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Figura 1: Spread taxa pré 360 real ex ante (% a.a., eixo à esquerda) e participação percentual
do Prêmio de Risco (EMBI BR, eixo à direita) no spread
As duas barras marcam outubro de 2005 e maio de 2007
25 100
90
Participação do EMBI
70
15 60
50
10 40
30
5 20
10
0 0
set/01
set/02
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A figura 1 ilustra a evolução do spread entre a taxa de juros para papeis com
vencimento de um ano respectivamente no mercado interbancário brasileiro e de Londres. As
taxas são reais deflacionadas pelas respectivas inflações esperadas doze meses à frente.
Consideramos como medida de inflação esperada a pesquisa FOCUS conduzida pelo Banco
Central do Brasil e a pesquisa equivalente conduzida pela Universidade de Michigan para a
1
Agradecemos a Thiago Curado pelo auxílio com a evi dência pa ra a pesquisa FOCUS e os comentá rios cuidadosos
de Luiz Fernando de Paula , Mansueto Al meida Jr., Edma r Bacha , Má rcio Ga rcia e Ilan Goldfa jn . Os erros e
imprecisões remanes centes são de nossa responsabilidade.
2
inflação americana. O valor para o spread está representado no eixo à esquerda. No eixo à
direita representamos a participação do risco país medido pelo EMBI Brasil como proporção do
spread. Para facilitar a leitura do gráfico e não poluir em demasia a figura 1, na figura 2
representamos a taxa de juros real do mercado interbancário brasileiro que foi utilizada para
calcular o spread na figura 1.
Figura 2: Taxa pré 360 real ex ante (% a.a, eixo à esquerda) em que a medida de inflação é
dada pela expectativa do FOCUS para os próximos 360 dias e risco país medido pelo EMBI-Br
(eixo à direita)
As duas barras marcam outubro de 2005 e maio de 2007
25 2500
20 2000
10 1000
5 500
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Ver Arida (2003a e b), Arida , Ba cha e La ra -Resende (2005), Gonçal ves , Holland e Spa cov (2007), Ba cha , Holland e
Gonçal ves (2007).
3
Diferentes trabalhos es tabeleceram a rela ção positi va entre o ris co pa ís e a ta xa real de juros no Brasil utilizando
técni cas es ta tísti cas . Ver, entre outros , Muinhos e Nakane (2006) e Goldfajn e Bi calho (2011).
3
incorporada pelos agentes, o diferencial de juros exigidos para a captação de recursos mostrou
tendência declinante. 4
A partir do início de 2006 o risco país passa a explicar 30% ou menos do diferencial de
juros interno-externo. Mais recentemente esta participação reduz-se ainda mais para 20%.
Assim, no período recente, o prêmio cobrado pelos agentes econômicos para manter seus
ativos no Brasil não representa o fator que explica a maior parcela do spread de juros interno-
externo. Quando observamos o nível do risco país nota-se que ele estabilizou-se desde o início
de 2006 até antes da crise do subprime em torno de 200 pontos, explicando, portanto, 2 p.p.
do spread.
Assim, pode-se afirmar que no final de 2005 a percepção de risco do país reduziu-se
muito. Seria natural imaginar, portanto, que se iniciaria um processo de convergência dos
juros internos aos juros internacionais. De fato, entre outubro de 2005 e maio de 2007
(período marcado com linhas pretas verticais nos gráficos 1 e 2) há uma rápida e acentuada
redução do spread entre a taxa interna e externa. Ele reduz-se de 12% para 4%!
Quando verificamos o nível da taxa de juros também para o período de outubro de
2005 até maio de 2007 há redução da taxa de juros real ex ante de pouco mais de 12% para
pouco mais de 6% ao ano. A partir deste período a taxa de juros real ex ante passa a oscilar em
torno de 6,5% ao ano (com desvios mais pronunciados em função do aperto monetário pré
crise e também em razão da própria crise financeira internacional). Note-se também que para
todo o período após outubro de 2005 o risco Brasil apresenta uma trajetória sem tendência.
A formação da taxa de juros no país para o período recente não foi tão estudada
quanto no período prévio. Nossa visão é que, ao contrário do período anterior, para o período
que tem início no último trimestre de 2005, a formação da taxa de juros passa a ser
determinada, principalmente, no mercado de fluxos – isto é, pelo excesso entre demanda e
oferta agregadas por bens e serviços.5
No restante do documento procuramos fundamentar melhor nosso ponto de vista.
