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sinteses da cultura portuguesa HISTORIA DA MUSICA Rui Vieira Nery Paulo Ferreira de Castro 2.8 EDIGAO ‘lo Poet 4 EUROPALIA — PORTUGAL ee y ~ IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA i = NOTA INTRODUTORIA Desde 0 aparecimento da Historia da Musica Portuguesa de Jodo de Freitas Branco, em 1959, que nao se publica entre nds qualquer pisdo de conjunto da evolugdo da Musica em Portugal, do perfodo medieval aos nossos dias. Esta situagdo contrasta com os progressos substanciais que se realizaram nas tltimas trés décadas no dominio da investigacdo musicoldgica, gracas aos quais dispomos, designada: mente, de um extenso corpus de edigdes modernas da nossa Miisica dos séculos xvia Xvi, bem como de um volume considerdvel de novos dados bibliograficos sobre os nossos muisicos passados ¢ presentes. ‘A falta de uma tradicao de reflexdo sintética sistemdtica sobre a nossa Historia da Miisica leva, contudo, a que essa investigagao se tenda a distribuir de forma desigual pelos uarios periodos e géneros, permi- tindo a subsistoncta, no que respeita a muttos deles, de graves lactnas de conbecimento. O presente trabalho representa acima de ido uma Sintese de natureza problematizante, que procura nao sO tragar as linbas de fundo da evolucdo da nossa Miisica mas propor simulta- neamente modelos operacionais para o seu enguadramento interdis ciplinar no contexto mais global da Histéria da Cultura portuguess. Fazemo-lo com a plena consciéncia de que em alguns casos 0s btatos da informacao dispontvel convertem as bipdteses interpretativas que lagui apresentamos em meras propostas de trabalbo tebrico que Geverdo necessariamente sor testadas e revistas a medida que a inves tigacao for progredindo nos respectivos dominios. "Este trabalbo conclui com uma bibtiografia actuatizada, que inclui nao $6 todos 08 titulos citados no corpo do texto como wma vasta ‘escolha de obras que se consideram de referéncia fundamental para © leitor que procure aprofundar os seus conbecimentos sobre esta matéria. Nao se trata, porém, de uma bibliografia exaustiva, ten- ‘do-se omitido, nomeadamente, as referencias a alguns trabalbos mais antigos cujo contributo tenba entretanto sido incorporado em estudos die conjunto recentes. ® Historia de Miisiea Portuguesa Os autores agradecem a colaboragao inestimdvel presiada na obtengéo de fontes ao Prof. Manuel Morais, do Conservatério Nacional, aos Profs. Doutores Manuel Carlos de Brito e Mario Vietra de Carvatho, do Departamento de Cléncias Musicats da Universidade Nova de Lisboa, ¢ ainda & Dra, Isabel Freire de Andrade, Directora do Departamento de Musicotogia do Instituto Portugués do Patrimonio Cultural. Lisboa, Janeiro de 1991 RUI VIEIRA NERY PAULO FERREIRA DE CASTRO PRIMELRA PARTE Rut VIEIRA NERY 4 DO PERIODO MEDIEVAL ‘AO RENASCIMENTO 2. © PERIODO MANEIRISTA 3. © PERIODO BARROCO 1. DO PER[ODO MEDIEVAL ‘AO RENASCIMENTO. Os Antecedentes Medievais A Organizagdo Musical Litirgica Qualquer tentativa de sintese histOrica da nossa Miisica medieval se depara com dificuldades de varia ordem, de que as principals sto indis cutivelmente a escassez das fontes musicais priticas que nos chegaram deste petiodo e a debilidade dos estudos musicolgicos de que até agora estas foram objecto, © nasso conhecimento da vida musical do Portugal medieval continua, assim, abasear-se em grande parte em fontes documen- luis elterrias de natureza historica geral que nos descrevern a evolucao polltico-institucional de fundo sobre a qual a Mésica se desenrola e nas uais, quando muito, nos surgem referencias esporidicas 4 Musica e aos isicos portugueses Tal como sucedeu em toda a Europa ocidental, entre nds a pratica ‘musical erudita sobreviveu ap6s a queda do Império romano sobretudo ‘Ro quadeo da lturgia musical crist2. O desmembramento do Império € 2 instabilidade politica e militar que se Ihe seguuiu até & instauraco 'na Peninsula da monarquia visigotien dificultaram em extreme usa!” cago hierérquica, doutrinal elitirgica da Igreja peninsular, mas as auto. idades eclesidsticas ibéricas desenvolveram desde muito cedo um esforgo gigantesco de concertacao que Ihes permitiu, jf no Concilio de Toledo de 633, procurar impor as linhas gerais de uma lturgia nica, Que, muito embora dmitindo algumas variagdes locals, obedecesse + Padrdes comuns no que respeita ao formato das ceximénias, 208 tex208 ‘antados ¢ ao espectivo suporte melédico. Coligia-se assim numa pratica ‘mais ou menos unificada 0 chamado rito hispanico, um dos grandes ‘amos da fama lieérgica do Ocidente cristio, a par com os seus congé 7 Historia do Misica eres galicano (Franga), Sarum ou anglicano (Inglaterra), milanés ou mbrosiano (Milo), romano antigo (Roma) ¢ beneventano (Sul de {ral}. yualmente designada por rifo visigdtico, por se ter enraizado sob a vigeacia do reino dos visigodos, ou por rifo mogdrabe, por se ter perpetuado mesmo sob o dominio muculmano, beneficiando da rela- tiva tolerancia dos arabes para com o culto cristo nos territ6rios sob a sua administracdo, esta liturgia ibérica espectfica manteve-se cm uso até 1080, data em que 0 Concilio de Burgos, respondendo ao apelo nesse Sentido do Papa Greg6rio VII, decretou a sua substituigao pelo chamado Fito romano. Este dikimo, que hoje conhecemos sob a designagio inade- (quada de «gregorianos, resultara do esforco gigantesco de reprocessa mento, revisio, codificagio e sistematizacdo do rito romano antigo que fora levado a cabo na corte de Carlos Magno no inicio do século x € que, aplicado primeiro ao espaco territorial do Império Carolingio, fora depois gradualmente imposto pelo papado como ito Gnico da Igreja ocidental. Neste panorama litdrgico peninsular, 9 territ6rio que vird a sex portugues ndo parece apresentar sinais de particular originalidade mas evelase reperidamente como um participante de pleno direito em todas 4s suas fases de evolucao. Em Mértola encontramos referéncia @ activi: Gade de um tal «André, principe dos cantores» (Andre princeps ‘cantorum) entre 489 € 525, 0 que, na opinido de Robert Stevenson, Constituirla a primeira mengao conhecida 20 nome de um madsico ‘de Igreja em toda a Europa (1982: V), € existem fortes probabilidades de que 0 célebre Antifondrio de Leon, um manuscrito espanho! ido século X que contém os textos ¢ melodias para 0 Officio Divino de todo 0 calendirio litirgico € constitui a nossa principal fonte actual para o estudo da lirurgia musical hispanica, tenha sido copiado de um original coligido na diocese de Beja (Id) Yi sob 0 dominio arabe existiam no futuro espago portugues algumas instituigoes eclesidsticas cristie de relativa prosperidade, como os Mos- teiros de