vertebral são os mais envol- infecciosas (espondiodiscites) com evolução desfavorável.
vidos, evoluindo, na maioria das vezes, para calcificação e A cirurgia também está indicada: na espondilólise, com
ossificação. Quase sempre, observa-se também o acome- espondilolistese, e espondilolistese degenerativa, com dor
timento das articulações sacroilíacas, com lesões erosivas lombar que não melhora com tratamento clínico; escorre-
e até anquilose. gamento vertebral progressivo no jovem (mesmo assinto-
mático); lombociatalgia e claudicação neurogênica devidas
b) Infecciosas ao canal estreito e que não responderam ao protocolo de
Discite. Os micro-organismos atingem a coluna verte- tratamento conservador.
bral por via hematogênica, linfática, por contiguidade e até
por inoculação direta. 3. Tendinopatias do membro superior
c) Metabólicas
Osteoporose, osteomalácia e hiperparatireoidismo que A - Introdução
cursam com baixa massa óssea. A osteoporose não dói, e A membrana sinovial reveste quase totalmente os ten-
sim as alterações mecânico-posturais dela decorrentes: dões e é uma estrutura especializada em deslizamento. Os
- Repercussão de doença sistêmica; retináculos são estruturas especializadas na contenção dos
- Lombalgia psicossomática; tendões junto ao plano ósseo, evitando que os tendões fa-
- Fibromialgia. çam um caminho mais curto quando os músculos se contra-
180
O R T O P E D I A A D U LT O
em. Os principais retináculos são os dos extensores do rádio Essas estruturas funcionam como polias que mudam
distal, dos flexores no carpo e o túnel osteofibroso dos dedos. a direção das forças que atuam durante a movimenta-
ção dos dedos. O aumento de volume do tendão ou a
diminuição do espaço da polia provocam um aumento
do atrito entre essas estruturas. As bainhas sinoviais re-
agem a tal agressão sempre da mesma maneira: edema,
aumento de volume e secreção de líquido sinovial. Com
tal reação, há maior desproporção conteúdo-continente,
formando um ciclo vicioso: trauma + edema + atrito +
trauma + edema.
Esta estenose associada à reação inflamatória da bainha
sinovial é denominada tenossinovite estenosante.
A tenossinovite refere-se a uma entidade anatomo-
patologicamente bem definida, com aumento de volume e
Figura 8 - Anatomia do tendão reação inflamatória ao redor dos tendões.
ORTOPEDIA
Figura 9 - Anatomia dos tendões do punho
O tratamento básico desse ciclo vicioso é a imobilização exames subsidiários são auxiliares no diagnóstico. Não se
associada a AINHs, podendo ser associados a infiltrações deve esquecer a obrigatoriedade do exame radiográfico em
com esteroides quando a dor não diminui. todos os pacientes.
Quando as mulheres entram na idade em torno da me- O tratamento das tendinites se inicia pela correção dos
nopausa, existem desequilíbrios hormonais que alteram vícios de postura, alongamentos e condicionamento físico.
a sinóvia. É difícil fazer o diagnóstico etiológico porque a Os medicamentos são coadjuvantes no alívio dos sintomas
reação sinovial é sempre a mesma nas diversas patologias: e na diminuição do processo inflamatório. São utilizados
edema, aumento de volume e secreção de líquido sinovial. AINHs e os corticosteroides orais ou com infiltração local
Assim, várias doenças metabólicas e colagenoses podem dependendo do caso.
apresentar sinovites, como diabetes, gota, lúpus etc.
O raio x, os exames laboratoriais, a ultrassonografia Não havendo melhora com o tratamento conservador, é
(USG) e a Ressonância Magnética (RM) podem mostrar a necessário o tratamento cirúrgico para ampliar os espaços
extensão e a etiologia da lesão. O diagnóstico é clínico, os para o deslizamento dos tendões.
181
ORTO P ED I A
B - Tenossinovite de DeQuervain
A tenossinovite de DeQuervain é uma tenossinovite estenosante do 1º compartimento dorsal dos extensores, sendo
tendinopatia das mais frequentes. A utilização da mão em desvio ulnar na maioria das situações do nosso dia a dia, como
usar garfo e faca, ferro de passar, teclado de computador, tem sido relacionada com essa patologia.
O diagnóstico é clínico pela manobra de Finkelstein, colocando o polegar fletido na palma da mão e fazendo desvio ulnar
do punho. Tal movimento provoca forte dor na região do estiloide do rádio.
O tratamento é clínico, com imobilização do polegar, punho e uso de anti-inflamatórios. Não havendo melhora, deve-
-se realizar a infiltração de esteroides com lidocaína na bainha dos tendões do abdutor longo e extensor curto do polegar.
Indicação de tratamento cirúrgico na falha do tratamento clínico.
182
O R T O P E D I A A D U LT O
visto em trauma, artrite reumatoide, gota ou outras doen- O tratamento inicial pode ser realizado com imobiliza-
ças metabólicas. ção e AINH, além de fisioterapia. O tratamento cirúrgico
através da liberação da polia é realizado caso não haja me-
lhora ou ocorra bloqueio do dedo.
ORTOPEDIA
Neste momento, o dedo funciona como gatilho, e um “clique”
pode ser ouvido ou sentido no momento da extensão total. Os nervos periféricos são muito vulneráveis à compres-
são. O comprometimento da microcirculação intraneural
resulta, rapidamente, em distúrbios da sensibilidade.
183
ORTO P ED I A
A fisiopatologia é atribuída a uma diminuição na dimen- C - Síndrome compressiva do nervo ulnar no co-
são do canal do carpo ou aumento do conteúdo. O canal do tovelo
carpo contém todos os tendões flexores superficiais e pro-
fundos dos dedos, flexor longo do polegar e nervo mediano. As causas de síndrome do canal cubital são doenças
O diagnóstico relaciona-se à queixa de hipoestesia insi- sistêmicas (diabetes, insuficiência renal, mieloma múltiplo,
diosa na região do território inervado pelo nervo mediano amiloidose, acromegalia, alcoolismo, hemofilia, hansenía-
(região ventral do polegar, dedo indicador, dedo médio e se) e causas extrínsecas (posição intraoperatório, tornique-
metade radial do dedo anular). A hipoestesia piora em de- te, atividade profissional, esporte, apoio inadequado).
terminadas posições, principalmente hiperflexão ou hipe-
rextensão do punho. As queixas pioram à noite. A fraqueza
dos músculos intrínsecos inervados pelo mediano (lombri-
cais radiais, oponentes do polegar, abdutor curto do pole-
gar e porção superficial do flexor curto do polegar) também
ocorre de forma insidiosa, com dificuldade progressiva em
desempenhar atividades manuais, principalmente as rela-
cionadas com preensão e pinça digital.
O sinal de Tinel, determinado pela presença de dor, hi-
perestesia ou choque na região do punho e no território
inervado pelo nervo mediano na mão durante a percussão
do canal do carpo (região ventral), é indicativo de síndrome
do túnel do carpo. Assim como o sinal de Phalen, determi-
nado pela presença de hipoestesia (formigamento) ou hipe-
restesia (dor), durante a hiperflexão do punho.
O estudo eletroneuromiográfico pode trazer subsídios
para confirmação diagnóstica e avaliação da intensidade
do comprometimento da função do nervo mediano. Esse
exame está indicado, principalmente, aos pacientes porta-
dores de sintomas pouco definidos ou atípicos e para fins
legais. O exame não é obrigatório, sendo o exame clínico
suficiente para o diagnóstico e a indicação do tratamento,
na grande maioria dos pacientes. Os exames de imagem
são raramente necessários. Figura 17 - Anatomia do nervo ulnar
O tratamento conservador, indicado para casos leves e
moderados, baseia-se na utilização de órteses estáticas de O quadro clínico mais comum é o de parestesia na face
posicionamento de punho e infiltração com corticoide. E o ulnar da mão e hiperestesia na face medial do cotovelo,
tratamento cirúrgico se baseia na exploração e na descom- agravado com a flexão do cotovelo e atividades que exigem
pressão do nervo mediano, realizadas através da secção do força e pronossupinação do antebraço. Esses sintomas po-
ligamento transverso do carpo. dem ser ainda maiores no período noturno, em razão da
postura de flexão do cotovelo. A inspeção estática deve ser
feita para avaliar as possíveis deformidades em valgo ou
varo do cotovelo, áreas cicatriciais e diferentes graus de de-
formidades em garra dos dedos anular e mínimo.
O tratamento conservador está indicado aos casos que
apresentam, como fatores causais, aspectos compressivos
dinâmicos, relacionados à postura em flexão persistente do
cotovelo ou mesmo pelo contato direto na região do túnel
cubital. Neste caso, deve-se utilizar órtese estática em ex-
tensão do cotovelo, de uso noturno, ou coxim no cotovelo
para atenuar eventuais impactos locais.
O tratamento cirúrgico consiste, basicamente, em 3 ti-
pos de procedimentos:
a) Descompressão in situ
Consiste na abertura de estruturas extrínsecas ao nervo
ulnar ao longo do seu trajeto no cotovelo. Tem indicação
em casos leves com sintomas intermitentes, sem subluxa-
Figura 16 - Tratamento cirúrgico com a neurólise ção do nervo ulnar e sem alteração óssea.
184
O R T O P E D I A A D U LT O
b) Epicondilectomia medial
Ressecção parcial do epicôndilo medial para obter a
transposição anterior espontânea do nervo ulnar. Figura 19 - Anatomia
c) Transposição anterior
ORTOPEDIA
Faz-se a descompressão completa de todos os possíveis
pontos de compressão do nervo ulnar no cotovelo associa-
da à sua transposição anterior, podendo colocá-lo em um
plano submuscular, intramuscular e subcutâneo.
a) Introdução
A síndrome do impacto, descrita por Neer em 1972,
demonstra a etiopatogenia e a evolução das lesões do
Manguito Rotador (MR) causadas pelo choque entre o ápi- Figura 20 - (A) Anatomia da musculatura do MR: (1) supraespi-
nhal; (2) infraespinhal; (3) subescapular e (4) redondo menor e (B)
ce do tubérculo maior do úmero e as suas inserções tendi-
arco coracoacromial, formando um teto para o úmero quando o
nosas contra o arco coracoacromial.
braço é elevado
b) Anatomia
c) História clínica
A articulação glenoumeral é estabilizada por estruturas
capsuloligamentares e tendíneas que a envolvem, principal- As alterações inflamatórias do MR e da CLB e das bolsas
mente o ligamento glenoumeral inferior e o MR (músculos serosas são as causas mais frequentes de dor no ombro, e
subescapular, supraespinhal, infraespinhal e redondo menor). cerca de 95% das lesões do MR são provocadas pela síndro-
Os músculos rotadores são, juntamente com a Cabeça me do impacto.
Longa do Bíceps (CLB), depressores e desaceleradores do Na etiopatogenia da síndrome do impacto, destacam-
membro superior. Esses músculos são excessivamente soli- -se morfologia do desfiladeiro do supraespinhal, excesso de
citados não só para atividades da vida diária, mas, principal- uso e envelhecimento biológico.
mente, para os esportes. As rupturas do MR são mais comuns em indivíduos aci-
O movimento de elevação do braço deve deslizar har- ma de 40 anos e podem ser parciais ou totais.
monicamente sob o arco coracoacromial (acrômio e liga- Neer descreveu 3 fases na evolução das lesões do MR:
mento coracoacromial) e a articulação acromioclavicular - Fase I: edema e hemorragia do músculo; pacientes jo-
,que formam um verdadeiro teto para o úmero. vens abaixo de 25 anos e ocorre em função do uso ex-
185
ORTO P ED I A
e) Tratamento
O tratamento indicado na fase I é conservador e consis-
te em combate à dor e, após o alívio dos sintomas, prescri-
ção de exercícios de fortalecimento muscular.
Na fase II, o tratamento pode ser conservador ou cirúr-
gico. O tratamento conservador traz benefícios e pode ser
suficiente, mas, quando não há melhora após 4 a 6 meses,
pode-se optar pelo tratamento cirúrgico, realizado por via
aberta ou artroscópica, procedendo-se a uma acromioplastia
a fim de diminuir os sintomas dolorosos e evitar possível rup-
tura do MR, como evidenciado na história natural da doença.
Na fase III, o tratamento de escolha é o cirúrgico por
meio da acromioplastia, com o objetivo de descomprimir
o espaço subacromial, realizando-se concomitantemente à
reconstrução do MR.
B - Bursite do ombro
186
O R T O P E D I A A D U LT O
Entre os tendões do MR e o arco ósseo existe a bursa su- Este impacto geralmente ocorre ao longo do tempo de-
bacromial para evitar atrito. vido à repetitiva atividade overhead, trauma, lesão anterior,
a má postura ou inatividade. Em um ombro instável, o MR
tem que trabalhar mais, o que pode causar lesões.
O trabalho excessivo do MR causa fadiga e eventual-
mente inflama e enfraquece devido à inibição da dor ou
laceração do tendão.
Quando o MR não funciona normalmente, é incapaz de
impedir a cabeça do úmero (braço) de se elevar ao espaço
subacromial, causando a bursa ou esmagando os tendões.
A falha no trato adequado dessa instabilidade faz com
que a lesão se repita. Má técnica ou maus hábitos de treina-
Figura 23 - Bursa subacromial mento, como treinar intensamente, também é uma causa
comum de lesões por overuse, como bursite ou tendinite.
Especificamente, a bursa subacromial fica entre o liga- Sinais e sintomas de bursite subacromial:
mento coracoacromial e o músculo supraespinhal, e ajuda a - Início gradual dos sintomas ao longo de semanas ou
reduzir o atrito neste pequeno espaço sob o acrômio. meses;
- Dor na parte externa do ombro;
- Dor pode se espalhar para o braço em direção ao co-
tovelo ou pulso;
- Dor piora ao deitar do lado afetado;
- Dor agravada quando se usa o braço acima da cabeça;
ORTOPEDIA
- Arco doloroso de movimento – dor sentida entre 60 e
90° de braço se movendo para cima e para fora.
d) Diagnóstico
A história e exame clínico demonstram queixa de dor
localizada no ombro com piora após atividades de elevação
do braço.
Os exames complementares podem ser a USG – muitas
Figura 24 - Quando o braço é elevado, a bursa se projeta lateral- vezes o teste mais útil para diagnosticar a bursite subacro-
mente mial – e, às vezes, RM – necessária para confirmar o diag-
c) Etiologia nóstico de bursite do ombro por apresentar maior sensibili-
dade e especificidade em comparação com a USG, que é um
Bursite em torno do ombro pode ser causada por trau- exame operador-dependente.
mas repetidos de menor intensidade, como o uso excessi-
vo da articulação do ombro e dos músculos ou um trauma
mais significativo, como uma queda.
Nas lesões tipo overuse, bursite é frequentemente asso-
ciada à tendinite/inflamação dos tendões do MR.
Alguns nascem com um espaço subacromial menor.
Condições como osteoartrite também podem causar o cres-
cimento de esporões ósseos subacromiais, o que restringe
ainda mais o espaço. Devido a esse estreitamento estrutu-
ral, é provável que os tecidos moles sejam comprimidos,
forçados e irritados no espaço subacromial, o que resulta
em bursite ou tendinite do MR.
Posturas que estreitam o espaço subacromial são:
- Braço diretamente acima;
- Braço trabalhando perto da ou na altura do ombro.
A síndrome do impacto pode ocorrer se o ombro for di-
namicamente instável. Isto significa que há uma combina-
ção excessiva de movimento articular, frouxidão ligamentar
e fraqueza muscular ao redor da articulação do ombro. Figura 25 - Exame e RM demonstrando bursite no ombro
187
ORTO P ED I A
e) Tratamento va. O ombro direito é o mais afetado e 60% dos casos são
Repouso relativo é um dos aspectos mais importantes assintomáticos.
do tratamento da bursite do ombro. Isso significa que se c) Etiologia
deve, em 1º lugar, parar de fazer o movimento ou atividade
A etiopatologia ainda não está esclarecida. A tendinite
que provocou a dor no ombro e evitar a realização de qual-
calcária é uma doença autolimitada que tende à cura es-
quer coisa que cause dor no ombro.
pontânea.
Analgésicos ou anti-inflamatórios.
d) Diagnóstico
O paciente relata desconforto e dor moderada, na fase
de deposição, que evolui para dor intensa na fase de reab-
sorção do cálcio.
As radiografias mostram a deposição de cálcio nos mús-
culos. O exame radiográfico é o método de eleição.
A USG permite a localização dos depósitos calcários,
mas é um exame que depende do operador.
E a RM é um exame de exceção.
e) Tratamento
O objetivo do tratamento é manter o ombro indolor e
com amplitude de movimento normal.
O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico. Deve-
se iniciar com os métodos conservadores, com medicação
analgésica e anti-inflamatória. Na fase aguda, deve-se uti-
lizar bolsa de gelo no ombro com duração de 20 minutos.
Figura 26 - Terapia fria: gelo deve ser aplicado nos estágios iniciais Não se aconselha o uso de calor.
até 15 a 20 minutos a cada hora; conforme a dor no ombro melho- Alguns autores recomendam infiltração local com anes-
rar, você pode diminuir a frequência da terapia fria tésico e corticoide, apesar da possibilidade de produzir de-
generação tendínea.
Massagem dos tecidos moles em torno do ombro para
aliviar a tensão nos músculos pode ajudar com a dor e pre-
venir desequilíbrios musculares. Massagem direta na bursa
não é recomendada.
Acupuntura pode ajudar no controle da dor, a reduzir o
inchaço nas fases iniciais e também ajuda a relaxar os mús-
culos tensos ao redor da articulação do ombro.
Fisioterapia é particularmente eficaz na fase subaguda,
uma vez que a dor esteja estabelecida. Na bursite crônica
ou persistente, a fisioterapia pode ser necessária após inje-
ção de corticosteroide, que ajuda potencialmente a reduzir
a inflamação. As intenções do fisioterapeuta serão restabe-
lecer a extensão do movimento, corrigir a postura do om-
bro e trabalhar no fortalecimento do MR e do estabilizador
escapular.
C - Tendinite calcária
a) Definição
A deposição de sais de cálcio é frequente no MR do
ombro, e a localização mais comum é a região acromial do
tendão do músculo supraespinhal, nas proximidades de sua
inserção na tuberosidade maior do úmero.
b) Epidemiologia
As mulheres são mais atingidas do que os homens, à
proporção de 3:1. Ocorre na faixa etária entre 30 e 50 anos
e não tem relação com a atividade profissional ou esporti-
188
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
Figura 28 - Processo inflamatório na cápsula articular do ombro
b) Diagnóstico
O diagnóstico é essencialmente clínico; compreende
surto espontâneo de dor no ombro, restrição ativa e passiva
na elevação e rotação interna e, principalmente, externa do
ombro. A radiografia pode ser normal ou com desminerali-
zação óssea. E a artrografia demonstra redução acentuada
do volume articular do ombro.
c) Tratamento
Figura 27 - Infiltração da articulação do ombro A prevenção é o melhor método de tratamento. Deve-
se evitar imobilização prolongada, sempre preconizando
Na fase aguda, um método bastante eficaz compreende mobilização precoce. A fisioterapia deve ser realizada para
a punção e a aspiração da massa pastosa, com o auxílio de ganho de mobilidade e alívio da dor.
um aparelho de raio x para localizar a calcificação. O bloqueio anestésico é indicado, principalmente, quan-
Algumas escolas utilizam aparelho de litotripsia, mas os do associado à distrofia simpático-reflexa. E a liberação ar-
resultados ainda são duvidosos. troscópica do ligamento coracoumeral se indica aos casos
O tratamento cirúrgico está indicado no insucesso do refratários aos tratamentos já mencionados.
tratamento conservador, com a remoção da calcificação.