Para tanto, além desta Introdução, o trabalho está organizado da seguinte forma: a próxima
seção discute a formação da taxa de juros em uma economia fechada. Na seção 3 retomamos
o caso de uma economia aberta e discutimos o que tem impedido, para o período recente, a
convergência das taxas domésticas às internacionais. Na seção 4 discutimos explicações
alternativas que têm sido oferecidas para a questão dos juros no país. A seção 5 conclui o
texto.
4
Ba cha (2011) tem um entendimento dis tinto, a rgumentando que o processo de consolidação ma croeconômica
representada pela tríade da políti ca ma croeconômi ca (superá vi t pri má rio, câmbio flutuante e metas de inflaçã o)
não se completou e, porta nto, que as elevadas ta xas reais de juros no presente ainda refletem um prêmio de ris co
por recei os de calote e de dilui ção infla cioná ria da dívi da . Conforme a rgumentamos, ainda que tal componente
possa existi r, do ponto de vis ta quanti ta ti vo, ele representa , a nosso ver, um componente menor das ta xas de juros
correntes .
5
Haus mann (2008) defende o mesmo ponto de vis ta .
4
16
Gastos Previdência % do PIB
12
0
0 5 10 15 20 25 30
Razão de Dep. Pop. 65 ou mais/ Pop. Idade Ativa (15-64 anos)
2,5
Pensão por morte (% PIB)
1,5
0,5
0
5 10 15 20 25 30
Razão de Dep. Pop. 65 ou mais/ PIA (15-64 anos)
6
A figura 3 foi reti rada de Rocha e Caetano (2008). Agradecemos aos autores por ter nos enviado os dados .
7
A fi gura 4 foi reti rada de Rocha e Caetano (2008). Agradecemos aos autores por ter nos enviado os dados.
6
8
Toda a análise conduzida nesta seção supôs que o modelo padrão de determina ção da poupança como expos to
nes ta seção seja válido. Loa yza e colaboradores (2000) suma riza m pesquisa conduzida pelo Banco Mundial para
entender os determinantes da poupança a pa rti r de uma a mos tra de di versos países. Os resul tados sugerem que a
forma como a previdência é es trutura da, o cres cimento econômi co e a grau de incerteza da economia afetam a
poupança . Attanasio e Brugia vini (2003) mos tra m que a reforma previdenciá ria i taliana 1992 al terou a poupança na
exa ta medida previs ta pelo modelo de ci clo de vida , isto é, que parte si gnifi ca ti va da poupança deve -se à
necessidade de fa zer frente à queda da capa cidade la boral que segue o envelheci mento. Hori oka e Wan (2006)
mos tram que na China o cres cimento econômi co explica pa rte das elevadíssimas ta xas de poupança (fa to, que
como vimos, não pa rece ocorrer no Brasil). Wei e Zhang (2009) mostra m que a necessidade das fa mílias com filhos
homens poupa rem pa ra adqui ri rem uma moradia pa ra que es te filho seja mais bem sucedido em encontra r uma
esposa jus tifi ca a té metade da eleva ção da poupança que houve entre 1990 e 2007. Es tes trabalhos sugerem que a
poupança responde a incenti vos microeconômi cos e que o cres cimento da poupança ocorre quando os incenti vos
são desenhados de forma tal que a a celera ção do cresci mento econômi co redunde em eleva ção mais do que
proporci onal da poupança .
7
seja mais desvalorizada do que a cotação esperada no futuro para o mercado à vista. A
diferença entre ambas é dada pelo risco cambial.9 Elevados valores para o risco cambial
também explicam elevados custos para o hedge. Assim, apesar do risco país ser baixo o risco
cambial impede a convergência das taxas de juros.10
Evidentemente, a redução do risco cambial recoloca na agenda a questão da
convertibilidade do real enfatizada por Arida (2003a e b) e Arida, Bacha e Lara-Rezende (2005).
