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158 Historia da Musica ¢ da Condessa de Edla, parte para Berlim em 1882, para frequentar (© Conservatério Scharwenka, recebendo igualmente ligdes de Liszt ‘em Weimar, em 1885, ¢, desde 1887, de Hans von Bi terd a revelagio de Wag a Bayreuth (1884), € 0 interesse pela ol alemao farao dele, nos anos 90, um pianista-ci ciado, além de colaborador dos Bayreuther GOes; estabelece re Plano da vida musical berlinense, ¢, em especial ‘que the dedica as suas transcrigdes dos Prelitdi € com quem manterd uma intensa correspondéncia. A partir de 1886-7, ‘Viana da Mota inicia a sua actividade concertistica na Alemanha e noutros paises, sagrando-se a breve trecho como um dos maiores pianistas do seu tempo (em particular, como excepcional intérprete de Beethoven ¢ Liszt); com 0 infcio da Grande Guerra, instala-se na Suica, ‘ocupando o lugar de professor de piano no Conservat6rio de Genebra 7, fixa-se definitivamente em Portugal, sendo nomeado director alidade participa activamente imento de ensino, oficialmente no projecto de reforma daquele esta consagrado em 1919. ‘Como compositor, Viana da Mota parte de uma aproximagio a esté tica do Romantismo alemao, e consagra-se muito em especial 2 invencio de um estilo que se assume como caracteristicamente nacional, parcial- mente baseado numa rectia¢io pessoal do folclore (para uma anilise esse estilo ¢ uma biografia bem documentada, ver FREITAS BRANCO 1987], Além de numerosas pecas para piano (Barcarolas, Sonata, Balada, Rapsddias portuguesas, Cenas portuguesas), de Heder sobre textos alemies © portugueses, de mtisica concertante ¢ de cdmara (Quartetos de cordas, Trio para piano, violino e violoncelo, Sonata para ‘deixou na Sinfonia em ld maior, «A Pairtas (escrita em 1895, € estreada dois anos depois num concerto do Orpheon Portuense), uma obra profundamente emblemitica de uma certa mito- logia de «ressurgimento» nacional (de inspiracto sintomaticamente cario- ‘niana), possivelmente 0 mais eloquente testemunho musical da atmos- fera do pos-Uitimato: «{O Gitimo andamento da sinfonia] descreve, pois, uma extensa série de estados de alma, desde a previsio da catistrofe entrevista na Intro- dugao, 0 abatimento resultante dessa catéstrofe, a luta encarnigada © © sentimento de um povo religioso expresso numa como prece, 0 Steno xx . 159 compreendidos no Allegro agitado; e, finalmente, a alegria exuberante da vit6ria, que a fanfarra da Marcha triunfal, por que termina o trecho, traduz intensamente. A sinfonia acaba em forma majestosa de apoteose numa espécie de hino de uma coloragio e de uma luz brilhantissimas» [Arroyo 1897: 8) Quanto a Luis de Freitas Branco como 0 «introdutor do modernismo Preponderante que the coube na aproximagao da m do seu tempo as correntes estéticas curopeias mais inovadoras, reali- zada na sua obra de compositor, musicégrafo ¢ pedagogo (professor do Conservatorio de Lisboa 7 as disciplinas de sua contem: lura € nas artes plisticas portuguesas Entretanto, desde cerca de 1911, emerge na producao de Freitas Branco uma outra componente: a de um nacionalismo declarado e mi tante, que o fard aproximar dos idedtogos do Integralismo Lusitano, 0 Seculo xx . 161 fem cujas actividades participa com uma conferéncia na Liga Naval sobre a histGria da musica portuguesa, depois integrada no vi 4 Questao Ibérica. Dessa inflexdo do posicionamento estético do positor da conta a seguinte passagem de uma entrevista su tenho, creia, o maior interesse em provar a0 meu pais, que sou, fundamentalmente, dentco da minha arte, um Portugués. Ontem, como. ouviu, José Jélio Rodrigues, aludindo a minha fillacao musical falou em Moussorgski ¢ Debussy. £ certo que me tenho inspirado muito ‘nos processos desses grandes mtisicos — como nio podia deixar de scr — para me integrar no meu tempo. Mas, 0 que € facto, € que, incons- cientemente, ¢ segundo o préprio meu amigo critico tem notado, existe rnas minhas produgOes um fundo de meridionalismo que nao € daqueles dois mestres — que € do meu sangue> [Novidades, 17/1/1911: 2}. © primeiro reflexo significative desta orientaglo € a. oratéria As tentagoes de S. Frei Gil, sobre pocma de Ant6nio Correia de Oliveira ssseguida com 0 poema sin{Gnico Vériato, baseado num texto de Hipélito Raposo (1916); mas Freitas Branco nfo tarda a afastar-se da perspectiva estreitamente nacionalista dos Integralistas, conservando, muito embora uma preocupagao persistemte com a «portugalidade> 4 qual, 0 contritio de pouco devera a utilizagao directa do folclore (as excepgdes principais sao as duas Suites alentejanas, de 1919 € 19: idas pela provincia rGricas da cultura portuguesa) s tarde reforgada, j4 em pleno regime salazarista, pela critica a utilizacdo demaggica do folclore como elemento de propaganda e condiciona- mento de mentalidades: (0 autor refere-se provavelmente A E.N.] faz sentir a gente ‘nova umas certas fronteiras que © scu entusiasmo ndo poderd ultrapassary [FREITAS BRaNco 1960: 61-3}. ‘Aos compositores portugueses das décadas de 40 a 60, coloca- , Bois, trés opgdes fundamentais: colaborar, com convic¢io, 10 OU resignagio, nas realizagOes mais ou menos um gesto de contestagio aberta a0 regime € 2 sua orientagao estética 0 século XX 7 or (positiva ou defectiva); ou, simplesmente, ecompor para a gaveta» Entre a primeira e 2 terceira atitude, msicos da €poca (em proporgées ¥ foi quase isoladamente defendida por Fernando Lopes-Graga, sem ‘0 mais obstinado representante, no campo musical, da resisténcia ica ¢ intelectual a ditadura fascido em Tomar em 1906, Lopes-Graca aparece hoje indubitavel- lade dominante da vida musical portuguesa durante o periodo salazarista e marcelista, facto tanto mais paradoxal porquanto toda a sua actividade se desenvolve assumidamente a margem. ‘dos circuitos institucionais oficiais do regime. Formado no Conservat6rio ‘Nacional, onde teve como professores Tomas Borba, Luis de Freitas Branco ¢ Viana da Mota, conclui em 1931 0 Curso Superior de Composicio; concorre no mesmo ano a um lugar de professor no mesmo estabeleci: mento, mas, por razoes politicas, € preso, e 2 sua nomeagao no € homo- logada, Lecciona durante algum tempo na Academia de Misica de Coimbra ‘¢ aproxima se por essa altura do circulo da revista Presenca (além de cola: borar na Seara Nova}, concorre em 1934 a uma bolsa de estudo no estran- geiro, mas, mais uma vez, ve revogada a decisto favordvel do juri por motivos politicos, ¢ volta 2 ser detido em 1936. No ano seguinte parte ‘enim para Paris, a expensas suas, onde estuda musicologia e recebe conse Ihos de Composigdo e orquestragio de Charles Koechlin, (Os anos passados em Paris, em plena época do Front Populaire, revelar-se-40 decisivos para a sua formacio ideolégica c estética, dessa estadia as primeiras obras representativas da sua personalidade de compositor, anunciada j4 nas Variagoes sobre um tema popular portuguds, para piano (1927) € nalgumas pecas para canto. ‘O mentno de sua mde, sobre o poema de Fernando Pessoa (1936); entre as obras definidoras de um primeiro periodo de mente como a person: € piano (1939); em Paris comp0e ainda uma revi du temps (1938) einicia uma sétie de 24 Cangdes populares portuguesas. Na época do seu regresso a Portugal (1939) encontram-se jf delincadas as linhas mestras da sua linguagem composicional, assim caracterizada por Joao José Cochofel: «uma linguagem harménica livre, mas de base funcional, um disson: ca percutiva alter- nando com uma polirri a grande variedade de metros e 20 frequente abandono do compasso), enfim, ¢ do ponto da expresso, um lirismo claro ¢ terso, de taiz popular e mais, we Historia da Misica Apés a stta fixagio cm Lisboa, onde exerce fungées docentes na Aca- demia de Amadores de Musica, recebe sucessivas vezes o Prémio de Com. Posi¢do do Circulo de Cultura Musical: em 1940, com Para piano ¢ orquestra; dois anos depois com a Historia irdgico. -marftima, para vor e orquestta, sobre poemas de Miguel Torga (espécie de antidoto desmitificador a pompa celebratoria das grandezas nacio ais por ocasiéo dos recentes centenirios); em 1944, com a Sinfonia er orchestra; ¢ em 1952 com a 3.