6. Doenças do quadril
D - Capsulite adesiva (ombro congelado)
a) Definição A - Osteoartrose do quadril
A capsulite adesiva (ombro congelado) é uma entidade
a) Introdução
clínica caracterizada pela presença de dor no ombro asso-
ciada à perda progressiva das amplitudes de movimentos As doenças degenerativas articulares acompanham a
ativos e passivos da articulação glenoumeral. É mais fre- humanidade desde a antiguidade. Os esportes de contato e
189
ORTO P ED I A
os exercícios com impactos articulares têm levado o homem ao uso inapropriado do próprio corpo e, como consequência,
as articulações de carga que ainda não se adaptaram adequadamente no processo evolutivo (quadril e joelho) sofrem as
consequências óbvias, que são o seu desgaste mecânico.
190
O R T O P E D I A A D U LT O
defeitos anatômicos (adquiridos, congênitos), traumatis- As causas metabólicas incluem artrite reumatoide, ar-
mos (sequelas), transtorno metabólico e tumores. trite gotosa e sequela de osteoporose e osteomalácia, por
alteração da matriz orgânica e inorgânica, e modificação da
b) Diagnóstico
forma do quadril por não suportar as cargas normais.
A apresentação clínica é com dor na virilha ou adutores
após esforços, dor ou desconforto na face anterior da coxa d) Tratamento
até a altura do joelho, dor em “queimação” na face anterior A 1ª opção de tratamento é o conservador, consideran-
da tíbia, dificuldade em colocar meias, cortar unhas, cruzar do a idade do paciente, a ocupação profissional, seu peso,
as pernas. Dor lombar baixa pode indicar artrose bilateral. a intensidade das atividades físicas e/ou desportivas, a etio-
O exame físico caracteriza-se com marcha claudicante, logia da artrose e o quanto seus sintomas interferem nas
limitação da rotação interna inicialmente e, posteriormen- ocupações diárias habituais.
te, da rotação externa, abdução e adução, sendo a flexão o São recomendações abandonar esportes de contato, re-
último movimento acometido. alizar atividades de lazer sem carga, hidroginástica, bicicle-
O exame complementar de eleição é a radiografia pa- ta, exercícios de alongamento e redução do peso corporal.
norâmica da bacia. Os exames complementares, como a Na fase aguda, deve-se realizar fisioterapia analgésica,
tomografia e a RM, são de exceção. uso de AINHs e repouso relativo.
ORTOPEDIA
Figura 31 - Artrose do quadril esquerdo
191
ORTO P ED I A
192
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
O diagnóstico diferencial inclui osteoporose transitória,
sinovite vilonodular, artrose degenerativa, artrite reumatoi- Figura 35 - Anatomia do joelho: vista posterior do joelho direito
de, artrite gotosa, infecção e tuberculose. em extensão
d) Tratamento A inserção femoral é mais frágil do que a tibial.
O tratamento não cirúrgico inclui repouso, muletas, fi- Esse ligamento é composto, classicamente, por 2 feixes
sioterapia e medicamentos, que não evitam a progressão principais: um anteromedial que se tensiona em flexão, e
da doença, que quase sempre evolui para a grave destrui- outro posterolateral, que é tensionado em extensão e fle-
ção articular. xão, sendo o de maior espessura.
A história natural da osteonecrose, em geral, favorece a A função do LCA é estabilizar a tíbia anteriormente, prin-
sua progressão, com evolução para quadril rígido e doloroso. cipalmente em extensão.
O tratamento cirúrgico prevê 2 alternativas: o que pre-
c) Mecanismo de lesão
serva a cabeça femoral e o tratamento artroplástico.
Os tratamentos que preservam a cabeça incluem a des- O mecanismo de lesão é geralmente a entorse do joe-
compressão do osso necrótico, a descompressão e coloca- lho, que é a rotação associada a um mecanismo em valgo
ção de enxerto ósseo livre ou vascularizado, osteotomias ou varo.
angulares e rotacionais.
As artroplastias de substituição estão indicadas quan-
do ocorre colapso, visando ao alívio da dor e à restauração
da função.
7. Lesões do joelho
193
ORTO P ED I A
Figura 38 - Manobra da gaveta anterior Figura 40 - Tratamento cirúrgico de lesão ligamentar no joelho
194
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
O Ligamento Cruzado Posterior (LCP) é composto de 2
partes principais, uma grande e anterior, a principal, e uma
menor e posterior. Origina-se no côndilo femoral medial e
se insere na parte posterior da tíbia. Esse ligamento é maior
e 2 vezes mais forte que o ligamento anterior. O LCP corres-
ponde por 89% da resistência à translação posterior da tíbia Figura 41 - Posteriorização da tíbia em relação ao fêmur
sobre o fêmur.
Os traumatismos causados pelos modernos veículos au- As lesões ligamentares podem ser classificadas em 3
tomobilísticos e pela participação em atividades esportivas, graus de gravidade. A lesão de 1º grau de um ligamento é
tanto competitivas quanto recreativas, e as lesões dos liga- classificada quando ocorre laceração de um número míni-
mentos no nível do joelho vêm se tornando cada vez mais mo de fibras do ligamento, mas sem instabilidade. As lesões
comuns. de 2º grau representam uma ruptura de maior número de
A estabilidade do joelho depende de vários fatores, fibras ligamentares, com maior perda da função e uma ins-
como os eixos mecânicos e as articulações dos membros tabilidade de leve a moderada. A lesão de 3º grau é uma
inferiores, os contornos ósseos, os estabilizadores intra- ruptura completa do ligamento, resultando em considerá-
-articulares, como os meniscos e ligamentos cruzados, e os vel instabilidade.
estabilizadores extra-articulares, como a cápsula articular A ruptura do LCP, muitas vezes, conduz à incapacidade
do joelho e os ligamentos colaterais e musculatura. moderada, mas a evolução em longo prazo mostra desen-
volvimento de osteoartrose, indicando sua importância na
b) Mecanismo de trauma biomecânica do joelho.
Frequentemente, os ligamentos do joelho são lesiona-
dos em atividades atléticas, em especial esportes de con- d) História natural da lesão
tato, como o futebol. Acidentes automobilísticos, princi- A história natural da evolução das lesões do LCP pode
palmente envolvendo motocicletas, são causas comuns de ser resumida em 3 fases. Primeiramente, o paciente evolui
ruptura de ligamentos do joelho. Um exemplo é quando o com incapacidade importante, referindo dor e instabilida-
joelho flexionado de um passageiro em um carro golpeia de do joelho, principalmente com este em extensão e ati-
o painel do automóvel, após uma batida, causando uma vidades que envolvam subir e descer escadas, período que
laceração do LCP. A ruptura isolada do LCP pode resultar dura, em média, de 3 a 18 meses. Na 2ª fase, o paciente
de um golpe direto à parte anterior da tíbia, com o joelho apresenta tolerância funcional, com retorno às atividades e
flexionado. aos exercícios esportivos em diversos graus de solicitação.
As lesões do LCP apresentam incidência muito menor, Durante esse período, observa-se degeneração articular
quando comparadas às do LCA, achado justificado por, pelo patelofemoral e femorotibial por alteração da biomecânica
menos, 2 fatores: maior tamanho do LCP e um mecanismo articular, fase que dura, em média, 5 anos. A fase final cor-
de trauma menos frequente. responde à artrose, principalmente tibiofemoral.
195
ORTO P ED I A
e) Tratamento
196
O R T O P E D I A A D U LT O
e) Classificação g) Tratamento
Classificação clínica: - Não cirúrgico: entorses de graus I e II com lesão isola-
- Agudo: <3 semanas; da do ligamento e grau III podem ser tratadas conser-
- Subagudo ou crônico: >4 a 6 semanas. vadoramente após a exclusão cuidadosa de qualquer
lesão associada que possa necessitar de uma interven-
Classificação quanto ao trauma:
ção cirúrgica;
- Grau I: permite abertura de 0 a 5mm;
- Grau II: permite abertura de 5 a 10mm; - Reparação cirúrgica: grau III com lesão do ligamento
colateral lateral.
- Grau III ou ruptura completa: permite abertura
>10mm.
D - Luxação recidivante da patela
a) Definição
A luxação da patela representa o seu deslocamento la-
teral em relação ao sulco femoral distal, com a perda da
congruência articular. A instabilidade femoropatelar é uma
das desordens mais frequentes da articulação dos joelhos e
pode acometer a ambos.
A dor é sentida na frente do joelho e acontece quando
a patela está sendo comprimida contra o fêmur. Apresenta
melhora após o retorno da patela ao seu lugar normal (re-
Figura 44 - Os 3 graus de lesão do ligamento colateral medial dução), que, em geral, é fácil e ocorre sozinho, esticando o
ORTOPEDIA
f) Exames complementares joelho.
A patela sempre se desloca lateralmente. O paciente
- Radiografia de joelho com carga e 45° de flexão, AP + pode informar que ela se moveu lateralmente ou que o res-
lateral + axial; to do joelho se moveu medialmente ou houve um trauma
- Radiografia com estresse; direto na patela, que se desloca.
- Ressonância nuclear magnética. Uma vez reduzida, o joelho apresenta-se como um joe-
lho traumático, em que um derrame articular (aumento de
volume) se instala em poucos minutos. Nesse caso, geral-
mente ocorre a desinserção ou a ruptura do estabilizador
da articulação, que é o ligamento patelofemoral medial. O
seu tratamento inadequado pode levar à recorrência da lu-
xação, ou seja, fazer com que a articulação se torne instável.
b) Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, feito por meio da história e do
exame físico do paciente, tentando sempre determinar a
Figura 45 - Radiografia com estresse em valgo mostrando a aber- causa (etiologia), o tipo de trauma, o número de vezes que
tura medial da articulação do joelho já aconteceu a luxação e há quanto tempo. O paciente rela-
ta que “sentiu o joelho sair e voltar para o lugar”. Um exame
cuidadoso é de grande importância não somente para um
diagnóstico correto, mas também para uma avaliação da
magnitude das lesões associadas.
Eventualmente, ocorrem novas luxações e, com a progres-
são das lesões associadas, cada vez o “joelho (a patela) sai do
lugar” com maior facilidade e menor trauma. Com o passar do
tempo, atividades como dançar, pular pequenos obstáculos e
torcer o pé podem causar novo episódio de luxação.
Após o 1º episódio, o paciente demonstra insegurança e
apreensão, relatando certo grau de instabilidade do joelho,
o que o leva a diminuir suas atividades físicas e, consequen-
temente, acarreta uma hipotrofia (enfraquecimento) mus-
cular, apresentando um aumento do número de luxações.
Uma manobra no exame físico confirma o diagnóstico:
Figura 46 - Lesão ligamentar colateral medial teste da apreensão (sinal de Smilie). E os exames de ima-
197
ORTO P ED I A
gem (raio x, tomografia computadorizada e ressonância nu- de, integridade e consistência, o que leva também à perda
clear magnética) complementam o diagnóstico e ajudam a de parte ou totalidade da sua capacidade funcional.
identificar lesões associadas, importantes no planejamento A artrose é mais prevalente no homem do que na mu-
do tratamento. lher até os 45 anos de idade, mas depois se torna mais do-
minante na mulher. A obesidade é um dos fatores que pode
causar ou piorar a artrose.
A cartilagem normal do joelho é um tecido sem irriga-
ção sanguínea formado por uma grande matriz extracelular
e células dispersas neste material. A matriz extracelular é
composta de água que representa 66 a 80% de sua estru-
tura, colágeno e proteoglicanos. As células presentes são
chamadas de condócitos.
Esse conjunto de líquidos, fibras com direções diversas
e células é nutrido pelo líquido sinovial e o seu processo de
equilíbrio é controlado por diversas enzimas e fatores de
crescimento.
Na artrose há alteração desse equilíbrio causando a
desestruturação da cartilagem e sua fragmentação que se
manifesta através de lesões e ulcerações na superfície ar-
ticular.
c) Tratamento
Há uma grande variedade de tratamentos que podem
ser recomendados para as luxações, que se baseiam nos fa-
tores predisponentes.
Inicialmente, a forma conservadora consiste em um pro-
grama fisioterápico bem planejado, com reforço muscular
compensatório principalmente do músculo vasto medial
(músculo da parte medial da coxa que compõe o quadrí-
ceps), que é o grande estabilizador da patela.
O tratamento funcional, com excelentes resultados,
deve ser sempre a 1ª opção; se o tratamento conservador
falhar e as luxações se tornarem recorrentes, pode-se in-
Figura 48 - Lesão de cartilagem articular
dicar a cirurgia. Um dos procedimentos mais comuns é a
liberação do retináculo lateral na qual este é seccionado, A artrose resulta de uma combinação de fatores, como,
liberando medialmente a patela. por exemplo, um traumatismo, sobrecarga da articulação,
Dentre os tratamentos cirúrgicos, estão os procedimen- infecção e após cirurgias de ligamentos ou menisco. Mas a
tos que promovem o realinhamento proximal da muscula- mais comumente encontrada é a artrose idiopática ou pri-
tura do vasto medial oblíquo, a reconstrução do ligamento mária que ocorre sem qualquer causa aparente.
patelofemoral medial e o realinhamento distal por meio da
osteotomia de medialização da tuberosidade anterior da A - Fisiopatologia
tíbia.
As complicações possíveis do tratamento cirúrgico são A principal característica da doença é a perda progres-
limitação da mobilidade do joelho, distrofia reflexa (dor por siva da cartilagem da articulação. No entanto, existem ou-
disfunção neurológica) e recidiva da luxação. tras, tais como um novo crescimento ósseo logo abaixo da
cartilagem, que leva à esclerose do osso, microfraturas e
cistos ósseos. Além disso, ocorre o crescimento do osso nas
8. Artrose do joelho margens da articulação, o que leva à formação de osteófi-
A artrose do joelho ou gonartrose é uma doença dege- tos, responsáveis pela restrição dos movimentos. Observa-
nerativa da articulação do joelho e a prevalência da doença se também uma reação inflamatória nos tecidos moles que
aumenta com o envelhecimento da população, assim como estão à volta da articulação, decorrente das alterações des-
pela exposição do indivíduo jovem a situações de trauma- critas anteriormente. Ao longo do tempo, pode ainda ocor-
tismo articular. A cartilagem articular perde a sua elasticida- rer uma atrofia muscular.
198
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
gamentos dos músculos e tendões, ganho da amplitude arti-
cular e fortalecimento muscular. Como medidas analgésicas
têm-se o uso de gelo nas crises agudas, a aplicação de ca-
lor com uso de lâmpadas de infravermelho e aparelhos com
Figura 49 - Artrose de joelho
emissão de ondas curtas (nas dores persistentes), que pode
ocasionar uma remissão de meses. O exercício de fortaleci-
C - Exames complementares mento tem o objetivo de aumentar a massa muscular para
proteger a articulação. Os exercícios de aumento da ampli-
A radiografia simples do joelho com o paciente em apoio tude articular previnem as contraturas e a perda funcional.
monopodal é suficiente para o diagnóstico da gonartrose. O O tratamento cirúrgico tem indicação quando na per-
exame demonstra um pinçamento do espaço articular fe- sistência dos sintomas sem a melhora após o tratamento
morotibial no compartimento acometido. clínico ou para a correção das deformidades.
Como opção de tratamento cirúrgico temos a artrosco-
pia, a osteotomia (cirurgia para correção da deformidade)
e a artroplastia (substituição da articulação por prótese to-
tal). A indicação cirúrgica depende de vários fatores, entre
os mais importantes o grau de artrose, a idade e as condi-
ções de saúde do paciente.
D - Prevenção
A artrose é uma doença degenerativa e progressiva. Os
sintomas podem ser prevenidos através de hábitos saudá-
veis, como controle do peso, evitar atividades que sobrecar- Figura 51 - Radiografia após tratamento cirúrgico de osteotomia
regam as articulações, como trabalhos com excesso de peso valgizante do joelho
199
ORTO P ED I A
raro nos pés tipo grego, em que o hálux é mais curto que o
2º dedo. O pé plano também é responsável por hálux valgo
e encontrado nos pés reumatoides.
Existe um fator hereditário, visto em muitos casos com
história familiar presente.
Atinge mais os adultos e, quase exclusivamente, mulhe-
res, com predomínio acima dos 30 anos.
C - Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, pois a deformidade é visível, em
maior ou em menor grau. O diagnóstico radiográfico é rea-
lizado na incidência dorsoplantar e perfil na posição ortos-
Figura 52 - Modelo de prótese total de joelho tática. Devem-se avaliar os vários ângulos e o estado das
articulações, sobretudo as metatarsofalângicas do hálux e
do 2º dedo:
B - Etiologia
São descritos vários fatores que produzem ou predis-
põem o aparecimento do hálux valgo. O uso de calçados
inadequados tem sido considerado a principal causa. A po-
sição em varo do 1º metatarsiano, que é normal até 12°,
seria outro fator etiológico.
Qualquer alteração anatômica do 1º segmento que in-
clui o 1º cuneiforme, 1º metatarsiano, falanges e articula-
ções existentes entre esses elementos pode contribuir para
o aparecimento do hálux valgo.
Há maioria absoluta de hálux valgo em pés tipo egípcio,
isto é, nos pés em que o hálux é maior que o 2º dedo, e é Figura 55 - Radiografia anteroposterior do pé com hálux valgo
200
O R T O P E D I A A D U LT O
ORTOPEDIA
leva à grave destruição articular;
Quadro-resumo - Epidemiologia: predomínio do sexo feminino;
Osteoporose - Etiologia: idiopática, doença de Gaucher, gota, radioterapia,
- Definição: distúrbio osteometabólico caracterizado pela dimi- cortisona, gravidez, lúpus eritematoso sistêmico, álcool, malá-
nuição da DMO e aumento da fragilidade esquelética e do risco ria, pancreatite, transplante renal, diabetes, hiperproteinemia,
de fratura. As principais manifestações clínicas da osteoporose fenômenos disbáricos, AIDS e coagulopatia;
são as fraturas; - Quadro clínico: dor no quadril, claudicação e limitação da mo-
- Epidemiologia: predomínio no sexo feminino (com deficiência bilidade do quadril;
estrogênica) e em indivíduos idosos; - Diagnóstico: radiografias, feitas em anteroposterior e perfil, a cin-
- Causas secundárias: doenças e medicamentos associados; tilografia com tecnécio, a tomografia computadorizada e a RM;
- História clínica: avaliação de mulheres na pós-menopausa com - Tratamento não cirúrgico: repouso, muletas, fisioterapia e me-
1 ou mais fatores clínicos de risco citados, após 65 anos, inde- dicamentos;
pendente da presença de fatores de risco, e de homens com - Tratamento cirúrgico: o que preserva a cabeça femoral e o trata-
fatores de risco para fraturas; mento artroplástico.
