You are on page 1of 8
ANALISTA: MAE SUFICIENTEMENTE BOA Gesimary de Santi Azevedo * i Resumo Esse ensaio propde-se a teorizar sobre a relagio paciente/analista, mostrando que as rupturas contratuais dentro do processo analitico nada mais sio do que experiéneias j4 vividas, atualizadas e ressignificadas numa experiéncia emocional corretiva. Abstract ‘That assay proposes to make a theory about the pacient/analyst relationship, presenting that the agreement ruptures in the analytical process, are only experiences that have been lived before, updated and resigned in a corrective emotional experience, Introdugao A justificativa para a escolha do tema e, principalmente, do titulo, do ensaio em foco tem ‘muito a ver com o momento presente de minha vida: a chegada da segunda filha, o término do Curso de Especializago e um pouco mais de maturidade no papel de mae e profissional. Refletirei sobre os “enquadres” que mantemos na vida, o que propomos ao paciente e 0 que o paciente, inconscientemente, nos deposita. So reflexes a partir do tema enguadramento, a parte do “no processo” e as constantes dentro de cujo marco o processo se da. E seré a manuten¢do do enquadramento que permitira a andlise da parte psicética da personalidade. Adotarei como suporte te6rico algumas consideragdes de D. W. Winnicott ¢ Viedermann. Para comegar a falar de uma relagao, temos de pensar que, ao vermos um bebé, temos que ver um bebé sendo cuidado e como se dé o interjogo dessa relagdo. Creio que a reciproca deve ser transportada para a questéo analitica ... um paciente... e como o analista cuida dele. Destaca- * Especialista em Psicologia Clinica Analitica, Psicandlise e Psicoterapia Infanto Juvenil. Docente da UNIPAR. se a relacdo do analista para com seu paciente, 0 enquadre que ele oferece, como se encontra sedimentado e se esté analiticamente compreendido ou se parte desse contrato sera instituido. Define-se a situagdo psicanalitica como a ‘olalidade dos fendmenos envolvidos na relagao terapéutica entre analista ¢ paciente”. Abarca 0 processo e o "enquadre”. Por processo entendem- se “os objetos de nossos estudos, andlises ¢ interpretagdes”. O enquadramento diz respeito as constantes de um fenédmeno, método ou técnica; engloba o papel do analista, do ambiente espacial ‘ou temporal e da parte técnica, como horarios, honoritios, interrupgdes planejadas, ete. Num segundo momento, a reflexao voltar- se-d sobre aspectos, como a interrupcio da andlise, as rupturas de enquadramento e como se articulam as questdes de transferéncia ¢ contratransferéncia. Para tal, tomar-se-20 como base alguns artigos de José C. Zanin e S. Viedermann, 1, PRIMEIRAS RELACOES Nos primérdios da vida de um bebé nao hé representagao do ato. Pode existir mais de uma forma de representagao, embora muito rudimentar. Nao ha consciéncia de si no ato, mas essa consciéncia ocorrerd tardiamente, tanto na evolugio da espécie quanto na constituigao do sujeito. Ha, sim, um no ego e é pelo enquadre oferecido aele que esse ego comega a se estruturar Freud fala de dois principios do funcionamento mental, entre eles 0 de um ego rudimentar, algo ndo muito elaborado que s6 mais tarde ganha uma melhor estruturagio. Esse enquadre a que me refiro é um estado ‘em que 0 bebé/paciente deve estar em fusdo com a méc/analista, sendo absolutamente dependente da provisio fisica e emocional que ela proporciona. Sem essa estrutura de relagdo nao podera se desenvolvero ego, nem ao menos se obteri sucesso nas intervengdes terapéuticas. O ego do bebé/ paciente € fraco e é amparado pelo ego materno/ analista, Esse amparo ¢ que trara o fortalecimento © as condigdes necessarias para que esse ego se estruture: € 0 “holding” a que Winnicott se refere A mie analista passa a sustentar esse bebé/ paciente, satisfazendo a sua dependéncia, Nao se trata da satisfagao das necessidades pulsionais, mas do “holding” das necessidades do ego. proporcionando adaptagdes. Quando 0 cuidado materno se revela suficientemente bom, ha o desenvolvimento do ego. Isto quer dizer que ele nao sofre perturbacies excessivas diante de falhas nesse cuidado. Por sua vez, uma mae devotada pode ser corrigida ¢ proporcionar ao bebé uma sensagao de seguranga ede ter sido amado. Tem-se que destacar, porém, anccesséria sensibilidade da mae asses possiveis ruidos. Correspondéncia semelhante ocorre com a situagdo analitica. 