No entanto, em outro contexto. Não se trata de risco de jurisdição no sentido jurídico do
termo. Isto é, o risco de reaver garantias e de não conseguir ou de ser muito caro processar
um devedor inadimplente dada as vicissitudes do judiciário brasileiro. Além da evidência
empírica à época ter rejeitado a proposição do risco de jurisdição11 parece-nos que ele pode
explicar os elevados spreads bancários mas não os elevados níveis da taxa básica de juros. A
questão parece-nos bem mais singela. O Brasil é um país estruturalmente recebedor de capital
visto que estruturalmente a poupança doméstica é baixa. Em boa medida o interesse de boa
parte dos proprietários de capitais aqui investidos dá-se em outra moeda. Se não houver
mercados profundos e líquidos denominados em reais haverá sempre o risco de a cotação ser
muito desfavorável no momento que houver a necessidade de remissão de capital para fora.
Evidentemente, há muito que a política econômica pode fazer para estimular a construção de
um mercado de dívida denominada em reais.12 A Austrália, por exemplo, é um país fortemente
especializado na produção de commodities cuja moeda é internacional. Isto faz com que a
Austrália consiga financiar déficits de transações correntes na casa de 4,5% do PIB
sistematicamente por mais de 40 anos a juros baixos. Parece-nos que esta foi a opção tomada
pela população brasileira quando tem escolhido sistematicamente políticas que geram baixa
poupança.13
O segundo motivo que tem impedido uma queda mais rápida dos juros no período
recente é a política oficial de forte acumulação de reservas. Há sinais consistentes de que o
resto do mundo estaria disposto a financiar o excesso de demanda doméstica e ainda cobrar
um prêmio de risco bem menor. Ou seja, há sinais de que o Brasil sustentaria déficits de
transações correntes na casa de 4% do PIB anualmente com juros relativamente baixos sem
grandes problemas para a solvência internacional. Portanto, nosso entendimento é que se
houvesse alteração na política de acumulação de reservas pelo Banco Central que permitisse
uma maior valorização do câmbio haveria absorção de maiores níveis de poupança externa. O
câmbio mais valorizado elevaria as importações, reduziria as exportações e elevaria a oferta
doméstica de bens e serviços, contribuindo, assim, para reduzir o excesso de demanda por
9
Pa ra apresenta ção de li vro texto da diferença entre a pa ridade coberta e des coberta da ta xa de câmbi o veja
Obs tfeld e Rogoff (1996). Ver Ga rcia e Oli va res (2001) e Ga rcia e Didier (2003) pa ra es tima ção do ris co ca mbial para
os anos 90 do século passado.
10
Note que o ris co cambial (ou risco de conversão) é diferente do ris co pa ís. Tanto pa ra inves tidores que tra vam
uma ta xa futura na BMF ou pa ra inves tidores que não tra vam há o ris co de frontei ra . Os juros internos incorporam
na sua forma ção este ris co.
11
Ver Gonçal ves , Holland e Spa cov (2007).
12
Ainda que pa ra finalidades dis tintas, as propos tas de Ba cha (2011) de daçã o de pa rcela das reservas
internacionais em ga rantia da dívida pública bem como de liberaliza ção das aplica ções financei ras no exterior,
a tua riam na di reção de cria r tal mercado. Pa ra Ba cha, contudo, essas medidas seriam importantes pa ra reduzi r o
prêmio de ris co embutida na ta xa de juros do país em função de seu passado de al ta infla ção e sucessi vos calotes na
dívi da.
13
Pa ra a internaci onaliza ção da moeda Aus traliana ver McCauley (2006).
8
14
O Banco Central tem que emi ti r moeda pa ra adqui ri r as di visas no mercado ca mbial. A eleva ção da base
monetá ria que resulta desta opera ção faz com que a ta xa de juros do mercado i nterbancá rio (a ta xa CDI) se reduza
es timulando os bancos a empres ta r ao governo à ta xa Seli c. Como a ta xa Selic é fi xada pelo COPOM todo o excesso
de oferta de reservas tem que ser adqui rido pelo BC obrigando -o a coloca r opera ções compromissadas até que a
ta xa do CDI se aproxi me da Selic.
15
Ver Ga rcia (2011).
16
O BC tem no seu ati vo títulos emi tidos pelo Tesouro Nacional. Títulos de di ferentes ma turidades e ca ra cterís ti cas.