Lorvio e Vacarica, por exemplo, mas a medida que a Recon iquista prossegue © a administragao cristd se estrutura nos territorios ‘conquistados verifica-se naturalmente uma multipticagio ¢ um reforgo significativos destas instituigdes. A escassez de quadros superiores Ge formacao local que administrem este aparelho eclesiastico em expat ‘sio faz com que a maioria dos novos bispos das dioceses portuguesas seja de origem francesa e tenha de circular entre 0s principais cargos fem causa: em Braga Géraud — o futuro $40 Geraldo — (1096-1109), Maurice Bourdin (1109-1118) ¢ Jean Péculier (1138-1175); em Coimbra, bo Pertodo Medieval ao Renascimento 1B ‘© mesmo Maurice Bourdin (1099-1109) ¢ Bernard (+ 1146); no Porto, Hugues (1114-1136) 0 ja referido Jean Péculier (1136-1138). Esta origem francesa comum dos prelados facilita a aplicagao da decisio conciliat de substituir 0 rito hispinico pelo romano nas respectivas dioceses, havendo indicios de que cada um deles trouxe consigo € fez aplicat ‘dentro da sua jurisdigao livros litirgicos gregorianos copiados em Franca, Aceste respeito esclarega-se que 0 chamado ito bracarense — um conjunto de ceriménias, textos € melodias de exclusivo uso da arqui- diocese de Braga ainda hoje parcialmente em vigor — deve ser consi- derado como uma das muitas variantes locais admitidas no quadto desta unificago litGrgica a partir do rito romano, datando por isso de um. perfodo que teré decorrido provavelmente entre meados do sécuto xi € 0 final do século xin. Outras dioceses © at€ alguns estabelecimentos ‘mondsticos de maior prestigio, como 0 Mosteiro de Santa Cruz de Coim- bra, foram igualmente cendrio de variantes litirgicas préprias do mesmo género, que desapareceram na sua maioria com o Concitio de Trento, ‘em meados do século xv1, quando o desencadear do movimento centra- lizador da Contra-Reforma procurou impor de uma vez por todas moldes livirgicos Gnicos a toda 2 Igreja Catdlica, pelo menos no que respcita as cerimOnias e aos textos. O concflio, contudo, previra que as dioceses ‘que pudessem provar 0 uso continuo, ao longo de pelo menos duzentos anos, de praticas litirgicas proprias fossem autorizadas a manté-las, e Braga resolveu marcar © scu estatuto privilegiado de Sé Primaz das Espanhas através da manutengio de alguns dos seus usos rituais roprios, pelo que procurou atribuir a estes usos uma suposta antigui- dade milenar, fazendo-os remontar a uma pretensa reforma litargica decretada no tempo do reino suevo pelo Arcebispo Si Martinho de Dume (+579), mito que acabaria por ser consagrado na edicao dos livros livirgicos bracarenses em 1634 (CORBIN 1952: 141-147], Este fendmeno exemplifica bem 2 situacdo extremamente complexa ‘que se viveu durante todo 0 periodo medieval no que respeita as rela ‘cOcs hierirquicas entre as virias dioceses peninsulares. quer esta hierar- quia implicasse lagos de subordinagio efectiva ou simplesmente tuma vaga hierarquia protocolar sem consequéncias praticas de monta. Mais de dois séculos ap6s a independéncia de Portugal ainda havia dioceses espanholas sob a dependéncia da arquidiocese de Braga © bispados portugueses subordinados ao arcebispado de Santiago de Compostela, para nao falar da cterna tivalidade entre Braga e Toledo ‘no que respeita a primazia no seio da Igrej2 peninsular, ou pelo menos ‘no que respeita 4 autonomia da primeira em relaglo a segunda 14 tetra da iste ‘k posigao da Santa Sé nesta questio variou constantemente de acordo aoe consideragoes de diversa ordem, com destaque para o partido que {Coro portuguesa ia tomando alternadamente pelo papa de Avignon bu pelo de Roma durante 0 Grande Cisma do Ocidente, ¢ as sucessivas SoltigGes encontradas tiveram em alguns casos consequéncias nos USOs fivirgicos adoptados em cada diocese portuguesa ‘A par da organizagio do clero secular sob a dependéncia das varias dioceses, existiam em Portugal numerosos conventos ¢ mosieiros de grande importancia como centros de actividade cultural ¢ litdrgica, para ld do sev peso econ6mico c social como grandes proprietérios rurais ho quadro do sistema feudal, Originalmente dependentes das autori- Gades diocesanas, estes mosteiros, a exemplo do que sucedia no resto da Europa, foram-se autonomizando da hierarquia eclesiistica secular € filiando-se entre si em redes de maior ou menor coesio que abran- {glam instituigGes similares no estrangeiro. Muitos dos mostelros portu- ueses seguiam a Regra de $20 Bento, pelo menos desde o Coneitio Ge Coyanga, em 1050, ¢ varios de entre eles foram caindo gradualmente sob a influéncia da grande Abadia beneditina francesa de Cluny, alguns ‘em termos de mera aceitagdo da liturgia c dos costumes cluniacenses, ‘como os mosteiros de Pendorada, Santo Tirso, Tibaes ¢ Pago de Sousa, entre outros, outros estabelecendo com a casa-mae lagos de dependéncia directa, como S4o Pedro de Rates, Santa justa de Coimbra Nossa Senhora do Vimieiro [MATTOSO 1985: 131]. A conjugagto desta influén- Gia com 0 facto de alguns dos bispos franceses acima mencionados, Como Géraud, Maurice Bourdin ¢ Bernard, serem eles préprios monges ‘de Cluny, fizeram com que a pentracio da liturgia romana na Igreja portuguesa se tivesse processado essencialmente nos moldes praticados tha Abadia de Cluny, de que um dos Abades, Sao Hugo, desempenhara ‘om papel fundamental na vinda de Raimundo ¢ Henrique de Borgonha para a Peninsula, e posteriosmente no estabelecimento do Condado Portucalense ‘A partir de 1140, contudo, comecou a fazer-se sentir no seio das nossas instituigdes mondsticas de regra beneditina 2 influencia da Ordem de Cister, para cuja dependéncia vitiam a transitar mosteiros de grande poder e prestigio como os de Lafdes, Tarouca ¢ Bouro, entre outros que vila a fundar em Portugal a grande Abadia de Alcobaga. A pene- tragto da influéncia liturgica francesa passon assim a fazer-se entre NOs por intermédio dos cistercienses, partidarios de uma liturgia de extrema Sobriedade, o que marcaria, como veremos, alguns aspectos do desen: Yolvimento cla Masica sacra portuguesa a0 longo de toda a Idade Médi Do Perfodo Medieval ao Renasctmento as designadamente no que se refere ao problema do emprego da polifoni Outros grandes esabelecimentos ecleslisticos portugueses perenciam tos Conegos Regrantes, que segulam a Regra dia de Sanvo Agostino, iat como esta fora definida pot Sto Ruto de Avignon. era o.caso dos Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra e Sto Vicente de Fora de Lisboa, due vam asercentros de aevidade meseo-Htrgiea de grande impor: tincia, Por timo, também as Ordens Miltaresdispunham de casas, Conventuals de grande dimensto, como of Templtios em Tomar, oe Horptairos em Lega ou a Ordem de Santiago em