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Que cazzo é esse?!!


"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate": Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Entrevista com Raymond Boudon Le Cazzo

Cynthia Hamlin, Jonatas Ferreira e Artur


Perrusi (Professores do Departamento de
Sociologia e do Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da UFPE).
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Jonatas e eu tivemos a idéia de postar algumas entrevistas com cientistas sociais no


Cazzo. Aproveito a deixa para postar uma entrevista antiga com Raymond Boudon, que
efetuei durante o meu doutorado. Embora o propósito da entrevista fosse esclarecer
algumas questões que me pareciam fundamentais para a pesquisa da minha tese e, por
esta razão, diga respeito a temas muito específicos, acho que pode trazer alguns insights
em relação ao pensamento deste autor. Aí vai: Seguir

Paris, 21 de Setembro de 1995


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Cynthia Hamlin- Algumas pessoas dizem que a sociologia que o senhor faz é muito mais Postagens
próxima da sociologia americana do que da sociologia francesa e, de acordo com o seu
Curriculum Vitae, o senhor estudou somente um ano nos Estados Unidos. Como o senhor Comentários
explica isto?

Raymond Boudon - Eu acho que estou familiarizado tanto com a sociologia americana Ocorreu um erro neste gadget
quanto com a alemã. As pessoas sempre esquecem, em minha biografia, que eu passei
um ano na Alemanha antes de passar um ano nos Estados Unidos. E eu fiquei ‘marcado’ Marcadores
por muitas coisas na Alemanha. Eu também fiquei ‘marcado’ por muitas coisas nos Estados
Unidos. Dessa forma, eu sempre fico muito surpreso quando as pessoas dizem que minha Aborto (2)
sociologia é americana. Tenho a impressão que, como qualquer outro cientista, eu tento ser aceleração (2)
universal. Isto é, tento escolher em cada país o que é melhor, da mesma forma que um Agamben (3)
físico não se preocuparia com as origens nacionais das teorias. Provavelmente, minha Alagoas (1)
atitude básica é universalista; pelo menos mais universalista do que outros sociólogos Alain Caillé (2)
franceses. Isto é entendido como sendo americano, mas esta não seria minha Alfred Schütz (2)
interpretação.
Alienação (1)
amor (2)
CH - Bem, talvez seja por que ela é uma forte influência e nós podemos percebê-la
Animal (2)
claramente. E eu estava justamente me perguntando de onde ela veio. Na sua opinião,
quem são os autores que mais o influenciaram, especialmente no início de sua carreira? Antropologia (6)
Ariano Suassuna (2)
RB - Você quer dizer na América ou... Artaud (1)
arte (10)
CH - Em geral. Artesanato Intelectual (1)
asilo (1)
RB - No início de minha carreira eu me interessei bastante e fui influenciado por muitas
baianidade (1)
pessoas... Por Durkheim, por exemplo, que é francês. Eu me senti muito atraído pelo
banca (2)
esforço de Durkheim em ser científico; quer dizer, em introduzir a distância entre o objeto e
barroco (1)
o modo como ele analisava seu objeto. Durkheim me ‘marcou’ muito. Depois, eu descobri
Tocqueville, que também é francês, mas muitíssimo diferente de Durkheim. E devo dizer Bauman (3)
que agora eu considero Tocqueville como o sociólogo clássico de quem me sinto mais Beauvoir (1)
próximo em termos de metodologia, ou epistemologia, se você quiser. Bem, eu também fui Benjamin (1)
atraído por Lazarsfeld, porque me parece que ele levantou uma questão importante: a Berger (2)
questão de se uma linguagem formalizada — a matemática — pode ser usada nas ciências Bergson (8)
humanas. Bibliometria (2)
Biografia (3)
CH - O sociólogo britânico Donald MacRae define o senhor como "um dos mais
Biologia Molecular (2)
importantes e criativos dos seguidores do maior dos sociólogos, Émile Durkheim". O senhor
biomedicina (1)
concorda com isto? E como isto se compatibiliza com o seu individualismo metodológico?
biopoder (6)
RB - Hum, é difícil para mim dizer se concordo ou não com um elogio tão forte.... (Risos). Blogosfera (1)
Boltansky (2)
CH - Bem, vamos dizer com "um seguidor de Durkheim"... Boudon (4)
Bourdieu (11)
RB - Eu sempre tive um sentimento ambíguo com relação a Durkheim. No próximo número Brasil (7)
do Swiss Journal of Sociology há uma entrevista comigo acerca do meu difícil
Butler (7)
relacionamento com ele. Eu sempre tive um sentimento positivo em relação a Durkheim
Campo (3)
porque, como disse antes, ele me parecia muito mais metódico, metodologicamente
Capital (2)
orientado do que, digamos, Auguste Comte. Por outro lado, eu me senti, desde o início,
muito resistente ao seu positivismo muito estreito. Por positivismo estreito eu entendo que, Capitalismo (4)
como qualquer positivista da tradição mais forte, ele queria eliminar o invisível da análise Carl Hempel (1)
sociológica; e o invisível no sentido, no caso dos sociólogos, dos fenômenos psicológicos. Catolicismo (2)
Desse modo, por um lado, eu me sentia atraído pelo fato de que ele queria que a sociologia Censura (1)