2. ALTERACOES NA DiADE RELACIONAL Quando perturbagdes fundamentais de adaptago ocorrem, tais como: mudangas repentinas da técnica de “matemagem”, ruidos altos, falta de apoio para a cabega, abandonos, comportamentos irregulares e nio previsiveis da mae, “a continuidade de ser” é interrompida por reagdes as conseqiéncias dessas falhas, que resultam num enfraquecimento do ego. Tais interrupges constituem aniquilamento € silo evidentemente associadas a sofrimento de qualidade e intensidade psicologicas. E relativamente ficil montarmos um paralelo entre paciente/analista. © analista perturba o seu enquadre com o paciente, quando no cumpre 0 horario estipulado ou se ausenta por periodos longos. A auséncia de contactos e a interrupgaio da anilise provocam crises, por atacarem 0 “no-ego” do paciente. Ao que parece, somente apés muito tempo experimentando essa relagaio de “ndo-ego”, € que 0 paciente poder paulatinamente desenvolver seu ego e até vira suportar frustragbes por periodos de separagOes ndio combinadas. Em outras circunstincias € o paciente que provoca as rupturas ao enquadre, tentando quebrar ocontratado, Esse ¢ 0 momento adequado para tentar compreender a sua mais primitiva relagiio e conhecer quais as rupturas que esse ego sofreu ao longo de seu trajeto de estruturaao: como foi, na verdade, construida sua relagio simbiética. E exatamente nesse momento que se estabelece uma nova relacao de objeto, construida a partir da transferéncia e contratransferéncia. Nesse ponto, o analista utilizar-se-4 da interpretagdo para rearranjar a relagio de objeto dentro de moldes mais estaveis, recuperando dessa forma o enquadre rompido. O enquadre pode ser visto como uma constante, 0 pano de fundo no qual a situagao inconsciente pode tornar-se consciente. ‘A capacidade de integraciio do bebé/paciente faz parte do material herdado. Pode revelar-se desde que se apresentem certas determinantes ambientais que fazem parte do “holding” da mae. Ea manutengao desse enquadre que nos dari condigdes de perceber quais os recursos ou provisdes que o paciente tem para entrar num processo maturativo. As rupturas de enquadre nos permitirdo analisara sua parte psicética. Por outro lado, é na manutengao da constancia dessa variavel dependente, o enquadre, que poderemos investigar as outras variaveis independentes que se tomaram responsiveis pelo “ndo desenvolvimento” do ego. Tendo em vista o fato de a analista/mae oferecer ao bebé a sustentagdo adequada, abre-se apossibilidade de estruturago do ego. Isso ocorre a partir de fragmentos da primeira percepcdo de incompletude e, num segundo momento, a partir do objeto que gratifica € que falta. O “ndo-ego” do paciente/bebé & a base ou o marco do ego organizado. Pode ser considerado figura e fundo de uma s6 “gestalt”. Esse “holding” constitui-se também pela capacidade de a mie se identificar com 0 bebé e representa tudo aquilo que ela faz para o bebé no decorrer desse periodo de dependéncia absoluta. E nessa experiéncia de sustentar o bebé que a mae atua como ego-auxiliar, de forma a fortaler o seu ego frigil, tomando-o forte. Um “holding” que é feito através de palavras do analista e do modo ‘como ele manuseia o “setting”, podendo dizer que uma interpretagio correta & experimentada pelo paciente como uma espécie de contato fisico.