Palmela, todas lis cettos importantes de actividad musical no quad das clebra. es trea. De toda esta pritica musical itenss nos ficou um conjuntodisperso de fonies que aguatda tinda um estado detalhado, apes éa invest facio de fando evada cabo pla masicéloga Francesa Solange Corbin fos anos 40. Segundo esta autora, on manuseritos musics sobrevivertes desde o século at — com excepgio de alguns ragmentos de wm sistema ppuramenteIbénico de notagio neuntiesoriginario da regio de Tole- {49 ~apresentam-nos fundamentamente uma notagio de origem agu- tana, primero utlizando neumasdastemascos ainda sem qualqver isha depois recortendo ja uma linha a seco, o4 de cor vermelha ou ocr, Como ponto de reteréncla para a altura dos sons. partir de meados do seco x apatece-nos, porem, uma variate tupicamente portugeesa da notagao aquitana,caracterzada pelo uso de wma tnia linha sbax0 6 acima da qual se dapoem nota de forma quadeada que pesmitem { idenificagao clara dos viroa gras da esala, com a patculaidade deo interval de meio tom se sempre indicado pelo wo de uma forma Tosangular para a sua nota inferior Este sistema notaconal, de grande simplicidade de desenho, clatera de leur eexiguade de espago 905, tanuseritos, fol usado ene nds até ao século RV, em desfavor da not Go por pauta que entctanto se fora generaiando noUutos paises Icon 1952. 247-251) (Or vos argos, designadamente aqueles que continham notagao snusteal,pressupunham um processo de fabrico lento € especalasdo gue os converts em objectos precosos, e€ asim que os encontramos, fFequestemente manelonados em esamentos como legtdos de grande ‘alors par com alfaas targus de metas nobres ou bens fundicios. Infelizmente, as colecgOes de fontes misico:MOrglcas mas antias a varias dioceses ¢ dos estabelecimentos mondsticos foram quase todas ispersas no século xix, o que tora Ufc a reconsttuigdo da prstica musical especifica das nosis varias institulgOes religlosas medieval 16 sorte da Musica © Repertério Profano A par com o desenvolvimento da Miisica sacra cultivou'se entre nds, pelo menos desde 2 independéncia do Reino, um género poético- musical de cariz aristocritico cujos textos se encontram coligidos em trés grandes cédices manuscritos, 0 Cancioneiro da Ajuda (copiado nos finais do ‘século xill), € 0s da Biblioteca Nacional e da Vaticana (copiados j4 no ‘século xvt a partic de originais provavelmente coligidos no século x1). Nestas c@5 fontes se preservam cerca de 1680 poemas galaico- ‘portugueses, atribufdos a autores que vao de Joao Soares de Paiva, nascido cerca de 1140, ¢ do proprio Ret D. Sancho 1 a D. Pedro, Conde de Barcelos, filho de D. Dinis e falecido em 1354. Independentemente da sua divisdo temética e formal em trés géneros — a cantiga de amor, a cantiga de amigo ¢ a cantiga de escdrnio ¢ maldizer — tudo indica {que a maior parte, se no mesmo a totalidade deste repert6rio trovado- resco, se destinava a ser cantado, com um acompanhamento instru ‘mental sob cuja natureza variada apenas podemos conjecturar a partir das descrigdes literdrias ¢ das reproduges iconograficas daépoca. Esta ligaao intrinseca a Musica esta bem patente no mais antigo dos manuscritos em causa, 0 Cancioneiro da Ajuda, em que se chegaram a desenhar as pautas para o registo das melodias correspondentes 20s poemas, mas em que esse registo musical nunca se chegou a realizar. Deste modo, de toda a produgio musical dos trovadores galaico- -portugueses conheciamos até hd pouco apenas uma folha de perga- minho encontrada a encadernar uma c6pia medieval do De Officits de Cicero — 0 chamado Pergaminbo Vindel, vindo 2 hume no inicio deste século € actualmente pertencente a Pierpoint Morgan Library de Nova lorque — da qual constava um ciclo de sete cantigas do tro: vador galego Martin Codax, seis das quais com as respectivas melodias. Sc a altura dos sons destas melodias no oferece especiais duividas, j4 a sua estrutura ritmica, registada em algumas das pecas segundu um sistema pré-modal ¢ nas restantes segundo um sistema modal anterior a0 de Franco de Colonia, tem sido objecto de varias tentativas contra dit6rias de transcrigio, a mais recente das quais consta de um estudo minucioso de Manuel Pedro Ferreira que abre novas ¢ importantes pistas de leitura [FERREIRA 1986]. Recentemente, contudo, foi anunciada pelo investigador norte-americano Harvey Sharrar, da Universidade da Cali fornia em Santa Barbara, a descoberta revoluciondria, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, de outro pergaminho do mesmo up ‘Do Periodo Medieval ao Renasciniento ” contendo diversas cantigas de amigo do Rei D. Dinis, cujos poemas ‘se conheciam jé, mas que nesta nova fonte aparecem pela primeira vez ‘com as suas melodias, esperando-se agora a publicacio dos resultados do estudo do manuscrito, 'Na falta de fontes musicais, fol sugerida, na linha da chamada fese lntargica, que procura explicar 2 eclosdo do movimento trovadoresco europeu como uma simples extensio da pritica poético-musical rel giosa, a possibilidade da aplicagio aos poemas que nos chegaram de melodias gregorianas que sejam metricamente compativeis com 4 prosédia dos mesmos [ALEGRIA 1968]. Trata-se, porém, de uma tenta- tiva cujos pressupostos hist6ricos tém sido repetidamente contestados, pelos principais estudiosos deste repert6rio, que salientam a existencia de outras raizes pelo menos to importantes como a litiirgica para a pocsia e a Miisica dos trovadores, nomeadamente a tradigdo secular latina ¢ 2 influéncia arabe, cuja marca € nitida em todos os aspectos. da cultura mediterranica ctista. Nestes termos, a aplicacao de melodias de cantochao 20s poemas dos Cancioneiros por meras razdes de coin- cidencia métrica revelar-se-ia, em titima andlise, como uma sobrepo- sigdo arbitraria de correntes culturais e artisticas que ter0 por certo tido centre si miltiplos pontos de contacto mas que foram essencialmente distintas ‘Mais pertinentes s2o as propostas de Manuel Pedro Ferreira no sen- {ido da utilizacto, para o mesmo efeito, de melodias extraidas das Gan. tigas de Santa Maria, uma extensa colecgio de poemas galaico: -portugueses de teor religioso compilada durante 0 reinado de Afonso X de Ledo e Castela (1252-1284), avd de D. Dinis, e ele proprio, como ‘0 neto, trovador distinto [FERREIRA 1986: Apendice}, jf que as Cantigas apresentam, de facto, uma estrutura formal ¢ uma linguagem poética extremamente semelhantes as dos Cancioneiros profanos. Refira-se, por sinal, que 05 textos de algumas das Cantigas de Santa Maria tratam de milagres ou acontecimentos similares ocorridos em diversas loca- lidades do nosso pais, entre as quais Terena (n.” 213, 225 € 228), dlenguer (n° 316) Evora (a 322), Odemirs ne 327) Santarém (n.