You are on page 1of 23
"NOvos RUMOS CELSO FREDERICO A ARTE EM MARX: UM ESTUDO SOBRE OS MANUSGRITOS ECONGMICO-FILOSGFICOS A ARTE EM MARX: UM ESTUDO SOBRE OS MANUSCRITOS ECONGMICO-FILOSGOFICOS A meméria de Octavio lanni © interesse de Marx pela arte & antigo. Em seus anos de formasio universitéia, junto com o direito ¢ a filosofia, Marx empenhouse seriamente no estudo da literatura ¢ de cxeética, tendo acompanhado os cursos de Schlegel sobre literatura antiga. No inicio de 1842, paralelamente & atividade jornalistca, dedicou-se a escrever um Tratado sobre a carte crita. além de dois ensaios, Sobre a arte religiora e Sobre os rominticos, Todo esse material se perdeu, informa Lifshitz, que pesquisou os cademos de leitura nos quais Marx faria anotacbes preparatérias e resumos de livros que serviram de base para a redacio dos referidos textos, Durante o ano de 1843, Marx deixou de lado 0 estudo da arte por causa, certa- mente, da sua atribulada militincia jornalistica e do infcio de seu extlio em Paris. Em 44, a mudanga nos rumos de suas investigagdes repos o interesse pela arte, como rosparece nas piginas dos Manuscrits econémico-fiosifcos. Marx, entio, debate-se com 2 dupla influéncia de Hegel e Feuerbach, fato que marcard profundamente as suas incut- sSes na estética. Estamos diante de um jovem autor as voltas com influéncias teéricas contraditérias ¢ desejoso de encontrar um caminho para poder consolidar suas préprias idéias As idéias estéticas de Feuerbach foram expressas no interior de sua polémica mais eral contra o conjunto da filosofia hegeliana. Se a disputa metodolégica entre os dois autores é tema recorrente pata se entender a génese do pensamento de Marx, as reflexes sobre a arte nio mereceram ainda a atengio devida. Evidentemente, a Estésica hegeliana € matéria exaustivamente estudada. J4 as idéias estéticas de Feuerbach, espalhadas quase sempre sob a forma de aforismos no corpo de sua obra, no foram ainda analisadas ~ até conde podemos saber ~ pelos estudiosos. O caréter grandioso do sistema hegeliano, do qual a estética € um momento importante, contrasta vivamente com a fragiidade das criticas de Feuerbach. Entretanto, tais eriticas, em seu apaixonado materialismo sensua- lista, influenciaram diretamente a formacao do pensamento de Marx, Daf a necessidade de enfocé-las com o devido cuidado. Para isso, faremos uma breve apresentagio das ideias estéicas de Hegel para, em seguida, podermos tratar da contestagio dirigida a elas por Feuerbach + Profesor da ECACUSD bolus do CNPg Celso Frederico HEGEL © 4 ESTETICA! A VERDADE NO SENSIVEL Como qualquer outro tema tratado por Hegel, a arte insere-se como parte orgini- a de seu sistema filoséfico ¢ a cle permanece subordinado. Na odisséia do pensamento, ‘marcada sempre pelo ritmo temndrio de sua dialética, a arte desponta como o primeira momento da afirmacio do Espirito Absoluto, a ser superado, em seguida, pela religiio ¢ pela filosofia, Ela, portanto, ¢ apresentada como uma alienagio do pensamento, como pertencente a uma fase inicial deste, como um meio sensivel para o homem tomar cons- ciéncia do Espirito Absoluto. A filosofia da arte € um capitulo necessirio no conjunto do sistema hegeliano somente como parte constitutiva desse sistema pode ser plenamente entendida. Pot isso, Hegel afirma que a justifcardo da necesidade para se iniciat o estudo do fendmeno ar- tistico, exigencia metodolégica preliminar do método dialético, deve set remetida para 0 préprio sistema filoséfico, chave