(1) E de grande necessidade para o bebé/paciente ter uma mie/analista que receba a evacuagio de sua angistia, que reflita sobre ela e que responda apropriadamente. Se isso ocorrer, o bebé/paciente tem uma experiéncia de ser entendido, tanto quanto de ser reconfortado. Ele recebe de volta a parte de sua personalidade evacuada num melhor estado, além de ter a experiéncia agradavel de um objeto que foi capaz de toleré-lo e de pensar sobre ele. 0 bebé come¢a a tornar-se capaz de tolerar a si mesmo e de aprender a respeito de si e do mundo, descobrindo o significado das coisas. A falha da mae em responder A sua afligao resulta na introjegao de um objeto hostil ao entendimento que se junta a essa parte de si mesma incapaz de oferecer uma resposta. Isto é entdlo experimentado como “terror sem nome”.(2) Por detras das rupturas de enquadre, sempre se escondem lutas do ego para se manter ¢ se struturar. Vém a tona sofrimentos e desgastes de suas primitivas relagdes de objetos. Esses aparecem gragas a compulsio e a repetigao. Para ilustrar a questo, pode-se aduzir 0 cexemplo de uma paciente em atendimento clinico (1) MELLO FILHO, Jalio de. Revista Brasileira de Psicologia. Vol. XXIV, n° 2 (2) HARRIS, Marta, Rev. Brasileira de Psicandlise, Vol. XXIV, n°2. ha aproximadamente sete meses, cujas tentativas de ruptura so muito ilustrativas. Suas ameacas de abandonar o tratamento clinico misturavam-se com um sentimento contratransferencial de que ndo apenas abandonaria a andlise, mas que o fato me deixaria muito insegura. A crise que levou a ruptura eclodiu no momento do reajuste dos honordrios para o més seguinte. Comecou pelo ato falho de retirar-se sem antes fazer 0 acerto das sessbes realizadas, como sempre fazia, todas as sextas-feiras. Retomnou & clinica duas vezes no mesmo dia, mas encontrou- me atendendo outro paciente. A secretéria foi instruida a comunicar-lhe que fizesse o acerto na sesso seguinte. A paciente compareceu a sesso, dizendo que sonhara e brigara comigo a noite toda; que, durante as sessbes, nfo a deixava falar e assim nao seria possivel continuar 0 tratamento; que soffera muito a semana inteira; que resolvera cencerrar 0 tratamento, pois ndo dispunha mais de condigées para arcar com os seus altos custos; que ‘eu exigia que andasse mais répida do que as suas possibilidades; que nfo suportava mais os aumentos de honordrios, uma vez que os seus ganhos niio eram reajustados proporcionalmente. E passou a fazer-me intensos ataques, como seu objeto interno. Percebi que foi na tentativa de ruptura do relacionamento, quebrando o contrato mituo, que a paciente pode revelar um ataque que 0 seu ego softera num momento da vida, no qual, pelas circunsténcias, era obrigada a manter-se por suas proprias iniciativas, quando ainda néo dispunha de condigdes para isso. Tal ruptura se deu com 0 nascimento de sua irma ¢ com a concomitante obrigagao de ser independente num periodo da vida em que ainda nao tinha condigdes para tal Aparentemente, foi esse fator que marcou toda sua existéncia. A independéncia tomara-se um fatso self” Devem ser ressaltados aqui dois aspectos importantes: primeiro, que sua irma era muito doente e tomava todo o tempo da mie, sendo a diferenga de idade entre elas de um ano e um més; segundo, que, ao retornar da licenga maternidade, retomamos novos hordrios das sessdes em fungio do aleitamento materno de minha filha. A paciente queria ocupar justamente esses horérios. O mais intrigante da situago era 0 fato de que sua regressio se tomara tio intensa que a paciente captava por outra dimensdo - a inconsciente - os horarios destinados a amamentago de minha filha, Foi nessa tentativa de ruptura que ela pode perceber a sua realidade mais intima, particularmente as razées de seus medos de vincular-se. Comegoua questionar toda sua relaca0 simbidtica para comigo e com sua mae; seu casamento fracassado, que terminou em separagao € em cuja diregdo e destino estava caminhando nossa relagao. Ao mesmo tempo foi-me possivel entender a razio de sua firia para comigo e de sua incapacidade de admitir tal fato. Ficava furiosa comigo porque nao Ihe prometia um mundo cor- de-rosa, sem os concomitantes reajustes que Jevariam a uma quebra e a um corte em nossa liga simbistica. ‘A quebra da liga introduz.o