* Sonata para piano; contudo, nenhuma destas obras (com excepcae do Concerto) & executada em Lisboa, Da sua extensa ¢ variada producio, salientam-se as numerosas harmonizagdes € adaptagdes de cangdes populares (portuguesas ¢ de ‘outras proveniéncias), para voz solista ou coro, uma abundantissima série de cangdes para voz e piano sobre textos dos mais importantes po Portugueses (Camoes, Bocage, Antero de Quental, Fernando Pess Ant6nio Botto, José Régio, Eugenio de Castro, Camilo Pessanha, M: Cesatiny, Eugénio de Andrade, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, ic.), um ndmero igualmente considerivel de cangdes politicas e pantie. arias, além de um multifacetado conjunio de obras sinfonicas (2. Concerto para piano ¢ orquestra, 5 Estelas funerdrias, Concertino para piano, cordas, metais e percussdo, Poema de Dezembro, Para uma crianga que vai nascer, para orquestra de cordas, Concerto da camera, para violoncelo ¢ orquestra, etc.), de clmara (Guas Sona. € piano, Cuatro canciones de Federico Garcia Lorca, to de camara, Canto de amor e de morte, para quin- teto com piano, 2 Quartetos de cordas — o primeiro dos quais objecto do Prémio Rainier III do Monaco em 1965 —, Suite ruistica n.° 2.¢ 14 Anotagdes, para quarteto de cordss, 7 Lembrancas para Vieira da Silva, Para quinteto de sopros, etc.) ¢ para piano (Sonatas, 24 Preliidios, Viagens na minba terra, In memoriam Béla Bartok, entre outras) er lista das obras em Fernando Lopes-Graga. 75.° Aniversario 1981 A obra de Lopes-Graca pode considerar-se, historicamente, como 2 ltima , € sem dtivida a mais consequente, de concepcao de um estilo musical «nacional, por via de uma assimilagao aprofun- dada do caracter idiossincratico da miisica rural tradicional, tendo sido musical informado pelos modelos de Rat que, embora se aproxime por vezes de um certo clima expressionista de base atonal, recusa 0 influxo directo dos processos de escrita da escola © Séeuto xx a schoenberguiana. O seu tratamento do folclore situa-se assim nos anti- Ferro: a visto da emisica do povor que ia-se resolutamente de qualquer conceit. romantica de bucolismo ou pitoresco, antes tendendo a acentuar a dimensto rude ¢ aspera de uma determinada vivencia rural sofredora (manifestando evidentes afinidades com 0 movimento neo-tealista contemporaneo na literatura ¢ nas artes plisticas); esta €, sem divida, @ face mais «subversivas da sua miisica, mas também a fonte de uma Problematica relacao com o pablico dos concertos, que até hoje hesita ‘em reconhecer-se no imaginério musical de Lopes-Graca, pei uma espécie de perturbadora tensio entre o material musi tratamento, aparentemente pouco consentinea com a afirmac3o conser sual de uma identidade colectiva Praticamente a totalidade dos compositores seus contemporaneos enveredou, pelo contririo, por um estilo de feicio conservadora.e pact ficamente encoctissicas, ocasionalmente tributario do folclore: entre mando José Fernandes (1906-1983) e Jorge Croner de Vascon. '0-1974), representam na mitsica portuguesa a estética de Nadia Boulanger, com quem adquiriram um seguro «méticr» em Paris: o pri. meiro destacando-se em particular com 5 Preliidios, 3 Pecas ¢ Sona. tina, para piano, Sonata para violino ¢ plano, Quarteto com piano, Terramoto de Lisboa (poema sinfénico), Fantasia sobre temas pop. lares portugueses © Concerto para piano © orquestea, Concerto para violino ¢ orquestra, € 0 bailado © bomem do cravo na boca; segundo, ‘com peas para canto ¢ piano, 3 Tocatas a Seixas e Paritta, para piano, Vela vermetba (poema sinfonico), Vilancico para a festa de Santa Cecilia (soprano, coro ¢ orquestra), ¢ 0 bailado Lendda das amendovinas Ambos exercerum funcdes docentes na Academia de Amadores de Miisica ¢ no Conservatério Nacional [Catalogo 1978.) Frederico de Freitas (1902-1980) foi o autor de uma obra abundante € desigual, contemplando todos os géneros, dentro de uma linguagem ue, partindo do