para a compreensio das varias manifestasdes do Es- piito. A insergio da arte na filosofia obriga Hegel a polemizar contra os que negam tal procedimento. E o caso dos autores que afirmam nio dever ser 0 belo objeto da espect- laglo filos6fica, ja que ele € o produto da imaginagio indisciplinada ¢ andrquica da imtuisao ¢ dos sentidos, Se, gracas 4 arte, nos libertamos do “reino perturbado, obseuro, cerepuscular do pensamento”, se, gracas a cla, recuperamos nossa liberdade ascendendo a0 “reino tranqiilo das aparéncias amigiveis", no faria sentido atrelar essa Iuminosa ¢ desregrada manifestagao de liberdade, expressa pela arte, aos dominios cavernosos das sombras, a0 “intimo sombrio do pensamenta”, as idéias dridas, obscuras © sem vida... Contra os inimigos do pensamento racional, Hegel argumenta que a arte ¢ a filo- sofia, sob prismas diversos, buscam a mesma coisa: a verdade. Seguindo esse raciocinio, ‘opée-se frontalmente tanto ao romantismo irracionalista, que situa a arte para além dos limites da razio, quanto a0 criticismo de Kant, que coneebe a arte como um “interesse desinteressado” e complacente, como um jogo de aparéncias agradveis feito 4 revelia do contetido a ser representado, Negando a contraposigdo entre beleza ¢ verdade, forma ¢ contedido, Hegel afirma a inteligibilidade da arte. O contetido, sempre determinante na dialética, expressa, segun- do ele, 0 autodesenvolvimento do Espitito na historia do universo. Apesar desse invélu- ‘ro mistico, a arte é vista como possuidora de um cariter histérico e social e, por isso, capaz de ser estudada racionalmente. Estamos, assim, distante das posig6es idealistas que véem a arte como uma faga- ‘nha exclusiva da consciéncia humana (Kant) c, também, das diversas correntes do matc- sialismo vulgar que acreditavam ser a beleza uma propriedade inerente & natureza. Contra «ssa ultima posigao, Hegel defende o caréter humano da arte, vendo nela uma forma de conscigncia advinda do descontentamento préprio de quem nfo quer permanecer no ‘estado natural. “O homem nao quer ser 0 que a natureza fez dele”, diz a propésito do homem primitivo coberto de adornos, com incisées nos labios nas orelhas, etc. O ato consciente a presidir a diferenciacéo do homem para com a natureza leva Hegel ao osten- sivo desprezo do belo nasural, considerado uma forma imperfeita e incompleta quando comparado a0 belo artitico. © belo natural sb merece alguma considerasio enquanto participante do Espirito sem esse relacionamento vital, sem estar penetrado pelo Espirito, a beleza permanece prisioneira da indiferenca inanimada da natureza. Aare em Man: um estud sobre Os marusaios econdmic-tosfcos No dificil e obscuro sistema hegeliano, a arte é, simultaneamente, uma manifesta- so que tora o Espirito consciente de seus interesses ¢ um modo através do qual 0 homem diferencia-se da natureza, situa-se em face de seu préprio ser, faz-se objeto de contemplasio, exterioriza-se, desdobra-se, projeta-se, representarse a si proprio ¢, assim, toma consciéncia de si. Para o homem, a arte € uma forma de conhecimento ¢ uma afirmacio ontolégica. Portanto, diversamente da indiferenga dos objetos naturais, os ‘objecos artisticos 40 possuidores de um contetido, de um sentido, posto objetivamente pelo artises € aceito subjetivamente pelo receptor. E Hegel aproveita para lembrar que a palavra sentido comporta dois sentidos significados: orm lado, design os dngios que presidem 3 apreenst medias por outro lado chamamos “seatdo"&signifiaso, 