pai, e ai surge uma outra questio extremamente importante, mas que foge ao propésito desse trabalho, Propondo os reajustes, eu a conduzia a ver sua realidade interior, que ela negava. Essa realidade consistia num “excesso de estimulagao ambiental que o seu - “ndio-ego” - no conseguia ssuportar. E 0 que Winnicott denomina de falha de adaptagdo ambiental que, segundo ele, “implica a sobrevivéncia do ego e a retengdo de uma experiéncia alternativa - a ira - na qual o desapontamento nfo ocorre”. Esse desapontamento consistia para ela na perda do paraiso. Ela, porém, negava-se a admitir que o tinha perdido. Desse modo, permitia que a ira tomasse © lugar, eximindo-se da responsabilidade de elaborar a perda. 3.0 RESTABELECIMENTO DA RUPTURA: MANUTENGAO DO ENQUADRE E INTERPRETAGAO Pelo que vimos até aqui, toma-se possivel afirmar que é gracas as tentativas de ruptura que podemos chegar as mais primitivas situag6es, quando 0 “nao-ego” foi atacado, ficando imobilizado ¢ impedido de se desenvolver adequadamente e que essas rupturas ou ataques ao enquadre podem ser restabelecidos através da interpretaco. ‘A realizagio de uma analise ideal depende de se adotarem procedimentos rigorosos. Quando se processar com rigor e de forma progressiva a passagem de regras mais soltas para regras mais sistematicas, que fechem o espago analitico em uma unidade codificada e sem falhas, poder-se-4 perceber, com maior evidéncia, dia-a-dia, que os fendmenos transferenciais ficam mais precisos € que, em sua profundidade, acabam por afetar 0 campo analitico inteiro. Como se vé, ndo se trata de impor leis aos pacientes ¢ fazé-las cumprir. Trata-se, sim, de entender por que a parte contratada ameaca romper-se Por outro lado, nlio menos preocupante é a relagdo paciente/analista na qual tudo corre bem ¢ sem problemas. Imagine-se um bebé que nao chora, que nao solicita, que nao percebe 0 outro como sua relagdo objetal, para o qual tudo é identificagdo projetiva - tio “ego-fundido” - numa relagdo simbiotica, que néo precisa se haver com a falta, com algo que frustra ¢ que o impede de ctiar simbolizagao. ra, as leis foram feitas para serem violadas, pois s6 assim 0 ego se desenvolve. A violagio possibilita o rompimento da simbiose, promove 0 desenvolvimento egéico e supera a realidade que ‘se imp6e como uma fungdo castrativa. E claro que esse corte da forma adaptativa s6 € possivel apés, ter-se constituido um ego, fundado a partir de um “niio-ego”, Penso que, como no caso de um bebé, cujo “niio-ego" vai se constituindo em ego, necessitando de cuidados como: maternagem adequada, integragdo € manejo, apresentagao de relagdes, objetais, “holding”, etc., 0 mesmo trajeto & percorrido por um paciente em tratamento analitico €, Messe caso, acrescente-se a necessidade de um enquadre adequado, “setting” e interpretagdes que vvisem a integragdo egdicae o restabelecimento des, relagdes objetais. Com esses cuidados, 0 bebé/paciente vai fortalecendo o seu ego e gradativamente habilita- se a suportar a realidade interna, contrapondo-a com a externa, 4. A ANGUSTIA NO ANALITICO PROCESSO Afastando-me um pouco da discusso em torno do enquadre, dedico-me a questo das imterrupgdes ¢ da angustia. Como em tudo na existéncia humana, no processo psicanalitico também existe a hora pesada e os momentos de crise ‘Quando poderosas forcas desestruturadas do paciente s8o colocadas em evidéncia para adevida anilise, produzem-se situagdes de gravidade no enquadre, com possibilidades reais de rupturas. ‘Nesses casos, a resposta emocional do analista € como que uma “chave para a compreensio do inconsciente do paciente”(3). Por (3) HEIMANN, Paula. The International journal of Psycho-Analysis. Sobre a Contratransferéncia. Vol. XXXI, 1950, parte Ie Il, pg 81 a 84. outro lado, a contratransferéncia nada mais significa do que uma criagao e uma parte da personalidade do paciente. As experiéncias de confusao serio o momento de criagdo do paciente, criago que pode se objetivar pela relacao especular