Quando há excesso de liquidez no mercado de sorte que a Seli c diária tende a situa r-se a baixo da meta da Selic (que
é fi xada nas reuniões do Conselho de Pol ítica Monetá ria , COPOM, do BC) o BC vende aos bancos títulos que se
encontra m em sua ca rtei ra com o compromisso de recomprá-los à frente. A ta xa de juros des ta opera ção é pós
fi xa da em função do comportamento que a Seli c terá no período. Es tas opera ções são chamadas de opera ções
compromissadas do BC. Evidentemente devi do ao fa to de ha ver o compromisso de recompra os títulos conti nuam
no balanço do BC. No passivo do BC a parecerá um rubri ca ‘opera ções compromissadas.’ Assim, quando o BC enxuga
a liquidez por meio de opera ções compromissadas – vende títulos públi co de seu a ti vo com compromisso de
recompra e, em troca, absorve reservas dos bancos – a contra pa rtida da redução da base monetá ria que reduz o
passi vo monetá rio do BC é a eleva ção da rubri ca ‘opera ções compromissadas’ que fa z pa rte do passivo não
monetá rio do BC.
9
de retorno dos demais ativos reduziu-se, produzindo uma expansão da demanda agregada.
Para compensar esta pressão o BC tem que elevar ainda mais a taxa Selic.17
Assim podemos afirmar que a contínua acumulação de reservas por meio de
operações esterilizadas tem dois impactos sobre os juros. Por um lado, essas operações
reduzem a absorção de poupança externa, reduzindo a oferta para o mercado doméstico de
bens e serviços. Por outro lado, essas operações reduzem a taxa de retorno dos demais ativos,
estimulando a expansão do crédito e do investimento e, consequentemente, estimulando a
demanda agregada. Em resumo, as operações de esterilização ligada à politica de acumulação
de reservas, elevam o excesso de demanda por bens e serviços. O impacto sobre a taxa de
juros é claro!
120
câmbio real
100
90
80
70
60
50
set-01
set-02
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set-04
set-05
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17
O a rgumento supõe que o BC es teja al terando a composi ção do portfólio do setor pri vado para uma dada
demanda por ati vos . Pa rte do fenômeno que ocorreu foi uma eleva ção da demanda por títulos públicos . Neste caso
as a cumula ções de reservas es terilizadas nã o são expansionis tas. Agradecemos a Ilan Goldfa jn este comentá rio.
18
Ver Pas tore, Pi notti e Pa gano (2010).
10
Note que a partir de maio de 2006 o câmbio real de equilíbrio situa-se abaixo do
câmbio real observado, encontrando-se este, portanto, em patamares artificialmente
desvalorizados. Atualmente (fevereiro de 2011, dado mais recente disponível) o câmbio
corrente encontra-se 5,5% desvalorizado com relação ao de equilíbrio. Nota-se também que o
câmbio real de equilíbrio passa a ser mais valorizado do que o câmbio real observado em
agosto de 2005, dois meses antes, portanto, de outubro de 2005. Como é possível que ao
longo de tantos anos o câmbio real de equilíbrio esteja continuamente mais valorizado do que
o câmbio real observado (isto é o câmbio real corrente)?
Figura 6: Saldo mensal das intervenções do BC no mercado à vista de divisas (milhões US$)
A barra vermelha marca outubro de 2005
5.000
3.000
1.000
-1.000
-3.000
-5.000
-7.000
-9.000
-11.000
-13.000
-15.000
dez/02
dez/07
set/01
set/06
fev/02
jul/02
fev/07
jul/07
abr/01
abr/06
ago/99
ago/04
ago/09
jan/05
jan/10
jan/00
out/03
out/08
jun/00
jun/05
jun/10
mai/03
mai/08
mar/09
mar/99
mar/04
nov/00
nov/05
nov/10
estar desvalorizado com relação ao câmbio real de equilíbrio (figura 5); e iniciou-se um
fortíssimo processo de compras continuadas de reservas internacionais pelo Banco Central
(figura 6). Mais recentemente a compra de reservas tem sido auxiliada por uma série de
medidas de restrição à mobilidade de divisas.