fosse científica, metódica e assim por diante. Por outro lado, eu resistia à idéia de que, para cibernética (1)
ser realmente científico, você tem de eliminar o não-observável. Ou seja, eu resistia à idéia Ciência (9)
de explicar os fatos sociais pelos fatos sociais. Por que ele dizia aquilo? Porque queria
Ciências Sociais (3)
excluir o invisível, o psíquico, o psicológico.
clichê (1)
Comércio (1)
CH - Isto é um modo muito interessante de colocar o problema, pois, em algumas
abordagens atomísticas, argúi-se que o invisível é exatamente o fato social ou a estrutura... compaixão (1)
Comte (2)
RB - Não no caso de Durkheim, evidentemente, pois quando ele diz fato social, ele quer comunicação (5)
dizer, por exemplo, o número de austríacos, ou a proporção de austríacos, que cometem congestionamento (1)
suicídio; o número de franceses que cometem suicídio. Não, que isto seja muito visível e, Conhecimento (2)
se você olha o Suicídio, o que ele faz é colocar esta proporção de pessoas que cometem conservadorismo (2)
suicídio em relação com outro fato visível, que seria, por exemplo, o número de pessoas
Consumo (3)
vivendo nas cidades, ou o número de mulheres etc. Assim, o que ele aspirava fazer era
Convivialismo (1)
definir a ciência pela relação, pelo exame dos relacionamentos, entre fatos visíveis e outros
Cordialidade (1)
fatos visíveis.
Corpo (23)
CH - Em relação ao seu background matemático, o senhor já tinha uma forte base Crack (1)
matemática antes de trabalhar com Paul Lazarsfeld? criatividade (1)
Crime (2)
RB - Não. Meu curriculum era em filosofia e sociologia. Mas, então, em um certo momento, cultura (1)
no início dos meus anos de estudante, por assim dizer, eu fiquei muito desapontado com o David Harvey (1)
estado da filosofia e da sociologia da década de 50. Em certo momento da minha carreira
David Hume (1)
eu me perguntava se não seria melhor tornar-me economista, porque eu tinha a vaga
Democracia (15)
impressão de que pelo menos a economia, os economistas, eles eram mais... mais sérios,
democracia racial (3)
menos vagos. Assim, comecei a estudar economia e matemática, mas sem nenhum
background real em termos de estudos formais. Eu simplesmente trabalhei duro em demonologia (3)
matemática. Eu estava na École Normale neste tempo, uma instituição onde todas as denegação (1)
disciplinas são misturadas e, por acaso, meus melhores amigos eram matemáticos, de depressão (1)
forma que eles me deram aulas particulares de matemática. E eu estava interessado em Derrida (2)
matemática porque este é um campo maravilhoso. Porque lá você sabe a verdade, não há Desastre (1)
ambigüidade. Tudo é preto-no-branco. Assim, eu passei um ou dois anos neste mundo Desenvolvimento (1)
preto-no-branco. Fui educado de modo puramente privado, amador, em matemática...
Desigualdade (9)
diálogo (1)
CH - E então, depois disto, o senhor decidiu ir para os Estados Unidos estudar
Direito (2)
especificamente com Lazarsfeld?
doença mental (2)
RB - Sim, porque eu tinha a impressão de que o que nós tínhamos na França eram dor (2)
essencialmente duas grandes figuras naquele tempo, em meados dos anos 50. A primeira dropes (3)
era Gurvitch. Eu tinha a impressão de que ele era muito vago, confuso etc. E a outra era DSM (1)
Lévi-Strauss, e eu tinha a impressão de que a teoria dele era geral demais e também, Durkheim (11)
digamos, muito platônica. Assim, eu não me sentia atraído nem por Gurvitch nem por Lévi- Édipo (1)
Strauss naquele momento. Foi então que eu li The Language of Social Research e senti
Elias (2)
que havia uma sociologia que potencialmente poderia ser muito útil, mais diretamente
emoção (1)
inscrita no mundo real do que as outras duas. Dessa forma, me veio a idéia de ir para
empirismo (4)
Columbia.
empirismo lógico (1)
CH - E o senhor conseguiu uma bolsa de estudos?... entrevista (20)
epistemologia (20)
RB - Sim, eu consegui uma bolsa. Fui falar com Raymond Aron, que era meu professor. escola (1)
Discutimos a idéia e ele achou que seria muito bom para mim ir para Columbia. Assim, ele Esporte (1)
conseguiu a bolsa para mim. Estado-nação (1)
Estranho (2)
CH - O senhor estudou com Raymond Aron?
Estruturalismo (3)
RB - Sim, quando recebi meu primeiro diploma, chamado de Diplome d’Études ética (1)
Superieures. No sistema francês, naquele período, que era a primeira oportunidade de etnografia (1)
escrever algo longo, eu escrevi um longo paper com Aron. O tema era Hegel em Berlim. etnometodologia (1)
exclusão social (2)
CH - No início de sua carreira, seu trabalho parecia ser muito mais formal, em termos
experiência (1)
matemáticos, do que o seu trabalho mais recente. O senhor acha que houve uma mudança
Facebook (2)
substancial ou em seus interesses ou na sua abordagem que justifique isto?
feminismo (34)
RB - Meu primeiro livro — L’Analyse Mathematique de Faits Sociaux — é modesto. Grande, fenomenologia (6)
mas muito modesto na intenção. Foi minha tese de doutorado. Eu queria deixar claro os Feuerbach (1)