modernismo politonal da Sonata para ‘lo (1923), evoluird para 0 academismo da Missa Solene he» decorativista da Suite Medieval (1959). No eatanto, Partituras mals pessoais, como o Quarteto concertante, para dois violinos, dois violoncelos ¢ orquestea, pertencem indiscutivelmente 20 niicleo das obras mais validas da miisica portuguesa dos anos 40, ‘enquanto os bailados escritos para o repertério do Verde Gato, como A danga da menina tonta, representam, pelo colorido ¢ vivacidade a sua recriagio de ambientes populares, um momento 178 de fixagio de uma certa sensi sempre por um s6lido oficio de compos também Operas e p: incluindo a masica iu parte da sua formacao em fonica (6 Sinfonias, compost: Elegia a Viana da Mota, Concerto em ré ¢ Sinfonietta, para orqut de cordas, Variagdes sobre um tema alentejano, Concerto pata € orquestra, etc.), detxando também obras corais ¢ de camara de s6lida das barcas, baseada em Gil Vicente, ¢ estreada no Fe: ‘de 1970, constituem outros tantos marcas do reper gués do nosso século. De notar que, a partir da década de fica uma certa renovagao do estilo de Joly Braga Santos, até entio car: terizado por um neoclassicismo de raiz tendencialmente modal vindo a incorporar determinados elementos das linguagens con! raneas, sem abandonar, contudo, os pressupostos essenciais da sua esté- tica [FREITAS BRANCO 1989: 29-41 © Homenagem 1989). No Porto, a personalidade central da primeira €, no campo da criagio musical, Claudio Carneiro (1895-1963) do pintor Anténio Cameiro. Disciputo de Lucien Lambert, com francés estabelecido no Porto, prosseguit os estudos em Paris, com Charles Widor, entre outros (mais tarde também com Paul Dukas) € velo a ser professor (depois também director) do Conservat da sua cidade natal. Foi autor de uma vasta produgao vocal (Do mew quadrante, antares, Velbos cantares, etc), coral, pata piano (Trés Poemas em prosa, Paciéncias de Ana Marta, Bailadetras, Harpa eblia, etc,), de camara (incluindo um Quarteto de cordas ¢ uma Sonata para violino piano), € orquestral (Prefuidio, coral e fuga, estreado em 1923, em Paris, pela Orquestra Colonne, dirigida por Pierné, Portugalesas, Catavento, para piano e pequena orquestra, 0 bailado Nau Catrineta), Influenciado sobretudo pela miisica francesa dos anas 20 ¢ 30, Claudio Carneiro experimentaria em Kbroma, para viola ¢ piano (1954) solu- ‘g6es prximas do dodecafonismo [Catdilogo 1978-€ Arte musical 1965}, ‘Outras personalidades activas nas décadas de 30 a 60 foram; a peda- 082, directora de orquestra e compositora Francine Benoit; 0 pianista, director de orquestra ¢ compositor Jaime Silva (Filho) € os composi- ores ligados a0 teatro musical popular, como Venceslau Pinto, Raul | 0 Sécuto xx : v5 la ¢ Raul Ferrio; os cantores Tomis Alcaide, Guilherme Kjélner, Acminda Correia ¢ Judite Lupi Freire; os pianistas Helena Moreira de $4 e Costa, da Graga Amado da Cunha, Sérgio Varela Cid € Sequeira Costa (instigador do Concurso Internacional 57), além de Marie Antoinette Lévéque de Fr Malssa, de origem respectivamente francesa € italiana; os Leonor Prado, Antonino David, Luts € V1 ton; ¢ 0 violinistae maestro Joaquim da director das Orquest dade mais ou menos regular, mencionem-se 0 qu o trio de Silva Pereira, a Academia de Instrumentistas de Camara, 0 Quar- {to de Lisboa (com piano) © Quarteto de Cordas do Porto. Ao mesmo tempo, sob 0 impulso da ridio ¢ do cinema, surgiam nos dominios da cangio ligeira, do teatzo musical e do fado vedetas extremamente populares, como Corina Freire, Beatriz. Costa, Her Marceneiro e sobretudo Amalia Rodrigues, qu ‘em 1939, conqui tas propugnados a valorizagio do pat a musicologia portuguesa conhece ravel desenvolvimento (embora nem sempre isento de estreitezas m Ges de catiz ideolbgico), com os trabalhos de M: 1934. No dominio dos estudos de etnografia musical, salientam-se (© inglés Rodney Gallop, Gongalo Sampaio, Armando , Margot e Jorge Dias, Emesto Veiga de O! Lopes-Graca ¢ Artur Santos [CASTELO-BRANCO ¢ TOSCANO 1988]. Entre as principais publicagdes