O SABER HISTORICO
NA SALA DE AULA
Circe Bittencourt (org.) — Adriana Mortara Almeida
Antonia Terra — Camilo de Mello Vasconcellos
Carlos Alberto Vesentini - Elias Thomé Saliba - Katia Abud
Marcos Napolitano — Maria Auxiliadora Schmidt
Maria de Lourdes Monaco Janotti — Ricardo OriaCopyright® 2004 dos aucores
Todos os dircitos desta edigao reservados &
Editora Contexto (Editora Pinsky
Preparagao : Rose Zuanecti
Diagramagio : Niulze Aparecida
Revisao : Sandra Brasil
Ltda.)
Rosa
Projeto grdfico de capa : Jaime Pinsky
Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacio (CIP)
(Camara Brasileira do Livro, $!
O saber histérico na sala de aula / Circe Bittencow
P, Brasil)
rt (org). 9.ed. —
‘Sao Paulo : Contexto, 2004, ~ (Repensando o Ensino).
drios autores
Bibliografa
ISBN 85-7244-071-2
1. Histéria : Estudo e ensino 1. Bittencourt, Circe.
97-2603
I. Série.
CDD-907
Indices para catélogo sistematico:
Epirora ConTEexto
Estudo ¢ ensino 907
Diretor editorial: Jaime Pinsky
Rua Acopiara, 199 — Alto da Lapa
05083-110 — Sao Paulo — si
PaBX: (11) 3832 5838
P
contexto@editoracontexto.com.br
www.editoracontexto.com.br
Proibida a reprodugao total ou parcial.
Os infratores sero processados na
rma da lei,
APFesentaco «...ssessesserseernee
SUMARIO
1- Propostas curriculares
Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de
Hist6ria — Circe Bittencourt
Curriculos de Histéria e politicas ptblicas: os programas de
Historia do Brasil na escola secundaria — Katia Abud.....
Historia, politica e ensino —Maria de Lourdes Monaco Janotti
A formagio do professor de Histéria e 0 cotidiano da sala de
aula — Maria Auxiliadora Schmidt .....
Il - Linguagem e ensino
Livros didaticos entre textos e imagens — Circe Bittencourt
Hist6ria e dialogismo — Antonia Terra ..
Por que visitar museus — Adriana Mortara ra Almeida e Camilo
de Mello Vasconcellos
Experiéncias e representagGes sociais: reflexdes sobre 0 uso €
o consumo das imagens — Elias Thomé Saliba ..
Meméria e ensino de Hist6ria — Ricardo Orid
A televiséo como documento — Marcos Napolitano...
Hist6ria e ensino: 0 tema do sistema de fabrica visto através
de filmes - Carlos Alberto Vesentini .
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163APRESENTACAO
Estar diante de irrequietos jovens, nas mais diversas salas de aula,
para ensinar Hist6ria tem sido um desafio para os professores. A
constatagao da impossibilidade de um ensino abrangente da “historia da
humanidade” leva a indagag6es sobre os critérios de selegao de conteti-
dos significativos para alunos que vivenciam, com intensidade, o pre-
sente marcado pelos ritmos acelerados das tecnologias. Uma tarefa com-
plexa envolve o cotidiano dos professores de Histéria ao enfrentarem
ainda as desigualdades de uma sociedade moderna e arcaica, de contra-
dig6es nao dissimuladas, mas que possui em comum um ptblico estu-
dantil com dificuldades para estabelecer relagdes com os tempos hist6-
ricos. Um presente repleto de contradig6es, um futuro duvidoso e um
passado confuso, fragmentado, construido por informagées dos diver-
sos meios de comunicacio, pela escola e pela historia de vida. Quais sao
as representag6es do passado criadas e apropriadas pelas geragdes do
mundo das “imagens” e como interferem na compreensao do que esté
sendo vivido e presenciado? Qual a importancia dos debates episte-
moldgicos na redefini¢éo do conhecimento histérico escolar? As
clivagens entre a producio historiografica e a escolar continuam acen-
tuadas ou ha aproximagées frutfferas?