usos da linguagem matemática das ciências sociais. E já naquele momento eu tive a Fichte (2)
definida, clara e forte impressão que, sim, a matemática poderia ser útil, mas em alguns filme (1)
pontos muito restritos e limitados, como processos de difusão etc. Desse modo, desde filosofia da linguagem (7)
muito cedo eu tive expectativas modestas acerca dos usos da matemática nas ciências
Filosofia da Mente (1)
sociais. Então, em meu livro sobre oportunidades em educação, eu usei uma espécie muito
Fofura (1)
flexível de matemática porque o objeto requeria isto. Pareceu-me que, devido à
Foucault (6)
complexidade de agregação dos processos decisórios dos estudantes irem para as
universidades, por exemplo, você tem de usar uma formalização mínima para Frankfurteanos (5)
desemaranhar os processos. Mas, então, eu senti que não tinha mais nenhum prazer Freud (5)
fazendo aquilo, e cheguei à conclusão de que um fenômeno muito interessante são as futebol (8)
crenças etc. Eu pensei que isto talvez fosse mais interessante e básico do que estudar a Gadamer (12)
forma como os estudantes chegam às universidades. gênero (27)
Glenn Gould (5)
CH - Básico em que sentido?
Goffman (1)
Habermas (9)
RB - Eu tinha a impressão de que, intrinsecamente, crenças são muito mais difíceis de
Habitus (2)
serem explicadas, de forma que é muito mais difícil para os sociólogos darem alguma
contribuição para o entendimento de crenças do que para o entendimento do porquê as handicap (1)
pessoas vão para a universidade, por exemplo. Este é o tipo de impressões vagas que eu Harold Garfinkel (1)
tinha e que explica porque progressivamente eu mudei de certos tipos de fenômenos para Hartmut Rosa (1)
outros. Mas sempre com um interesse metodológico básico. Em todos os casos, meu Hegel (5)
interesse básico era: que tipos de sociologia realmente permitem um melhor entendimento Heidegger (5)
dos fenômenos? A unidade do que eu fiz é, digamos, metodológica. hermenêutica (16)
holocausto (1)
CH - Em The Crisis of Sociology o senhor escreveu que os sociólogos não deveriam se
Humanismo (4)
limitar ao estudo de métodos quantitativos porque isto implica a exclusão de uma "grande
Humor (17)
proporção de questões propostas pelos sociólogos (...), a um tal grau que ainda falta uma
teoria geral indutiva". Meu problema é com esta ‘teoria geral indutiva’. O senhor acredita identidade (18)
uma teoria geral indutiva é apropriada para, ou mesmo possível nas, ciências sociais? IDH (1)
Iluminismo (2)
RB - Eu diria que há, na minha opinião, diversos níveis de teorização, que devem ser Imaginação Sociológica (1)
distinguidos nas ciências sociais. No nível mais baixo, a teoria está lá para explicar Incivilidade (1)
conjuntos muito circunscritos de fenômenos. No nível intermediário, você tem teorias como Inclusão digital (5)
a Teoria do Comportamento Coletivo de Olson, por exemplo, as quais podem explicar
individualidade (2)
vários fenômenos que pertencem a diferentes esferas. E então, em um nível mais geral,
individualismo (3)
você tem discussões, por exemplo, acerca do modelo da escolha racional, que é muito
indivíduo (2)
próxima das teorias gerais dos físicos, eu diria. Uma das grandes questões na sociologia
na atualidade é se o modelo da escolha racional pode ou não explicar todos os fenômenos. Indústria Farmacêutica (1)
Assim, se você fala de teorias gerais, eu tomaria o modelo da escolha racional como um Informação (1)
exemplo de teoria geral. Eu acho que, neste sentido, nós temos teorias gerais. Inquietante (1)
instituição (2)
CH - Certo, mas esta teoria geral seria indutiva? Eu acho que o meu problema é com o inteligência artificial (1)
‘indutivo’... Internet (10)
J.S. Mill (2)
RB - Ah, indutivo! Não, não, eu não diria isto. Indutivo no sentido de que uma vez que você
Jó (1)
tem sua teoria, você sempre tentará checar se ela explica de modo satisfatório um conjunto
João Gilberto me influenciou (1)
de fenômenos e então, como os físicos, você observará a extensão do conjunto de
fenômenos, e assim por diante. Mas eu não falaria de uma teoria indutiva, no sentido jogo (3)
restrito da palavra indutivo. John Rawls (1)
John Searle (1)
CH - O senhor acha que a principal diferença entre sua concepção de individualismo juventude (2)
metodológico e a de Popper, e em certo grau também a de Hayek, poderia ser colocada em Kant (3)
termos de individualismo e atomismo? Kuhn (2)
Laclau (2)
RB - Primeiro, minha posição, como a vejo, é muito diferente das de Popper e Hayek. As
Lazarsfeld (1)
pessoas que não gostam de mim tendem a me colocar no mesmo ‘saco’. Mas eu me sinto
Lévi-Strauss (1)
muito diferente e acho que, objetivamente, minha posição é muito diferente, no sentido de
que eu sempre insisto em fazer uma distinção precisa entre individualismo e utilitarismo. A linguagem (1)
forma de individualismo que é usada na economia neoclássica por Hayek e Popper e Literatura (11)
outros é sempre uma forma muito particular de individualismo: uma forma que supõe que o lógica asilar (1)