periddicas especializadas dos anos 30 a 50, mencionem-se 4 arte musical, fundada por Luis de Freitas Branco em 1930, retomada em 1958 pelo scu filho Jodo de Freitas Branco, como 6rgdo da Juventude Musical Portuguesa, ¢ a Gazeta musical (depois Gazeta musical e de todas as artes), organizada desde 176 Historia da Misica 1950 por Lopes-Graca, Francine Benoi José Cochofel, cuja diteceao foi também de Freitas Branco [ANDRADE 1989; 48-50} Quintas © Joao icialmente confiada a Luis A Dificil Invengao do Presente As alteragées nas est do século xx sto det lizagio do regime pol Caetano; 0 lento processo de abertura do Pafs ao exterior, ¢ de supe- ragio do isolacionismo ideoldgico € cultural das décadas de 30 2 50, Precipitado depois pela revolugio de 25 de Abril de 1974; e, no plano mais especificamente musical, a generalizacdo dos mass media — a ridio (com a sua programacio de misica «classica», actual Antena 2), 0 disco, o cinema c a televisio (emissOes publicas a partir de.1957) — Provocando nomeadamente a decadéncia da actividade musical amadora Imente um consideravel alargamento das referéncias culturais ‘0, a difusdo em larga escala de obras, intérpretes e correntes da vida cultural portuguesa de meados iadas por diversos factores: a relativa libera- No plano das instituigdes musicais «nobres», hd a registar 0 esbogo de renovacio decorrente da nomeagio como director do Teatro de S20 Carlos, em 1970, de Joao de Freitas Branco, que nao conseguiria, no entanto, fazer aprovar um projecto de lei orginica para o teatro (ncluindo a criagdo de uma companhia residente ¢ de uma orquestra We lirica a outras localidades do Pais ¢ sm da aboligio da obrigatoriedade do traje de ceriménia, que foi, Unica dessas medidas a ser apro- vada, © com restrigdes [VIEIRA DE CARVALHO 1984: 276-7), Sob a sua orientagao, acentua-se no entanto a tendéncia para a actualizacio ‘desse modo 4 um piiblico mais diversificado 0 acesso ico. Chamado a desempenhar fungOes governativas, s Branco seri sucedido nesse cargo por Joao é recstruturado sob a forma de empresa publica igal como Presidente do Conselho de Adminis- 0 especticul em 1974, Joao de Paes; em 1980-1, (com José s 0 Séeulo xx 07 € nomeado um novo Conselho aceio parece orientada no sentido da plena inter- nacionalizagao da actividade operatica portuguesa, Mas 0 factor de major impacto no delineamento da actual face da vida ‘musical em Portugal seria, indubitavelmente, 0 conjunto de realizagdes vais Gulbenkian de Mésica (1957-1970), a constitwigao de uma orquest propria em 1962 (denominada Orquestra Gulbenkian a partir de de um coro profissional (1964), akém de um grupo de bailado, de temporadas regulares de concertos nos audit6rios construidos na nova sede da Fundagao (desde 1970), a criagio dos Encontros Gulbenkian de Misica Contemporanea (regularmente realizados desde 1977), das Jomnadas de Masica Antiga (desde 1980), do Servigo ACARTE (cAnimacio, Criagio Artisticae Educagao pela Artes, a partir de 198 Uituigi0 de uma comissio de musicologia (de que te: impressas ediscograficas consagradas 20 patriménio musical porty {do apoio a varias entidades promotoras de concertos a mh tivas de ambito pedagdgico-musical, da concessio de bolsas a estudantes ortugueses, da organizagao de cursos e de concursos nacionais de com: osicio (1965, 1968, 1971 ¢ 1974), da encomenda de ob acidade manifestada pelas ci iniciativas dinamizadoras da gado, de um modo geral, até 20s nossos dias), pode dizer-se que — com todas as distorgdes que inevitavelmente resultam da existéncia de uma forte super-estrutura num pais de infra-estruturas frageis — & quase exclu- sivamente gragas 8 Fundacdo Gulbenkian que Lisboa pode hoje consi- derar-se um centro musical relativamente importante a nivel europeu, Participando regularmente do circuito intemacional dos maiores concer- Hstas © agrupamentos sinfSnicos ¢ de camara do nosso tempo. Quanto as orquestras da R.D.P. de Lisboa ¢ do Porto, apos um penoso perfodo de decadéncia que durou até 1989, sio presentemente