3 dia de um coisa, aquilaquc hd nea de gral. Dest modo, oer seferes, por um ado ao aspect imediatamene exterior a existence, por oto ado, sa ‘ema cana E tala considera efletida que, em verde separa ad pares, as presenta Simaltaneamence, quer dire, reehe a inuigio scnsiel de uma coisa 0 mesmo tempo, aprende o sentido eo concer dla, Mas receiasextasdeterminages num estado de nio- Bid, p. 930 Ludwig Feutbach, Manifest pilaaphiqus (Pais: Presses Universitates de France 1973), p 184 ids p. 183, © tid, p97 id, pp. 186-187 ° Tid p. 186, "Bid p. 184 Bid, p. 109, Ibid pp. 109-110 Ludwig, Feuerbach, A euince do eriienime (Campinas: Papas, 1988), p. 63. > Lady Feuthach, Menifee philanphiqe, cits p10 Lndwig, Feuerbach, A extis do eriranion, cit, pp. 47-48 tid, p50. col, Lisboa: Guimatier Editores, 1972, pp. 238-239, Celso Frederico Ludwig Feurbach, Alaifues phibopiguer, cit, p. 183, Ludwig Feuerbach, A exci do ertiaiime, cic, p. 47. ide. Wide. Bid, p50. Ibid, p. 4 Ibid, pp. 9-70. G, Lukdcy, "Feuethach« a lereratur desc, em Vittorio Fue (org), lea ¢ ional (Psa ETS, 1984), ‘Alem do tat de Lukes cadoanterorments, ver da mesmo autor Nuenshitera dele lente lomans (Buenos Aires: Earrial La Plpade, sl.) €o eno sobre Goede Keller publica ean Realina alma del sgl XDX (Barcelona: Grialho, 1970) Ver eambem Richard Wagner, Lar et le révolsin (Brutller: Biblionéque det “Temps Noweaux", 1898). N. G. Cheenyshevky. Sled Philephial Exay (Moto: Forcgn Languages Publishing Howse, 1963) Sobre as elages deste autor cam Feucrbch ver G. Lukdc,“Introdccin « ents de Cheanchewk”, em Apacoe es abe hiria de le exeice(Barelona: Grin, 196), CCE Celio Frederico, O jorm Mare (Sto Palo: Conte, 1995) “gel fer, ent outos, 0 seguinte eomencii sobre o naaralsmo: "Os quae elaboradoe prs reproduc osios hhumanos preci mosrar uma expresso deespiiualidade que falta 30 homer natal tl como se nos apresens dlictamemte no seu aspecto ctdiane. poi, © nacurtime incapar de dat aqua expen, enkto manifesta sa impoténcia |], Temos um exemplo da consciénca dev fla na acamagio digi por um rca «Bruce ‘quando exe The mostou a imager de um pee (bese que oF cos, tl eome ot jes aborninam ss imagen) Disa tucoo seguinte “Se st pees erguer com to Jo Final para te cus deo teres eta ea he ees ado ena alin, como te defender” (CE, F-G. Hegel, Exh, cits. 51), Ison Méskros, Mare «ware de aieapio (Rio e Janeive: Zaht, 1981), p. 127 Ka Mars, “Manusrtos de Pais (1884), em Obver de Mare y Engl, vo. 5 (Barslon: Geo, 1978), 355. Adolfo dncher Viequen, Aries entices de Mar (Rio de Jancis Pav Ter. 1968), p63 Karl Marg, "Manuscriton de Pass cit, p. 422, ids, pp. 382:383 id. p. 409, Tid, p. 383 Tid, p. 384, Tid, p. 377. Karl Mara, Critique de Utathigden (Pai: Union General dations, 1976), p. 100. Thi, p. 284, ‘id, p. 363. “Economia nacional” er a expresso eno adotada para eferirse & “economia pls! hid, p. 365, Tid, 9. 367 id, pp. 366-367. id 9. 368 Tid, p. 395-396. Ouvese ec, agus de uma pasagem da Furi dy div de Hegel, obra que Marx tanto tata em 1843: unido como tl € 0 verdsdeiro contedo Fi, e deerminaio dos indvidon¢ leva wma vide universal su posterior epariculr sing, avdade e commporamenro, tem come pone de pati e come resultado esa substanciaidade evalider univenal”. CE FG. Hegel, Slope de! doco (Buono Ais: Clarida, 1968), pp. 212-213. G. Laks, Onli doer saci fi «verde nal de Hegel (Si Paul: Cltncas Hursnat, 1979), p39. Leandso Konder, Os marsiar« ante (Rio de Janet: Civiagfo Brassica, 1967.

You might also like