comportamento deveria ser explicado pela consideração de custos e benefícios. Para mim, loucura (1)
muito claramente, este tipo de axioma comportamental é muito particular e não pode ser Luhmann (1)
usado na maioria dos casos. Na maioria dos casos você tem de usar algo mais geral e, Machado de Assis (3)
neste ponto, nós chegamos à idéia de crenças. Você não pode explicar, exceto em casos
Manifestações (1)
muito particulares, o comportamento das pessoas sem invocar suas crenças e as crenças
Manifestações de junho (1)
não podem ser explicadas em termos de custo e benefício. Eu não acredito que X é
verdadeiro porque é meu interesse acreditar nisto. Assim, há uma profunda distinção aí marco teórico (1)
entre o individualismo tradicional da economia neoclássica e o meu. E também há a Margaret Archer (12)
distinção que você mencionou: parece-me que os que são conhecidos como individualistas Mário de Andrade (1)
metodológicos são, muito freqüentemente, atomísticos, pois consideram as pessoas como
Marx (3)
de fato isoladas, no que eu não acredito. Eu sempre considerei, por exemplo, os recursos
Marxismo (1)
que as pessoas mobilizam para fazer as coisas. Entre estes recursos você tem a
Mead (2)
lembrança de coisas passadas, por exemplo. Assim, meu ator social, como eu o analiso,
está sempre em um dado campo social; ele não é uma entidade isolada. Ele está em um medicina (2)
dado campo, está conectado com seu passado, está conectado com todos os tipos de Meio Ambiente (1)
pessoas, pertence a grupos e assim por diante. Assim, eu introduziria — o que tenho feito melancolia (2)
em meus textos — a distinção entre atomismo e individualismo. Memória (1)
metodologia (20)
CH - O senhor acha que Popper poderia ser considerado como um atomista? mídia (3)
missões-suicida (2)
RB - Sim. Eu diria que tanto Popper quanto Hayek podem ser considerados como
modernidade (7)
atomistas e como muito próximos da tradição utilitária tal como usada pelos economistas, e
Modernismo (1)
eu rejeito estas duas limitações.
Moscovici (1)
CH - Então esta seria sua resposta ao M.A.U.S.S., não seria? movimentos sociais (3)
mulher (1)
RB - Sim. nacionalismo (1)
nanotecnologia (2)
CH - Bem, já que o senhor mencionou o problema do meio social do ator, há uma coisa que narcisismo (1)
eu acho curiosa, especialmente em seu livro sobre ideologia... Eu não posso deixar de
naturalização (1)
pensar que o que o senhor chama de efeitos de disposição é muito similar à noção de
natureza (11)
habitus de Bourdieu. O senhor acha que há qualquer similaridade, qualquer conexão entre
natureza x cultura (1)
os dois?
Nazismo (1)
RB - Talvez em um nível muito superficial. Eu aceito totalmente a idéia de habitus. Esta é neo-kantismo (2)
uma velha noção, a tradução de Tomás de Aquino da hexis de Aristóteles... Mas quando Nietzsche (1)
Aristóteles, Tomás de Aquino, Durkheim e Weber usam o conceito de habitus, eles dizem niilismo (1)
somente que, por causa do seu passado, algo está presente na sua mente. Não dizem No começo foi tudo muito difícil (1)
mais do isto. Eles são também muito cuidadosos em dizer que habitus é somente um ponto nominalismo (1)
em suas análises da ação. Sempre fui contra Bourdieu porque ele faz do conceito de
objeto (1)
habitus uma mistura de Tomás de Aquino e do Marx mais ruim, no sentido de que, para ele,
ontologia (14)
o habitus é o resultado, em seu cérebro, do que forças sociais anônimas querem. Ele é
Opinião (36)
muito inteligente, mas eu não gosto do modo como ele usa este conceito. Meu conceito de
disposição é muito próximo do de habitus no sentido usado por Tomás de Aquino, Pentencostalismo (2)
Aristóteles e Max Weber, mas não do de Bourdieu; certamente não. O que você tem de ver Pesquisa (2)
é que Bourdieu usa habitus de uma forma muito particular, cuja suposição mais forte é que pessoa (1)
a Sociedade — com S maiúsculo — tem o poder de colocar coisas em você que poder (3)
determinam completamente o seu comportamento... Ele tem uma percepção holística de Poder Simbólico (1)
sociedade por atrás disto; holístico e determinístico e eu não posso aceitar nem o holismo poesia (1)
nem o determinismo.
política (3)
Popper (5)
CH - Na introdução de On Social Research and its Language, o senhor escreveu que
Pós-Colonialidade (1)
Lazarsfeld se considerava nominalista e...
pós-estruturalismo (10)
RB - Nominalista em um sentido muito vago. No sentido de que ele se colocava fortemente Pós-Humanismo (1)
contra abordagens holísticas. Mas não nominalista no sentido de que ele considerava que Positivismo (14)
não havia realidade. Quero dizer, ele era nominalista no sentido de que considerava a posmodernismo (1)
psicologia muito importante para explicar os fatos sociais. Esta seria minha resposta. pragmatismo (5)
Praxiologia (2)
CL - Mas o senhor não acha que há uma origem comum entre esta negação dos
profissão (1)
fenômenos holísticos e um tipo de realismo empírico, que poderia ser chamado de
psicanálise (2)
nominalismo?
Psicofármaco (8)