° 369), no sendo de excluir a possibilidade de que estas pecas sejam [STRUNK 1965: 5]. Um documento pouco anterior 4 1437 refere, por exemplo, que dois dos filhos de D. Joao 1, os Infantes D. Fernando €D. Pedro, tinham cada um a0 seu servigo um capeHio-mor, trezes cape lacs cantores ¢ oito mogos de coro [DIAS 1982, p. 179}, € 20 longo dos séculos xv e xvt manteve-se sempre este principio de tanto 2 Rainha ‘como todos os Infantes disporem nto s6 de capelas préprias como de mmisicos de camara em ntimero varidvel na sua dependencia pessoal. A Capela Real No cere da actividade polifonica da corte estava, porém, 2 Capela Real, para a qual o préprio rei D. Duarte claborou uma Ordenacam detaltiada ‘bo Periodo Medieval ao Renascimento * S em que se mencionam os quatro cargos directivos da instituigo (Cape Ho-Mor, Mestre da Capela, Tenor e Mestre dos Mogos), se discriminam «nes naipes de cantores (alto, contra e tenor), se recomendam normas precisas de execucdo musical ¢ de disciplina e se estabelece como prin. cipio a presenga de oito a doze mogos de coro, dos quais metade deve ter sete a oito anos de idade € a outra metade trés a quatro anos mais, de modo a evitar excessivas oscilagdes de qualidade no conjunto sempre {que 0s mogos mais velhos cheguem 3 idade da mudanga de vo7. A julgar pelo tcor desta Ordenacam régia, nio estava ainda institucionalizada neste periodo a admissao de cantores castrados na Capela Real, pritica a que no século XVI viremos a encontrar diversas referencias mas cujo inicio se no conseguiu ainda documentar (Vieika 1900: I, 6-7]. Particularmente interessante, pela raridade de que se revestem indicagoes desta naturera na €poca em causa, € a recomendacao final do monarca a0 exigit 20s seus cantores que «somente cantem de papos, o que parece indicar a util zagio de uma técnica de colocacao vocal ainda sem recurso 3 ressonancia de cabeca mals tarde introduzida pelo bel canto [Dias 1982: 209-212), Em 1430 a Infanta D. Isabel, filha de D. Joao I, casou com o Duque de Borgonha, Filipe o Bom, ¢ este casamento nao podia deixar de estrei tar as relagdes entre a corte portuguesa € a corte ducal de Dijon, que ¢ra jd entéo o principal centro da cultura aristoceitica europeta e manteria fesse estatuto até & derrota final do filho de Filipe e Isabel, Carlos o Teme: ratio, pela Coroa francesa, em 1477. O conhecimento da Masica portu- ‘guesa na corte borguinhd poderd porventura deduzir-se de uma refe- Féncia entusiastica do poeta Martin le Franc a visita a Dijon de dois instrumentistas de comprovada origem ibérica — «Jehan Fernandes ¢ Jehan de Cordouvals — que poderio eventualmente ser portugueses Mas a este respeito € ainda mais significativa a presenga numa das prin- Cibals coleccdes de basse danses franco-flamengas da época de uma peca instrumental intitulada La Portingalotse, inspirada numa cangio «en la Bode du Portingal [Te1BavLt 1960: 942]: chegou-nos igualmente uma Blume Danatibulda 20 mais influente compositor deste periodo, Gui vetnto partly $0b © ktulo Portugater, da qual se conhece ainda uma Organs blo Preservada ma mais célebre colectdnes de repertotio £059) ete Secu XY, © Busbetmer Orgelbuch [Rese 1959: 51 Guas dome nica, por conseguinte, que podemos considerar estas Dea deo, con® 8 primeiros exemplos conhecidos de Musica polif6 OF aeitem portuguesa quatrocen env olvimento monumental da polifonia franco-flameng, ‘ents assent primeito no predomito polio da Cans de Bor 2 ustsria da Mésica igonha e apés a queda desta no poderio econémico das cidades mercantis, ff Flandres, virla a influenctar toda a Europa, ¢ Portugal nJo poder ter constituido uma excepgao, sobretudo se tivermos em conta quer Os lagos dindsticos existentes entxe as cortes portuguesa ¢ borguinha Quer as relagoes comercials estabelecidas ja desde 0 século xIv entre Portugal ¢ os Paises Baixos, primeiro centradas em Bruges € mais tarde, com o arranque do trafico das especiarias, em Antuérpia. Muito embora nao disponhamos até ao final do século XV de fontes musicais portu- fuesas que o possam confiemar, quando estas finalmente nos surgen, Fina transicao para o século seguinte, a influéncia franco-flamenga esta fe tal modo patente nelas que nao pode deixar de representar um pro: Cesso de assimilagio de varias décadas, a exemplo, de resto, do proceso paralelo que ocorre no mesmo periodo em Espanha € que se encontra Bevidamente documentado (RUBIO 1983], $6 com o desenvolvimento dda investigagdo € a eventual descoberta de fontes priticas de polifonia portuguesa quatrocentista nos sera possivel avaliar em que medida Be modelos © a5 convengdes formas e estilisticas franco-flamengos nos terdo chegado directamente do seu pélo difusor original e em que proporeo os recebemos através do seu reprocessamento fas capelas Fegias de Castela ¢ Aragio, ¢ em particular nas dos Reis Catdlicos Na falta de exemplos de Misica pritica sobreviventes, 0 que encon- tramos a0 longo do século XV no que respeita & evolucao de uma acti- Yidade polifonica na corte portuguesa € um corpus vastissimo de refe- Tencias documentais quer a concessiio pelos sucessivos pontifices 2 Capela Real portuguesa, a pedido dos nossos monarcas, de privilegios litargicos erescentes, quer 4 contratagio pela Coroa de largas dezenas ide cantores e instrumentistas profissionals. No topo desta actividade musical da corte esti o Mestre da Capela Real, cargo que no reinado de D. Afonso V € sucessivamente desempenhado pelo j4 citado Alvaro ‘onso. por Gomes Ayres (7, 1454), por Joto de Lisboa (f, 1476)¢ pelo Espanhol Tristano de Silva, natural de Tarrazona e autor de wm rratado feorico intitulado Los Amables de la Muisica de que nio nos chegou Copia mas que seria repetidamente citado em termos elogiosos Por Giversos te6ricos musicals sbéricos até a0s finais do século xyit [NERY 1984: 221], Ea série dos Mestres da Capela Real prossegue com Mateus de Fontes {/f. 1516), Fernao Rodrigues (7. 