- Exame: densitometria óssea. Lesões do joelho
Síndromes dolorosas do ombro - Mecanismo de lesão: entorse do joelho;
- Definição: choque entre o ápice do tubérculo maior do úmero - Quadro clínico: dor, derrame articular e queixa de instabilida-
e as suas inserções tendinosas do MR (músculos subescapular, de no joelho;
supraespinhal, infraespinhal e redondo menor);
- Manobras diagnósticas: manobras de Lachman, gaveta ante-
- Etiopatogenia: morfologia do acrômio, excesso de uso e enve- rior e os testes provocativos de subluxação conhecidos como
lhecimento biológico; “manobras de ressalto”;
- Quadro clínico: dor no ombro e na face lateral do braço, rela- - Tratamento: sempre cirúrgico com reconstrução do ligamento.
cionada com os movimentos, limitação da mobilidade e dimi- Lesões do joelho – luxação recidivante da patela
nuição da força muscular. Sinais clínicos específicos, como sinal
do impacto (Neer, Hawkins-Kennedy e Yokun), teste de Jobe, - Definição: deslocamento lateral em relação ao sulco femoral
teste de Patte e teste de Gerber; distal, com a perda da congruência articular;
- Radiografias: osteocondensação do acrômio e do tubérculo - Diagnóstico: clínico; história e exame físico do paciente;
maior, osteopenia e cistos subcondrais do tubérculo maior, os- - Manobra diagnóstica: teste da apreensão (sinal de Smilie);
teófitos e diminuição do espaço umeroacromial, ascensão da - Exames de imagem: raio x, tomografia computadorizada e res-
cabeça do úmero e deformidades; sonância nuclear magnética;
- USG: não detecta lesões <1cm; entretanto, tem 98% de especi- - Tratamento conservador: fisioterapia, com reforço muscular;
ficidade quando a lesão é >1cm; - Tratamento cirúrgico: é útil na falha do tratamento conserva-
- RM: é o exame que fornece melhores informações das lesões dor e tem por objetivo realinhar a patela no sulco da tróclea
do MR; femoral.
201
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
7
Tumores ósseos
Gustavo Merheb Petrus
1. Lesões pseudotumorais
202
TUMORES ÓSSEOS
ORTOPEDIA
cientes esqueleticamente maduros.
O melhor tratamento é a curetagem da lesão e seu pre-
enchimento com autoenxerto.
Em ossos dispensáveis, faz-se a ressecção de todo o seg-
mento lesado sem reconstrução.
Da mesma forma que outras lesões benignas e pseudo-
tumorais, a quimioterapia e a radioterapia são contraindi-
cadas, uma vez que não apresentam nenhum efeito sobre
Figura 2 - Radiografia de paciente com cisto ósseo aneurismático células que não estejam em divisão celular ou apresentem
do fêmur distal mitoses.
A taxa de cura está em torno de 85%, com 15% de recor-
O quadro radiológico do cisto ósseo aneurismático mostra
rência resolvidos em uma cirurgia de revisão.
uma lesão excêntrica, insuflativa, bem delimitada e septada.
Os achados radiográficos variam com a maturidade e a C - Displasia fibrosa
localização da lesão. Costuma haver 3 estágios progressivos:
- A lesão apresenta-se restrita ao osso esponjoso, sem É uma lesão benigna ativa, pseudotumoral, que se
atingir o córtex. Nesta fase é geralmente uma lesão ar- caracteriza pela presença de tecido fibroso-conjuntivo
redondada e centralizada na metáfise; no qual se encontram trabéculas mal orientadas de osso
- Torna-se excêntrica, afila e insufla a cortical, atingindo imaturo e não lamelar. Pequenos focos de cartilagem po-
o periósteo, com uma imagem “em bolha de sabão”. dem estar presentes. É uma lesão do esqueleto em cres-
A área insuflada é contida por uma camada que tem cimento.
uma imagem em “casca de ovo”, com uma margem in- A displasia fibrosa é uma lesão óssea congênita pre-
terna mal definida, sem esclerose óssea. No interior enchida com tecido fibroso e ósseo. Frequente, com pe-
da lesão, septos delicados podem ser vistos. Pode ser quena predileção pelo sexo feminino, geralmente ocorre
encontrada reação periosteal em “casca de cebola” e entre 5 e 20 anos de idade. Pode apresentar-se na forma
triângulo de Codman; monostótica, a mais comum, e poliostótica, que tende
a acometer um membro ou um lado do corpo. Acomete
- Com a progressão, a lesão se expande, o osso cortical é
mais o fêmur proximal, ossos da face, tíbia, úmero, coste-
destruído e a lesão progride até os tecidos moles. São
las, rádio e ilíaco.
comuns as fraturas nessa fase.
A displasia fibrosa costuma manifestar-se na infância ou
O cisto ósseo aneurismático pode estar presente em adolescência, aparecendo como uma deformidade progres-
áreas do tumor de células gigantes, displasia fibrosa, con- siva ou como uma fratura. Clinicamente, pode manifestar-
droblastoma, osteoblastoma, casos em que é chamado de -se com dor, fratura patológica, alargamento e deformida-
secundário. des ósseas.
203
ORTO P ED I A
A síndrome de Albright é a associação de maturida- As lesões monostóticas da displasia fibrosa são, em sua
de esquelética adiantada, puberdade precoce na mulher, maioria, assintomáticas e não necessitam de tratamento.
manchas na pele e lesões ósseas. A deformidade mais As indicações cirúrgicas são:
comum é o arqueamento dos ossos longos, a forma mais - Deformidade grave ou progressiva de um membro;
típica “em cajado de pastor” causada pela varização pro- - Pseudoartrose após fratura;
ximal do fêmur. - Fraturas nos ossos longos em adultos;
Radiologicamente, as lesões podem mostrar aspecto - Dor persistente.
lítico com cistos, aspecto de vidro fosco ou áreas de calcifi-
cação e deformidades. A lesão se apresenta como lesões ra- O tratamento é conservador nas crianças. Fraturas pa-
diolúcidas intramedulares, com aspecto “nebuloso” descri- tológicas devem ser tratadas com tração ou imobilização
to classicamente como “vidro esmerilhado ou vidro fosco”. externa, e osteotomias devem ser realizadas antes de a de-
O aspecto radiográfico muitas vezes lembra um osso formidade acentuar-se.
diafisário sem limites entre cortical e canal medular, dando Lesões monostóticas no adulto, com risco de fratura e
a imagem de um osso maciço. sintomáticas, devem ser curetadas e preenchidas com en-
xerto ósseo, realizando osteossíntese, se necessário.
D - Granuloma eosinofílico
Lesão não neoplásica, pseudotumoral, benigna agressi-
va, de etiologia desconhecida, que se caracteriza por uma
proliferação intensa de elementos retículo-histiocitários
com quantidades variáveis de leucócitos eosinófilos, leu-
cócitos neutrófilos, linfócitos, células plasmáticas e células
gigantes multinucleadas.
O granuloma eosinofílico é a forma localizada da histio-
citose X, reticuloendoteliose de etiologia desconhecida. A
lesão pode ser única ou múltipla, é pouco frequente e atin-
ge mais o sexo masculino; a faixa etária mais comum está
entre 5 e 20 anos, e as localizações são quase sempre no
crânio, no fêmur, na mandíbula, nas costelas, nas vértebras
Figura 4 - Radiografia de paciente com displasia fibrosa do fêmur
(vértebra plana de Calvé) e nos ossos chatos.
e deformidade “em cajado de pastor”
As lesões costumam acometer as diáfises e raramente
as metáfises, localizando-se mais frequentemente na diá-
fise do fêmur.
Clinicamente, o granuloma eosinofílico apresenta dor e
aumento de volume. O quadro radiológico é o de uma lesão
osteolítica central, destruindo a cortical.
204
TUMORES ÓSSEOS
A histologia mostra que ele é constituído de leucócitos e tagem e enxerto ósseo. Contraindicam-se a injeção intra-
histiócitos, estes chamados de células de Langerhans. lesional de corticosteroides e a radioterapia, que não deve
O diagnóstico diferencial deve ser feito com tumores ser, em nenhum caso, indicada em lesões benignas.
malignos que acometem a diáfise do fêmur, como o sarco-
ma de Ewing, metástase de neuroblastoma, linfoma e com 2. Tumores benignos formadores de osso
osteomielite.
A - Osteoma osteoide
O osteoma osteoide é uma lesão osteoblástica benigna
caracterizada pelo tamanho reduzido, geralmente <1cm, o
contorno demarcado e a frequente presença de uma zona
de formação óssea reativa ao redor. Histologicamente, é
constituído por um tecido celular muito vascularizado com-
posto por osso imaturo e tecido osteoide.
Ocorre, principalmente, em crianças, adolescentes e
adultos jovens entre 10 e 25 anos. Cerca de 75% dos casos
surgem até os 25 anos.
O tumor é mais frequente em homens, com prevalência
de 2 a 4:1, e mais comum em indivíduos brancos. O quadro
clínico é de dor de intensidade crescente no local ou arti-
culações próximas, mais intensa à noite, podendo associar
aumento de volume. A dor acontece por conta da produção
ORTOPEDIA
de prostaglandinas provocada pelo tumor e, provavelmen-
Figura 7 - Radiografia da perna mostrando a lesão na tíbia te, pela presença de fibras nervosas no tumor e não parece
aumentar de volume com a evolução.
A cintilografia óssea detecta lesões múltiplas. A RM e a
O uso de ácido acetilsalicílico e de demais anti-inflama-
tomografia computadorizada mostram que granulomas são
tórios não esteroides proporciona alívio da dor.
contidos pelo periósteo e não invadem a região paravertebral.
Quando a lesão está presente na coluna vertebral, geral-
mente associa-se à escoliose dolorosa. As localizações mais
frequentes são metáfise femoral proximal, metáfise femo-
ral distal, metáfise proximal tibial e metáfise radial distal.
Nas mãos, a localização mais comum são as falanges.
O diagnóstico é realizado pela radiografia simples. A ca-
racterística radiográfica é de um nicho oval arredondado,
pequeno, radiotransparente, circundado por uma zona de
densidade variável, que corresponde à esclerose óssea re-
ativa. A cintilografia e a tomografia podem localizar a lesão
quando há dificuldade no diagnóstico.
205
ORTO P ED I A
B - Osteoblastoma
O osteoblastoma é uma lesão benigna ou de agressivi-
dade localizada, histologicamente semelhante ao osteoide,
que se caracteriza pelo tamanho maior (mais de 1 a 2cm)
e pela ausência de um cone de formação óssea visível ao
seu redor.
É mais comum no sexo masculino, à proporção de 2:1
e distribuição etária dos 3 aos 70 anos. A localização mais
frequente é a coluna dorsal, seguida por fêmur, tíbia e ossos
da mão.
O quadro clínico caracteriza-se por dor não noturna,
cuja intensidade, menor que no osteoma osteoide, não ne-
cessariamente reduz com os salicilatos.
Figura 10 - Cintilografia óssea com hipercaptação no osteoma os- Podem ocorrer edema e espasmo muscular.
teoide Radiograficamente, o osteoblastoma caracteriza-se por le-
são osteolítica superior a 2cm sem esclerose óssea ao redor.
O diagnóstico diferencial pode ser realizado com corpo
estranho reacional, osteomielite, osteocondrite e osteos-
sarcoma.
- Osteossarcoma
Figura 12 - (A) Radiografia de paciente com osteoma osteoide na O osteossarcoma é um tumor maligno caracterizado
tíbia e (B) TC mostrando osteoma osteoide no fêmur pela produção de osso imaturo e/ou matriz osteoide por
206
TUMORES ÓSSEOS
meio da proliferação das células tumorais. O tipo histológi- gos em 80 a 90% dos casos, principalmente a região do joe-
co pode ser predominantemente osteoblástico, condroblás- lho (60%). Especificamente, a extremidade distal do fêmur
tico e fibroblástico. O osteossarcoma também pode resultar é comprometida em cerca de 40% dos casos, a proximal da
da degeneração sarcomatosa de lesões benignas preexis- tíbia, em 20%, e a proximal do úmero, em 15%. O acometi-
tentes (doença de Paget, displasia fibrosa, osteonecrose, mento inicial exclusivo diafisário ou epifisário é raro.
osteomielite crônica) e de locais irradiados previamente. Em pacientes acima dos 50 anos, o esqueleto axial é
acometido em cerca de 40% dos casos, em decorrência de
lesões secundárias.
O tumor atravessa a placa epifisária em cerca de 80%
dos casos.
As características clínicas são inespecíficas, e o paciente
apresenta bom estado geral ao diagnóstico. Perda de peso
significativa e anemia ocorrem aos pacientes com doença
sistêmica, em geral na forma de metástases pulmonares.
Os principais sintomas são dor e aumento de volume local.
Figura 14 - Histologia do osteossarcoma A dor quase sempre é localizada, pode irradiar-se para a
articulação adjacente e começa de forma insidiosa e inter-
Existem várias formas de osteossarcoma: mitente, tornando-se constante e de intensidade progres-
- Clássico ou central: desenvolve-se no interior do osso; siva, não sendo aliviada por repouso, imobilização ou uso
- Justacortical: desenvolve-se junto ao periósteo, rela- de analgésico. Fraturas patológicas acontecem em cerca de
cionado ao tecido conectivo periosteal; 15% dos casos.
ORTOPEDIA
- Endosteal: é uma forma recém descrita de osteossar-
coma que tem origem no endósteo, dentro do osso;
é uma forma maligna de baixo grau que cresce lenta-
mente e metastatiza tardiamente;
- Telangiectásico: é uma forma maligna de alto grau que
mostra pouca ou nenhuma evidência de ossificação,
sofrendo necrose, degeneração cística e fraturas pato-
lógicas devido a seu rápido crescimento;
- Secundário à irradiação: é uma forma maligna de alto
grau que se desenvolve alguns anos depois de radiote-
rapia, geralmente nas áreas de “sombra” da aplicação;
- Secundário à doença de Paget: não é encontrado em
crianças, sendo responsável por um pico de incidência
nas faixas etárias mais avançadas.
Figura 15 - Adolescente com osteossarcoma do úmero proximal
É a 2ª neoplasia óssea maligna primária mais frequen- direito
te (atrás do mieloma) e a principal que acomete crianças e
Os níveis séricos de fosfatase alcalina estão elevados
adolescentes. Um 2º pico de frequência acontece após a 6ª
década de vida, resultante de lesões secundárias. nos pacientes com osteossarcomas, refletindo a alta ativi-
A grande maioria dos osteossarcomas tem origem no dade osteoblástica da célula tumoral. Apesar de ter pou-
canal medular e é denominada “osteossarcoma central”. co valor no diagnóstico, é importante no prognóstico, pois
Dividem-se em vários tipos, com base nas suas característi- seus valores tendem a diminuir após a ressecção cirúrgica
cas histológicas: convencional de alto grau de malignidade, completa do tumor.
telangiectásico, baixo grau de malignidade, células peque- O aspecto radiográfico caracteriza-se por uma lesão ma-
nas e multicêntricos. ligna de origem central óssea, que permeia e destrói o osso
Acomete pacientes, principalmente, na 2ª e na 3ª déca- medular e cortical, atravessa o periósteo, invade as partes
das da vida, em torno dos 15 anos. São muito raros abaixo moles e produz quantidades variáveis de osteoide neoplá-
dos 5 anos ou acima dos 40. sico. Os tumores com formação óssea predominante são
A maior prevalência está entre os caucasianos, adoles- denominados osteoblásticos ou esclerosantes; os tumores
centes de estatura alta e no sexo masculino em relação ao mais celulares, anaplásicos ou telangiectásicos, em que a
feminino, à proporção de 1,5 a 2:1. destruição óssea é predominante, apresentam padrão per-
O osteossarcoma apresenta uma preferência pelo es- meativo e são denominados osteolíticos. Geralmente, a for-
queleto apendicular, acometendo a metáfise dos ossos lon- ma mista, osteolítica e osteoblástica, é a mais frequente.
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ORTO P ED I A
208
TUMORES ÓSSEOS
lógicos foram relacionados a ele: fatores genéticos, infarto Os métodos reconstrutivos a serem utilizados em pa-
ósseo e trauma. cientes submetidos à cirurgia com preservação dos mem-
Os principais diagnósticos diferenciais são: bros são diversos, e sua indicação depende da localização e
- Calo de fratura; da extensão do tumor, da idade do paciente e do prognós-
- Osteomielite aguda; tico. Nas lesões diafisárias ou metafisiodiafisárias, submeti-
- Osteoblastoma; das às ressecções intercalares, indica-se a solução biológica,
- Condrossarcoma; com enxerto ósseo autólogo vascularizado ou não, enxerto
- Fibrossarcoma; homólogo de banco de ossos ou a associação de ambos.
Nas lesões que acometem a epífise dos ossos longos, que
- Tumor de células gigantes; implicam ressecções osteoarticulares, as próteses não con-
- Sarcoma de Ewing; vencionais e os enxertos homólogos de banco articulares
- Linfoma; são uma alternativa possível.
- Carcinoma metastático. As metástases no osteossarcoma ocorrem por via hema-
togênica, acometendo principalmente o pulmão e os ossos.