Os textos que compGem esta coletanea nao conduzem a respostas
definitivas sobre essas indagagGes, mas seus autores pretendem contri-
buir para a necessdria reflexéo dos professores neste momento de
reformulagées da disciplina que envolvem a redefinigao dos contetidos
e dos métodos de ensino. Sao textos que identificam parte dessa proble-matica e apontam para possibilidades de transformagées do fazer hist6-
rico na sala de aula.
A maioria dos trabalhos aqui publicados foi apresentada no 2¢ En-
contro Perspectivas do Ensino de Histéria promovido pela Faculdade
de Educagao da USP, com apoio do Nuicleo Regional da ANPUH de Sao
Paulo, realizado em fevereiro de 1996. Das inimeras produgées entao
debatidas, destacamos algumas mais representativas de duas temdticas
bisicas que nortearam o Encontro: propostas curriculares e linguagens
no ensino de histéria. A produgao historiografica e a producio histérica
escolar interligam-se em textos distribuidos nas duas partes desta cole-
ténea.A primeira parte trata da permanéncia da disciplina no curriculo e
sobre sua relevancia na formagao politica e cultural das novas geragées.
A tematica da segunda parte refere-se 4s necessidades e dificuldades na
utilizagdo de diferentes recursos no ensino, considerando-se as lingua-
gens escrita e iconogrfica do livro didatico, da literatura, dos objetos,
do cinema, da televisio.
O texto Histéria e Ensino: o tema da fabrica visto através de fil-
mes, de Carlos Alberto Vesentini, finaliza o livro como uma homena-
gem péstuma. Uma homenagem ao trabalho de um brilhante historiador
e sua contribuig4o para o ensino de Histéria.
Circe Bittencourt
organizadora
|- PROPOSTAS CURRICULARESCAPITALISMO E CIDADANIA NAS ATUAIS PROPOSTAS
CURRICULARES DE HISTORIA
denne UE EE UEEEE EEE EEEEESSE EEE EET
Circe Bittencourt’
Pode-se propor ao ensino de Histéria uma outra formulagdo sobre
sua finalidade: levar progressivamente o aluno a reconhecer a exis-
téncia da historia critica e da historia interiorizada, a viver consci-
entemente as especificidades de cada uma delas, a distinguir suas
diferentes exigéncias e suas ligagées insepardveis.
Henri Moniot
Um primeiro desafio para quem ensina Historia parece ser a
explicitagao da raziio de ser da disciplina, buscando atender aos anseios
de jovens que ardilosamente fazem perguntas aparentemente inocentes,
como “Por que estudar Histéria? Por que 0 passado, se 0 importante € 0
presente?”.
No entanto, independentemente das dtividas dos alunos e das res-
postas dos professores, a Historia continua a existir nos curriculos e a
disciplina reformula-se em textos oficiais e em livros didaticos que cres-
cem em titulos e circulagéo. A permanéncia da Histéria parece assegu-
rada por indmeras propostas curriculares que tém sido produzidas por
Secretarias de Educac¢ao de estados e municfpios brasileiros a partir de
1985 e, mais recentemente, pelo proprio Ministério da Educagao na ela-
borago dos Parametros Curriculares Nacionais.
* Professora doutora do Departamento de Metodologia do Ensino e Edu-
cagdo Comparada da Faculdade de Educagao da USP.A produgao sobre a Historia a ser ensinada, proposta nos curricu-
los oficiais que estao circulando no meio educacional, se constitui como
um conjunto heterogéneo, caracterizando um momento peculiar da hi:
téria do ensino da Hist6ria. Muitas das propostas produzidas nos ulti-
mos dez anos nfo se limitam a refazer métodos e técnicas de ensino ou
a introduzir pontualmente alguns contetidos novos. Considerando a his-
téria da disciplina, estamos vivendo um momento importante no qual
contetidos e métodos estado sendo reelaborados conjuntamente.
