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o problema da construção de uma ferrovia (que) não tinha base econômica, era
apenas ir do ponto A ao ponto B, tout court. ... a linha deveria seguir o divisor por
ser mais fértil e permitir melhores traçado e perfil. (p.91-2) Pagina 35
Outra questão considerada nos Estudos definitivos (1905) e que dizia respeito à
distância e ao isolamento das futuras obras era a maneira de obter materiais de
construção. Constatou-se a inexistência de “pedreiras de boa qualidade” na
região, “as que existem em um ou outro ponto da linha prestam-se somente para
fundações e enchimentos” (p.5-6). Por outro lado, encontrava-se madeira de
forma abundante: peroba, sucupira, cedro, ipê etc., que serviriam muito bem para
dormentes e edificações. Pagina 36
Estes, os sertanejos, baianos e mineiros executavam o trabalho mais pesado: a
derrubada das matas e o destocamento. Como a ferrovia percorria, em boa
medida, os espigões, cruzava as matas
mais densas, florestas fechadas, dotadas de árvores imensas de corte e destoca
penosíssimas. A superestrutura que consistia na locação da linha, assentamento
dos dormentes e trilhos ficava para grupos mais especializados, quase sempre
formados por imigrantes portugueses e espanhóis.
Contudo, todos os grupos tinham uma característica: eram subempreitados pela
firma de Machado de Mello, de maneira a reduzir ao máximo as despesas com
as obras. Pagina 37
As condições de trabalho eram subumanas: as jornadas eram de dez horas,
todos os dias da semana, sem exceção. Em razão da distância, os empregados
eram obrigados a comprar alimentos nos armazéns de propriedade da
Companhia, onde acabavam por se endividar. Pagina 37
Tidei de Lima (Lima, 1978, p.167-8) narra em seu trabalho também o emprego
de métodos “heterodoxos” para a dizimação de aldeias inteiras: envenenamento
de alimentos e suprimentos de água e a utilização de roupas contaminadas com
germes da varíola, deixadas próximo às malocas.
Outra forma de revide pelo indígena eram a destruição de trilhos, a queima de
postes telegráficos e construções da ferrovia, bem como a execução de
funcionários da estrada de ferro, alvos mais fáceis por causa do isolamento das
instalações concluídas em plena floresta. Pagina 42
Operários!
na estrada de ferro espera-vos a miséria,
a febre, a fome e o calote
o escravocrata Machado de Mello deve ser boicotado.
Trabalhadores
evitai a Noroeste.
Ninguém deve ir trabalhar na Noroeste.
Ali morre-se vitimado pelas febres;
pela miséria e pelo chumbo dos capangas.18[
Pagina 43
Com todos esses ingredientes, não é à toa que a violência da região chegasse
a ser conhecida até no exterior, especialmente em países que para o Brasil
enviavam emigrantes. Estes eram alertados para não se dirigirem à região da
Noroeste paulista (Castro, 1993, p.211-2). Mesmo imigrantes já habitantes no
país só terão como destino essa região, para moradia, após a pacificação
indígena. As obras, contudo, prosseguem, estações são inauguradas e deixadas
para trás com reduzido pessoal, que além de cuidar dos trabalhos habituais
referentes à ferrovia tinha como missão proteger as instalações contra os
ataques indígenas. Estas funcionavam como “fortalezas solitárias” no meio da
floresta, apoio de operações bélicas.
Até por volta de 1880, portanto, a ocupação da Zona Noroeste Paulista pelo
homem branco estará restrita à região da futura cidade de Bauru. Daí até as
margens do Rio Paraná, raríssimos serão aqueles a desafiar a floresta e o gentio.