que esté instalada, A partir dessas vivencias € que se forma a interpretagdo no interior do analista, “O modelo implicito da contratransferénci € o de uma relagao ficticia mae-filho, onde a mae se faz receptora do que aconteceu com seu filho: experimenta uma anguistia que a desperta para o perigo, que aumenta a acuidade de percepgdio de si mesma e do filho, restitui a ele, através de palavras e de gestos adequados, a significagio distinta do que ele experimenta. A angiistia contratransferencial do analista poderia ser, idealmente, a de uma me capaz de ressondncia com 0 estado da crianga, de continéncia das energias dessa angiistia, de metabolizagio e metamorfizagao dos afetos confundidos que tendem a transbordar na crianga. E, portanto, o modelo da relagao mae-filho que aqui regula a fungdo da experiéncia inter-subjetiva da contratransferéncia e que faz desta um dispositive pré-consciente apropriado para dar, na linguagem, Tessondncia aos diversos estados vivenciados pelo paciente. A angistia contratransferencial nado aparece apenas como uma resposta, mas sim, como um momento critico de atengdo e, assim sendo, como instante analitico de constituigao da interpretagao.(4) Nas situagdes de interrupgao, ocorrem aspecios dignos de nota, tanto no paciente, como no analista. A contratransferéncia e a posigio bsica do analista forneceriio os elementos bisicos para uma melhor compreensiio dos fatores que participam na formagio das crises. Diversos sio 0s fatores que podem conduzir a uma interrupgo da andlise. Em regra geral, pode-se dizer que se referem a alaques contra certos objetos internos - posig2o esquizoparandide - e A dificuldade de repari-los - posig&o depressiva. Para o analista, as “crises” devem ser encaradas como um momento de progresso. E, sem duvida, uma afirmagao paradoxal, mas é a “crise” um fator que derrama luz sobre o desconhecido e permite a continuidade da interpretagao. E através daquilo que a transferéncia revela e a contratrasnferéncia sinaliza que se poderd manter arelagao. Nesses momentos de crise, no entanto, existe um fator que passa a contar decisivamente: a atitude do analista, Frente a “crise” do paciente, 0 analista ira experimentar um duro golpe a0 seu narcisismo, E se no atentar para isso, incorre no perigo de perder sua capacidade de percepedo. Em situagdes de crise, ¢ fundamental que 0 analista se questione sobre sua relagao de objeto, sobre seus objetos internos, como os mantém e os repara, e sobre sua integridade narcisica. Tudo isso estard em jogo no momento de avaliar a sua contratransferéncia. Em trabalho recente sobre a questo do entranhamento do do paciente com o analista, De Paola afirma o seguinte: (...) “se 0 objeto interno do analista esti muito danificado e ainda no houve elaboragdo dos processos reparativos, instala-se grave dificuldade transferencial. Sao objetos danificados do paciente que tendem a se encontrar com seus similares dentro do analista, E se os objetos jd estio suficientemente reparados pelo analista, as coisas correm muito bem e a fungdo psicanalitica se desenvolve com certa iilidade” (5) (4) FEDIDA, Paula. Clinica Psicanalitica: Estudos. Escuta, 1990. (5) DE PAOLA, H. F. B. Contratransferéncia e Processos Reparativos no Analista. Rev. Brasileira de Psicandlise. Vol. XXIII, n° 1, 1989. Nas intengdes de interromper aandlise, como citei anteriormente, o ataque narcisista que 0 analista sofie, fi-lo reviver suas experiéncias precoces de desamparo ou abandono, que sto seus estados primitivos, vinculados a objetos intemos arcaicos que o submetem a angistia de perda e de separago ¢ a fantasias com teor destrutivo depressio. Nessas reagdes terapéuticas negativas do paciente, afirma Zanin, “o analista ira experimentar um contato mais ou menos perturbador com o estado de sua auto-estima, como valorizagao de sua capacidade de trabalho e, sobretudo, com 0 seu proprio narcisismo. E se estiver perturbado em seus processos reparativos,criara uma necessidade de