1521), Joao de Vila Castim faposentado em 1548), Bartolomeu Trozelho ¢ Ant6nio Carreira Da qualidade da pritica musical litirgica na Capela dos soberanos nos fala Damizo de Gois numa passagem da sua cronica de D. Manuel | Segundo a qual este monarca «(..)tinha estremados cantores, € tan po Pertodo Medieval a0 Renascimento = dores que Ihe vinham de todas partes Deuropa, a quc fazia grandes partidos, © dava ordenados com que se mantinham honradamente Poem disto thes fazia outras mercés, pelo que tinha huma das methoes Capella de quantos Reis ¢ Principes entio viviams [VASCONCELOS 1870: 1,32} Esta preocupagao com a manutengao lo mais alto nive! musical ta Capela Real manteve-se a0 longo de todo 0 s€culo xv1, evando final Prente aum projecto de reforma da instieuigdo que comeou a delinear se fo reinado de D. Jodo Ill para s6 acabar por se concretizar definitiva mente no periodo filipino Cabia a Capela Real celebrar diariamente a Missa, com diversos graus de solenidade € oscilando em duracio entre meia hora e hora e meia, conforme fosse rezada ou integralmente cantada. O Oficio Divino era {gualmente celebrado na totalidade ao longo de todo ano litérgico abrangendo 0 conjunto das horas canénicas estabelecidas: Matinas (antes do nascer do Sol), Laudes (ao nascer do Sol), Prima (cerca das 9 horas) TTerca (ca. do meio-dia), Sexta (ca. das 15h), Nona (ca. das 18 h.) ‘Vésperas (a0 pdr do Sol) ¢ Completas (logo 3p6s 0 por do Sol), Contudo, como € evidentc, uma grande parte destas cerimOnias litcrgicas era apenas recitada, ‘na maloria dos casos sem qualquer intervengio de Misica ¢ sobretudo sem 2 presenga do monarca stm Sacto do shana Livro da Cart [vs 1962 215- -217},imediatamente anterior a Agosto de 1433, fornece-nos uma Ore ee oh boner tempo de D. Duarte, sendo de admit que esta dstibuigto nto se tena terado substancialmente pelo menos a€ 20s alvores co século xv Segundo exe texo as Matias de Natal, segldas de Miss, curavam cinco horas; festa da Porifieato de Nossa Senhora, a2 de Fevercieo, com Tue anata, Vengo dos ciios eprocisso, ues hows a fests de (Quste-eita de Cinzas, com os sms de Nona a bénga0¢ imposicio sie. cs Miss, ds horas a Missa de Nossa Senora cantada no inte, hora e meia. A Semana Santa por stia vez, peio se eas aa et te ee see tin de casa Rea nas ceimdnlas do cate no Domingo eins. equlncia da Tere canada, da bengio«procsio de amor Cinco, eld o canto ca Paix segundo S30 Mateus, raya ti acta Matinas ce Quint, Sexi e Sdbado Santos dravam cada cme snows mas nos mesmes das asequenca ca Prima, eres, Sexta a Pangea das Vespers canada, arescida naSextaFeira do canto inclunag Sunde So Joo € no Saba de uma serie de ceximontis io dos cirios, durava respectivamente trés horas 74 Historia da Musca (Quinta), és horas ¢ meia (Sexta) e cinco horas (Sabado), Na festa de Pen- tecostes, por sua vez, as vésperas ¢ Missa do dia anterior duravam duas horas, € n0 proprio dia as Matinas e Prima duravam duas horas, ¢ 0 enca deamento de Terca ¢ Missa trés horas. Das restantes festas do ano litér- gico destacam-se a da Assuncao de Nossa Senhora, a 15 de Agosto, € as de alguns santos de maior destaque, como Sio Pedro, e possivel- mente Sio Joao Baptista € S40 Joao Evangelista, além da de Todos ‘6s Santos. Embora © documento seja ainda omisso a scu respeito. no decorrer do século xvt parecem ter ainda adquirido um peso part ‘cular na liturgia da Capela as festas da Epifania (6 de Janeiro) ¢ do Santis: simo Sacramento (na Quinta-Feira seguinte a Oitava do Pentecostes). A Miisica de Corte A par com a pritica litirgica centrada na Capela Real, a corte era igual mente cendrio de uma actividade musical intensa no dominio profano. Neste Ambito encontramos, antes de mais, as fanfarras de cariz. militar ‘ou cerimonial que serviam sobretudo para dar um caracter solene ¢ uma dimensdo protocolar reforcada a todos os rituais cortesios, desde a entrada ou saida do monarca numa sala de audiéncias 20 acolhimento de um embaixador ou de um visitante de relevo, ¢ desde o desfile formal da abertura das Cortes & simples chegada de cada novo prato a mesa régia durante um banquete. Este tipo de Miisica cra em geral conflado 208 chamados instrumentos altos, como as charamelas, as trombetas (ou 0s atabales, cujos executantes estavam organizados em agremiagdes ‘de menestréis de tradiglo medieval dirigidos por dignitarios de titulos solenes como ref dos charamelas, rei dos trombetas ou ret dos menestrés. ‘Na mesma passagem di sua crénica de 1D. Manuel ja acima mencio: nada, Damito de Gdis deixou-nos um retrato colorido e elucidativo da actividade destes conjuntos instrumentais: «[ -] 8s mais das vezes que estava em despacho, e sempre pela sesta, © depois que se langava na cama cra com ter musica {,..]. Todalos Domingos ¢ dias sanctos janctaua, ¢ ceaua com musica de charamellas, saquaboxas, cornetas, arpas, tamboris, ¢ rabecas, € nas festas principacs, com atabales e trombetas que todas em quanto comia, tangiam cada um per seu gyro; além destes havia musicos mouriscos que cantavam € tangiam alaudes ¢ pandeiros, 20 som dos quaes e assi das charamellas, Do Periodo Medieval ao Renascimento 2s harpas, rabecas ¢ tamboris, dangavam os mogos fidalgos durante o jantar € cea [...]» (VASCONCELOS 1870: 1, 222-223] Tal como o soberano, também os grandes senhores do Reino, em particular os Duques de Braganga, faziam questao de sublinhar a sua posicao social proeminente cercando deste aparato musical cetimonial (0s menores aspectos da sua existéncia quotidiana. Uma descrigao de um banquete celebrado nas bodas do Duque D. Teodésio, em 1542, diz-nos que sera grande a abundancia, e delicadeza dos manjares, com que ero todos servidos, € a0 mesmo tempo soavad as trombetas, chara- melas, e menistris, e depois huma muy acorde Musica de instrumentos, € vozes, que ao mesmo tempo se ouvia, com que ainda ficavad mais, saborosas as iguarias» [NERY 1990: 87} ‘Contudo, nem sempre estas fanfarras protocolares seriam de um. requinte musical unanimemente apreciado, a julgar pela descricao de um outro jantar no palicio ducal, esta da autoria de um dos membros do séquito de um legado do Papa Pio V que em 1571 visitou Vila Vigosa: *{-.] quando chegou o serdo parecia que tudo se tinha incendiado, como sucede no Castelo de Sant’Angelo, com tantos trombones, pifaros ‘e campainhas que ndo se conseguia ouvir mais nada [... Chegou a hora do jantar e com muitos sons entr4mos na sala [...]. Assim comegamos a comer, ¢ a cada novo prato [soavam| sempre as trombetas ¢ quando © cardeal queria beber soavam as trombetas [...] € enquanto se comia [ouvtam-se] sempre varios géneros de Musica de sopros [...