Somente na década seguinte, por motivos que adiante veremos, o quadro
começa a mudar. Pagina 74
A citada rua de sentido norte-sul era a antiga estrada que ligava o sertão a
Lençóis Paulista, local das principais moradias, hotéis e comércio, juntamente
com os arredores do largo da capela. Com a instalação das ferrovias, no lado
oeste da cidade, todo o comércio e serviços para aí se dirigem, levando à
decadência aquela que tinha sido a primeira rua comercial (Ghirardello, 1992,
p.102). A vocação de Bauru como pólo comercial e prestador de serviços inicia-
se com a instalação da CEFNOB, que, unida à Sorocabana e à Paulista
inaugurada em 1910 (ibidem, p.92), transforma a cidade em importante nó
ferroviário. Sendo a última localidade em direção a Noroeste do Estado, sua área
territorial era imensa: oitocentos mil alqueires (Ercilla & Pinheiro, 1928, p.151)16
abrangendo praticamente toda aquela zona.
A instalação quase imediata da Sorocabana e do complexo da CEFNOB altera
dramaticamente a pacata vida local. Milhares de trabalhadores dirigem-se a
Bauru em busca de ocupação nas obras. Pagina 80
Tidei de Lima (1978) é enfático a esse respeito:
Sobre coronelismo
Manoel Bento da Cruz não era o único coronel da Zona Noroeste, mas com
certeza chegou a ser, no período por nós estudado, o mais importante. Seu
biógrafo, bem como outros autores que tratavam das cidades da região, chamou-
o de “Plantador de cidades”, ou mesmo “O homem que fez a Noroeste”.36 Essa
última denominação nos parece particularmente interessante por sugerir a
inexistência política da zona antes de Bento da Cruz. Em parte é verdade, porque
a área estava sendo ocupada na época em que Bento da Cruz para ela se dirigiu.
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Grande parte das cidades paulistas fundadas durante o século XIX tem os seus
chãos originados de patrimônios religiosos, também denominados capelas.
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É por essa razão que o segundo arruamento, mais alto um pouco, mais plano
em sua cumeeira, se adensou rapidamente com finalidade residencial. O
comércio e serviços por sua vez foram atraídos pela Estação Ferroviária88
localizada em zona mais baixa junto ao primeiro loteamento, porém mais próxima
do movimento de pessoas e mercadorias.
O arquiteto Luiz Saia, no Plano Diretor para Lins, da década de 1950, observa
surpreso que, embora a maioria das cidades procure as áreas altas para seu
desenvolvimento, em Lins, este costume foi peculiarizado pelo fato da Beira-Rio
coincidir com a linha férrea, presença que deve ser considerada contrária à
tendência citada, e que se revelou incapaz de modificá-la, senão apenas
retarda-la...89 Pagina 191
Nesse caso, além de atrair para si a vida urbana local, a ferrovia reservou, em
sua propriedade, espaço específico para essas atividades, fazendo as vezes
da praça municipal, nesse primeiro momento inexistente no traçado do
povoado. Pagina 194
Em primeiro lugar, sua origem não está atrelada à produção cafeeira, como os
demais núcleos criados no século XIX. Pelo contrário, são constituídos em
decorrência de uma ferrovia de penetração, a Companhia Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil (CEFNOB). Esta, diferentemente das demais estradas de
ferro paulistas, que buscavam a produção cafeeira, fora organizada para ligar
Estados com penosos e custosos acessos aos principais centros urbanos do
país. Seu traçado e destino, alterados por diversas vezes, embora mantendo um
certo sentido estratégico, acabaram sendo definidos por zonas de terras virgens,
de boa qualidade e principalmente devolutas.
A construção da CEFNOB incentiva e acelera a ocupação rural da região
Noroeste. Seus moradores originais, os índios caingangues, serão praticamente
exterminados por bugreiros contratados pela estrada de ferro e posseiros
invasores das imensas glebas pertencentes ao Estado.
Como medida de economia e multiplicação de lucros, a CEFNOB, ao ser
construída, utilizou-se de pouca tecnologia e intensa exploração da força de
trabalho, resultando um percurso longo e sinuoso, buscando poucos cortes e
aterros. Nessa lógica, as extensas esplanadas, que continham as estações,
foram implantadas à meiaencosta de cursos d’água. As estações, por sua vez,
foram os locais preferidos para formação dos núcleos urbanos que tiveram seus
traçados dispostos a partir das esplanadas. Estas presidiram o arruamento,
ordenando claramente a posição e composição do traçado, na maior parte das
vezes reticulado.