Recapitulando todo o argumento, os juros são elevados no Brasil hoje porque há
excesso de demanda sobre oferta por bens e serviços. Este desequilíbrio interno no mercado
de bens e serviços poderia ser mitigado se estivéssemos dispostos a elevar a absorção de bens
do mercado externo. No entanto, como somente é possível absorver bens e serviços do
mercado externo que sejam transacionáveis internacionalmente, esta absorção produzirá um
excesso de demanda local pelos bens e serviços que não sejam transacionáveis
internacionalmente (em geral os serviços). O processo de absorção de poupança externa
necessariamente encarece os bens não transacionáveis, isto é, valoriza o câmbio real. Assim,
para impedir uma apreciação adicional do câmbio a política cambial não permite que tal
descompasso entre oferta e demanda seja suprido pela oferta externa. Consequentemente, os
juros internos têm que ser elevados para manter a economia mais ‘esfriada’ do que estaria
com juros menores. A alteração da política cambial permitiria elevar a absorção de poupança
externa e equilibrar o mercado doméstico de bens e serviços com uma menor taxa de juros.
Outra alternativa para fechar o excesso de demanda sobre a oferta seria reduzir o
excesso de demanda doméstica tomando medidas que elevem a poupança interna. Por
exemplo, a elevação da poupança pública, com a redução do gasto público ou elevação da
receita pública, concorrem para reduzir os juros, ao reduzir o excesso da demanda da
economia. Uma forma de elevar a poupança pública é moderar por alguns anos as elevações
do salário mínimo de forma a fazer com que os gastos previdenciários durante alguns anos
cresçam à velocidade menor do que a do produto.
19
Ver “O problema da ta xa de juros no Brasil”,
http://www.ca rtamaior.com.br/templa tes/ma teria Mos tra r.cfm?ma teria _id=17525, a cesso em 19/04/2011.
12
“Já economis tas heterodoxo-desenvol vimentis tas defendem que o problema da ta xa de juros está
rela cionado à existência de uma convenção conservadora a dotada pelo BCB, decorrente tanto do
modelo de políti ca ma croeconômi ca adotada (regime de metas de i nfla ção) quanto da própria
gestão da pol íti ca monetá ria , no qual o BCB a caba por fa zer frequentemente o jogo do sistema
fi nancei ro, sancionando suas expecta ti vas al tistas em rela ção a inflação. Em parti cular, ha veria uma
rela ção de subserviência do BCB aos interesses do mercado financei ro, evi denciado a té mesmo pelo
fa to de que as di retorias es tra tégicas na defini ção da políti ca monetá ria fi ca riam a ca rgo de
economistas vindos do própri o mercado. Acres cente-se ainda que a políti ca monetá ria nã o teria,
nes ta visão, efei tos neutros de longo pra zo sobre as va riá veis reais da economia (produto e
emprego), uma vez que a ta xa de inves timento da economia seria fortemente impa ctada pel a taxa
de juros, e consequentemente o próprio produto potencial seria influenciado de forma i mporta nte
pela pol íti ca monetá ria .”
Nossa leitura da tese de de Paula é que, segundo o autor, os juros são elevados pois os
economistas do mercado viesam para cima suas expectativas de inflação. Como todos
acreditam que a inflação será elevada o BC mantém os juros elevados, desincentivando o
investimento produtivo e impedindo maiores expansões da oferta agregada. A carência de
oferta, por sua vez, perpetua o descompasso entre oferta e demanda, exercendo pressões
sobre os preços sancionando as expectativas (viesadas) do mercado. A economia brasileira
convive em uma situação de duplo equilíbrio: se todos acreditarem que a inflação é elevada
todos, inclusive o BC, se comportam sob essa hipótese e a hipótese acaba sendo sancionada
pelos dados uma vez que ex post a inflação e os juros são elevados. No entanto, se por algum
motivo a convenção do mercado alterar-se e todos pensarem que a inflação e os juros irão
cair, aparecerá mais investimento que elevará a oferta e, consequentemente, reduzirá a
inflação e os juros. No fundo, estamos tratando com a hipótese de que a inflação tem forte
componente de expectativa auto-realizável.