alvo de um processo de reestruturagao (em muitos aspectos contro- verso), conducente 3 fundagio, até a0 momento, de um novo agrupa- mento de excelente qualidade (Orquestra do Porto), sob a administrag30 we Historia da sisica de uma «régies cooperativa; modelo que deverd, a breve trecho, ser apli ‘cado igualmente em Lisboa. Em 1987, 0 maestro ¢ compositor Alvaro Cassuto organiza, com 0 patrocinio da Presidéncia da Reptblica € 0 apoio de «sponsors» privados estimulado pela nova Lei do Mece- ‘ato Cultural (1986), a Nova Filarmonia Portuguesa, primeira experiencia do género entre nds. Por sua vez, 05 conservat6rios desde 0 inicio dos anos 70 sucessi tados nem sempre muito conclude: nals € regionals vao sofrendo provavelmente por muito tempo ainda, o problema de mais di luglo da actualidade musical portuguesa; em 1983, no quadr: revisio global das estruturas escolares da especialidade, sto criadas duas Escolas Superiores dle Mtisica, em Lisboa e no Porto, cidades que conti- ‘nuam, aliés, a centralizar, a todas os titulos, a vida musical do Pais (outros estabelecimentos oficiais ou oficializados de ensino da miisica existem no entanto em Braga, Aveiro, Espinho, Coimbra, Covilha, Faro, Funchal, Ponta Delgada, etc). Também os festivais de verao tém co: modestamente para a descentralizagio ¢ revitalizagio musi (os mais importantes ¢ de maiores tradigdes (Costa do Estos € Capuchos) situam-se na regito de Li a da criag2o, 0 da década de 60 marca ‘uma ruptura na orientacio técnica ¢ estética es portugueses. Nomes importantes das gera- ‘g6es anteriores (Lopes-Graga, Joly Braga Santos) continuam activos, sem renegarem no essencial as linhas definidoras das respectivas linguagens, Compositores como Vitor Macedo Pinto (1917-1964), Fernando Corréa de Oliveira (n. 1921), Maria de Lourdes Martins (a. 1926) Filipe de Sousa (n. 1927), assim como Filipe Pires (n, 1934), numa primeira fase, fazem a ttansigao entre os tiltimos prolongamentos de um neoclassicismo de feicao por vezes um tanto académica e processos de escrita mais iden- tifieados com a modetnidade curopeia dos anos 40 ¢ 50. Mas é sob a franca influencia das correntes vanguardistas do pés-guerra, ¢ em patti- cular do epicentro de Darmstadt, que compositores como Alvaro Cassuto, Jorge Peixinho, Emanuel Nunes, Constanca Capdeville ¢ Alvaro Salazar, acompanhados por Filipe Pires, emergem no estagnado e timo- rato panorama musical portugues do meio século. Alvaro Cassuto, nascido no Porto em 1938, tudou com Artur ‘Santos ¢ Lopes-Graga e frequentou em 1960, como bolseiro da Fundag30 Gulbenkian, os cursos de Darmstadt, onde trabalhou com Stockhausen, 0 seeuo xx: j0roso, optando em obras posteriores por uma forma r¢, que POUCO a pouco vird a integrar elementos alea- icamente retrospectivos. Entre as suas obras mais impor- tantes, contam-se /n memoriam Pedro de Freitas Branco, Evocacbes, To love and peace, para orquestra, ¢ Crofmono)fonia para vinte instru. mentos de cordas solistas. lipe Pires, nascido em Lisboa em 1934, foi discipulo de Artur Santos © Croner de Vasconcelos ¢ iniciou a sua carreira como pianista, Foi bolseiro do Estado em Hannover, nomeado professor de compo. sigao do Conservatério de Miisica do Porto em 1960, frequeatando, como bolsciro da Fundacdo Gulbenkian, os cursos de Darmstadt em 1963 ¢ 1969, € um estagio na O.R.1-F. (Paris), onde contactou com Pierre Schaeffer (1970-2); exerceu também fungées docentes ‘compostas até 1954 avultam as influéncias de correntes neoclassicas [..