RB - Sob estes rótulos nominalistas você tem a idéia de que, por trás dos fatos sociais, o psicologia social (1)
que você tem são seres humanos com atitudes, crenças, ações e assim por diante, e que psicose (1)
você tem sempre de ir para este nível. Em um dos meus artigos, tentei apontar para o fato psiquiatria (6)
de que Lazarsfeld é muito ambíguo, porque ele era um weberiano, sem saber e sem aceitar Pudor (3)
o fato, pois ele tinha todos os tipos de preconceitos, como qualquer austríaco, contra os raça (1)
alemães, particularmente contra Max Weber, cuja obra ele entendeu errado. raça e etnicidade (5)
racionalismo (2)
CL - Minha próxima questão segue a mesma linha de pensamento. O senhor acha que há
Raewyn Connell (1)
alguma relação entre nominalismo e individualismo metodológico? Colocado de outra
Razão (1)
forma, o senhor acha que nominalismo é a base do individualismo metodológico?
realismo crítico (17)
RB - Eu gastei muito tempo em alguns dos meus artigos refletindo acerca do porquê eu fui Reconhecimento (1)
tão atraído por Tocqueville, e porque — eu diria agora — ele é, sem sombra de dúvida, o Redes Sociais (2)
maior de todos... E se você me perguntasse por quê, eu diria que é porque ele fez reducionismo (3)
exatamente o que Huygens fez, isto é, ele sempre construiu teorias que, antes de tudo, reflexividade (8)
atendem aos critérios popperianos: uma boa teoria é uma teoria, primeiro, que é compatível Relacionismo (1)
com todos os fatos que você pode observar. Segundo, uma teoria científica é boa se suas
relativismo (3)
afirmações não diretamente empíricas são boas — e isto não é popperiano. Eu uso
Religião (7)
freqüentemente o exemplo da teoria do pêndulo de Huygens: ele introduz na teoria
afirmações tal como ‘as forças que vêm do centro da terra’... Parece-me que em qualquer representação social (3)
teoria nas ciências naturais, você tem elementos que não podem ser checados diretamente reprodução (5)
contra os dados, mas ainda assim têm de ser aceitáveis. Se você compara Durkheim com resenha (6)
Tocqueville, Tocqueville é sempre bom, me parece, porque ele sempre usa afirmações que
Rickert (2)
podem ser facilmente aceitáveis. Por exemplo, ele analisa o porquê dos franceses não
Ricoeur (1)
serem como os britânicos com relação a alguns aspectos do século XVIII. Ele propõe uma
Risco (3)
teoria na qual todas as afirmações são facilmente aceitáveis. E por que elas são
aceitáveis? Porque, na maioria das vezes, no fundo, você tem afirmações psicológicas romantismo (15)
muito simples. Você não diria isto de Durkheim, por exemplo. Por que as teorias Rousseau (4)
individualistas são boas quando são boas — nem todas são boas, mas quando elas são Roy Bhaskar (4)
boas? Porque, por trás da idéia de individualismo, você tem a idéia de que as afirmações Sade (1)
em suas teorias deveriam ser afirmações psicológicas simples e facilmente aceitáveis. Samba no pé (1)
Sandra Harding (3)
CH - O senhor conhece o livro de Steven Lukes sobre individualismo [Lukes, S.
Sartre (1)
Individualism. Key Concepts in the Social Sciences. Oxford: Basil Blackwell, 1973]?
Saúde Mental (1)
Schleiermacher (1)
RB - Eu dei uma olhada nele.
Schopenhauer (2)
CH - Há um capítulo onde ele diz que o que ele não pode aceitar no individualismo Segregação (1)
metodológico é a idéia de que fatos individuais ou afirmações psicológicas seriam mais Sennet (2)
reais do que afirmações holísticas, mais facilmente observáveis... ser social (1)
Sérgio Buarque (2)
RB - Eu acho que a questão está colocada de forma errada. Deixe-me delinear um Silêncio (3)
exemplo muito caricatural: as diferenças entre os alemães e os franceses. Em um primeiro
Simmel (4)
tipo de teoria, você explicaria estas diferenças introduzindo o conceito de espírito alemão,
Socialismo (1)
por exemplo. Isto é uma típica teoria holística. Alternativamente, você pode explicar isto do
Sociedade da Informação (1)
modo como Tocqueville faz. Deixe-me tomar o exemplo do excepcionalismo religioso
americano. Por que os americanos mantêm uma religiosidade que já desapareceu nos Sociologia (2)
países europeus? No primeiro tipo de teoria, você explicaria o problema introduzindo o Sociologia Clássica (29)
conceito de espírito nacional, por exemplo. Isto é uma típica teoria holística. sociologia da juventude (1)
Alternativamente, você pode explicar isto como Tocqueville o faz. Os americanos não têm sociologia da saúde (1)
as mesmas razões que os alemães ou franceses, por exemplo, para serem hostis à sociologia no ensino médio (9)
religião. A vida religiosa americana é organizada em torno de um grande número de seitas, sociologia rural (1)
em contraste com, digamos, a França, onde ela é ‘governada’ por uma igreja dominante.
sociologismo (1)
Esta diferença dá origem a muitos efeitos. Uma igreja dominante não pode deixar de se
sofrimento (10)
envolver com política, enquanto é menos atrativo e factível para uma seita competir com o
sofrimento à distância (2)
Estado em matéria de política. Segundo, como em qualquer estado centralizado, o Estado
francês tende a controlar direta ou indiretamente todas as funções sociais importantes, tais sofrimento psíquico (3)
como saúde, educação e bem-estar. Como estas funções se tornaram crescentemente sonho (1)
cruciais, o Estado francês aumentou seu controle sobre eles. Esta circunstância tornou a subjetividade (4)
competição Estado-Igreja mais aguda. O Estado americano, como conseqüência de sua Suicídio (2)
organização descentralizada, pode deixar mais facilmente grande parte destas funções sujeito (3)
para as denominações religiosas. Como conseqüência, enquanto um clima de competição tecnologia (26)
Igreja-Estado prevaleceu na França centralizada, a complementariedade reinou nos
Tempo (2)
Estados Unidos. Nos Estados Unidos, as igrejas permaneceram como uma dimensão
Teoria (6)
básica da sociedade civil. Elas impregnaram a vida cotidiana de forma que exerceram um
Teoria Crítica (4)
grande papel no que diz respeito às três funções mencionadas acima. Como elas eram
vistas como estando acima da política, não foram associadas na mente das pessoas com teoria política (1)
quaisquer correntes políticas e ideológicas, ficando protegidas dos efeitos das mudanças Teoricismo (1)
ideológicas. Esta teoria de Tocqueville é individualista com afirmações psicológicas teratologia (1)
implicitamente incluídas (Por exemplo: "é improvável que pais que vivem em um contexto Tony Lawson (6)
onde seus filhos normalmente serão educados em instituições educacionais religiosas torcida organizada (3)
desenvolvam uma atitude de hostilidade com relação à religião") e estas afirmações são Trágico (1)
facilmente aceitáveis. No que diz respeito a Tocqueville, você tem uma teoria individualista
universalismo (4)
com todos os tipos de afirmações psicológicas; por outro lado, você introduz coisas
Universidade (7)
grandiosas: o espírito alemão, o espírito britânico, por exemplo.
vida intrauterina (1)