}>[fd: 86} Por outro lado, a par com os menestréis encarregues dos instru- mentos altos, tanto a corte régia como 2s dos Infantes ¢ dos grandes titulares dispunham ainda de tangedores de camara encarregues da exe- cuclo de Musica de danga ¢ de um repert6rio vocal c instrumental igual: mente de carécter profano mas de maior sofisticag4o. No caso da Casa Real, os instrumentas destes tangedores raramente aparecem especifi- cados na documentagio oficial pertinente mas entre eles contam-se, por exemplo, ainda no reinado de D. Afonso V, «um tamjedor dalaude= (Lopo de Condeixa, mencionado entre 1459 e 1464) € um «meestre dos Grados» (Manuel Pires, 0 Rombo, referido entre 1453 ¢ 1461) [vrrerso 1932: 3-4, 136-138, 454-455]. Nao é de excluir, de resto, que (0 Grgio tenha sido conhecido e praticado desde muito cedo na corte portuguesa, j4 que como parte do intercimbio de jograis entre esta © a sua congénere aragonesa a que acima nos referimos encontramos entre 1368 ¢ 1374 ao servico de Pedro IV de Aragio um «maestre de fer ¢ de tocat orguenss, Johan Bernat, que € referido como portu- gues (Gomez 1987: 102). Nem os documentos contratuais nem as descr 26 Historia da Miisica {GOes que nos chegaram sugerem que tenha havido uma separagio estan- ‘que entre os tangedores contratados para 0 servico da Capela Real e os que se destinavam a execusio de Misica de cimara, Pelo contririo, encon- trimos diversas referencias 20 facto de 0s cantores ¢ instrumentistas da Capela serem frequentemente chamados a entreter a corte com Musica de caricter ligeiro, mesmo durante o periodo em que os soberanos «ouvem as principais personagens dos scus Reinos e despacham 0s mais impor- tantes negécios que se Ihes oferecems [SAMPAYO RIBEIRO 1965: XXXII} ‘A Misica de corte nao era, evidentemente, exclusivo dos profis- slonais especificamente contratados para o seu exercicio. De acordo com 08 ideals cavalheirescos propostas por Castiglione em 11 Corteggiano € divulgados depois por um sem niimero de obras congéneres em toda 4 Peninsula Ibérica, era uma componente essencial da formagao cultural de um fidalgo, o que explica que, por exemplo, o Duque D. Teodésio 1 ‘de Braganca patrocinasse no seu palacio, para os membros da sua Casa, sligdes de ler, escrever, de Grammatica, Musica, danga, de jogar as armas, {e} de cavallaria de ambas as sellas |... )» (NERY 1990: 92}, Entre as damas do séquito da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel, avultava a figura cults. sima de Angela Sigéa, de uma profunda erudicao no dominio das linguas ¢ literacuras classicas e «20 instruida na Arte da Musica, ¢ instramentos, que podia competir com os mais cminentes professores della» {1a} ainfanta D. Catarina, Duquesa de Braganca, 20 receber no seu palicio a célebre embaixada de nobres japoneses que em 1584-85 visitow 4 Europa, «fazia diante delies tanger suas criadas, e cantar com tranquila € honesta musica {/d.: 95]. Ao contrrio dos menestréis, na sua maioria de origem popular —e em alguns casos mesmo escravos negros ou mouriscos —, 08 miisicas de cimara feram frequentemente oriundos da pequena nobreza, Luis de Victor excelente tangedor de viola ao servigo de outro des filhos de D. Manuel, © Infante D. Luis, € considerado por Pedro de Andrade Caminha +0 mayor musico de seu tempo ¢ bum Puetay, inha na casa do principe ‘categoria de cavaleiro-fidalgo, precisamente a mesma de que gozava na propria Casa Real outro notavel tangedor de cordas dedilhadas, Alexandre de Aguiar, cujos dotes musicais Ihe valeram © epiteto de «Orpheo ¢ Amphiio dos seus tempos» [VITERBO 1932: 18-19 ¢ 575; Nery 1984; 43), A figura do escudeiro jovem, em geral pobre mas cir- cculando ainda no escaldo mais baixo da nobreza de corte, capaz de cantar 08 seus versos acompanhuando-se & guitarra com maior ou menos desen- volura, € de resto uma presenga regular em toda a nossa literatura cortesd quinhentista, e em especial no teatro vicentino. | ' i I Do Perfod Medival ao Renascimento a Refira-se, a propésito, que na actividade musical intensa da corte Portuguesa se destacava ainda precisamente a presenga da Mdsica como ‘componente essencial dos autos ¢ espectaculos teatrais similares que se representavam perante a Familia Real e um circulo restrito de corte: ‘sos, com destaque para 0 teatro de Gil Vicente. O elemento musical €, de facto, fundamental na obra do dramaturgo, na qual participa sob a forma de cangdes e dangas intercaladas na acgao e quase sempre iden- tificadas de forma precisa pelo autor, o que nos permite ainda hoje loca- Jizar nas principais fontes peninsulares de polifonia profana algumas das Pegas em causa. E 0 caso, nomeadamente, do vilancete do espanhol Pefialosa Néfla erguedme Jos ojos e de uma obra-prima como o romance Niria era ta Infanta, ambos referidos nas Cortes de Jupiter, do famoso vilancete Nunca fué pena mayor, do flamengo Juan de Urrede, citado ‘em trés autos vicentinos entre os quais o da Barca da Gloria, ou do motete Clamabat autem mulier Cananea, de Pedro de Escobar, com que se julga que terminaria 0 Auto da Cananeta, Mas é também 0 caso das intimeras mengOes a dancas populares ibéricas como a folia, a chacota, a baixa ou a alta, de que nos chegaram diversas versSes para ‘uma variedade de combinagdes vocais € instrumentais, e das referén- cias maltiplas a uma vasta gama de instrumentos ¢ praticas musicais, que nos revelam da parte de Mestre Gil um conhecimento musical segu- rissimo. A Polifonia Renascentista Os Cancioneiros Profanos (© fenémeno de desproporgio entre g relativa abundancia das fontes Puramente litersrias € a escassez das fontes musicais correspondentes. que ja constatémos a0 falar do repertério trovadoresco do periodo medieval repetese no tocante 2 poesia cortesd portuguesa entre os séculos xv € XVI. Uma grande parte dos poemas que integram a colec- tinea monumental reunida por Garcia de Resende no seu Ganctoneiro Geral, publicada em 1516, destinava-se, de facto, a ser cantada em vez de lida ou recitada, € 0 mesmo sucede com muitas das obras dos nossos Poetas quinhentistas, de Bernardim Ribeiro € S4 de Miranda a Péro de Andrade Caminha, Luis de Cambes © Diogo Bernardes. © facto de se ter perdido o suporte musical de quase todo esse repertorio poético a esa da Musson deve-se, muito provavelmente, a0 facto de essa Misica circular sobre- tudo atcavés de um circuito de ttansmissio oral, sendo raramente passaca a escrito, Por outro lado, tratava-se de um repertorio musical de exis- téncia efémera, que nos finais do século xvi parece ter caido em des- favor, pelo que nao houve a partir de entio particular cuidado em presevar os manuscritos musicais em que, apesar de tudo, tinham chegado a ser notadas algumas dessas cangdes. Foi em 1940 que um dos grandes pioneiros da Musicologia portu- ‘guesa, Manuel Joaquim, publicou em edigio moderna 0 nosso primeiro ‘cancioneiro musical renascentista sobrevivente. Tratava-se de um pequeno manuscrito pertencente & Biblioteca Publica Horténsia, integrada na Biblo- teca Publica de Elvas, ¢ contendo sessenta e cinco cangdes polifsnicas de texto verniculo que datam do inicio do século xvi [MoRMS 1977) Passaram mais de trés décadas até & descoberta ¢ 4 publicaglo por Manuel Morais de trés novas fontes similares: um cancioneiro de contetido essen- clalmente religioso em que se encontravam dezanove obris profanas, comprado pela Biblioteca Nacional de Lisboa ao antigo Director do Con. servat6rio Nacional, 1vo Cru2; uma vasta colec¢0 de cento € trinta e uma cages — cinquenta e quatro