Para que o argumento de de Paula fizesse sentido seria necessário que houvesse
desemprego aberto de fatores de produção. Não parece ser este o caso: a inflação de serviços
ao redor de 8,5% ao ano, a taxa de desemprego no valor mais baixo da série histórica e
seguidos trimestres com a absorção (a soma do consumo com o investimento) crescendo a
taxas maiores do que o produto são evidências contrárias a tal hipótese. Adicionalmente,
períodos no qual o investimento subiu sem que houvesse previamente esforço de elevação d a
poupança doméstica não produziram ao longo da dinâmica da economia ampliação da
poupança doméstica, mas sim elevação da absorção de poupança externa, sugerindo que não
havia desemprego de fatores de produção. É possível racionalizar o argumento de de Paula
mesmo para uma economia a pleno emprego se houver rendimentos crescentes à escala em
inúmeros setores. No entanto, neste caso, o aumento do investimento produz
temporariamente excesso de demanda (até que a nova capacidade esteja disponível ao setor
produtivo e eleve a capacidade produtiva da economia) e, temporariamente os juros serão
mais elevados.20
Evidentemente, é muito difícil submeter o argumento de de Paula a um teste empírico
pois se trata de proposição que supõe exercício contrafactual de algo que não ocorreu. De
fato, é muito difícil testar teorias com múltiplos equilíbrios. Mas uma indicação de que o
argumento não procede, além da evidência de que a economia tem trabalhado a pleno
emprego, é que os ciclos de redução da taxa de juros terminam pois a inflação acelera-se e que
20
Veja o paper de Murphy, Shlei fer e Vishny (1989).
13
o processo de revisão das expectativas inflacionárias apresenta alguma inércia. Isto é, quando
ocorre a aceleração da inflação em função da redução dos juros as expectativas de mercado
não conseguem antecipar esta aceleração. Ou seja, as expectativas de mercado correm a
reboque do processo inflacionário e não o contrário.
O Banco Central também tem mostrado preocupação com o processo de formação de
expectativas inflacionárias. No último Relatório de Inflação do Banco Central do Brasil
referente ao primeiro trimestre de 2011, na seção 6.1, página 87, lê-se:
“A propósi to, conforme a teoria econômi ca , a presença de a gentes heterogêneos numa pesquisa de
expecta ti vas , por si só, jus tifi ca ria a exis tência de dispersão de “crenças” dentro do grupo. Uma das
abordagens utilizadas pa ra a ques tão rela ciona a existência de expecta ti vas distintas à es trutura de
incenti vos . Em outra frente, diferenças entre as funções -objeti vo (loss functions) dos a gentes
também fornecem essa expli caçã o.”
21
A a ta da últi ma reunião do COPOM ocorri da em abril de 2011 sugere que o Comi tê reviu es ta interpreta ção.
22
Ver Kohls cheen (2010).
23
Um exercício es ta tísti co simples que realizamos reforça a evi dência de inexis tência de uma tendência das
projeções de mercado s uperes tima rem a infla ção observada . Compara mos a mediana das expecta ti vas da pesquisa
FOCUS pa ra o IPCA com os resul tados efeti va mente observados do indi cador. Todos os exercícios fora m realizados
pa ra o período 2004-2010 compa rando as séries de curto (expecta ti va de determinado mês pa ra a infla ção do mês
subja cente), médio (expecta ti vas pa ra a inflação três meses à frente) e de l ongo pra zo (expecta ti vas dos agentes
pa ra a infla ção doze meses à frente). Em 59, 58 e 59% das observa ções, respecti va mente, os a gentes subes tima ram
a i nfla ção à frente.
14
acentuado para baixo. Assim, não nos parece possível considerar que a maior inércia das
expectativas de inflação seja suficiente para explicar o processo de formação da taxa de juros
média ao longo de todo o ciclo econômico apesar de contribuir para explicar o padrão das
variações da taxa de juros ao longo do ciclo.
É frequente acreditar-se que a elevada participação de papeis pós fixados na dívida
pública seria um dos motivos que explicariam os elevados juros reais. Analogamente ao
processo de formação de expectativas, a elevada participação de títulos pós fixados na dívida
pública somente pode explicar fortes variações dos juros ao longo do ciclo econômico. No
entanto ela não pode explicar elevado nível médio da taxa de juros ao longo de períodos que
abarquem todo o ciclo econômico. A grande participação de papeis pós na dívida pública faz
com que a elevação da taxa de juros eleve a renda dos detentores de títulos públicos
neutralizando, em parte, o efeito contracionista da política monetária. Assim, para produzir
um mesmo efeito contracionista a política monetária tem ser mais apertada do que seria caso
o prazo médio de vencimento da dívida pública fosse maior. O contrário ocorre quando a
política monetária é expansionista.