CH - O senhor colocaria a distinção em termos de observabilidade? video game (1)


violência (6)
RB - Não, não. Porque, como lhe disse antes, mesmo nas ciências naturais, na teoria de Vitalismo (4)
Huygens por exemplo, ele invoca a idéia de uma força que vem do centro da terra. Você já Viveiros de Castro (1)
viu uma força vindo do centro da terra? Não, mas os físicos normalmente usam tais coisas. Weber (1)
Se você ler Tocqueville, ele lhe dirá que, quando eu pertenço a uma comunidade, quando Winch (2)
na comunidade as pessoas concordam acerca de ‘A’ e discordam acerca de ‘B’, eu tenderei
Wittgenstein (4)
a dar mais importância a ‘A’ do que a ‘B’. Você não pode checar estes tipos de afirmações
Wright Mills (1)
diretamente contra a realidade. Mas ela é aceitável. Observável deve ser distinguido de
Zizek (4)
aceitável. Nós temos de introduzir afirmações aceitáveis, o que não significa
necessariamente que elas serão observáveis. Este é o erro de Carnap: pensar que tudo
deveria ser... Páginas Úteis

A rede
CH - Observável.
Anthropology in the news
RB - Pelo menos potencialmente observável. Anthropológicas
Antropologia
CH - Há alguma ontologia social implicada no individualismo metodológico, ou o senhor Arauto da Consciência
acha que os aspectos metodológicos são independentes dos ontológicos? Blog de Tom Zé
Blog do Edmilson Lopes
RB - Não, eu diria que esta é meramente uma questão epistemológica, e não ontológica. Blog dos Perrusi
Muito freqüentemente, quando eu vejo críticas ao meu trabalho, eu vejo as pessoas Blogue do Jampa
dizendo: "ah, ele quer nos dizer que o indivíduo vem primeiro e sociedade vem depois".
Bruno Latour (home page)
Para mim, este tipo de questão é mero nonsense. Eu não sei — ninguém jamais saberá —
Café Colombo
se a sociedade ou o indivíduo vem primeiro. Esta é um típica questão sem sentido.
Carta Potiguar
CH - O que o senhor quer dizer quando escreve em The Crisis of Sociology que "enquanto Ciência Hoje
os objetos da lingüística, da economia ou da demografia são geralmente constructos Classiques des sciences sociales
abstratos aqueles da sociologia são encontrados na realidade"? ComCiência
CTheory (journal of theory, technology
RB - Você tem dois tipos de coisas: você tem realidades concretas não-individualísticas, and culture)
como uma estação de metrô, mas, se você observa os tipos de questões levantadas pelos Cuerpos y Emociones
sociólogos, você tem também questões que não existem na realidade. Por exemplo, Cynthia Semíramis
quando Tocqueville explica porque os britânicos e os franceses são diferentes no século Câncer, gravidez e alienação parental
XVIII, esta é uma questão que não existia antes... A diferença entre as duas sociedades, (blog de Elaine Cesar)
nos termos que ele a coloca, não existia antes que ele a levantasse. Desse modo, você Darwin vs The Machine: the science of
tem duas coisas: você tem a realidade social que você pode observar e da qual pode falar, nightclub culture
e você tem realidades sociais, como estas diferenças entre duas sociedades, que você tem Dead Sociologists
de construir antes de falar acerca delas, e que não são visíveis diretamente. Derrida em castelhano
Diacrianos
CH - Como se decide sobre a realidade de um objeto? Direitos Urbanos/Recife
Diário de um Sociólogo
RB - Depende. Você tem de convencer o seu leitor da realidade do seu objeto, mesmo que
Domínio Público (MEC)
seja um objeto abstrato, como quando eu falei a você que há uma diferença entre os
Escreva, Lola, Escreva
franceses e os britânicos em tais e tais aspectos e tal e tal tempo. Mas como esta diferença
não é imediatamente visível, como uma estação de metrô, então você tem de convencer Etnofoco: antropologia e fotografia
seu leitor que a diferença existe. E o que você fará então? Você mostrará todos os tipos de European sociological review
documentos, de testemunhos, de fatos, de estatísticas etc. E, finalmente, a mistura de todo Frédéric Vandenberghe (textos para
este conjunto complexo de informações convencerá o leitor. download)
IBGE
CH - Em The Uses of Structuralism sua conclusão é que "uma estrutura é sempre a teoria Imagens e Palavras
de um sistema — e ela não é mais do que isto". Não seria mais apropriado dizer que o International Association of Critical
conceito de estrutura é precedido por teorias, mas que a estrutura em questão não o é, e, Realism
neste sentido, seguindo Roy Bhaskar, esta ciência produz as condições para a identificação Jornal Cultural
dos objetos, mas não produz os próprios objetos? Jornal do Mauss
Les Classiques des Sciences Sociales
RB - Certo. Eu concordo. Letteri Café
Literatura e Crítica Cultural (blog de
CH - Eu vejo que, em seus livros mais recentes, o senhor trabalha com o conceito de Fernando da Mota Lima)
estrutura como o contexto da ação social e, neste sentido, como um fenômeno objetivo que Marxists internet archive
resulta de interações sociais prévias. Mas como isto é compatível com a sua definição em
Matizes Feministas
The Uses of Structuralism, de que a estrutura é uma teoria e nada mais?
Mundo em Movimentos
Na Prática a Teoria é Outra
RB - Deixe-me utilizar Tocqueville novamente. Quando ele escreve que "os franceses e os
britânicos são diferentes", ele não lhe dá uma descrição, uma descrição realista, dos dois Núcleo de Cidadania (NUCEM)
contextos. Não, ele somente extrai um número muito limitado de grandes características. O biscoito fino e a massa
Para dar um exemplo, a pequena nobreza tem o direito de receber de pessoas comuns O Chihuahua Anão: um blog de
sinais de respeito e deferência. Mas ninguém na França vê a base desta superioridade. O antropologia aleatória
nobre rico compra postos reais correspondendo muitas vezes a deveres mal definidos. Eles O Pensador Selvagem
gastam seu tempo na corte, em Versailles. Com relação aos nobres pobres, aqueles que Outros Campos
mais provavelmente encontram os camponeses, eles se apegam com insistência aos seus Parrhesia: journal of critical philosophy
privilégios, desde que estes são a única fonte de seu status. Na Inglaterra, a pequena PE Livre: plataforma de conhecimento
nobreza exerce, de forma contrastante, funções sociais e políticas, tanto no nível local livre
quanto no nacional. Assim, sua superioridade oficial é vista como legítima e é aceita. A Pesquisa FAPESP
mesma análise é feita por Tocqueville acerca de outros aspectos. Estes aspectos não são Pittacos: revista de cultura e
inventados, eles são reais. Mas a seleção destes aspectos é guiada pela teoria que ele tem humanidades
em mente. Neste sentido, você pode dizer que eles são aspectos estruturais. Desse modo, poliTICs
não vejo qualquer diferença ao falar que a estrutura não tem existência até o momento em SEAF - Associação de Estudos e
que você tem uma teoria, e que a teoria lhe guia na pesquisa da estrutura. Atividades Filosóficos
Simmel on line
CH - Eu estava me perguntando acerca do tipo de conseqüências que esta posição Sociedade Brasileira de Sociologia
epistemológica teria na formação dos conceitos. Por exemplo, a relação entre as posições Sociologicus
ontológica e epistemológica. E como se constrói conceitos, como os conceitos vêm da
Sociologists: dead and alive
realidade, e como eles voltam à realidade — e eu acho que esta é a parte mais
SOS Corpo
importante...
Stanford Encyclopedia of Philosophy