O plano de tratamento para o osteossarcoma central O grau de resposta à quimioterapia é o principal fator
consiste em: prognóstico na sobrevida dos pacientes, que, atualmente,
- Estadiamento e biópsia: para se ter o diagnóstico defi- é de 60% em 5 anos.
nitivo;
- Quimioterapia neoadjuvante pré-operatória: com 4. Tumores cartilaginosos benignos
metotrexato em altas doses intravenosa ou epirrubici-
na, carboplatina, ifosfamida intravenosa, num total de
4 ciclos, o que leva aproximadamente 12 semanas. As A - Osteocondroma
ORTOPEDIA
principais vantagens da quimioterapia pré-operatória
O osteocondroma, uma projeção óssea com capa car-
são: a redução do edema, a diminuição do tamanho do
tilaginosa na superfície externa do osso, é uma lesão fre-
tumor e o efeito sobre as micrometástases;
quente, chamada também de exostose osteocartilaginosa
- Cirurgia: pode ser ablativa (amputação) ou de pre- ou simplesmente exostose. Não é uma verdadeira neopla-
servação do membro (ressecções, endopróteses, ho- sia, origina-se de brotos cartilaginosos junto ao lado metafi-
moenxertos), dependendo da resposta do tumor ao sário da fise. Pode ser solitário ou múltiplo, mais frequente
tratamento pré-operatório, da localização da lesão, da
no sexo masculino.
idade do paciente e da perspectiva de crescimento da
Lesão de crescimento lento, raramente apresenta sinto-
extremidade;
mas ou sinais antes dos 8 anos. Costuma aumentar de volu-
- Quimioterapia pós-operatória: 6 ciclos, aplicados em me perto da puberdade e cessar ao final do crescimento do
um período de aproximadamente 15 semanas após a indivíduo. O crescimento após esse período é sugestivo de
cirurgia. A manutenção ou não do esquema de qui- transformação maligna para condrossarcoma.
mioterapia ou o acréscimo de novas drogas depende Cerca de 90% dos osteocondromas ocorrem na metáfise
da resposta histológica do tumor à quimioterapia pré- dos ossos longos, em especial, joelho e ombro. Crescem no
-operatória. sentido oposto à epífise e podem, com o tempo, deslocar-
O objetivo da quimioterapia pré-operatória é diminuir -se na direção da diáfise.
o tumor, delimitar as margens e atuar sobre as microme- A lesão pode ser séssil ou pediculada. A exostose é co-
tástases. Dez dias após a cirurgia, inicia-se a quimioterapia berta por uma camada fina de pericôndrio, que é aderente
pós-operatória por, aproximadamente, 15 semanas. à cartilagem e continua com o periósteo do osso adjacente.
A cirurgia ideal é a ressecção em bloco do tumor com A capa de cartilagem costuma variar de 1 a 3mm em espes-
margens cirúrgicas livres de neoplasia, com preservação sura. Quanto mais jovem o paciente, mais espessa é a capa
dos membros quando possível, ou cirurgia ablativa (am- de cartilagem. O interior da exostose é constituído por osso
putação ou desarticulação); as margens cirúrgicas devem esponjoso normal, que é contínuo com o osso da metáfise
ser amplas, consideradas adequadas tanto para o osso adjacente.
como para partes moles, a fim de obter o controle local A maioria dos casos é assintomática, muitas vezes sendo
da doença. achados radiológicos ocasionais. As queixas mais comuns
A indicação absoluta para cirurgia ablativa baseia-se na são aumento de volume, disestesia quando próximo a al-
impossibilidade de uma ressecção com margens cirúrgicas gum nervo, deformidades articulares e atrito entre os os-
adequadas, decorrente, sobretudo, da resposta quimiote- sos. Sintomas dolorosos podem surgir nas bursas, e dor per-
rápica neoadjuvante e do comprometimento extenso em sistente associada a aumento de volume crescente sugere
partes moles, como tecido celular subcutâneo, pele, com- malignidade.
prometimento neurovascular e tumores ulcerados, infecta- A radiografia manifesta características típicas, como
dos ou biopsiados de forma inadequada. projeção exofítica, lesões bem delimitadas e, algumas ve-
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TUMORES ÓSSEOS
O tratamento dessas lesões é expectante, pois a maioria O tempo de história, em média de 6 a 12 meses, é vari-
se ossifica. Na presença de sintomas, a curetagem associada ável e depende do osso afetado.
a algum adjuvante (cauterização, álcool absoluto, fenol) é Na maioria das vezes, o tumor é epifisário, e é comum o
comumente suficiente para a cura da lesão. Enxertia óssea, comprometimento clínico da articulação vizinha, com pro-
preferencialmente autóloga, pode ser empregada nos casos gressiva impotência funcional. É mais frequente na região
de risco de colabamento mecânico, ao final do tratamento. do joelho, isto é, na epífise distal do fêmur e proximal da
A encondromatose ou doença de Ollier é uma patologia tíbia e, em seguida, região proximal do úmero e distal do rá-
rara, não hereditária, caracterizada por múltiplos tumores dio. Surge na 3ª e na 4ª décadas de vida, comprometendo,
cartilaginosos e que acomete, em 60% dos casos, o sexo
igualmente, ambos os sexos.
masculino. Usualmente, predomina em uma metade do es-
Radiograficamente, é descrito como lesão epifisária ca-
queleto, levando a encurtamento e deformidades ósseas.
racterizada por rarefação óssea de início excêntrica, respei-
As lesões raramente progridem após a puberdade, contudo
a transformação em condrossarcoma acontece de 30 a 50% tando a princípio os limites da cortical. Com a evolução, po-
dos casos, manifestando-se com dor e aumento do volume dem ocorrer rotura da cortical e comprometimento articular.
local rapidamente progressivo. São tumores de aspecto osteolítico, que destroem toda
A síndrome de Mafucci é uma condição rara, não he- a epífise, chegando até a cartilagem articular. O aspecto, na
reditária, que associa encondromatose aos hemangiomas. maioria das vezes, é de agressividade radiológica.
ORTOPEDIA
de proliferação de células gigantes multinucleadas, seme-
lhante aos osteoclastos.
É um tumor benigno agressivo, caracterizado por um
tecido muito vascularizado, constituído por um estroma de
células fusiformes ou ovoides e pela presença de numero-
sas células gigantes do tipo osteoclástico, uniformemente
distribuídas por todo o tecido neoplásico. Figuras de mitose
estão presentes em cada lesão, mas os núcleos das células
mononucleares e das células gigantes não são hipercromá-
ticos tampouco anaplásicos. Praticamente não há colágeno.
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ORTO P ED I A
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TUMORES ÓSSEOS
ORTOPEDIA
rém, não são patognomônicas do sarcoma de Ewing. gia se encontra muito pouco estroma entre as células, que
A RM é fundamental e imprescindível no estudo da inva- se apresentam de forma monótona e numerosa. As células
são das partes moles adjacentes, principalmente da relação são redondas e seus núcleos também.
com o feixe vasculonervoso. O diagnóstico diferencial inclui osteomielite, linfoma e
A detecção de metástases é fundamental na indicação osteossarcoma.
do tratamento. São mais frequentes no pulmão (30%), os-
sos (30%) e medula óssea (10%).
A biópsia, do tipo percutânea e com trefina de 3mm, é
fundamental para a confirmação diagnóstica. Deve ser re-
alizada no local onde será feito o acesso cirúrgico da pro-
vável ressecção, evitando descolamentos e a formação de
hematomas.
213
ORTO P ED I A
A cirurgia conservadora do membro está indicada aos Raramente, observa-se aumento de volume local. Sinais
casos em que não estão presentes lesões metastáticas; há sistêmicos também são raramente observados. Contudo,
boa resposta quimioterápica, com diminuição do tumor em pode ocorrer hipercalcemia secundária à secreção de pro-
mais de 50% do seu tamanho original e/ou sinais de reos- teínas semelhantes ao PTH (paratormônio).
sificação e regeneração óssea; não há comprometimento A radiografia simples, o melhor meio diagnóstico na
do feixe vasculonervoso; e não há infiltração da pele e do suspeita de uma lesão óssea metastática, é o método de
tecido celular subcutâneo. Realiza-se cirurgia ampla com imagem mais específico.
margens de segurança de 1cm ao redor do tumor. Utiliza-se a cintilografia óssea trifásica marcada com tec-
A cirurgia radical, que consiste na amputação ou na de- nécio por ser um exame sensível e prático para rastrear o
sarticulação, está indicada na impossibilidade de cirurgia esqueleto inteiro. Porém, não é um exame muito específi-
conservadora, com os casos apresentando-se sem metás- co, e devem-se sempre realizar radiografias simples quando
tases, que não respondem à quimioterapia e sem controle a cintilografia acusa alguma anormalidade na captação do
local por radioterapia. radiofármaco. Na coluna vertebral, pode-se utilizar RM.
As endopróteses são utilizadas nas ressecções amplas
de lesões metaepifisárias, em que há ressecção da super-
fície articular. O enxerto autólogo de fíbula é utilizado nas
lesões diafisárias em que são mantidas as superfícies articu-
lares. Para fixação, utilizam-se placas metálicas e parafusos.
214
TUMORES ÓSSEOS
Os objetivos do tratamento das lesões ósseas metas- um aumento compensatório na taxa de osso neoformado,
táticas visam, basicamente, oferecer ao paciente uma boa o que, algumas vezes, é refletido por um aumento na taxa
qualidade de vida, sem dor e com a melhor função possível. sanguínea de fosfatase alcalina.
Sempre que possível, deve-se identificar o tumor primá- A alteração na remodelação leva a modificações arqui-
rio; em 10 a 20% dos casos não se consegue fazê-lo. teturais caracterizadas pela formação de osso não lamelar,
A quimioterapia, assim como a hormonoterapia nos ca- de tamanho aumentado, mais vascular e menos compacto
sos de carcinoma de mama e próstata, tem um efeito crucial que o osso normal.
no controle das lesões ósseas metastáticas, principalmente Os locais mais frequentemente comprometidos são co-
nos casos com múltiplas lesões espalhadas pelo esqueleto. luna lombar e torácica, pelve e crânio. Algumas vezes, pode
A principal modalidade de tratamento das metástases haver deformidade óssea, com aumento de volume do crâ-
ósseas é a radioterapia, sendo as principais indicações o alí- nio e arqueamento dos ossos. O paciente queixa-se de dores
vio da dor e a manutenção da função. ósseas, e há maior suscetibilidade às fraturas patológicas.
A radioterapia é eficaz no controle temporário da dor,
assim como na diminuição ou controle local da destruição
óssea. A duração da resposta é variável, mas geralmente,
no câncer de próstata ou mama, ela costuma ser de 9 a 12
meses. A radioterapia diminui ou elimina a dor em 80 a 90%
das lesões ósseas metastáticas. Além disso, tem ação direta
na lesão, diminuindo o seu tamanho e a sua extensão para
partes moles. Mesmo após a ressecção de uma lesão me-
tastática e a substituição por endoprótese não convencio-
nal, deve-se lançar mão da radioterapia no pós-operatório.
ORTOPEDIA
As cirurgias para o tratamento das lesões ósseas metastá-
ticas podem ser divididas em procedimentos profiláticos, ou
seja, realizados antes da fratura, e cirurgias realizadas após a
fratura patológica ter ocorrido. O objetivo é o mesmo: propor-
cionar qualidade de vida, que significa deambulação sem dor.
As indicações consensuais para intervenção cirúrgica, nos
casos de lesão metastática vertebral, são compressão medu-
lar, instabilidade vertebral com dor mecânica intratável, fra-
tura/luxação da coluna, radiculopatia com sintomas progres-
sivos ou incontroláveis, crescimento do tumor, mesmo após
radioterapia, e extensão direta do tumor primário na coluna.
A cirurgia nos casos de fratura patológica de ossos longos
por lesões metastáticas tem o mesmo objetivo da cirurgia Figura 32 - Radiografia do fêmur proximal na doença de Paget
profilática, promover a deambulação sem dor, e deve ser re-
alizada o mais rápido possível. Não se deve hesitar em resse-
car o fêmur proximal fraturado de um paciente e colocar uma
endoprótese, permitindo carga e alta hospitalar precoce.
As fraturas patológicas da coluna devidas a metástases
têm absoluta indicação de cirurgia. Entretanto, em pacien-
tes com metástases e fraturas por compressão, sem envol-
vimento neurológico, a dor intratável geralmente responde
à radioterapia e ao uso de coletes.
8. Doença de Paget
A doença de Paget é uma alteração do processo de
remodelação do esqueleto que parece ter início com um
aumento na reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos. Figura 33 - Radiografia de crânio com grande lesão lítica
Ocorre em 3% das pessoas idosas e é mais comum em pa-
cientes com ancestrais europeus. A chance de transformação maligna é de, aproximada-
A etiologia é desconhecida, e a lesão primária parece re- mente, 1% com o desenvolvimento de sarcoma osteogêni-
sidir em osteoclastos modificados, o que conduz a um evi- co secundário. E o diagnóstico diferencial inclui sarcoma os-
dente aumento de reabsorção óssea que pode ser detecta- teogênico, mieloma múltiplo, displasia fibrosa e carcinoma
do pelo aumento na excreção urinária de hidroxiprolina. Há metastático.
215
ORTO P ED I A
9. Mieloma múltiplo
O mieloma múltiplo é um tumor maligno que costuma
ser múltiplo ou difuso e se caracteriza pela presença de cé-
lulas redondas do tipo plasmócitos, com diferentes graus
de imaturidade e atipia. A lesão frequentemente é acom-
panhada da presença de proteínas anormais no sangue e
na urina (proteína de Bence-Jones) e, às vezes, substâncias
amiloides ou para-amiloides que se depositam no tecido
ósseo ou outros órgãos, principalmente no rim.
216
TUMORES ÓSSEOS
ORTOPEDIA
Figura 37 - Radiografia do crânio mostrando mieloma múltiplo;
Tumor de Ewing
lesões “em sal e pimenta”
- Incidência: em 80% dos casos, nas 2 primeiras décadas de vida;
Nas lesões localizadas, o tratamento cirúrgico consiste - Relação sexo masculino para feminino: 2:1;
na ressecção ampla ou na ressecção em bloco, seguida de - Clínica: dor e aumento de volume. Febre e emagrecimento po-
radioterapia. dem estar presentes, assim como lesões metastáticas, no iní-
O prognóstico dos pacientes com lesões múltiplas é ex- cio, em 1/4 dos casos. São raras as fraturas patológicas;
tremamente reservado, com sobrevida em 2 anos menor - Exame físico: aumento de volume, doloroso à palpação e com
que 50%, habitualmente em consequência de lesão renal. presença de circulação colateral venosa na superfície exube-
A radioterapia pode ser utilizada como tratamento para rante; pele lisa, avermelhada e edemaciada;
as lesões ósseas com bons resultados, principalmente nos - Localização: fêmur, seguido da tíbia, com predomínio nos
casos que apresentam risco iminente de fratura. membros inferiores em 2/3 dos casos. O acometimento nos
ossos longos é predominantemente diafisário;
10. Resumo - Exames laboratoriais: hemograma com anemia secundária à
leucocitose. A velocidade de hemossedimentação é elevada;
Quadro-resumo - Radiografia: osteólise com reação periosteal concêntrica e
Osteossarcoma múltipla, caracterizando classicamente o aspecto em “casca de
- Definição: tumor maligno com produção de osso imaturo e/ou cebola”;
matriz osteoide por meio da proliferação das células tumorais; - RM: invasão das partes moles adjacentes, principalmente da
- É a 2ª neoplasia óssea maligna primária mais frequente (atrás do relação com o feixe vasculonervoso;
mieloma) e a principal que acomete crianças e adolescentes; - Confirmação diagnóstica: biópsia;
- Acometimento: pacientes na 2ª e na 3ª décadas da vida, em - Diagnóstico diferencial: osteomielite, linfoma e osteossar-
torno dos 15 anos; coma;
- Prevalência: maior em indivíduos caucasianos, adolescentes de - Tratamento: quimioterapia e cirurgia.
estatura alta e no sexo masculino em relação ao feminino, à Lesões ósseas metastáticas
proporção de 1,5 a 2:1;
- Ocorrem mais lesões ósseas metastáticas do que tumores malig-
- Acometimento: maior no esqueleto apendicular, região da me- nos ósseos primários;
táfise dos ossos longos em 80 a 90% dos casos, principalmente
- Principais causadores: carcinomas de próstata e de mama;
a região do joelho (60%);
- O esqueleto axial é muito mais acometido pelas lesões ósseas
- O tumor atravessa a placa epifisária em cerca de 80% dos casos;
metastáticas do que o esqueleto apendicular. As vértebras são o
- Clínica: inespecífica, e o paciente apresenta bom estado geral local mais comum;
ao diagnóstico. Pode haver perda de peso significativa e ane-
- Clínica: presença de dor ou fratura patológica;
mia, dor e aumento de volume local;
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218
CAPÍTULO
8
Fraturas no adulto
Gustavo Merheb Petrus
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F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
da altura do corpo vertebral, desvio de 11° entre vértebras
adjacentes, translação de 3,5mm entre vértebras e espaço
Figura 5 - Radiografia com luxação C5-C6
discal >1,7mm.
O tratamento de lesões traumáticas é uma urgência por-
que podem determinar lesão medular imediata ou causá-
-la posteriormente, acarretando gravíssimas e definitivas
incapacidades para o paciente. E, na presença de sinais de
comprometimento medular, devem ser tomadas medidas
visando ao tratamento do trauma raquimedular.
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ORTO P ED I A
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ORTOPEDIA
L2 Flexão do quadril Não há
coxa
L3 Extensão do joelho Face medial do joelho Não há
Extensão do torno- Face medial do torno-
L4 Patelar
zelo zelo
L5 Extensão do hálux Face dorsal do pé Não há
S1 Flexão do hálux Face lateral do pé Aquileu
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-se ao trauma de alta energia, como acidentes automo- anel pélvico, sendo necessária a atuação do ortopedista
bilísticos, atropelamentos e quedas de alturas, determi- para reduzir a fratura e o deslocamento do anel pélvico e
nando lesões instáveis e graves, tanto do ponto de vista estabilizar com a colocação do fixador externo ou de um
hemodinâmico quanto do mecânico, e que podem asso- clampe pélvico, a fim de obter um efeito de tamponamen-
ciar-se à lesão de outros órgãos ou de outras estruturas to do hematoma, pelo fechamento e pela compressão das
musculoesqueléticas. hemipelves.
Pacientes com lesões instáveis apresentam taxa de mor- O uso do fixador externo na emergência reduziu a in-
talidade de 14 a 50%. cidência de mortalidade nos pacientes com instabilidade
O anel pélvico é formado pela união de 3 ossos (2 ossos hemodinâmica após lesão do anel pélvico, pois atua re-
inominados compostos pelo ílio, ísquio e púbis e o sacro) duzindo o continente do anel, que normalmente está au-
estabilizados em suas articulações por fortes estruturas mentado, produzindo um efeito de tamponamento sobre
ligamentares, principalmente pelo ligamento sacroilíaco o sangramento do retroperitônio. Outra vantagem é que
posterior. E a sínfise pubiana une anteriormente os 2 ilíacos se trata de um método rápido e pouco invasivo.
com sua fibrocartilagem.
Depois da estabilização do ponto de vista hemodi-
nâmico, é necessário um estudo por imagem para o diag-
nóstico da lesão da pelve. A realização de radiografia na
incidência anteroposterior, oblíqua a 60° craniocaudal (in
let) e a 45° caudocranial (out let), é fundamental para o
diagnóstico e a classificação da lesão. A incidência in let é
importante para avaliar desvios anteroposteriores, e a inci-
dência out let, para avaliar desvios verticais.
ORTOPEDIA
Figura 17 - Pelve
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no caso de luxação e fratura-luxação da articulação sa- podem ocorrer por trauma direto, indireto, axial ou repeti-
croilíaca. tivo. São mais comuns no sexo masculino, e 80% acontecem
A utilização de barra sacra, ou de placa transilíaca, está no 1/3 médio, 15% no 1/3 lateral e 5% no 1/3 medial.
reservada a casos de lesões em que exista a fratura do cor-
po do sacro ou luxações bilaterais da articulação sacroilíaca. Tabela 6 - Classificação das fraturas da clavícula
Grupo I 1/3 médio
Grupo II 1/3 lateral
Grupo III 1/3 medial
ORTOPEDIA
Figura 25 - Radiografia com fixação interna da fratura da bacia desvia para posterior e superior, e o peso do membro supe-
rior que traciona o fragmento lateral e inferior.