A leitura dos programas curriculares pode deixar uma impressao
de ambivaléncias e contradigdes quanto & dimensao de tais reformulagdes,
mas acreditamos que esta é uma condigao inevitével considerando-se
que as intengdes do poder institufdo e as da escola nao s&o necessaria-
mente coincidentes. Ha clivagens e conflitos inerentes entre 0 curriculo
preativo, normativo e escrito pelo poder educacional instituido e 0 cur-
riculo como pratica na sala de aula ou curriculo interativo (GOODSON,
1991). Nesta perspectiva e nos limites desta abordagem, a questao fun-
damental desse artigo reside na andlise sobre 0 alcance das mudangas e
continuidades do conhecimento histérico escolar contido na documen-
tag4o oriunda do poder educacional e nas possiveis articulagdes com 0
curriculo real, vivido por professores e alunos na sala de aula.
CARACTERIZACAO DAS PROPOSTAS
As propostas curriculares de Hist6ria elaboradas nos tiltimos anos
estao relacionadas aos debates e confrontos surgidos no final do perfodo
da ditadura militar, que pretendiam o retorno da Histéria e Geografia
para as ito séries iniciais da escolarizagao, em substituigao aos Estudos
Sociais. A Hist6ria e a Geografia haviam se mantido precariamente em
algumas séries do 2° grau, para atender, na pratica, aos exames vestibu-
lares e nao como proposta de formagio geral necess4ria para um ensino
terminal profissionalizante ou técnico, conforme estava prescrito no texto
oficial do curriculo para esse nivel de escolarizagao.
O periodo do regime militar correspondeu ainda a um momento de
separa¢ao acentuada entre as pesquisas historiograficas realizadas pelas
universidades brasileiras e estrangeiras e a produgao escolar, passando
os professores, em sua maioria, a serem formados em cursos distanciados
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dos avangos das Ciéncias Humanas. No processo da chamada “abertura
democratica” do final dos anos 70, professores do ensino médio e das
universidades iniciaram uma fase de reaproximagio entre os dois nfiveis
de ensino e os debates encaminhavam-se na volta de Histéria e Geogra-
tia como disciplinas auténomas no 1* grau. O retorno, no entanto, nao
foi pacifico. Foi acompanhado de discussdes que passaram a considerar
a necessidade de aprofundar as questées relativas ao conhecimento que
(radicionalmente vinha sendo ensinado e as novas tendéncias e avangos
nos campos historiografico e pedagdgico.
Paralelamente, estava ocorrendo a redefinigao profissional dos pro-
lessores e, nesse periodo, intensificaram-se as lutas dos docentes visan-
do recuperar a dignidade do trabalho escolar perdida pela constancia de
arrochos salariais, agravando-se a situagao pelo fato de serem
responsabilizados, pelo poder publico, pelo baixo nivel de escolarizagao
dos alunos que entao se evidenciava.
Assim, a volta da Hist6ria como disciplina aut6noma e obrigat6ria
para a formagio de alunos em todo seu processo escolar ocorria em
meio aconflitos complexos. Os professores nao estavam mais dispostos
a receber “pacotes” do poder educacional e desejavam participar da ela-
horagio de curriculos possfveis para a dificil realidade escolar que en-
{rentavam. Nao era suficiente estabelecer contetidos que alterassem aque-
les tradicionalmente ensinados ou elencar métodos mais eficientes, de-
finidos por técnicos ou intelectuais bem intencionados.
As condig6es politicas e culturais exigiam um repensar das condi-
ges de trabalho do professor e seu papel na vida escolar, mas era igual-
mente urgente estabelecer novas formas de relagdes pedagégicas para
possibilitar didlogos com alunos cujo perfil era bastante diferente de
outros momentos da historia escolar brasileira. O poder piblico da dé-
cada de 70, paradoxalmente, havia contribufdo para o crescimento do
ptblico escolar, crescimento que se revestiu de transformag6es radicais
nao apenas do ponto de vista numérico mas qualitativo. Grupos sociais
oriundos das classes trabalhadoras comegaram a ocupar os bancos das
escolas que, até entao, haviam sido pensadas e organizadas para setores
privilegiados ou da classe média ascendente. A entrada de alunos de
diversas idades e experiéncias, portadores de diferentes culturas e
vivéncias, em crise de identidade pela chegada improvisada e forgada a
centros urbanos, dentro do intenso processo migratério do campo para a
13cidade e entre estados — principalmente do Nordeste para 0 Sul -, colo-
cou em xeque a estrutura escolar e o conhecimento que ela tradicional-
mente vinha produzindo e transmitindo.