}. A partir de 1958, comegou a processar-se uma lenta evolucio que condu- ziria, dois anos mais tarde, 20s primeiros ensaios de dodecafonismo, ligado ou ndo a técnicas seriais. Com Perspectivas (1965), a serializac4o. estende-se a métrica ¢ ao ritmo. Daf em diante, a construgio formal, totalmente liberta de padroes cataloga maior frequéncia, aspectos aleatorios, ‘ou declamador (orquestra de cordas), Portuga- lige Genesis (batitono, coro e orquestra), Canto ecuménico (para fita magnética), Variantes (orquestra) € Zoocratas (teatro musical) Revelado com um ncleo de obras inovadoras no inicio da década de 60 (Cinco pequenas pecas € Sucessoes simétricas para piano, Polip- tico e Sobreposigdes para orquestra), centradas numa radical pesquisa timbrica ¢ formal, € decorrentes da assimilagio do pensamento serial curopeu, Jorge Peixinho (nascido no Montijo em 1940) afirma-se rapi- ‘damente como figura central do movimento vanguardista em Portugal. Frequentador dos cursos de Darmstadt desde 1960, disci Porena e Goffredo Petrassi na Accademia di Santa Ce ees 160 Mistoria da Musica (como bolseiro da Fundasao Gulbenkian), de Boulez ¢ Stockhausen Basileia ¢ de Luigi Nono em Veneza, tem desenvolvido uma intensa a vidade de compositor, intérprete, professor ( € organizador de concertos, da Sua abund: a produgao, na qual se verifica uma progressiva superacio da rigice? serialista paralclamente a absorcdo de principios aleat6rios e de estratégias de improvisagzo, salienta-se um conjunto de obras marcadas por um cariz politico contes- tardrio no sem afinidades com a arte militante de um Nono (CDE, Quatro pecas para Setembro Negro, Morrer em Santiago e Elegia @ Amilear Cabral, todas datadas do a década de 70); ¢ ainda A tdade do ouro, As quairo estacbes, Ma fin est mon commencement, Canto da sibila, Musica om agua ¢ marmore, Lov I, Ci O Jardim de Belisa, para conjuntos instrumentais, Sucess Ie Ill, Voix, Mémoires-mfrofrs (concerto para clavicérdi de Outono (obo€ € orquestra), para formacdes orquestrais, Eurtdice reamada, sobre textos de Herberto Hélder € E. Melo ¢ Castro, para solistas, coro ¢ orquestra, obras para piano, coro, musica electroactis- tica, etc. Igualmente sob a acco de Peixinho, € criado em 1970 0 Grupo de Masica Contemporanea de Lisboa, com larga actividade em Portugal © em muitos dos principais festivais estrangeiros de misica contempo- nea, 0 qual viria por sua vez a estimular a criatividade de alguns dos seus membros, como Clotilde Rosa (Encontro, obra distinguida pela Tribuna Internacional de Compositores da UNESCO em 1976) ¢ Lopes ¢ Silva. Emanuel Nunes, nascido em 1941, fixa-se em Paris em 1964, frequentando pela mesma época os cursos de Darmstadt (com Pousseut € Boulez) ¢ da Escola Superior de Misica de Col6nia (Pousseur e Stock- hhausen); desde 1979, 0 compositor reside alternadamente em Paris ¢ Ocldorf (perto de Col6nia). Muitas das suas obras foram encomen- ‘dadas pela Fundagao Calouste Gulbenkian, Radio-France ¢ da Cultura de Franga, destacando-se, desde 1965 (Degrés, de cordas), com Purtie (vinte ¢ um instrumentos de cord: Wo (conjunto de sopros), Litanies du feu et de la mer (pi (orquestra ¢ fita magnética), TYforetb (6 solistas ¢ 6 grupos orqui Musikt der Friabe (18 instrumentos), Vislumbre (coro), Grund (auta € fita magnética), Wandiungen (25 instrumentos e «live electronics), Quodlibet (virios solistas © orquestra; obra criada para 0 espago do Coliseu dos Recreios), etc. Espirito de um obsessivo rigor intelec- tual, encarando a experincia musical como esotérico acto de iniciagao 2 um universo sonoro muito marcado pela influencia de Stockhausen, 0 Séeulo XX 180 Emanuel Nunes ocupa hoje um lugar de destaque no plano da criagio ‘musical europeia [MACIAS 1991] ‘Também 2 obra de Constanca Capdeville, de origem cat 1937) adquire projeccio a partir de meados da década de 60, com Diferencas sobre um intervalo e Momento 1, evoluindo depois para uma explo: ragio sistematica das relagdes entre elementos sonoros € visuais do especticulo musical, na linha de um teatro instrumental, vocal efisico (Libera me, Esbocos para um Stabat Mater, Double, Don't Juan, Doppiomaggio, ...Vocem meam, Amen para uma auséncla), para cuja pratica cria, em 1985, 0 grupo ColecViva. Fundador, no Porto, do grupo ‘Oficina Musical (1978), Alvaro Salazar (n. 1938), especialmente conhe- ‘ido como director de orquestra ¢ professor, € autor de obras como Glosa ¢ fanfarra sobre uma fantasia de Anténio Carreira, Palimp- sestos, Ludi Officinales, Quadrivium ¢ Taleae. Refitamse ainda ‘0s nomes