As complicações precoces estão ligadas ao trauma ini- Às radiografias em incidências anteroposterior e Zanca
cial, sendo a hemorragia a principal complicação na fase
(15° de inclinação cefálica centrada na articulação acromio-
aguda, e às lesões associadas, estando o paciente susce-
clavicular), podem-se visibilizar fraturas do 1/3 lateral e fa-
tível a desenvolver Síndrome do Desconforto Respiratório
zer o seu diagnóstico.
do Adulto (SDRA), doença tromboembólica, pneumonia e
falência de múltiplos órgãos.
A infecção pode acontecer pela contaminação dos pinos
do fixador externo ou após a fixação interna. A dor residual
é uma queixa frequente, que pode decorrer de consolida-
ção viciosa, pseudoartrose ou artrose pós-traumática da
articulação sacroilíaca.
Lesão nervosa das raízes de L5 e S1 pode ocorrer na ins-
tabilidade vertical por tração.
A consolidação viciosa após fratura pode acontecer e
causar deformidade rotacional, obliquidade pélvica e dis-
crepância dos membros inferiores com alteração da marcha
normal.
4. Fratura da clavícula
A clavícula, o 1º osso a consolidar-se (5ª semana intrau-
terina), é o único osso longo em que ocorre ossificação in-
tramembranosa sem passar por um estágio cartilaginoso. É,
também, a única conexão óssea entre a cintura escapular e
o esqueleto axial.
Sua função é proporcionar força e estabilidade ao mem-
bro superior; além disso, é ponto de origem e inserção de
vários músculos, protege eficazmente as estruturas neuro-
vasculares e o ápice do pulmão, tem função cosmética e Figura 26 - Fratura da clavícula
auxilia na inspiração.
As fraturas da clavícula, que representam de 4 a 16% de O diagnóstico diferencial se dá somente com as luxações
todas as fraturas e 35% das fraturas da cintura escapular, acromioclaviculares e esternoclaviculares.
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F R AT U R A S N O A D U LT O
O quadro clínico é composto por dor, movimentos de fragmentos estão desviados entre si, e a cabeça umeral con-
elevação e rotação do membro superior limitados, crepita- gruente com a glenoide.
ção e equimose.
Radiografias simples na incidência anteroposterior e
perfil da escápula e axilar fazem o diagnóstico. A TC está in-
dicada quando há dúvida quanto ao diagnóstico ou desvios
dos fragmentos, em fraturas com comprometimento da su-
perfície articular do úmero ou da glenoide e fratura-luxação
inveterada.
A classificação das fraturas foi descrita por Neer, com
base nos desvios dos fragmentos conforme descrito inicial-
mente por Codman. Considera-se desvio quando há deslo-
camento >1cm ou angulação >45° em relação ao fragmento
não fraturado.
ORTOPEDIA
Figura 32 - Radiografia com fratura do úmero proximal
a) Tratamento conservador
As fraturas com desvio <1cm ou angulação <45° e que
são estáveis e impactadas são tratadas com imobilização
toracobraquial, do tipo Velpeau, e mobilização precoce.
Após 15 dias de imobilização, iniciam-se exercícios passivos
e ativos leves.
b) Tratamento cirúrgico
Figura 31 - Classificação de Neer
A fratura instável com os fragmentos principais, segun-
- Tipo I: em 1 parte. Não deve ser considerada em 2 do Neer, desviados mais que 1cm ou mais que 45° tem indi-
partes, pois teve um desvio <45° e uma separação dos cação de tratamento cirúrgico.
fragmentos <1cm;
- Tipo II: em 2 fragmentos. Tem-se um desvio >1cm,
com angulação >45°; ou em 3 fragmentos ou 4, mas
somente 1 possui desvio maior do que 1cm, com essa
angulação;
- Tipo III: em 3 ou 4 fragmentos. Somente há desvio
maior em 3 fragmentos;
- Tipo IV: em 4 fragmentos, em que todos têm desvio
acima do permitido.
A importância da classificação está na identificação dos
fragmentos fraturados para que se saibam as condições
vasculares desses fragmentos e, com isso, se indique o tra-
tamento adequado.
A fratura em 2 partes é aquela em que somente 1 dos
segmentos está desviado em relação aos outros; a fratu-
ra em 3 partes, em que 2 segmentos estão desviados em Figura 33 - Radiografia com fixação da fratura com placa e para-
relação aos outros 2; a fratura em 4 partes, em que os 4 fusos
229
ORTO P ED I A
Fratura em 2 partes envolvendo o tubérculo maior pode As complicações dessas fraturas são lesão neurológica,
ser tratada com redução aberta e fixação do tubérculo com principalmente do nervo axilar, lesão vascular, osteonecro-
fios inabsorvíveis; fratura em 2 partes envolvendo o colo se da cabeça femoral, rigidez articular, consolidação viciosa
cirúrgico, com redução aberta e fixação interna com placa e pseudoartrose. Quanto maior o número de partes da fra-
e parafusos; fratura em 3 partes, geralmente envolvendo o tura, maior o número de complicações.
colo cirúrgico, o tubérculo maior e a diáfise, com redução
aberta e síntese com fios intramedulares e amarrilha do tu-
bérculo com fios inabsorvíveis. As fraturas em 4 partes po-
dem ser tratadas com síntese interna ou, em pacientes mais
idosos, ou fraturas mais graves, com prótese substituindo o
úmero proximal, preservando a glenoide.
6. Luxação do ombro
A luxação do ombro, uma das lesões traumáticas do
membro superior mais comuns na prática diária do ortope-
dista, caracteriza-se pela perda das relações entre a cabeça
do úmero e a glenoide. As luxações anteriores, as mais co-
muns, representam 95% dos casos; as posteriores relacio-
nam-se a choque elétrico e a convulsões.
A cabeça do úmero é grande e esférica; a glenoide é rasa
e pequena, o que permite grande mobilidade articular. É a
Figura 35 - Placa e parafusos utilizados para tratamento da fratu- articulação de maior amplitude de movimento do aparelho
ra do úmero proximal locomotor humano.
Para manter a estabilidade entre a cabeça do úmero e a
glenoide, existem vários mecanismos:
a) Mecanismos passivos (estáticos): congruência arti-
cular, pressão intra-articular negativa, fenômeno de ade-
são-coesão e barreira capsuloligamentar.
b) Mecanismos ativos (dinâmicos): musculatura do
manguito rotador e cabeça longa do bíceps.
Tabela 8 - Critérios para classificação da luxação glenoumeral
Quanto ao grau de
Subluxação e luxação.
instabilidade
Quanto à crono- Congênita, aguda, inveterada ou crônica e
logia recorrente ou recidivante.
Quanto ao meca-
Traumática e atraumática.
nismo de trauma
Quanto à volição
Voluntária ou involuntária.
do paciente
Anterior, posterior, multidirecional, supe-
Quanto à direção
rior, erecta e intratorácica.
Figura 36 - Fratura do úmero proximal tratada com fios
230
F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
Figura 38 - Paciente com luxação do ombro à esquerda Figura 41 - Radiografia com luxação anterior do ombro
231
ORTO P ED I A
As luxações glenoumerais agudas posteriores são de As lesões associadas à luxação posterior são fratura por
tratamento conservador, com redução incruenta e imobili- compressão da região anteromedial da cabeça do úmero,
zação. São indicações de cirurgia: quando há fratura da ca- fratura da borda posterior da glenoide e fratura da tubero-
beça do úmero acometendo mais de 30% de sua superfície sidade menor.
articular, irredutibilidade por interposição de partes moles
e fratura da tuberosidade menor ou da borda da glenoide 7. Fratura da diáfise do úmero
com grandes fragmentos e instabilidade pós-redução.
Para as luxações recidivantes, o tratamento indicado, A diáfise do úmero vai do bordo superior da inserção do
quando a causa é atraumática, é conservador com exer- músculo peitoral até a crista supracondílea.
cícios de fortalecimento e coordenação. Para as causas As fraturas da diáfise podem ser causadas por trauma
traumáticas, como há desinserção capsuloligamentar, o direto, com traços de fratura geralmente transversos ou co-
tratamento preconizado é cirúrgico, com técnicas que vi- minutos, ou trauma indireto, com traços espirais atribuídos
sam à reparação e plastias capsuloligamentares que podem às forças torcionais.
ser realizadas por via aberta ou artroscópica (cirurgia de O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na his-
Bankart e capsuloplastia de Neer) e/ou técnicas que visam tória e no exame físico. Há edema, deformidade do braço,
à substituição das estruturas lesadas (cirurgia de Bristow- impotência funcional e crepitação.
Latarjet). As radiografias em anteroposterior e perfil são suficien-
tes para confirmar o diagnóstico.
232
F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
Figura 45 - Tratamento conservador com “pinça de confeiteiro” da
8. Fraturas do cotovelo
fratura diafisária do úmero
A - Fratura do úmero distal
O tratamento cirúrgico tem indicações absolutas ou re-
lativas, dependendo do caso. As absolutas são fratura as- O úmero distal é dividido em 2 côndilos, lateral e medial,
sociada à lesão vascular, fratura exposta, paralisia do nervo cada um contendo uma porção articular e outra não articu-
radial, interposição de partes moles que dificultam a redu- lar. O epicôndilo medial dá origem aos músculos flexores do
ção, cotovelo flutuante, politrauma e fratura patológica por antebraço. O nervo ulnar localiza-se atrás do epicôndilo. O
doença maligna. As relativas são bilateralidade, obesidade epicôndilo lateral dá origem aos músculos supinador, exten-
e fratura segmentar. sores do antebraço e ancôneo.
233
ORTO P ED I A
Figura 50 - Fraturas tipo (A) I, tipo (B) II e tipo (C) III, com desvio
anterior do rádio; fraturas tipo (D) I e tipo (E) II, com desvio pos-
terior do rádio
234
F R AT U R A S N O A D U LT O
O exame físico apresenta-se com edema, dor e derrame A fratura ocorre na queda com a mão espalmada, o
articular. A incapacidade de estender ativamente o cotovelo cotovelo em discreta flexão e o antebraço em pronação. A
contra a gravidade, o sinal mais importante a ser pesquisa- posição de pronação do antebraço é fundamental para que
do, indica descontinuidade do aparelho extensor do coto- ocorra fratura da cabeça do rádio, enquanto a posição em
velo. A radiografia em perfil permite diagnosticar a fratura, supinação daquele leva à luxação pura do cotovelo.
e a incidência frontal é para complementar o diagnóstico.
O objetivo do tratamento é restaurar a anatomia arti-
cular e preservar a força motora de extensão, mobilidade e
estabilidade articulares.
As fraturas sem desvio podem ser tratadas com imobi-
lização gessada e cotovelo fletido a 90° por 3 a 6 semanas.
ORTOPEDIA
Figura 51 - Radiografia de perfil do cotovelo com fratura do ole-
crano
235
ORTO P ED I A
à procura de dor e edema que podem indicar dissociação A estabilidade do cotovelo é dividida entre as estruturas
aguda da articulação radioulnar distal. ósseas e ligamentares: tróclea, olécrano, cabeça do rádio,
As radiografias nas incidências anteroposterior e de per- ligamento colateral medial, ligamento colateral lateral e
fil fazem o diagnóstico. TCs podem ser utilizadas para um cápsula articular.
melhor estudo da fratura, mas não são fundamentais. O arco de movimento de flexão-extensão ocorre de 0
O tratamento da fratura tipo I é conservador, com uso a 150°, a supinação, 85°, e a pronação, 80°. O movimento
de tala gessada axilopalmar por 3 semanas; a esse período, funcional mínimo é de 30 a 130° de flexão-extensão, 50° de
segue-se a reabilitação. pronação e 50° de supinação.
Indica-se o tratamento cirúrgico nas fraturas marginais O mecanismo de trauma geralmente é indireto, na que-
da cabeça do rádio tipo II, quando o fragmento tem 1/3 ou da ao solo com apoio palmar, hiperextensão do cotovelo,
mais da superfície articular e apresenta um desvio >2mm estresse em valgo, abdução e supinação do antebraço.
ou 20° entre os fragmentos. A estratégia cirúrgica é fixar o
fragmento, com via de acesso lateral do cotovelo e fixação
com parafusos de 1,5mm ou 2mm, ou parafusos de Hebert,
na porção íntegra do colo e cabeça radial.
Nas fraturas cominutas tipo III, a estratégia é montar a
superfície articular com parafusos ou placas de minifrag-
mentos para a cabeça do rádio. Na impossibilidade de redu-
ção e de fixação, a ressecção simples da cabeça do rádio só
poderá ser feita se não houver lesão associada do antebra-
ço ou punho, ou luxação do cotovelo, pois, nessa situação, a
instabilidade do cotovelo se torna grosseira. Quando, após Figura 56 - Mecanismo de trauma na luxação do cotovelo
a ressecção da cabeça do rádio, ocorre instabilidade, indica-
-se prótese metálica de substituição da cabeça do rádio.
236
F R AT U R A S N O A D U LT O
A classificação pode ser feita em relação ao tempo da por um tempo, até o alívio da dor. A imobilização por tempo
lesão: aguda, crônica e recorrente. Pode-se classificar, tam- prolongado está relacionada a contraturas com déficit em
bém, com base na relação do rádio e ulna em relação ao extensão.
úmero distal: posterior (mais comum), anterior, lateral, me- As complicações descritas são perda da mobilidade, ge-
dial e divergente. ralmente a extensão; lesão neurológica (habitualmente, a
O tratamento para a luxação posterior compreende a recuperação é espontânea, mas a exploração cirúrgica deve
redução fechada sob analgesia e sedação. A redução é rea- ser realizada quando há piora neurológica, dor forte ou não
lizada, de preferência, com o paciente em decúbito ventral regressão em 3 meses após o déficit); lesão vascular, geral-
e o braço para fora da mesa de exame, e são feitas a tração mente a artéria braquial; síndrome compartimental; insta-
longitudinal e a flexão do cotovelo. bilidade com reluxação; ossificação heterotópica e miosite
ossificante.
ORTOPEDIA
lares. É necessário restaurar o comprimento, corrigir de-
Após a redução, deve-se examinar novamente o estado formidades axiais e rotacionais e realizar fixação interna
neurovascular do membro, avaliar a estabilidade e o arco rígida para permitir a mobilidade precoce no pós-opera-
de movimento da articulação e realizar radiografias. tório imediato, com recuperação funcional mais rápida e
Além disso, realizar imobilização com tala axilopalmar completa.
237
ORTO P ED I A
238
F R AT U R A S N O A D U LT O
c) Fratura do cassetete (nightstick): fratura isolada da apresenta queixa de dor aos exercícios e incômodo da placa
ulna; em geral, ocorre por defesa contra agressão. ou parafusos na pele. Caso seja feita, a retirada deve ocor-
rer após 18 meses da osteossíntese.
ORTOPEDIA
com placas e parafusos, sendo o método de eleição.
Quanto à fratura-luxação de Galeazzi, o tratamento
consiste na fixação da fratura do rádio e na avaliação da
estabilidade pós-redução da articulação radioulnar distal.
Se estável, é desnecessária a fixação; se instável, deve ser
fixada a articulação radioulnar distal, com fios metálicos e
imobilização axilopalmar por 4 a 6 semanas (quando o fio
metálico é retirado).
Quanto à fratura-luxação de Monteggia, o tratamento é Figura 66 - Anatomia do punho
realizado com redução e osteossíntese da ulna, que normal-
Os ligamentos volares e dorsais do carpo inserem-se no
mente permite a redução da cabeça do rádio.
rádio distal e são importantes estabilizadores, juntamente
As complicações descritas são pseudoartrose, infecção e
com a fibrocartilagem triangular que se origina no processo
sinostose (consolidação entre o rádio e a ulna, limitando a
estiloide da ulna e se insere no rádio distal.
movimentação de pronossupinação).
São epônimos a fratura de Colles (em que o fragmento
distal desvia em direção dorsal) e a fratura de Smith (o frag-
mento desvia em direção volar).
O diagnóstico clínico da fratura é realizado pela presen-
ça de dor, edema, deformidade e impotência funcional da
mão e punho após o trauma. O exame radiográfico em 2
incidências faz o diagnóstico.
239
ORTO P ED I A
Há inúmeras classificações para as fraturas do rádio dis- ocorrer no mesmo plano do arco de movimento da articula-
tal devido à dificuldade em obter uma ideal. Atualmente, as ção radiocárpica reforçam a aceitação de pequenos desvios,
mais citadas são as de Frykman, de Melone, a classificação principalmente em crianças menores com grande potencial
AO e a universal. de crescimento. Até 25° de desvio dorsal em crianças com
bom potencial de crescimento, as fraturas remodelam-se to-
talmente, sem nenhum déficit funcional. A redução da fratu-
ra e a sua manutenção são realizadas sem dificuldade pela
integridade do periósteo. A imobilização gessada é axilopal-
mar, por 4 a 6 semanas. O tratamento cirúrgico nas fraturas
do rádio distal em crianças, muito raro, é indicado quando há
perda da redução, por métodos fechados, fraturas expostas,
fraturas cominutas intra-articulares e síndrome comparti-
mental ou compressão aguda do túnel do carpo.
Em pacientes adultos, o tratamento depende do tipo
da fratura. Nas extra-articulares sem desvio, o tratamento
consiste na imobilização gessada braquiopalmar; nas extra-
-articulares com desvio, redutíveis e estáveis, consiste na
redução incruenta e imobilização gessada braquiopalmar
por 4 semanas e antebraquiopalmar por mais 2.
Nas fraturas extra-articulares e com desvio, redutíveis e
instáveis, o procedimento compreende a redução incruenta
e a fixação cirúrgica da fratura com fios percutâneos. Após a
fixação, a imobilização é antebraquiopalmar por 5 a 6 sema-
nas, quando são retirados os fios percutâneos.
240
F R AT U R A S N O A D U LT O
fios percutâneos e/ou fixador externo. Quanto às intra-arti- O mecanismo de trauma é uma queda com hiperex-
culares com desvio, irredutíveis, o tratamento compreende tensão do punho, levando a forças de compressão em seu
a redução aberta e a estabilização com fixador externo ou dorso e forças de tração em seu ventre. A posição da mão
placa e parafusos. durante a queda determina a região do escafoide fraturada.
Dessa forma, uma queda com desvio ulnar leva à fratura
do polo proximal, e uma queda com desvio radial, a uma
fratura do polo distal.
Ao exame físico, dor na tabaqueira e à compressão axial
do polegar são muito sugestivas. Solicitam-se radiografias
de frente com o punho fletido, PA com desvio ulnar, perfil
e oblíquas.