das quais polifGnicas — copiadas na década de’ 1560 € hoje pertencente 2 Biblioteca da Ecole Nationale Supéricuse des Beaux Arts, de Paris (Mona's 1986); e por ultimo uma colecgio de dezoito pecas em verndculo possivelmente compostas entre 1560 € 1580 ‘ insertas numa miscelnea manuscrita quinhentista que pertenceu a Leite de Vasconcelos e integra hoje o nicleo bibliogrifico do Museu Nacional de Arqueologia € Etnologia, em Belém [MORAIS 1988) No conjunto, temos assim um corpus de mais de centena e meia de obras que nos permitem tracar a evoluglo da canclo polif6nica profana em Portugal desde os tltimos anos do século xv 0s finais do XvI, ou seja, desde a afirmacao do Renascimento na cultura portuguesa 20 pleno Maneirismo. Todos estes cancioneitos so an6nimos, pelo que 56 hos casos Faros em que existem concordancias com fontes similiates espanholas nos € possivel identificar dois dos autores neles represen- tados: 0 dramacurgo e compositor espanhol Juan del Encina e o portu- gues Pedro de Escobar, ao qual nos referiremos posteriormente. Apesat da presenga de algumas pecas em portugues, a lingua predominante € © castelhano, que desde meados do século xv — € em particular a partir do movimento centralizador desencadeado pelos Reis Catdlicos — se convertera no idioma culto das cortes ibéricas [As ues formas poéticas predominantes s30 0 vilancete, 2 cantiga €0 romance. A origem das duas primeiras parece remontar pelo menos iat AB lis peer enone Do Periodo Medieval ao Renascimento, 29 08 inicios do século xv, assimilando entlo ainda a tadigfo de zejet Arabe e apresentando semelhangas 40 virela’ francés € 4 balfata italiana [SancHez Romeeato 1969}, Tal como se encontravam ja tipificadas nos finais do século xv, ambas constam de um ceftdo — de dois a trés versos no caso do vilancete € de quatro no caso da cantiga — ao qual se aplica a primeira seccio da Misica; a esse refel0 segue-se uma copla que se distribui de forma mais ou menos regular entre duas apresentacoes consecutivas de uma breve segunda seccio musical ¢ a repeticio inte- ‘gral da primeira seccao. O resultado € uma forma musical ABBA, obtida de um modo geral de acordo com o seguinte esquema, compilado pela musicdloga norte-americana Isabel Pope (GROVE: XIX, 767} Copla Genero Estrbiho Mudanga_| Vol VILANCIGO (mote de 2 ¥.) ‘Texto a bo be 2 ce ce MUSICA a ce » a wD » VILANCICO (mote de 3 v.) ‘TEXTO abb ceded bo ab ‘ede ebb MosicA abe ede abe a oy *) CANTIGA (mote de 4 v2) TexTO bbs edae abba bab ‘eded bab MUSICA bea eter bod a 3B » A temética do vilancete ¢ da cantiga tende a ser de natureza essencial ‘mente amorosa, podendo assumir com frequéncia uma atmosfera poética de claras referéncias pastoris mas no exluindo inclusive um intuit de sitira ou de critica social, como é, por exemplo, 0 caso de Nao tragais ‘borzeguins pretos, um vilancete do Cancioneiro de Paris que aparente- 40 Mistiria da Dus ‘mente alude as pragmdticas severas com que D- Joie tit procurow disci- plinar 0 traje dos seus cortesios. ‘Quanto ao romance, tratasse de um género narrativo em que os temas ficcionais parecem ser preteridos em favor de descrigdes mais ou menos estilizadas de acontecimentos historicos, sendo as varias estrofes do poema cantadas sobre sucessivas apresentagées de um mesmo trecho musical Um excelente exemplo deste género € uma das pegas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional — aj mencionada Nia era la Infanta, em que 4 pretexto do casamento da Infanta D. Beatriz, filha do Rei D. Manuel, com Carlos, Duque de Sab6ia, em 1521, se faz. 0 elogio das virtudes fisicas e espirituais da princesa, a descriga0 dos faustos do seu dote ¢ do seu séquito ¢ 0 louvor da nobreza e do poderio de ambos 0s noivos ¢ respectivas familias — € um dos dltimos romances polifénicos quinhen- tistas que nos chegaram ¢ igualmente uma obra de profundo significado historico: trata-se do célebre romance Puestos estdn frente a frente, publicado jd em 1629 na Miscelanea de Miguel Leitio de Andrade com a indicacao de se cantar «por uma toada tristissima» ¢ no qual se narram (© desenfolar a batalha de Alcécer-Quibir a forma como D. Sebastiio acla encontrou a morte [MORAIS 1986]. |Até meados do século XVI 0 estilo musical generalizado destas obras, quer se trate de cantigas ¢ vilancetes quer de romances, bascia- se no uso predominanate de uma textura polifonica a trés vozes, cada uma com 2 sua tessitura propria, ¢ desenrola-se segundo uma estrutura que reproduz em termos musicais a do proprio poema. Cada frase € cantada silabicamente de forma homorritmica por todas as vozes ¢ con lui com uma formula cadencial mais ou menos claborada na qual 4 Giltima silaba tOnica tende 2 alargar-se a um melisma de varias notas ¢ se dd um movimento contrapontistico mais independente entre as varias partes, por vezes com acentuada politritmia, Tanto esta distri- buicSo silabica © homorritmica do texto como as formulas cadenciais adoptadas revelam uma clara influencia das convengdes de escrita da cangao franco-flamenga, tal como esta se divulgou por toda a Europa no iiltimo terco do século xv gragas 2 popularidade das obras de Ockeghem ¢ Busnois. ‘A sofisticag2o contrapontistica da geracao de Josquin des Prés, ja na transi¢do para o século xv1, e sobretudo da geragio imediatamente seguinte, com autores como Certon, Gombert, Le Jeune ou Jannequin, parece ter sido conhecida entre nds, como 0 atesta a presenga de cangoes de alguns destes compositores em manuscritos portugucses da época (designadamente em versOes para tecla que nos chegaram num manus- Do Periodo Medieval ao Konasctmente ° Br ccrito-copiado no Mosteiro de Santa-Cruz de Coimbra em meados do século xvi, hoje preservado na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra sob a cota M.M. 48). Contudo, 0 estilo dos nossos cancio- neiros profanos permaneceu ligado 2 uma economia de meios ea uma simplicidade de linguagem que, se por um lado podem sugerir, em alguns casos, estarmos perante um repertério criado sobretudo por diletantes cortesios de formacio musical necessariamente limitada, $40; por outro. lado, demasiado sistematicas para no constituirem uma opgto estérica consciente ¢ assumida, mesmo por parte de compositores profissionals de meétier indiscutivel. Com excep¢2o de um ou outro exemplo isolado anterior, s6 na segunda metade do século comegaremos a encontrar, if nos cancioneiros mais tardios, uma evolugio no sentido de uma técnica contrapontistica mais elaborada, com uma distribuigio mais melismética do texto, uma figuraczo sitmica mais agitada ¢ um recurso. sais sistemitico a imitagao entre as vores, como & 0 caso do vilancico Ai dolor quao mal me tratas, do Cancioneiro de Paris, Bstaremos