A escola sofre e continua sofrendo, cada vez mais, a concorréncia
da midia, com geragées de alunos formados por uma gama de informa-
ges obtidas por intermédio de sistemas de comunicagao audiovisuais,
por um repertério de dados obtidos por imagens e sons, com formas de
transmissao diferentes das que tém sido realizadas pelo professor que se
comunica pela oralidade, lousa, giz, cadernos e livro, nas salas de aula.
Se esse perfil diferenciado do piiblico escolar tem apresentado de-
safios para educadores, no caso da Histéria as quest6es se avolumaram
a medida que a sociedade consumista tem se estruturado sob a égide do
mundo tecnolégico, responsdvel por ritmos de mudangas acelerados,
fazendo com que tudo rapidamente se transforme em passado, nao um
passado saudosista ou como meméria individual ou coletiva mas, sim-
plesmente, um passado ultrapassado. Trata-se de geragdes que vivem 0
presenteismo de forma intensa, sem perceber liames com 0 passado e
que possuem vagas perspectivas em relag4o ao futuro pelas necessida-
des impostas pela sociedade de consumo que transforma tudo, incluin-
do o saber escolar, em mercadoria. A Histéria oferecida para as novas
geragoes é a do espetaculo, pelos filmes, propagandas, novelas, desfiles
carnavalescos...
Nessa conjuntura surgiram novas exigéncias para a disciplina e,
diante de tais perspectivas, uma questo que entao se colocava ou ainda
se coloca, para referenciar o ensino e a aprendizagem da Historia, é a de
identificar as relagdes entre as atuais necessidades da sociedade con-
temporanea e o conhecimento histérico a ser veiculado pelas propostas
curriculares. Tem se exigido dos textos oficiais contribuigdes no sentido
de auxiliar o professor em suas respostas aos alunos sobre a permanén-
cia da Historia nas escolas. O momento atual tem propiciado a introdu-
¢ao de algumas reflexes sobre a necessidade urgente do oficio do hi
toriador e do professor de Histéria no sentido de evitar a amnésia da
sociedade atual marcada por incertezas e perspectivas indefinidas.
As propostas analisadas para este artigo referem-se ao ensino fun-
damental, tendo sido produzidas entre 1990 e 1995 por praticamente
todos os estados brasileiros, correspondendo a aproximadamente trinta
documentos. Elas caracterizam-se como um conjunto bastante hetero-
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géneo de textos, com acentuadas diversidades na forma como as pro-
postas foram elaboradas e apresentadas aos leitores, no elenco dos con-
tetidos selecionados ¢ nos métodos de ensino sugeridos.
A apresentacao formal das propostas € variada sendo, no entanto,
perceptivel na maioria delas a superagio do modelo tecnicista dos anos
70, por intermédio do qual o curriculo formal era seccionado em zonas
estanques, elencadas em quadros contendo os objetivos, contetidos e
atividades didéticas. Hé uma tendéncia em delimitar a drea do conheci-
mento especifica da disciplina, partindo das fundamentagées teérico-
metodolégicas oriundas do conhecimento cientffico de referéncia. Al-
gumas delas pontuam o percurso de discussdes com os docentes, bus-
cando esclarecer os varios sujeitos produtores do texto oficial, conside-
rando os possiveis liames e articulagdes entre o corpo burocratico de
técnicos com assessorias das universidades, mostrando ser um produto
proveniente de discussées com professores. Nessas propostas, o saber
escolar proposto pretende evitar a caracterizago como “pacote” e apa-
rece como fruto de discussées ¢ se define como resultante de um con-
senso parcial dos trés setores considerados basicos em sua elaboragiio:
poder educacional, academia e professores.