A radiografia de frente com o punho em flexão fazendo
compressão dos dedos contra a palma serve para diagnosti-
car as lesões ligamentares, principalmente do ligamento es-
cafossemilunar, que, à radiografia, se traduzirá por aumen-
Figura 71 - Tratamento cirúrgico de fratura do rádio distal com fios
to da distância entre eles (dissociação escafossemilunar).
percutâneos
O raio x de frente com desvio ulnar mostra o escafoide ver-
As complicações são consolidação viciosa, disfunção do ticalizado, evidenciando melhor o traço de fratura. Às radio-
nervo mediano, artrose radiocárpica, rigidez articular, rup- grafias oblíquas, o escafoide apresenta-se em seu maior eixo,
tura tendinosa e distrofia simpático-reflexa. e o perfil mostra a relação do escafoide com os demais ossos.
ORTOPEDIA
- Fratura do escafoide
O escafoide é responsável pela conexão entre a fileira
carpal proximal e distal e suportado por fortes ligamentos
divididos em intrínsecos e extrínsecos. Os ligamentos ex-
trínsecos são radioescafocapitato, radiossemilunar longo,
radiossemilunar curto, radioescafossemilunar e radiocár-
pico dorsal; os ligamentos intrínsecos formam o complexo
ligamentar escafossemilunar.
241
ORTO P ED I A
imobilizar com bloqueio do polegar, retirada da tala após 2 Sabe-se que o líquido sinovial impede a proliferação dos
semanas e fazer uma reavaliação. Caso a dor persista, deve- osteoblastos, o que gera maior chance de pseudoartrose.
-se radiografar novamente e, na dúvida, manter imobiliza- As fraturas com desvio e instáveis levam a maior chan-
ção por mais 6 semanas ou solicitar exames, como TC ou ce de pseudoartrose, portanto desvios >1mm e 20° entre o
RNM, a fim de melhor avaliação. O tempo de imobilização polo proximal e distal devem ser tratados com cirurgia.
é de 6 semanas, com gesso alto, e 3 semanas, com gesso Normalmente, o paciente com pseudoartrose apresenta
curto. dor, fraqueza e limitação da mobilidade do punho em asso-
ciação ou não à crepitação e alterações radiográficas.
Estudos recentes têm preferido o uso do enxerto vascu-
larizado em relação ao enxerto ósseo apenas, pelas vanta-
gens de melhor resistência biológica, melhor integração e
consolidação para o tratamento da pseudoartrose.
ORTOPEDIA
sobreposição de 1,5cm do dígito sobre o dedo vizinho. As fraturas do acetábulo são complexas, causadas por
As complicações acontecem em 1/3 dos pacientes, e, trauma de grande energia. A dificuldade de tratamento está
dentre elas, estão perda da redução, infecção dos pinos e na complexidade de seus traços e na dificuldade de acesso à
distrofia simpático-reflexa. A aderência tendinosa é uma articulação do quadril. Nas fraturas da coluna posterior do ace-
complicação importante que deve ser lembrada, e a tenóli- tábulo, há 40% de associação com lesão do nervo isquiático.
se é necessária para a liberação tendinosa. O deslizamento Todo o peso corporal passa por essa articulação, e qual-
dos tendões sobre a placa colocada dorsalmente pode ge- quer irregularidade articular leva à degeneração precoce.
rar dor e necessidade de retirada. O osso ilíaco é formado por 3 ossos: o ílio, o ísquio e
A fratura-luxação da base do 1º metacarpo, com traço
o pube. Tais ossos se juntam, formando a cartilagem trir-
articular, pequeno fragmento triangular interno e diáfise
radiada, localizada numa cavidade denominada acetábulo.
desviada por ação do músculo abdutor longo do polegar, re-
Este tem a forma arredondada, sendo formado pela coluna
cebe o nome de fratura-luxação de Bennett. Quando apre-
anterior, coluna posterior e teto acetabular. Nas colunas,
senta uma cominuição mais intensa, é chamada fratura-lu-
apresentam-se as paredes anterior e posterior. Pelo teto
xação de Rolando. O tratamento dessas fraturas é cirúrgico,
acetabular passa toda a carga do corpo.
podendo ser estabilizadas com fios de Kirschner cruzando
a fratura ou a articulação, indiretamente estabilizando-as.
Figura 78 - Radiografia com fratura complexa da mão Figura 80 - Anatomia do quadril e do fêmur proximal
243
ORTO P ED I A
O tipo de fratura depende da posição da cabeça do O tratamento visa restaurar a anatomia exata da articu-
fêmur na hora do trauma. O trauma geralmente é de alta lação para não alterar a sua biomecânica.
energia e pode ser direto (no trocânter maior) ou indireto, As fraturas desviadas devem ter redução anatômica, fi-
quando o painel de automóvel, por exemplo, traumatiza o xação rígida e mobilidade precoce. E as fraturas que atin-
joelho fletido do paciente. gem o teto acetabular são de indicação cirúrgica em todos
os casos.
O tratamento cirúrgico deve ser realizado por um cirur-
gião experiente. Fraturas complexas são mais difíceis de se-
rem fixadas e demandam um tempo de cirurgia mais longo,
aumentando a morbidade. Os materiais de implante utili-
zados são placas de reconstrução com parafusos corticais
e esponjosos.
244
F R AT U R A S N O A D U LT O
uma fratura por cisalhamento da cabeça femoral ou uma em mulheres. A média de idade é de 77 anos em mulheres
impactação de sua superfície articular. e 72 anos em homens. Em jovens, acontecem por trauma
de alta energia. É clara a associação à osteoporose.
Figura 83 - Anatomia do fêmur proximal Figura 84 - Paciente idoso com osteoporose e fratura do colo fe-
ORTOPEDIA
moral
As fraturas acontecem em 10% dos casos de luxação
posterior, e o mecanismo de trauma mais comum é o se-
cundário a acidentes automobilísticos.
Tabela 10 - Classificação de Pipkin para fraturas da cabeça do fêmur
Tipo I Fratura da cabeça abaixo da fóvea.
Tipo II Fratura da cabeça acima da fóvea.
Tipo III Fratura da cabeça concomitante do colo femoral.
Tipo IV Fratura concomitante do rebordo acetabular.
245
ORTO P ED I A
A revascularização do fragmento proximal depende de classificação mais utilizada é a de Garden, que considera o
uma osteossíntese rígida para que os vasos da medula ós- desvio dos fragmentos e oferece uma ideia quanto à vascu-
sea possam penetrar no fragmento. larização da cabeça.
O mecanismo de trauma pode ser direto, por queda Tabela 11 - Classificação de Garden
com trauma no trocânter maior, ou trauma indireto, por
Tipo I Fratura incompleta ou impactada.
contração muscular causando a fratura (a fratura causa a
queda). Esta pode ocorrer por microtraumas de repetição Tipo II Fratura completa sem desvio.
ou fratura patológica. Tipo II Fratura completa com desvio parcial.
O ângulo cervicodiafisário é de 130° +/- 7°. A anteversão Tipo IV Fratura completa com desvio total.
femoral é de 15°, em média. A vascularização acontece pe-
las artérias circunflexa lateral, anteriormente, e circunflexa b) Diagnóstico
medial, posteriormente. Formam o anel vascular extracap- Clinicamente, o paciente não deambula, havendo en-
sular, que emite ramos cervicais ascendentes para a cabeça curtamento e rotação externa no membro inferior não tão
femoral. A maior parte da vascularização da cabeça femoral exuberantes pela fratura ser intra-articular e a estrutura
está localizada na região posterossuperior, suprida pela ar- capsular limitar o encurtamento.
téria epifisária lateral. Há uma pequena quantidade de irri- Há dor na manipulação do membro. Pacientes com fra-
gação derivada da artéria do ligamento redondo. turas impactadas podem ser capazes de deambular e, algu-
mas vezes, procuram o médico após vários dias.
Radiograficamente, a fratura é vista na incidência ante-
roposterior, que deve ser feita em rotação interna. A radio-
grafia em perfil oferece a informação sobre a cominuição da
cortical posterior. Para detectar fraturas impactadas, pode
ser útil a RM.
c) Tratamento
Em princípio, o tratamento das fraturas do colo é cirúr-
gico.
- Fraturas Garden I: podem ser tratadas conservadora-
mente, mas isso é controverso. É mais seguro fixá-las
com 3 parafusos esponjosos para não ocorrer desvio;
Figura 87 - Fratura de colo do fêmur - Fraturas Garden II: são, geralmente, fixadas com para-
fusos esponjosos e paralelos. Como alternativa, pode
As fraturas podem ser classificadas, do ponto de vista ser usado um DHS com um parafuso antirrotatório cra-
anatômico, em subcapital, transcervical e basocervical. A nialmente.
246
F R AT U R A S N O A D U LT O
O DHS (Dynamic Hip Screw) tem indicação para fraturas Pode-se optar pela artroplastia em casos de severa os-
Garden III e IV. É importante que o pino-parafuso esteja no teoporose, idade avançada, desvio acentuado da fratura
centro do colo, tanto na frente como no perfil. e alta probabilidade de necrose da cabeça. A artroplastia
O paciente pode ser posicionado em uma mesa de tra- parcial pode ser do tipo Thompson, cimentada ou não, ou
ção ou uma mesa radiotransparente, com o uso do intensi- bipolar. Tais próteses devem ser indicadas a pacientes com
ficador de imagem para visualizar a redução. pouca expectativa de vida e pequena demanda funcional. A
A redução pode ser fechada pela manobra de Leadbetter, pacientes mais ativos e com uma expectativa de vida maior,
que consiste na tração da coxa com o quadril fletido a 90°, é indicada a artroplastia total.
rotação interna do membro e extensão gradual até atingir
10° de flexão. Alternativamente, a redução pode ser aberta.
ORTOPEDIA
Figura 91 - Prótese do quadril
C - Fraturas transtrocanterianas
As fraturas transtrocanterianas são as mais comuns na
região proximal do fêmur (aproximadamente, 50%) e acon-
tecem, principalmente, com pacientes idosos, na maioria
mulheres. A faixa etária de maior incidência está entre 66
e 76 anos. Quando ocorrem em jovens, são decorrentes de
trauma de alta energia e, em idosos, são causadas por que-
da da própria altura.
As fraturas ocorrem em uma região entre o pequeno e
o grande trocânter no fêmur proximal, ocasionalmente se
Figura 90 - Radiografia de fratura tratada com o DHS estendendo para a região subtrocantérica.
247
ORTO P ED I A
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F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
Figura 96 - PFN Figura 97 - Radiografia de fra-
tura tratada com o PFN As complicações são perda da redução, pseudoartrose e
consolidação viciosa.
D - Fratura subtrocantérica
16. Luxação do quadril
A fratura subtrocantérica associa-se ao trauma de alta
Trata-se do mecanismo de trauma mais comum relacio-
energia. A região subtrocantérica está localizada entre o
nado a acidente automobilístico, constituindo um trauma
trocânter menor e 5cm distalmente a este. A particulari-
de grande energia. O mecanismo de trauma ocorre com o
dade dessa região, na presença de fratura, é atribuída ao
choque do painel do carro contra o joelho fletido ou queda
estresse biomecânico. É importante restaurar o contato da altura com o joelho estendido (o paciente caindo em pé).
da cortical medial nas fraturas subtrocantéricas. A região é A maioria das luxações é posterior e 15%, anterior. Mais
composta, predominantemente, de osso cortical e, assim, de 50% dos pacientes apresentam fraturas associadas.
é menos vascularizada em comparação com a região trans- A luxação do quadril é uma urgência ortopédica, pois
trocanteriana. pode haver lesão do nervo isquiático e um comprometi-
A musculatura inserida na região promove o desvio após mento da circulação sanguínea da cabeça femoral.
a fratura. O fragmento proximal sofre abdução pelo glúteo Nas luxações anteriores, o quadril está rodado externa-
médio, rotação externa pelos rotadores curtos, flexão pelo mente e abduzido. Nas luxações posteriores, muito mais
iliopsoas. O fragmento distal desvia-se para proximal e em frequentes, o paciente tem muita dor, o quadril fletido, ro-
varo devido à ação dos adutores. dado internamente e aduzido.
Clinicamente, o paciente apresenta dor, limitação fun-
cional, encurtamento, crepitação e hematoma na região
proximal da coxa. As radiografias de frente e perfil fazem o
diagnóstico.
As classificações descritas para a região são de
Fielding, com base na localização do traço de fratura, e de
Seinsheimer, que se baseia no número de fragmentos.
O tratamento é de preferência cirúrgico. Como método
de tratamento não cirúrgico, há a tração esquelética, indica-
da apenas para idosos sem condições clínicas de cirurgia, o
que apresenta alta taxa de mortalidade e pseudoartrose da
fratura. O tratamento cirúrgico pode ser realizado com re-
dução e osteossíntese utilizando placa de 95°, DHS ou haste
intramedular. Figura 99 - Paciente com luxação do quadril direito
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b) Medial: músculo grácil, adutor longo, adutor curto, O tratamento operatório é instituído, de preferência,
adutor magno, obturador externo, artéria, veia e nervo ob- dentro das primeiras 24 horas, o que traz benefícios ao pa-
turatório. ciente, em especial quanto às complicações pulmonares.
c) Posterior: músculo bíceps femoral, semitendíneo, se- O paciente com lesão isolada do fêmur deve ser subme-
mimembranoso, nervo isquiático e ramos da artéria femo- tido, inicialmente, à tração esquelética no nível da tíbia pro-
ral profunda. ximal (de preferência), com carga equivalente a 20% do peso
As fraturas geralmente acontecem em indivíduos jo- corporal, a fim de prevenir encurtamento e alinhar os frag-
vens, abaixo dos 30 anos e, predominantemente, homens. mentos, o que será de grande valia durante o ato cirúrgico.
Clinicamente, há encurtamento, crepitação, dor intensa e
edema. São comuns lesões de partes moles associadas, e
são realizadas radiografias em 2 incidências.
ORTOPEDIA
Figura 105 - Tração esquelética
Figura 104 - Radiografia em perfil do fêmur com fratura transversa Figura 106 - (A) Fixação externa da fratura do fêmur e (B) fixação
da diáfise com haste intramedular da fratura do fêmur
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Figura 112 - Radiografia com fratura do fêmur distal e fixação com LISS
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ORTOPEDIA
lesão ligamentar. As prioridades no tratamento da luxação são a estabi-
lização esquelética e o restabelecimento do suprimento
vascular do membro, estando, em 2º plano, a reparação
ligamentar.
Normalmente, há a lesão total dos ligamentos cruzados
anterior e posterior, embora, ocasionalmente, se possa en-
contrar lesão de apenas 1 dos cruzados. Existe, concomitan-
temente, comprometimento em grau variável dos ligamen-
tos colaterais, da cápsula articular e dos meniscos.
Os objetivos do tratamento cirúrgico são obter uma boa
estabilização da articulação e proporcionar uma mobiliza-
ção precoce, a fim de evitar a formação de aderências intra-
-articulares que limitariam a flexão-extensão do joelho.
Melhores resultados são obtidos quando os ligamentos
cruzados são reconstruídos após 2 a 3 semanas, em razão
de uma menor tendência na formação destas aderências.
Caso haja grande comprometimento das estruturas pe-
riféricas, a intervenção deve ser precoce com reparação e,
Figura 119 - Paciente com luxação do joelho se preciso, reforçada com o tendão do semitendíneo me-
dialmente e o bíceps lateralmente.
Ao exame radiológico, a presença de avulsões ósseas
pelos ligamentos capsulares do joelho, fraturas da patela, 21. Fratura do planalto tibial
das espinhas tibiais, do planalto tibial e da cabeça da fíbula
O platô tibial é o segmento da tíbia proximal que se arti-
pode significar que houve luxação do joelho reduzida es- cula com os côndilos femorais. A fratura acontece por trau-
pontaneamente. ma direto, com uma força em varo ou valgo e carga axial. Na
A RM tem papel diagnóstico e realiza um levantamento maioria das vezes, está relacionada a pacientes jovens víti-
mais preciso das estruturas lesadas, no sentido de auxiliar mas de atropelamento. Em idosos, decorre da osteoporose.
no planejamento cirúrgico. Suspeita-se do diagnóstico na história clínica. Ao exame
físico, o paciente apresenta edema, derrame articular, mo-
A artroscopia, tanto diagnóstica como cirúrgica, está bilidade limitada e deformidade.
formalmente contraindicada, uma vez que a ruptura capsu- A punção articular da hemartrose alivia a dor do pacien-
lar presente na luxação faz o soro fisiológico, que distende o te, e a presença de gotículas de gordura no líquido é indica-
joelho, extravasar para os tecidos extra-articulares. tiva de fratura articular.
255
ORTO P ED I A
O envelope de tecidos moles do membro inferior deve A classificação mais utilizada é a de Schatzker:
ser cuidadosamente inspecionado, e a presença de dor ex-
trema e de parestesia pode ser indicativa de síndrome com-
partimental.
As radiografias nas várias incidências confirmam o diag-
nóstico e avaliam a existência de afundamentos articulares
e a extensão da fratura.
256
F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
dência. Pode variar de uma simples fratura sem desvio e
O prognóstico está relacionado com o grau de lesão de
mínima lesão de partes moles até uma amputação trau-
partes moles e com o grau de energia absorvido no mo-
mática.
mento da fratura.
As fraturas fechadas acontecem devido ao trauma de Os traços transversos e oblíquos curtos são causados
menor intensidade, em jovens, relacionadas ao esporte, e por trauma direto de maior intensidade.
em idosos, devido à osteoporose (por trauma torcional e Os traumas por esmagamento são de alta energia, pro-
quedas). vocados, normalmente, em acidentes de motocicleta ou
atropelamento, e resultam em grande cominuição da fra-
tura. Os traumas torcionais causam fraturas em espiral ou
oblíquas longas.
Quando a fratura envolve a superfície articular da tíbia
distal, que suporta o peso corporal, é definida como fratu-
ra do pilão tibial.
Clinicamente, ocorrem dor, crepitação, hematoma, le-
são ou não de pele com exposição óssea e deformidade. As
radiografias simples confirmam o diagnóstico.
257
ORTO P ED I A
Figura 129 - Fixador externo no tratamento da fratura dos ossos São fraturas articulares e interferem na estabilidade e
da perna na congruência da pinça tibiofibular.
258
F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
O complexo ligamentar medial é formado pelo ligamen- Figura 134 - Mecanismo de trauma da fratura do tornozelo
to deltoide superficial e profundo. A sindesmose é formada
pelo ligamento tibiofibular anterior, tibiofibular posterior, A fratura de Maisonneuve corresponde à fratura proxi-
ligamento transverso e ligamento interósseo. O arco de mo- mal da fíbula atribuída a um trauma torcional do tornozelo
vimento do tornozelo vai de 20° de flexão dorsal a 45° de com lesão da sindesmose associada.
flexão plantar. Os objetivos do tratamento são a redução anatômica
Clinicamente, o paciente com fratura apresenta dor, das estruturas articulares, a correção do comprimento fibu-
edema, deformidade, crepitação e limitação da mobilidade. lar e da rotação, e a translação talar. Essa redução deve ser
O diagnóstico por imagem das fraturas é feito pelas incidên- mantida até a consolidação da fratura, com estabilização
cias frente, frente com 20° de rotação medial e perfil. forte o suficiente para permitir mobilização precoce.