jé entdo, porém, em plena transigio para o Maneirismo, processo a que Posteriormente nos viremos a referir em maior detalhe neste trabalho, A Polifonia Sacra em Evora: De Pedro do Porto & Escola da $é A mais antiga obra polifonica portuguesa de autor identificado € © Magnificat de Pedro do Porto, obra que se conserva num cédice (MS 2) da catedral de Tarrazona ¢ consiste numa versio a trés vozeS dos versos pares do céntico mariano, a partir de um tratamento contra. Pontistico livre ¢ extremamente elaborado da formula da respectiva entoacio gregoriana do VIII Modo. A actividade de Pedro do Porto em Portugal apenas se encontra documentada a partir de 1521, dataem que se torna Mestre de Capela de um dos filhos de D. Manuel, o Cardeal -Infante D. Afonso, que devers ter acompanhado a fvora quando o prin- ‘ipe se tornou administrador daquela Diocese, j4 que uma descticao manuscrita 0 refere como vivendo ainda naquela cidade nos anos de 1534-35, aparentemente numa situagao de relativa miséria ¢ de acen- tuado alcoolismo, © musicélogo norte-americano Robert Stevenson tem sugerido repetidamente de forma bastante plausivel a identiticacao deste compositor com o polifonista Pedro de Escobar, que foi entre 1489 32 Historia da Bistca € 1499 cantor da Capela de Isabel a Catélica, em cuja documentagao aparece referido como «cl portuguése. Escobar teria regressado a Portugal aps deixar a Corte de Castela, voltando a Espanha em 1507 para ocupar 0 cargo de Mestre dos mogos de coro da catedral de Sevilha até 1514, data em que the sucedeu nessas fungoes o grande mestre de toda a escola polifonica andaluza, Pedro Fernandez de Castilleja. Nao esti esclarecido se terd ou ndo servido igualmente na Catedral de Valencia [STEVENSON 1966: 8-9) Um dos elementos que reforcam esta hipétese de identificagzo €0 facto de 0 célebre motete Clamabat autem mulier Chananea, reco- nhecidamente da autoria de Escobar e objecto de sucessivas cépias em numerosos manuscritos ibéricos ¢ latino-americanos, ser atribuido a Pedro do Porto pelo cronista Joo de Barros, que 0 designa como 0 «principe dos motetess. Entre as restantes obras identificadas de Pedro Escobar contam-se dezoito pecas seculares, algumas das quais constam igualmente dos cancioneiros portugueses, ¢ cerca de duas dizias de composigdes sacras, incluindo duas Alfeluias a 3, quatro motetes, oito hinos, um Saive regina e um Stabat mater a 4 e duas missas completas, ddas quais uma de defuntos. Sto ainda atribuidos a0 mesmo compositor (0 «Kyrie» de uma missa mariana cujos restantes andamentos se devem 2 Francisco de Pefalosa, Pedro Herndndez e Alonso Pérez de Alba, ¢ 6 sSanctuss € «Agnus Deis de outra missa similar cujas secgdes prece- dentes sio de Juan de Anchieta, mas no ¢ claro se trata de obras colec. tivas na verdadeira acepcdo do termo ou se estamos apenas perante compilagdes devidas 20 capricho dos copistas [RUBIO 1983: 122-123] Misico de uma capela régia e depois de uma catedral, Pedro do Porto € de certo modo o simbolo do proceso de transi¢ao que se vive ‘no panorama institucional da Miisica ibérica do seu tempo e que se carac- teriza pelo alargamento gradual da pritica polif6nica das capelas privadas dos monarcas e dos infantes 2s principais catedrais da Peninsula, que pelo menos até ao timo terco do século XV parecem ter mantic uma lirurgia musical exclusivamente baseada no cantochao, No caso portu- gues teve neste processo de transic2o uum peso evidente o facto de dois, dos filhos de D. Manuel terem ocupado as principais Sés episcopais do Pais: 0 Cardeal D. Afonso foi administrador das dioceses de Lisboa ¢ Evora até & sua morte, em 1540, € 0 Gardeal D. Henrique foi sucessi vamente Arcebispo de Braga (1552-1539), Evora (1540-1564 € 1574 -1578) ¢ Lisboa (1564-74), Na sua qualidade de Infantes, ambos dispu nham de uma Capela propria € estavam por isso acostumados & presenca da polifonia no cuto, pelo que nao € de admirar que fizessem questo Do Periodo Medieval ao Renasctmento a de introduzit ou reforgar a mesma prética na liturgia das suas sés cate- drais, até como simbolo externo da sua dignidade. Assim, quando o Infante D. Afonso foi nomeado em 1522 adminis- trador do bispado de Evora, como j4 0 era do arceispado de Lisboa, € de admitir que o Mestre da Capela da sua Casa, Pedro do Porto, © acompanhasse nos seus periodos de residéncia na sua nova diocese € af passasse a ser igualmente responsével pela celebragio da liturgia ‘musical na S¢, fazendo-o com recurso abundante 2 polifonia, pelo menos em todas as cerimdnias solenes presididas pelo proprio Cardeal, Nao se conhecem as circunstincias em que compositor teri deixado de desempenhar estas fungdes, mas en 1528 chegava a Evora 0 espa- hol Mateus de Aranda para exercer 0 cargo de Mestre de Capela, i nio do prelado mas da prOpria Sé, cabendo-lhe nao 36 a direc¢do a pritica musical catedralfeia mas também a responsabilidade de ensinar Misica 208 mogos do coro. O Cardeal-Infante decidira, com efeito, dotar a catedral eborense de sélidas infra-estruturas para a cclebragao faus- tosa da liturgia musical, que inclufam © pagamento de ordenados vul- tuosos capazes de atrair mdsicos da mais alta qualidade ¢ sobretudo © estabelecimento de uma escola para mogos de coro em que criancas articularmente dotadas podiam receber uma formagao musical com- pleta a partir dos oito ou nove anos a0 mesmo tempo que cantavam fo coro da Sé, ap6s o que segulam carreira de misicos profissionais ou Ihes era dada a oportuniciade de prosseguirem estudos humanisticos, A combinagao destas duas medidas de fundo viria a garantir durante século € meio a Sé de Evora no 56 a formacio constante de geragoes sucessivas de mtisicos de extrema qualidade como o enraizamento gradual de uma tradi¢ao musical com caracteristicas estéticas proprias [AtecRIA 1985: 85-95} Mateus de Aranda permaneceu em Evora até 1544, ¢ af redigiu como instramentos de ensino os dois primeiro tratadas teéricos impressos em Portugal, que viriam a ser publicados em Lisboa por German Galharde. © Tractado de cato ano, dc 1533, € 0 Tractado de canto mésurable, de 1535, dois pequenos manuais que nJo pretendendo propriamente ser veiculos de uma reflexio tedrica original constituem, no entanto, excelentes sinteses dos conhecimentos basicos indispensiveis & correcta execugo do repert6rio musical litirgico, tanto monofénico como poli fonico. Esta finalidade de servit de guia 3 formagdo de mésicos priticos residiu sempre, de resto, a toda a produgao tedrico-musical portuguesa elo menos até ao século x1x, ndo se encontrando nese perfodo quais- ‘quer exemplos de especulacao te6rica de nivel mais avangado para la

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