RB - De fato, uma teoria científica é boa quando ela fala da realidade tal como ela é. Os Talking Philosophy: TPM's Blog
contatos entre a teoria científica e a realidade devem ser fortes, mas não implica que a Tatuí Revista Crítica de Arte
teoria deva ser descritiva. Você começa a partir do fenômeno que você quer explicar, um Teatro Oficina
dado fenômeno bem definido. Neste momento, eu quero explicar isto, e nada mais. Para Tese Digital (textos acadêmicos e
explicar isto, eu construo uma teoria e esta teoria tem, naturalmente, de seguir alguns difíceis de achar)
critérios: eu não devo introduzir Deus em meu vocabulário, por exemplo; e eu não devo The Erving Goffman Archives
introduzir em meu vocabulário, se eu sou um individualista metodológico, conceitos tais The Feminist eZine
como o espírito nacional, e assim por diante... Uma vez estabelecidos estes critérios, eu The Stone (a ágora virtual de Simon
construo a teoria e vejo se ela é aceitável ou não. E, então, eu introduzirei, se eu estou Critchley no NY Times)
preocupado em explicar algumas diferenças entre dois países, características estruturais. Trezentos
Estas características estruturais, eu tenho de convencer o leitor que elas de fato existem, Without Sanctuary - Photos & postcards
no sentido mais forte da palavra. Assim, os fatos relacionados estão aí, e eu tenho muitos of lynching in USA
fatos em todos os lugares na conexão entre teoria e o que eu quero explicar. Mas minha
teoria, de modo nenhum, é meramente uma descrição do objeto. Ela não é uma descrição Sugestões de Leitura
do objeto, ela é uma resposta à questão que eu quero que seja universalmente aceitável.

CH - Na equação que sumariza o paradigma da ação social, o último termo da função é


estrutura social. Apesar do senhor argüir que esta estrutura pode sempre, em princípio, ser
redutível às ações dos indivíduos, isto não implica que é realmente a estrutura que
funciona como elemento explicativo?

RB - Não, porque você tem de ver que, na forma como ela ‘recorta’ a realidade, a teoria é
sempre, em certa medida, arbitrária. Suponha que o que eu quero explicar são as
diferenças entre a França e a Inglaterra. Então, eu considerarei, por exemplo, que o
número de posições na corte é maior na França do que na Inglaterra. Eu paro aí. Eu paro
aí porque este não é o ponto que quero explicar. Minha preocupação é com outra coisa, Robert Brym, John Lie, Cynthia Lins
mas eu poderia, naturalmente, perguntar: "por que era diferente na França e na Hamlin, Eliane Veras, Remo Mutzenberg,
Inglaterra?", "por que se tinha mais posições na França do que na Inglaterra?". Ninguém Heraldo Souto Maior. Publicado pela
me impede de fazer esta pergunta e, então, ir adiante, para outras questões, e assim por Thomson em 2006.
diante ad infinitum. Dessa forma, eu tenho de parar ali arbitrariamente, no que eu considero
como características periféricas. Eu não as explico. Isto não significa que elas têm alguma
prioridade. Isto significa somente que este é o ponto onde eu tenho de parar, porque eu
tenho de parar em algum lugar.

CH - O conceito de situação, principalmente no seu livro Theories of Social Change, exerce


um papel central na sua concepção de individualismo metodológico. No entanto, o senhor
nunca o definiu tão cuidadosamente quanto o senhor definiu outros termos envolvidos
nesta abordagem. O senhor poderia me dizer exatamente o que entende por situação?

RB - Eu não o defini porque, intencionalmente, eu o tomo de uma forma muito abstrata e


vaga: eu não entendo por situação a situação concreta, mas todos os dados que estão lá,
na mente das pessoas ou no meio em que vivem, e que eu tenho de invocar para
responder a uma dada questão. Assim, em um dos meus artigos, eu tomo o exemplo dos
sérvios. Na Sérvia, todos os camponeses têm fotografias de seus pais, avôs etc, em
uniforme militar. Todos eles. Eu tomaria este elemento como pertencendo à situação dos
sérvios. Se você quer explicar a forma como eles julgam agora o que aconteceu na Sérvia,
você tem de considerar que eles têm estas fotografias presentes em suas mentes. Isto
significa o valor que eles dão à história passada através de suas próprias famílias, ou ao
que aconteceu à Sérvia, as lutas entre Sérvia e Croácia etc. Tudo que está presente Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel (org.),
2011. Informação, Conhecimento e Poder:
quando eles olham a situação atual. Neste sentido, eu diria que as fotografias pertencem à
mudança tecnológica e inovação social.
situação. Assim, você não pode definir situação se você a utiliza da forma como eu faço,
Rio de Janeiro, Garamond.
como o conjunto de todas estas coisas que pertencem à memória, ao passado, ao meio em
que se vive, à natureza das relações entre as pessoas e que você tem de invocar para
explicar o que você quer explicar. Mas, como dissemos antes, os elementos que você irá
levar em consideração dependerão do que você quer explicar. Dessa forma, eu não posso
definir situação. É um ‘grande saco’, eu reconheço, mas é importante se preocupar com
este ‘grande saco’. O individualismo metodológico, no sentido utilizado pelos economistas
neo-clássicos, não tem um ‘grande saco’: as pessoas têm seus conjuntos de preferências,
e isto é tudo.

CH - A noção de uma racionalidade limitada e ‘subjetiva’ é talvez a característica mais


original do seu individualismo metodológico e ela requer um método que nos permita a
apreensão desta racionalidade. É interessante que o senhor se refira a este método, de Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel (org.).
forma quase casual, como uma abordagem fenomenológica. Como o senhor define esta (2010), com Sandra Braman, Yann Moulier
Boutang, Maria Nélida González de
abordagem, e por que sempre usa o termo ‘fenomenologia’ e outros correlatos entre
Gómez, Giuseppe Cocco, Dan Schiller,
aspas?
César Bolaño, Alain Herscovici, Jonatas
Ferreira e Maria Eduarda da Mota Rocha;
RB - Isto me deixa embaraçado, pois não estou muito consciente disto. Eu nunca me Lexington Books
interessei muito por fenomenologia. Eis porque eu não estou muito consciente disto... O
único autor sobre o qual eu refleti muito nesta corrente de pensamento, e muito
recentemente, foi Max Scheler. E Max Scheler em seu livro sobre Wert Ethik; isto é, o livro
Value Ethics. Eu dei muita atenção a este livro porque Max Scheler diz que "os valores
morais existem de fato; nós os percebemos de um modo fenomenológico". Você os
percebe. Naturalmente, você não os percebe como objetos físicos, mas nós temos um
sentido em termos de valores morais. Eu me senti perplexo por isto. Perplexo porque, eu
pensei, ele está certo quando diz que os valores morais têm uma realidade, mas não posso
aceitar a idéia de que nós temos uma percepção ou um sentido em termos destes valores,
onde eles estão... Max Scheler é o único fenomenólogo acerca de quem eu realmente
refleti.