O tratamento conservador é indicado para fraturas está-
veis, sem desvio, com integridade do ligamento sindesmoi-
dal. Após a redução, a fratura é imobilizada em aparelho
gessado circular suropodálico por cerca de 6 semanas. Não
é permitida carga até a consolidação da fratura.
259
ORTO P ED I A
A - Fratura do talo
O talo é revestido por cartilagem em 60% da superfície
e possui 7 faces articulares. Os vasos sanguíneos penetram
pelas áreas não articulares, pelo seio do tarso. As fraturas
são classificadas de acordo com a região da fratura: corpo,
colo, cabeça e processo posterior ou lateral.
O mecanismo de fratura está relacionado, mais comu-
mente, a acidentes automobilísticos, por hiperdorsiflexão
Figura 136 - Radiografia de fratura do tornozelo do tornozelo. É historicamente conhecida por “fratura do
aviador”.
O tratamento cirúrgico é indicado para fratura-luxação,
fraturas expostas, fraturas com desvios e instáveis, fraturas Clinicamente, o paciente apresenta dor, limitação da
bimaleolares ou de um maléolo associada à lesão da sin- mobilidade e edema. As radiografias fazem o diagnóstico
desmose. de frente e perfil do tornozelo.
Para a fixação da fratura após redução aberta, são utili-
zadas placa DCP 3,5mm, ou placa 1/3 de cana, parafusos e
fios de Kirschner com função de banda de tensão, depen-
dendo do tipo da fratura.
260
F R AT U R A S N O A D U LT O
As complicações são osteonecrose, pseudoartrose e co- afundamento central, com tratamento cruento. A classifica-
lapso do talo associado à necrose. ção mais moderna (1995), de Sanders, utiliza a TC; o corte
coronal avalia melhor a faceta posterior do talo, dividindo-a
B - Fratura do calcâneo em 3 colunas: uma lateral, uma central e outra medial.
A fratura do calcâneo é a mais comum dos ossos do tar- É importante, em uma fratura do calcâneo, ter sempre
so, acomete pacientes normalmente em idade jovem e é em mente o risco alto de lesões associadas, cerca de 10%
secundária à queda de altura e acidentes automobilísticos. de síndrome compartimental, 10% associados à fratura da
Na sua porção anterior, o calcâneo apresenta 4 articu- coluna vertebral, 10% bilateral dos calcâneos e 5% expostos.
lações, uma que se articula com o cuboide, e as outras 3
que se articulam com o talo, sendo dividido em 3 porções:
anterior, média (do sustentáculo do talo) e posterior.
As fraturas do calcâneo, em cerca de 75% dos casos, são
intra-articulares, podendo ser por forças de tração ou por
forças de compressão axial. As fraturas por tração são as do
tubérculo posterior, devido à contração súbita do tríceps; e
as do processo anterior do calcâneo, devido a uma entorse
do tornozelo com tração do ligamento bifurcado, levando a
uma avulsão.
As fraturas por compressão devem-se ao impacto do
talo sobre o calcâneo, dividindo-o em 2 partes. Com a con-
tinuidade da força, há a formação de outros fragmentos,
ORTOPEDIA
levando a um calcâneo com tamanho diminuído, alargado
e com estiramento dos tendões fibulares e do nervo sural. Figura 142 - RM com fratura do calcâneo por estresse
O diagnóstico deve ser feito pela clínica (equimose plan-
tar é altamente sugestiva) e pelas radiografias – frente, per- O tratamento, nas fraturas do processo anterior, é con-
fil, axial de Harris e oblíquas de Bordem. As radiografias de servador; nas fraturas em língua do tubérculo posterior que
frente servem para avaliar a articulação calcâneo-cuboide. ocorreram por tração do tríceps, o tratamento é cirúrgico,
As radiografias de perfil avaliam o ângulo crucial de Gissane com fixação e imobilização por 4 a 6 semanas. As fraturas
e o ângulo de Böler (que varia de 20 a 40° e é medido atra- intra-articulares desviadas devem ser tratadas como qual-
vés de uma linha do tubérculo posterior até a parte supe- quer outra fratura intra-articular: redução anatômica, fixa-
rior da faceta posterior e outra linha da faceta posterior ção estável e mobilidade precoce.
até ao processo anterior do talo). A 1ª radiografia axial de
Harris avalia o achatamento do osso e o desvio em varo, e
as radiografias oblíquas (Bordem), se há comprometimento
da faceta posterior.
A TC é de extrema importância.
261
ORTO P ED I A
D - Fratura do 5º metatársico
A fratura por avulsão do 5º metatársico acontece por
mecanismo torcional, decorrente da avulsão óssea da base
pela inserção do tendão do músculo fibular curto. Responde
bem ao tratamento com bota gessada e se consolida a par-
tir de 6 semanas de imobilização.
A fratura da diáfise proximal, “fratura de Jones”, pode
ser por fadiga (bailarina) ou trauma e está localizada em
Figura 144 - Mecanismo de trauma da fratura-luxação de Lisfranc região de aporte sanguíneo menor. O tratamento pode ser
feito com imobilização gessada ou fixação estável com pa-
As lesões da articulação de Lisfranc se associam, na
rafusos ou banda de tensão.
maior parte das vezes, a fraturas da base dos metatársicos,
sendo a base do 2º mais frequente, embora possa haver
fraturas dos outros ossos. 25. Fraturas expostas
O mecanismo de trauma mais comum é de trauma axial
Os objetivos do tratamento, nos casos de fraturas ex-
com o pé fixo em posição de equino.
Clinicamente, o paciente tem dor e edema no dorso do postas, envolvem a prevenção da infecção, a obtenção da
pé. As radiografias de frente, perfil e oblíquas fazem o diag- consolidação óssea e a cicatrização de partes moles para
nóstico. permitir a recuperação funcional do membro acometido o
mais precocemente possível.
Fratura exposta é definida como aquela em que há rup-
tura na pele e dos tecidos moles subjacentes, permitindo a
comunicação óssea direta ou do hematoma fraturário com
o meio ambiente. Essa comunicação pode se dar pela boca,
tubo digestivo, vagina e ânus, estes últimos com grande fre-
quência nos casos de fraturas do anel pélvico. Quando uma
fratura acontece no mesmo segmento do membro com
uma ferida, deve ser considerada exposta até que se prove
o contrário.
O mecanismo de lesão acontece por 2 meios: aquelas
provocadas por trauma de alta energia absorvido pelo osso
e tecidos moles, com desvitalização tecidual, e aquelas com
baixo grau de energia.
A classificação mais utilizada é a de Gustillo e Anderson
Figura 145 - Radiografia com fratura-luxação de Lisfranc (1976), que as dividiram em 3 grupos distintos por meio
das diferentes características das lesões de partes moles e
configuração da fratura, além da análise do grau de conta-
minação:
- Tipo I: ferida de pele até 1cm. Lesão de dentro para
fora, lesão mínima de partes moles, fratura transversa
ou oblíqua curta e contaminação mínima;
- Tipo II: ferida de pele >1cm, mecanismo de fora para
dentro, lesão de partes moles extensa, esmagamento
mínimo ou moderado, contaminação moderada, comi-
nuição mínima da fratura.
- Tipo III: ferida com extensa lesão de partes moles ou
esmagamento, contaminação significativa, trauma de
Figura 146 - Tipos de fratura-luxação de Lisfranc alta energia e maior cominuição óssea:
262
F R AT U R A S N O A D U LT O
• IIIa: é possível a cobertura óssea com partes moles; tal procedimento não tenha sido realizado pela equipe de
• IIIb: não é possível a cobertura óssea com partes resgate.
moles; A sala de atendimento de emergência é um local poten-
• IIIc: lesão arterial, com necessidade de reparo cirúr- cialmente contaminado e, obviamente, não adequado para
gico. o exame e a manipulação da ferida, atos que devem ser re-
alizados no centro cirúrgico.
Nesta fase inicial, com o paciente ainda na sala de emer-
gência, iniciam-se antibioticoprofilaxia intravenosa e profi-
laxia para o tétano. O germe mais comumente encontrado
nas fraturas infectadas é o Staphylococcus aureus.
O antibiótico profilático utilizado geralmente é uma
cefalosporina de 2ª geração (cefazolina), e, quando o am-
biente é mais contaminado, associa-se um antibiótico para
cobertura contra Gram negativos como os aminoglicosídeos
(gentamicina ou amicacina).
A eficácia da antibioticoterapia precocemente adminis-
trada é bem documentada. Utiliza-se a terapêutica intra-
venosa até 48 e 72 horas, exceto naqueles com infecção
precoce, quando o esquema inicial deve ser mantido até o
resultado da cultura, momento em que deve ser iniciado o
esquema de antibiótico adequado.
O tratamento cirúrgico compreende limpeza da ferida,
ORTOPEDIA
debridamento e fixação da fratura.
263
ORTO P ED I A
A limpeza é realizada com 10L de solução salina, e a A escolha do método de fixação depende do tipo da
ação básica da irrigação é a remoção de detritos, ou seja, fratura. Dentre os fatores que influenciam essa tomada de
ação mecânica. decisão, podem-se citar grau de cominuição da fratura, lo-
A princípio, tais feridas, após o debridamento, devem calização anatômica, lesão de partes moles, grau de con-
ser deixadas abertas para posterior fechamento. Nas feri- taminação, estado geral do paciente e tempo de evolução
das provocadas por baixa energia, minimamente contami- desde o acidente.
nadas, principalmente em membro superior, pode-se optar A osteossíntese é possível por métodos de fixação exter-
pelo fechamento primário caso a ferida seja limpa, caso os nos ou internos.
tecidos necróticos e os corpos estranhos tenham sido re- O uso de fixadores externos, que podem ser utilizados
movidos, caso os tecidos sejam viáveis, e com a sutura feita para quase todos os tipos de fraturas, é um método rápido
sem tensão e a ausência de espaço morto. O restante das e de fácil realização. A desvantagem é que apresenta es-
feridas deve ficar aberto para reavaliação após 24 a 48 ho- tabilidade relativa, e, muitas vezes, é necessário um novo
ras, quando se realizam um novo debridamento cirúrgico e procedimento cirúrgico para a conversão para síntese defi-
a irrigação e a ferida é fechada caso haja condições ideais nitiva interna.
para isso. As sínteses internas podem ser por placas com parafu-
sos ou hastes intramedulares e estão indicadas para fratu-
ras expostas até grau IIIa. A vantagem é que são métodos
definitivos e promovem uma melhor fixação da fratura, e a
desvantagem é que aumentam o tempo cirúrgico e as pla-
cas promovem extensa dissecção de partes moles com des-
vitalização dos fragmentos e aumento de infecção.
Algumas fraturas expostas têm indicação de amputação,
devido à gravidade.
As indicações absolutas imediatas são fraturas expostas
da tíbia com lesão vascular, lesão do nervo tibial posterior,
lesão com esmagamento >6h de isquemia quente, lesão ex-
tensa muscular sem condição de reconstrução e lesão asso-
ciada a risco de vida que inviabiliza cirurgias externas.
A - Embolia gordurosa
Figura 150 - Fratura exposta do tornozelo tratada com limpeza,
debridamento e retalho de pele local A embolia gordurosa é uma grande causa de mor-
bidade e mortalidade após fraturas nos pacientes com
A grande complicação do fechamento primário dessas lesões múltiplas, além de causa importante de SARA.
feridas é a infecção, que pode evoluir para osteomielite, a Porém, está descrita em associação a uma variedade de
qual, como já se sabe, traz implicações sérias na evolução entidades não traumáticas, como doença do colágeno,
do tratamento, comprometendo o resultado final. diabetes, queimaduras, hemoglobinopatias, infecção
Após o debridamento e a limpeza, indica-se a estabili- grave, transfusão sanguínea, distúrbios metabólicos e
zação das fraturas. A fixação óssea, restaurando o compri- descompressão devido à altitude. O fator etiológico mais
mento e o alinhamento, evita a perpetuação da lesão das comum é uma fratura de osso longo em um paciente na
partes moles provocadas pelos fragmentos ósseos, dimi- 2ª ou na 3ª década de vida. A prevenção da síndrome
nui a formação de espaço morto e hematoma, permitindo de embolia gordurosa relaciona-se à fixação precoce da
maior cuidado das feridas e melhor mobilização e conforto fratura e mobilização do paciente.
do paciente. Os sinais e sintomas clínicos associados a tal síndrome
A estabilização das fraturas expostas diminui a prolifera- são evidentes em 0,5 a 2% dos pacientes com fraturas de
ção bacteriana e, consequentemente, os índices de infecção. ossos longos e em cerca de 10% dos pacientes com fraturas
264
F R AT U R A S N O A D U LT O
ORTOPEDIA
ondas T e um bloqueio de ramo direito.
O tratamento inicial é destinado à diminuição da hipoxe-
mia. Deve-se administrar oxigênio imediatamente e acom-
panhar os gases sanguíneos. A estabilização da fratura e a
fixação precoce dentro de 24 horas após a lesão diminuem
Figura 151 - Microscopia de embolia gordurosa
a incidência da síndrome de embolia gordurosa.
Os sinais e sintomas são os mesmos da SARA. O início B - Distrofia simpático-reflexa
dos sintomas pode ser imediato ou até 2 ou 3 dias após o
trauma: falta de ar, taquipneia, agitação e confusão men- Uma variedade de termos é usada para descrever a
tal. Hipóxia arterial é uma marca característica. Há uma distrofia: atrofia de Sudeck, distrofia reflexa e distrofia pós-
elevação constante da temperatura para 39 a 40°C. No 2º -traumática. A distrofia é caracterizada pela estimulação
ou no 3º dia após a lesão, podem ser vistas petéquias, ca- sensitiva crônica, resposta vasomotora persistente, res-
racteristicamente localizadas no tórax, axila, raiz do pes- posta motora e eventual atrofia dos tecidos, osso, tendão
coço e conjuntivas. A erupção petequial é efêmera e pode e músculo, com contraturas articulares, edema crônico e
durar apenas um curto período, desaparecendo rapida- fibrose.
mente. Uma série de reflexos dependentes de estimulação cru-
zada entre fibras sensitivas amielínicas danificadas e efe-
rentes simpáticas pode responsabilizar-se pela fisiopatolo-
gia subjacente.
Dor espontânea, hiperestesia e dor à palpação despro-
porcionais ao exame físico são os aspectos predominantes.
A dor varia em intensidade e caráter e pode ser acompa-
nhada por edema e diminuição na amplitude de movimen-
tação na extremidade comprometida.
Os achados clínicos são separados em 3 fases. A fase
inicial apresenta dor constante em queimação ou dor cons-
tante. A dor é aumentada por estímulos externos. A 2ª fase
desenvolve-se em cerca de 3 meses, e o paciente apresenta
edema, pele fria e lustrosa e amplitude articular limitada.
Na 3ª fase, ocorrem atrofia progressiva da pele e músculos,
movimento articular gravemente limitado por fibrose em
Figura 152 - Percurso do êmbolo do local de saída aos pulmões evolução e contraturas irreversíveis.
265
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A perturbação sensitiva usualmente precede a disfun- A pressão tecidual normal dentro dos compartimen-
ção motora, porém hipoestesia fixa ou anestesia é um acha- tos fechados é de aproximadamente 0mmHg. Há perfusão
do relativamente tardio. Quando ocorre déficit motor óbvio inadequada e isquemia relativa quando a pressão tecidual
ou ausência de pulso, a isquemia usualmente já está bem dentro de um compartimento fechado se eleva para níveis
estabelecida, e pode haver dano permanente. A função mo- de 10 a 30mmHg da pressão arterial diastólica de um pa-
tora é a 1ª função nervosa a ser perdida quando um mem- ciente.
bro se torna isquêmico. Alterações irreversíveis nas fibras
O tratamento da síndrome compartimental é a descom-
musculares acontecem 6 horas após o início da isquemia
pressão precoce. A demora na descompressão adequada do
tecidual. A perda de pulso palpável se dá tardiamente.
compartimento pode resultar em lesão permanente dos te-
A medição das pressões teciduais intracompartimen-
cidos subjacentes. O músculo mostra alterações funcionais
tais tornou-se um instrumento clínico valioso. Whitesides
depois de 2 a 4 horas de tempo de isquemia, com perda fun-
e associados defenderam o uso de um aparelho simples de
cional irreversível com início após 4 a 12 horas. Contraturas
medição de pressão que consiste numa agulha e tubulação
são produzidas após 12 horas de isquemia total.
plástica cheios de soro fisiológico e ar ligados a um manô-
metro de mercúrio. A descompressão inicial deve ser feita fendendo-se ou
removendo-se imediatamente os aparelhos ou outros cura-
tivos circulares comprometedores. Caso a pressão tecidual
permaneça elevada ou os sintomas persistam, a fascioto-
mia descompressiva adequada deve ser efetuada como
procedimento de emergência.
A fasciotomia deve ser realizada em todos os comparti-
ORTOPEDIA
mentos apertados e via de acesso ampla.
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ORTOPEDIA
- Mecanismo de trauma: trauma direto, com traços de fratura diafisária proximal da ulna, associada à luxação da cabeça do
geralmente transversos ou cominutos, ou trauma indireto, com rádio com ou sem fratura; fratura do cassetete (nightstick): fra-
traços espirais atribuídos às forças torcionais; tura isolada da ulna;
- Diagnóstico: clínico, baseado na história e no exame físico. Há - Tratamento: considera-se o antebraço uma articulação, e o
edema, deformidade do braço, impotência funcional e crepita- tratamento geralmente é cirúrgico com redução anatômica e
ção. As radiografias em anteroposterior e perfil são suficientes fixação com placas e parafusos permitindo mobilidade preco-
para confirmar o diagnóstico; ce. Alguns casos têm tratamento com gesso quando a fratura é
- Tratamento: na maioria das vezes, conservador. Dentre as op- sem desvio.
ções, estão o aparelho gessado axilopalmar, a “pinça de con- Fratura do rádio distal
feiteiro” e a imobilização funcional. O tratamento cirúrgico
- Mecanismo de trauma: por trauma, como queda de altura, aci-
tem indicações absolutas ou relativas. As absolutas são fratura
dentes de trânsito e traumas esportivos; nos idosos, por trau-
associada à lesão vascular, fratura exposta, paralisia do nervo
mas de baixa energia, como simples queda ao solo, devido à
radial, interposição de partes moles que dificultam a redução,
osteopenia;
cotovelo flutuante, politrauma e fratura patológica por doen-
ça maligna. As relativas são bilateralidade, obesidade e fratura - Quadro clínico: dor, edema, deformidade e impotência funcio-
segmentar. nal da mão e punho após o trauma. O exame radiográfico em 2
incidências faz o diagnóstico;
Fraturas do cotovelo
- Tratamento: depende do tipo da fratura. O tratamento conser-
- Mecanismo de trauma: fraturas do cotovelo acontecem por
vador com gesso pode ser realizado em fraturas mais simples
trauma direto na região ou, na maioria das vezes, por trauma
sem desvio ou com desvio estáveis após a redução. O trata-
indireto por queda ao solo com a mão espalmada;
mento cirúrgico é realizado nas fraturas com desvio e instáveis.