dos compositores Candido Lima (n. 1939), pact influenciado por Xenakis, € Ant6nio Victorino de Almeida este desenvolvendo a sua carreira um pouco a margem dos circuit institucionais (Preltidios para piano, Concerto para piano ¢ orquestra, Catedral da angistia, a Opera Canto da ocidental praia, etc.) Entre os representantes das geragoes mais jovens, tem-se distinguido Paulo Brandio, Ant6nio Pinho Vargas ¢ Joio Pedro Oliveira Quase todos os compositores citados desenvolvem igualmente acti- vidade como executantes. Entre 05 intérpretes de primeizo plano, {&m-se salientado nas Gitimas décadas: como pianistas, além de Sequeira Costa, Tania Achot, Maria Jodo Pires, Olga Prats, Pedro Burmester ¢ Artur inista Gerardo Ribeiro, a violetista Ana Bela Chaves, 1a Maria José Falcio, os cantores Elsa Saque, José Oliveira Lopes e Jennifer Smith; € varios agrupamentos, entre os quais 0 Opus Ensembie, 0 Grupo de Metais de Lisboa, o Grupo de Misica Vocal ‘Coniemporinea do Porto (direcea0: Mario Mateus) ¢ os Segréis de Lisboa Gireccl0: Manuel Morais), este ltimo especializado na execucao da misica antiga portuguesa e eur No fmbito da abertura cultural ¢ expansio mediitica verificadas em Portugal nos anos 50 2 70, cabe ainda uma referencia a difusdo (tardia) do jazz. (fundagio do Hot-Club em Lisboa em 1950), da musica pop € do rock (com © impacto hist6rico do Festival de Vilar de Mouros, em 1971); no inicio dos anos 80, dé-se mesmo, fenémeno novo, o sibito aparecimento de uma profusio de grupos de rock, cantando em portu- gues [DUARTE 1984). Por sua ver a contesta¢ao politica ao regime ante- rior a 1974 suscitaria a vaga da cangio politica (representada com especial consisténcia por José Afonso) [CORREIA 1984], enquanto certas formas de cangio «ligeirae (0 chamado nacional-cangonetismor, hoje em vias de recuperacio como fenomeno «kitsch») consagravam na década de 60 novas vedetas da radio e da televisio, ao mesmo tempo que decaia a tradigao da «revista a portuguesa, j4 confinada, desde 05 anos 20-30, a0 Parque Mayer (PAVAO Dos Sawros 1978}. O fado, durante algum tempo colhado com desconfianga pelas correntes ideol6gicas mais radicais do p6s-74, consegue adaptar-se 20s novos tempos, € sobrevive sem sobressaltos, defendido por novas geragdes de intérpretes (em especial, Carlos do Carmo). Revela-se ainda na mesma época o grande talento do guitarrista Carlos Paredes, que confere & guitarra portuguesa uma Projecgdo nunca anteriormente atingida Um csforgo importante de levantamento € valor mOnio musical tem sido levado a cabo por as quais a Fundagio Calouste Gulbenkian, 2 Divisio de Mtsica da Si tarla de Estado da Cultura, ¢ 0 Departamento de Musicologia do tuto Portugués do Patriménio Cultural. A integragio da musicologia ‘no quadro dos estudos universitérios, a partir de 1980, com a fundagdo do Departamento de Ciencias Musicais da Universidade Nova de Lisboa, permite esperar o desenvolvimento desta discipl vir a reflectirse igualmente numa m: do Pats, dos aspectos mais relevantes ' | | BIBLIOGRAFIA sAbrisss 1883 cAbriss der Geschichte der portugiesischen Musik von Dr. Platon von Waxels In Ment, He Russuate, A. (ec), Musikatisches Conversations-Lexiton, Eigen: ‘zungsbande. Beslim: Robert Oppenheim. LECH, José Augusto 1987 Preficlo a Mateus de Aranda: Tractado de Gite Llano, Lisbea: Instituto de Alka cal 1968 4 Problematica Muslcal das Cantigas de Amigo, Lisboa, Fundagio Calouste ‘Gulbenkian 1973 Historia da Escola de Mistca da $8 de Evora, Lisboa: Fundaso Calouste Gulbenkian 1977 Biblioteca Publica de Bora: Catdlogo dos Fundos Musicais Lisboa: Pundagio Calouste Gulbenkian. 1978 Preficio a Mateus de Aranda: Tractado de Canto Mensrable, Lisboa: Fundagio Calouste Gulbenkian. 1982 Preticio a Jodo Lourenco Rebelo (1610-1661) Pealmt, tum Vesperarum, tum Completorit Item Magnificat, Lamentattones et Miserere, 4 vols, . In Arte Mustcal 22, pp. 389-462 1978 A Revista a Portuguesa: Uma Historia Breve do Teatro de Revista, Lisbou

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