CH - E Schütz?
Rocha, Maria Eduarda. (2010) A Nova
Retórica do Capital. Edusp.
RB - Schütz muito menos... Eu simpatizava com ele, mas nunca tive a impressão de ter tido
qualquer revelação, uma revelação científica, a partir do trabalho dele.
CH - Isto é muito interessante, pois eu acredito que Schütz foi uma referência importante
tanto no desenvolvimento fenomenológico do trabalho de Weber, quanto no
desenvolvimento do subjetivismo de Hayek... O senhor tem alguma coisa a ver com esta
tradição?

RB - Não, muito pouco. Eu nunca me senti, eu devo dizer, realmente atraído seja por
Schütz, seja por Hayek. Com relação a Schütz, apesar de simpatizar com ele, tenho a
impressão de que não aprendi nada com ele. Enquanto isto, eu tinha uma forte atração por
Tocqueville e Weber porque tinha a impressão de que eles me ensinaram algo. Eles
lidaram com todos os tipos de fatos que eram obscuros ou opacos antes deles e que se
tornaram claros depois deles... Eu acho que a essência do trabalho científico é solucionar
quebra-cabeças. Não vejo que problemas Schütz solucionou. Com relação a Hayek, ele é Taylor, Clarles. 2005. Hegel e a Sociedade
muito diferente. Eu sempre resisti a grandes teorias, a teorias que englobam tudo.. Moderna. Edições Loyola.

CH - O senhor é mais o tipo de cientista de "alcance médio"...

RB - Sim (Risos).

CH - Muito obrigada.

Tradução: Jorge Ventura de Morais

Publicada originalmente em Estudos de Sociologia, Vol. 2, No. 1, 1996.


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Postado por Le Cazzo às 21:06 A Modernidade como Desafio Teórico. A.


Marcadores: Boudon, entrevista Miglievich, B Arenari, E. Sobottka, R.
Mutzenberg e R. Dutra (orgs). Porto
Alegre: PUC-RS, 2008.

4 comentários:
Artur disse...
Muito interessante a entrevista. Boudon é simpático? Recebeu-te bem?

Achei muito interessante a pergunta sobre as semelhanças entre a noção de "efeitos


de disposição" e de "habitus" de Bourdieu. Achei a resposta de Boudon um tanto
evasiva. O que vc acha? Bjs
6 de junho de 2008 11:06

Raymond Boudon: a life in sociology


(2009). M. Cherkauoi e P. Hamilton (eds).
Cynthia disse...
Oxford: Bardwell Press. Artigos de Hans
Você também achou ele "fofo" e com cara de "galã de cinema", como uma certa Joas, Bryan Turner, E. Tiryakian, Peter
pessoa deste Cazzo que não sou eu? Hedstrom, R. Swedberg, Bob Brym e
Cynthia Hamlin, dentre outros.
Eu acho ele muito simpático, além de uma das pessoas mais educadas que já
conheci. De vez em quando, ainda me manda um artigo. Manda para meu endereço
no Canadá (que eu já corrigi um zilhão de vezes), mas manda.

A relação entre Boudon e Boudieu era um horror (a França tem essa coisa de
inimigos acadêmicos, né?) e fiquei morrendo de medo de perguntar aquilo. Para falar
a verdade, nem achei que ele fosse responder tão longamente. Mas a resposta é
evasiva, sim. Eu tenho a sensação de que o conceito de habitus na obra de Boudon é
completamente ad hoc e leva a contradições incríveis. Sei lá.

Mauro Koury escreveu um comentário muito interessante a esta pergunta. Se te


interessar, depois te mando.
6 de junho de 2008 12:45

Pedro Monteiro disse... Gonçalves, Márcia. 2001. O Belo e o


Destino: uma introdução à filosofia de
ótima a idéia das entrevistas!
Hegel. Edições Loyola
pergunta:

Não entendi bem a posição dele em relação ao M.A.U.S.S.

Pelo que entendi ele se coloca contra o atomismo/utilitarismo do paradigma da


escolha racional, mas ao mesmo tempo parece se distanciar do M.A.U.S.S.

Porque?

Talvez tenha entendido mal...


17 de junho de 2008 06:44

Cynthia disse...
Perrusi, Artur (1995). Imagens da Loucura.
Oi, Pedro, São Paulo: Cortez.

Alguns autores do MAUSS, especialmente Alan Caillé, costumavam citar Boudon


como exemplo de autores utilitaristas contemporâneos, o que era verdade. Ocorre, no
entanto, que Boudon foi progressivamente se afastando desta abordagem,
especialmente a partir de seu trabalho sobre ideologia e, mais tarde, sobre valores
morais (que consiste numa negação do consequencialismo das teorias morais
utilitaristas). Embora Caillé tenha continuado a se referir a Boudon como utilitarista
por um tempo, ele próprio reconhece hoje que este não é o caso.

Abç
17 de junho de 2008 16:47

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artigos de Chenais, Serfati, André Furtado,
Jonatas Ferreira, Aécio Amaral, entre
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Hamlin, Cynthia Lins (2002). Beyond


Relativism: Raymond Boudon, Cognitive
Rationality and Critical Realism. Londres e
Nova York: Routledge.

Boudon, Raymond; Di Nuoscio, Enzo;


Hamlin, Cynthia (2004). Spiegazione
scientifica e relativismo culturale. Roma:
LUISS ed.

Vandenberghe, F. (2005) As Sociologias


de Georg Simmel. Belém e Bauru: Edufpa
e Edusc.
Vandenberghe, Frédéric (2010). Teoria
Social Realista: um diálogo franco-
britânico. Belo Horizonte e Rio de Janeiro:
Ed. UFMG e Iuperj.

Ferla, Luis (2009) Feios, Sujos e Malvados


sob Medida: a utopia médica do
biodeterminismo. São Paulo, Alameda.

Ewen, E; Ewen, S. (2006) Typecasting on


the Arts and Sciences of Human Inequality.
Nova York, Seven Stories Press. Excelente
estudo sobre a criação dos estereótipos
modernos.

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