- Quadro clínico: dor, deformidade, edema e hematoma na re-
Fratura dos ossos do carpo
gião do cotovelo. Deve-se avaliar se há presença de lesões neu-
rológicas ou lesões vasculares (nervos radial, ulnar e mediano; - Mecanismo de trauma: queda com hiperextensão do punho,
palpação da artéria ulnar e radial). Radiografia simples do co- levando a forças de compressão em seu dorso e forças de tra-
tovelo confirma o diagnóstico frente e perfil, ao passo que ra- ção em seu ventre. A posição da mão durante a queda deter-
diografias oblíquas são utilizadas em alguns casos; mina a região do escafoide fraturada;
- Tratamento: depende do tipo e da localização da fratura. Pode - Diagnóstico: ao exame físico, dor na tabaqueira e à compres-
ser conservador com a utilização de gesso braquiopalmar, ou são axial do polegar são muito sugestivas. Solicitam-se radio-
cirúrgico com redução da fratura e fixação com fios, parafusos grafias de frente com o punho fletido, PA com desvio ulnar,
ou placas; perfil e oblíquas;
- Tratamento cirúrgico: é importante a mobilidade precoce do - Tratamento: com gesso imobilizando braquiopalmar e blo-
cotovelo, para evitar rigidez articular, uma complicação comum queio do polegar; tratamento cirúrgico: fraturas instáveis com
nas fraturas que acontecem no cotovelo. Também após o trata- desvio;
mento conservador com gesso, deve-se iniciar fisioterapia para - Complicação mais comum: pseudoartrose, que tem indicação
a restauração da mobilidade articular. de tratamento cirúrgico.
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res do joelho, fraturas da patela, das espinhas tibiais, do pla- curta e contaminação mínima;
nalto tibial e da cabeça da fíbula podem significar que houve · Tipo II: ferida de pele maior que 1cm, mecanismo de fora
luxação do joelho reduzida espontaneamente; para dentro, lesão de partes moles extensa, esmagamento
- RM: exame de escolha para avaliar as lesões ligamentares e mínimo ou moderado, contaminação moderada, cominuição
planejamento do tratamento cirúrgico; mínima da fratura;
- A presença de lesão da artéria poplítea na luxação é descrita · Tipo III: ferida com extensa lesão de partes moles ou esmaga-
em até 40% dos casos; mento, contaminação significativa, trauma de alta energia e
maior cominuição óssea:
- As prioridades no tratamento da luxação são a estabilização
* IIIa: é possível a cobertura óssea com partes moles;
esquelética e o restabelecimento do suprimento vascular
* IIIb: não é possível a cobertura óssea com partes moles;
do membro, estando, em 2º plano, a reparação ligamentar.
* IIIc: lesão arterial, com necessidade de reparo cirúrgico.
Normalmente, há a lesão total dos ligamentos cruzados ante-
rior e posterior, que devem ser reconstruídos posteriormente. - Tratamento: antibioticoprofilaxia, vacina antitetânica, debri-
damento da ferida, irrigação com soro fisiológico abundante e
Fratura do planalto tibial
estabilização da fratura, a fim de evitar infecção e consolidação
- Mecanismo de trauma: por trauma direto, com uma força em da fratura.
varo ou valgo e carga axial;
Complicações das fraturas
- Diagnóstico: clínico e radiográfico;
- Etiologia: a embolização mecânica pela gordura de fato ocorre.
- Tratamento: conservador para fraturas sem desvio e com cirur- A teoria postula que ocorra alteração na estabilidade lipídica
gia para fraturas com desvio. Objetiva a redução anatômica da após trauma, o que, combinada à alteração dos padrões de
superfície articular, o alinhamento do eixo metafisário e a esta- fluxo na microcirculação, causa perfusão tecidual inadequada,
bilização dos fragmentos da fratura, permitindo a mobilidade
hipóxia tecidual e a síndrome de embolia gordurosa;
precoce.
- Clínica: o início dos sintomas pode ser imediato ou por até 2
Fratura diafisária dos ossos da perna
ou 3 dias após o trauma: falta de ar, taquipneia, agitação e con-
- Fratura dos ossos longos com maior incidência; muitas vezes, fusão mental. Hipóxia arterial é uma marca característica. Há
são fraturas expostas pelos ossos da perna se localizarem pró- uma elevação constante da temperatura para 39 a 40°C. No 2º
ximos à pele e pouca cobertura muscular; ou no 3º dia após a lesão, podem ser vistas petéquias, caracte-
- Clínica: dor, crepitação, hematoma, lesão ou não de pele com risticamente localizadas no tórax, axila, raiz do pescoço e con-
exposição óssea e deformidade. As radiografias simples confir- juntivas. A erupção petequial é efêmera e pode durar apenas
mam o diagnóstico; um curto período, desaparecendo rapidamente;
- Objetivos do tratamento: são a consolidação da fratura, a cica- - Tratamento: destinado à diminuição da hipoxemia; oxigênio
trização de partes moles, a recuperação funcional e a ausência imediato e acompanhamento de gases sanguíneos. A estabili-
de complicações. As opções de tratamento são diversas: gesso, zação da fratura e a fixação precoce dentro de 24 horas após
fixador externo, placa e parafusos e haste medulares; a lesão diminuem a incidência da síndrome de embolia gor-
- A consolidação ocorre em torno de 16 a 20 semanas. durosa.
271
ORTO P ED I A
Distrofia simpático-reflexa
- Etiologia: caracteriza-se pela estimulação sensitiva crônica,
resposta vasomotora persistente, resposta motora e eventual
atrofia dos tecidos, osso, tendão e músculo, com contraturas
articulares, edema crônico e fibrose;
- Clínica: dor espontânea, hiperestesia e dor à palpação despro-
porcionais ao exame físico são os aspectos predominantes;
- Tratamento: mobilização do membro, analgésicos potentes,
apoio emocional e, se os métodos conservadores falham, al-
guma forma de interrupção simpática é usada, como drogas
simpático-líticas, bloqueios de nervos somáticos e bloqueios
de gânglio estrelado.
Síndrome compartimental
- Definição: a circulação e a função dos tecidos dentro de um es-
paço fechado são comprometidas por uma pressão aumentada
dentro desse espaço. A etiologia pode ser por:
· Tamanho diminuído do compartimento;
· Conteúdo aumentado do compartimento.
- Três teorias foram propostas para explicar o aparecimento da
isquemia tecidual:
· Espasmo arterial;
· O aumento da pressão tecidual ou a diminuição da pressão
arteriolar;
· As veias apresentam paredes finas e colapsam caso a pres-
são tecidual exceda a pressão venosa. O aumento da pressão
venosa reduz o gradiente arteriovenoso e, como resultado, o
fluxo sanguíneo tecidual.
- Clínica: dor, palidez, parestesias, paralisia e ausência de pulso.
A medição das pressões teciduais intracompartimentais confir-
ma o diagnóstico;
- Tratamento: descompressão cirúrgica precoce (fasciotomia). A
demora na descompressão adequada do compartimento pode
resultar em lesão permanente dos tecidos subjacentes.
272
CAPÍTULO
9
Fraturas em crianças
Gustavo Merheb Petrus
2. Tipos de fraturas
a) Completa: traço longitudinal, transversal, oblíquo, es-
piral e cominutiva.
b) Impactada ou torus: lesão por compressão em que
é esmagado o osso cortical e trabecular de cada lado da
Figura 1 - Periósteo espesso fratura. Isso é comum na região metafisária.
273
ORTO P ED I A
3. Desenvolvimento ósseo
a) Ossificação membranosa: ocorre nos ossos faciais
e em parte na clavícula. Os ossos derivados de membrana Figura 4 - Anatomia da epífise
formam-se diretamente a partir dos tecidos mesenquima- Seu suprimento sanguíneo provém da metáfise, da epí-
tosos que são análogos estruturais do osso final. fise e da região pericondral.
b) Ossificação endocondral: a formação endocondral Existem 2 tipos de epífise nas extremidades dos ossos
é o processo de ossificação primário dos componentes do longos, as de pressão e as de tração, também chamadas de
esqueleto axial e apendicular. Esse tipo é a substituição sin- apófises. As fises localizadas junto às epífises de pressão
cronizada de tecido cartilaginoso preexistente por tecido são normalmente submetidas a forças compressivas trans-
ósseo. mitidas através das articulações e são responsáveis pelo
crescimento longitudinal do osso. As fises situadas junto
4. Fraturas da fise às apófises são submetidas a forças de tração em razão da
contração dos músculos nelas inseridos.
As lesões da fise ocorrem em 20 a 30% das crianças com
A - Introdução lesões musculoesqueléticas e correspondem a uma região
A fise, também denominada de “placa epifisária” ou de fragilidade óssea, sujeitas às forças de cisalhamento ou
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F R AT U R A S E M C R I A N Ç A S
lesões por forças compressivas. As fises distais são mais já que não se consegue identificar essa lesão imedia-
propensas a lesões que as proximais. Nas crianças menores, tamente após o trauma. O prognóstico é ruim, pois
as lesões costumam acontecer na região metafisária. evoluem com deformidade secundária e progressiva;
O diagnóstico das lesões da placa de crescimento ba- - Tipo VI (modificada por Rang): lesão periférica da fise,
seia-se na suspeita clínica, podendo-se encontrar desde produzida por trauma local, avulsão das partes moles
uma fratura com desvio, acompanhada de dor intensa, ou queimaduras. O problema manifesta-se quando
edema e incapacidade funcional, até uma discreta dor lo- ocorre uma ossificação marginal, unindo a região me-
calizada na topografia da fise sem implicar deformidade ou tafisária à epífise.
limitação funcional significativa.
C - Tratamento
As tentativas de redução incruenta devem ser realiza-
das sob anestesia, por meio de manobras suaves, evitando
traumas maiores à fise, com 2 tentativas no máximo. Caso
ORTOPEDIA
não se obtenha uma redução satisfatória, deve-se avaliar a
necessidade de redução aberta, já que é possível a interpo-
Figura 5 - Fratura transepifisária do fêmur distal em criança sição de partes moles.
A investigação clínica deve ser auxiliada por exames ra- As fraturas dos tipos I e II de Salter-Harris são passíveis
diográficos convencionais, e, geralmente, 2 incidências or- de tratamento não cirúrgico, aceitando-se algum desvio
togonais são suficientes para caracterizar a lesão. angular, devido à capacidade de remodelação e, principal-
É importante lembrar a possibilidade de lesões compres- mente, pelo não acometimento da camada germinativa.
sivas, pois podem passar despercebidas, ocorrendo com Fraturas dos tipos III e IV necessitam de uma redução
maior frequência nas articulações do joelho e do tornozelo. anatômica, por serem articulares e comprometerem a ca-
Vale ressaltar que nenhum exame é capaz de confirmar se mada de células germinativas.
houve ou não lesão definitiva da placa de crescimento; logo, Deve-se avaliar a capacidade de estabilização apenas
diante de uma suspeita, o mais importante é orientar o pa- com imobilização gessada. Grandes articulações, como jo-
ciente e seus responsáveis a efetuarem acompanhamento elho e quadril, são submetidas a muitas forças deforman-
para identificar uma possível alteração do crescimento. tes que podem levar à perda de redução; nessa situação,
recomenda-se a fixação. Uma vez necessária a redução
B - Classificação (Salter-Harris) cruenta, é prudente associar-se à fixação interna. A fixa-
ção, quando necessária, é realizada com fios lisos metá-
- Tipo I: fratura envolvendo toda a fise com ou sem licos. O material de síntese é retirado logo que ocorre a
deslocamento em um só plano, sem fragmento me- consolidação.
tafisário;
- Tipo II: a fratura acomete, parcialmente, a placa de cres-
cimento e continua para a região metafisária, permane- D - Complicações
cendo um fragmento metafisário preso à epífise; As complicações podem advir da gravidade da lesão, de
- Tipo III: fratura através da epífise que se propaga em um tratamento inadequado, ou de intercorrência durante
direção à fise, com seu envolvimento parcial. Fratura o tratamento. Quanto maior a energia do trauma, maior a
intra-articular, e seu prognóstico está diretamente re- possibilidade de lesão definitiva da placa de crescimento.
lacionado à capacidade de restauração da superfície O sobrecrescimento ou a hipoplasia da epífise são situa-
articular; ções raras. Outras complicações são o retardo de consolida-
- Tipo IV: traço de fratura vertical que passa através da ção e a pseudoartrose.
epífise, fise e metáfise. Fratura intra-articular, e é man- A complicação mais frequente é a formação de barra
datória a redução anatômica; óssea que pode ser completa, determinando discrepância
- Tipo V: lesões da placa provocadas por forças com- longitudinal, ou incompleta, levando às deformidades an-
pressivas; o diagnóstico, muitas vezes, não é firmado, gulares progressivas, enquanto há crescimento.
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ORTO P ED I A
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F R AT U R A S E M C R I A N Ç A S
ORTOPEDIA
rior ao do agressor, que a expõe a estímulos sexuais im- de perna em crianças com idade <1 ano);
próprios para a idade ou a utiliza para sua satisfação se-
xual ou de outra pessoa. Estas práticas são realizadas por
- Lesões como equimoses, lacerações, hematomas, fra-
turas, queimaduras e mordeduras;
meio de violência física, ameaças e mentiras, e a vítima
é forçada a práticas sexuais eróticas sem ter capacidade - Lesões em vários estágios de cicatrização ou cura;
emocional ou cognitiva para consentir ou avaliar o que - Lesões em áreas não comuns de acidentes e quase
está acontecendo. sempre cobertas, como genitália e nádegas;
- Demora para procurar atendimento médico após o aci-
B - Fatores de risco para maus-tratos dente;
Existem condições que predispõem para a ocorrên-
- Crianças em situação de higiene precária, como vestu-
ário sujo e inapropriado ao clima local.
cia dos maus-tratos. Estas condições estão associadas ao
agressor, à vítima, à classe social, à comunidade e à família. Para os profissionais da saúde, a habilidade para dife-
a) São condições associadas ao agressor: renciar indícios de maus-tratos de outras doenças é de fun-
damental importância.
-A dependência de drogas, alcoolismo, história de
abuso, baixa autoestima, prostituição, imaturidade e D - Impacto dos maus-tratos sobre crianças e
transtornos de conduta; adolescentes
- Psiquiátricos ou psicológicos.
Os maus-tratos podem provocar danos para a criança,
b) São condições associadas à vítima: adolescente, família e sociedade por toda a vida. O impacto
Sexo diferente do desejado, dependência própria da in- da violência, entretanto, é influenciado por fatores como
fância, condições de saúde que exigem maiores cuidados idade, grau de desenvolvimento, tipo de abuso, frequência,
(prematuridade, doenças neurológicas, doenças graves, dis- duração, gravidade do abuso e a relação existente entre ví-
túrbios psicológicos, do sono, da alimentação e dos esfínc- tima e abusador.
teres), história de abusos anteriores, criança não desejada. As consequências da violência podem ser divididas em
psicológicas, comportamentais, sociais e físicas, embora
c) Fatores de risco associados ao meio social e à comu- esta seja uma divisão didática, uma vez que é impossível
nidade: separar uma forma da outra.
- Incluem falta de leis de proteção, desigualdade social, Vários estudos mostram que crianças submetidas à vio-
marginalidade, desemprego, analfabetismo, ambien- lência doméstica, quando comparadas às que não sofreram
tes conflituosos e alta; violência, são mais agressivas, têm baixa autoestima, déficit
- Aceitação de violência. A pobreza constitui um persis- de atenção, hiperatividade, dificuldade de relacionamento
tente fator de risco, sendo o abuso físico e a negligên- interpessoal, comportamento abusivo (serão também abu-
cia mais comuns em famílias que vivem na pobreza. sadores), baixo rendimento escolar, delinquência, gravidez
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ORTO P ED I A
precoce, uso de drogas, capacidade cognitiva e de desen- - Avaliar a capacidade de estabilização apenas com imobiliza-
volvimento da linguagem inferiores. ção gessada. Nas grandes articulações, recomenda-se a fixa-
Estas crianças e adolescentes apresentam graves conse- ção com fios lisos metálicos. O material de síntese é retirado
quências físicas, como dor, sofrimento ou estresse, associa- logo que ocorre a consolidação;
das ao abuso crônico, pois vivem em constante estado de - Complicações: a mais frequente é a formação de barra óssea,
alerta para maus-tratos. e as outras menos comuns são sobrecrescimento, hipoplasia
Do ponto de vista social, custos diretos incluem gastos da epífise, retardo de consolidação e a pseudoartrose.
com sistema de investigação judicial, cumprimento de pe-
nas e com o sistema de saúde. Custos indiretos incluem ati-
vidades criminais, doenças mentais, uso de drogas, violên-
cia doméstica, serviços de educação especial, desemprego
e aumento na frequência de utilização do sistema de saúde.
A violência contra a criança e o adolescente não ocorre
apenas em países em desenvolvimento e é tão frequente
que às vezes chega a ser banalizada. A história mostra que
a violência a que a criança é submetida, sob a forma de es-
pancamentos, abandono, escravidão, mutilações e infanti-
cídios, ocorre de longa data e se perpetua nos dias atuais. A
violência contra crianças e adolescentes é um grave proble-
ma, como atestam os dados epidemiológicos.
6. Resumo
Quadro-resumo
- Lesões envolvendo a fise podem levar a distúrbios agudos
ou crônicos do crescimento;
- A consolidação óssea é relativamente rápida na infância por
causa do periósteo espessado e extremamente osteogênico
e da abundante irrigação sanguínea que serve ao osso em
desenvolvimento.
- Tipos de fraturas:
· Completa;
· Impactada;
· Arqueada;
· “Em galho verde”.
- Na fise ou placa de crescimento, identificam-se 4 zonas distin-
tas: zona germinativa, zona proliferativa, zona de maturação
e zona de calcificação;
- Seu suprimento sanguíneo provém da metáfise, da epífise e
da região pericondral;
- O diagnóstico das lesões da placa de crescimento baseia-se
na suspeita clínica, podendo-se encontrar desde uma fratura
com desvio, acompanhada de dor intensa, edema e incapaci-
dade funcional, até uma discreta dor localizada na topografia
da fise sem implicar deformidade ou limitação funcional sig-
nificativa. Radiografias simples confirmam o diagnóstico;
- Lembrar a possibilidade de lesões compressivas;
- Classificação de Salter-Harris;
- Tratamento: tipos I e II de Salter-Harris são de tratamento não
cirúrgico; tipos III e IV necessitam de uma redução anatômica,
por serem articulares e comprometerem a camada de células
germinativas;
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