Assim, nosso entendimento é que desde aproximadamente o segundo semestre de
2005, provavelmente, o processo de formação da taxa de juros no Brasil segue padrão
convencional. Há excesso de investimento sobre a poupança doméstica e a política econômica
tem dificultado o processo de absorção de poupança externa. Reconhecemos que há de fato
um problema com a sobrevivência da indústria doméstica da forma como hoje a conhecemos.
Uma economia que apresenta baixíssima taxa de poupança doméstica e simultaneamente
elevadíssima vantagem competitiva em bens primários em um momento que a valorização
destes bens no mercado internacional é muito elevada certamente será forte importadora
líquida de bens manufaturados. No entanto acreditamos que a existência da indústria de
transformação nos moldes como hoje a conhecemos não deve ser perseguida por uma política
de manutenção do câmbio real artificialmente desvalorizado. É mais produtivo que o
Congresso Nacional – instituição que tem legitimidade para tal – decida um subsídio direto à
indústria de transformação e que, simultaneamente, aponte a fonte de financiamento de tal
subsídio.
Todo o nosso argumento considerou que a poupança não pode ser alterada por meio
da política cambial. No entanto diversos críticos desta visão argumentam que economias como
a chinesa que apresentam forte crescimento conseguem tal desempenho pois a política de
manter o câmbio desvalorizado (por meio de acumulação de reservas) eleva a poupança
produzindo juros mais baixos e, consequentemente, estimulando o investimento e o
crescimento econômico. Evidentemente para o Brasil esta política não está sendo bem
sucedida: a taxa de poupança está aproximadamente constante desde 2005. No entanto,
trabalhando com 179 economias para o período de 1974 a 2004, Levy-Yeyati e Sturzenegger
(2007) mostraram que acumulação de reservas esterilizadas – isto é, acumulação de reservas
que não expandem a base monetária – eleva a poupança, o investimento e o crescimento. Os
autores mostram que a acumulação de reservas esterilizadas é efetiva em desvalorizar o
câmbio nominal, produzindo uma inflação do preço dos bens comercializados maior do que a
inflação do consumidor. Este diferencial de inflação eleva a participação dos lucros na renda.
Como os capitalistas poupam uma fração maior da renda a poupança eleva-se.
15
5. Considerações Finais
Um fato permanente nas últimas duas décadas tem sido a manutenção de elevados níveis para
a taxa básica de juros. Nossa interpretação é que apesar da permanência do fenômeno sua
natureza tem se alterado. No passado questões associadas ao risco soberano e à instabilidade
macroeconômica da economia faziam com que os agentes econômicos requeressem elevado
prêmio de risco para manter suas poupanças no Brasil. A construção do arcabouço de política
macroeconômica levado ao cabo no segundo mandato do governo FHC e sua manutenção ao
longo de todos os oito anos do governo Lula deram enorme credibilidade às políticas
macroeconômicas. Adicionalmente seguidos anos de superávits fiscais elevados reduziram
muito o risco soberano dos títulos brasileiros. Assim, a manutenção da taxa básica de juros em
níveis elevados é fenômeno que requer maior compreensão. De fato, a poupança nacional é
muito baixa. Assim sempre que as perspectivas econômicas melhoram o investimento eleva-
se, a poupança não acompanha e aparece um excesso de demanda no mercado de bens e
serviços que requer elevação das taxas de juros para ser eliminado.
A questão que se mantém é o motivo da mobilidade de capital não permitir que a
poupança externa equilibre o mercado de bens e serviços com juros mais baixos, mesmo em
um contexto de risco país baixo. Oferecemos duas respostas. A primeira é que a política de
contínua acumulação de reservas neutraliza em parte este processo de convergência das taxas
de juros domésticas aos juros internacionais.
24
Teori camente es ta forma de eleva ção da poupança foi formulada por Kaldor (1955-1956) e Pasinetti (1962).
25
Es te é exa tamente o mecanismo na formulaçã o de Pasinetti do modelo de Kaldor. A decisão de inves timento dos
empresá rios produzi rá por meio de i nfla ção um a jus tamento na distribuição da renda entre trabalhadores e
capi talistas que produzi rá a ta xa de poupança necessá ria pa ra financia r o i nves timento. Este é o típi co caso que em
uma democra cia é necessário combina r com os russos, sendo que ‘os russos’ no caso é o eleitor mediano do Brasil.
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6. Referências
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