melhorar o paciente para sua autogratificagao aplacamento ea resposta negativa do paciente sera sentida como ameagadora e hostil. Com seu narcisismo nao bem resolvido, experimentara culpa persecutéria, tornando-se um objeto interno danificado; e 0 narcisismo, um superego demasiadamente exigente”. (6) Se o narcisismo estiver melhor elaborado ‘mais atrelado ao amor proprio, a identificagio do analista com o paciente se faz a partir dos objetos internos reparados e do proprio “self” do analista aprimorado e desenvolvido, Paula Heimann sugere que os analistas utilizem os seus mais variados sentimentos. Para ela, esses sentiments irdo incluir a contratransferéncia, para que o analista possa ‘compreender melhor o inconsciente do paciente pela percepgdio de seu proprio inconsciente. Quando fatores intrinsecos do analista dificultam sua permeabilidade inconsciente- consciente, ele intensificard as identificagdes projetivas, turvando a percepgao ou incrementando defesas caracteriologicas ¢ exigéncias narcisicas, o que o remeteré a uma posicio contratransferencial, ou seja, a uma situagio paranéide. ‘Nas crises de interrupgaio faz-se necessério um analista tranqiiilo e adequado, que possa conter ‘toda. situagio emergencial e que tenha restaurado srandes partes de seus objetos intemos. Para tanto, so necessarios a analise pessoal, as supervises periddicas ¢ ainda um bom embasamento tedrico- téenico. CONCLUSAO A partir do exposto, pode-se afirmar que a fungdo primordial do analista sera a de acolher as associagdes do paciente, seus impulsos mentais, ansiedades e defesas, transformando-os em contetidos légicos, passiveis de serem filtrados ¢ interpretados. Mas, para que isso acontega, precisara dispor de um “setting” psicanalitico capaz de criar uma espécie de'“érea de experincia iluséria” que permitiré ao paciente regredir partes de seu “self” a regides primitivas do funcionamento mental, Trata-se de formar um “lugar psiquico” através do qual ele possa entender as razdes que levaram o paciente a se afastar do objeto original € © modo como busca restabelecer a primitiva unidade basica com a mie. Para obter sucesso, o analista deverd prover o paciente de um ambiente suficientemente estivel. Em outros termos, a tarefa do analista consite em criar um iitero pés-natal com vista a propiciar a0 paciente um nascimento psicoldgico, uma vez que, supde-se, esse no se verificou ainda integralmente. O analista funcionard inicialmente (6) ZANIN, J. C. Crises de Interrupgdo da Andlise e a Contratransferéncia. Revista Brasileira de Psicandlise. Vol. XXIV, n° 4. como um ego-corporal e s6 posteriormente como ego-auxiliar. Assim, 0 “ndo-ego” do paciente tera chance de se desenvolver para ego. O analista necessita, portanto, estar atento a todas as situagdes que sdo criadas nessa hora terapéutica, particularmente as transferéncias e is contratransferéncias, a fim de que lhe seja possivel produzir a elaborago de uma interpretagao fidedigna e itl para 0 paciente. A sua fungao sera apenas ade analisar. A anélise fornecera subsidios suficientes para o desenvolvimento equilibrado desse ego. Simbiose e Ambigitidade. Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro : 1992. 2.DEPAOLA,H. F. B. Contratransferéncia e Processos Reparativos no Analista. in: Revista Brasileira de Psicanilise, vol. XXII n°}, 1989. 3. PEDIDA, P. Cli Escuta, 1990. 4, HARRIS, H. A Mie Suficientemente Boa: Notas sobre a fungao continente materna. in: Revista Brasileira de Psicandlise, vol. XXIV, 1, 1990. 5. HEIMANN, P. The International Journal of Psycho-Analysis. Vol. XXXII. Sobre a Contratransferéncia. 1950, parte I Il. pg. 81a 84. 6. MELO FILHO, J. Donald Winnicott, 19 anos depois. in: Revista Brasileira de Psicandlise, vol. XXIV, n.°2, 1990, 7.VIDERMAN, S. A Construgiio do Espaco Analitico. Escuta, so Paulo : 1990, 8. ZANIN, J. C, Crises de Interrupgio da Anilise e a Contra-transferéneia. in: Revista Brasileira de Psicandlise, vol. XXIV, n.°4, 1990,

You might also like