As formulagées dos contetidos disciplinares variam em diferentes
aspectos. Ha um numero majoritario de propostas que mantém Estudos
Sociais nas séries iniciais do ensino fundamental (1¢a4* séries), embora
nao haja homogeneidade de concepcées sobre tal drea de conhecimen-
to. Algumas consideram Estudos Sociais como contetidos de Histéria e
Geografia do Brasil que sdo trabalhados conjuntamente ou de forma
alternada, enquanto outras formulam a 4rea como uma sintese das Cién-
cias Sociais, um amalgama de Sociologia, Antropologia, Historia e Geo-
grafia e Politica. Para as séries seguintes, a Historia e a Geografia cons-
tituem-se como disciplinas auténomas mas com uma variedade signifi-
cativa quanto ao tempo e espago pelos quais se devem iniciar os estudos
hist6ricos: Brasil e seus povos nativos ou Europa e Mediterraneo, ber-
gos da civilizagao ocidental cristé ou pelo Brasil com a chegada dos
europeus ou entao pela pré-Histéria européia.
Os modos de produgio ordenam as etapas e contetidos da maior
parte das propostas para as S* séries em diante, embora o Brasil conti-
nue sendo analisado por intermédio dos trés grandes eixos politicos,
Colénia, Império, Republica, buscando articuld-los aos ciclos econémi-
15cos — do pau-brasil a industrializagao. As mudangas mais significativas
surgem com propostas que ordenam o conhecimento histérico por te-
mas, sejam os origindrios de temas geradores, segundo os pressupostos
freireanos, ou pelos eixos tematicos.
As propostas que introduzem os eixos tematicos, embora pequem
pela imprecisaéo em discernir eixos tematicos escolares de histéria
tematica tal qual tem sido realizada pela pesquisa historiografica, justi-
ficam a op¢ao pela constatacio da impossibilidade de se “estudar toda a
histéria da humanidade” e como meio de superar a nogao de tempo
evolutivo. Tais propostas, em mimero minoritério mas que servem de
referéncia para outras incursdes, apontam, ainda que de forma precdria,
para duas questdes basicas: o que sao contetidos programaticos escola-
res e a possibilidade de uma maior participagao dos professores na sele-
¢ao de contetidos significativos para cada realidade escolar. Assim, a
inovagao dessas propostas reside basicamente na flexibilizag4o curricular
para a montagem e organizagao de contetidos.
Ao se constatarem as diferengas de contetidos e de forma na apre-
sentagao das propostas, acreditamos que elas demonstram e evidenciam
perplexidades e indefinigdes e mesmo algumas certezas da Histéria en-
quanto disciplina escolar. Nesse sentido elas representam momentos
necessarios no processo de mudangas substantivas e irreversiveis pelas
quais a histéria da disciplina tem passado. Para melhor identificar as
mudangas e os limites mais significativos contidos nas propostas
curriculares, optamos por uma andlise dos elementos comuns entre elas,
buscando na oposigao diferenga X semelhanga, verificar o que efetiva-
mente est4 mudando e as continuidades no ensino e aprendizagem da
Histéria.
Qual o conhecimento histérico escolar que esta sendo produzido
ou reelaborado? Prevalece um curriculo centrado no ensino do profes-
sor ou emergem propostas que colocam 0 aluno e aprendizagem no cen-
tro do processo de escolarizagao? Do ponto de vista epistemoldgico, ha
transformagGes essenciais?
Dois aspectos comuns se destacam nas propostas curriculares. Os
objetivos so semelhantes e, igualmente, possuem criticas comuns quanto
ao que denominam de ensino tradicional de Histéria, notadamente quanto
as nogGes de tempo hist6rico baseadas em referenciais considerados
oriundos do positivismo.
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CIDADANIA COMO META PARA O ENSINO
DE HISTORIA
No que se refere aos objetivos ou finalidades do ensino de uma
disciplina escolar é importante observar como tais objetivos se inserem
€ se integram na constituigéo ou transformacao paradigmitica de um
determinado campo de conhecimento produzido na escola e para a es-
cola. Mas é ainda fundamental considerar um outro aspecto relevante
sobre as finalidades das disciplinas escolares.
A manutengao de uma disciplina escolar no curriculo deve-se a
sua articulagao com os grandes objetivos da sociedade. Assim, a for-
macao deliberada de uma classe média pelo ensino secundario, a alfa-
betizagao como pressuposto ao direito do voto, o desenvolvimento do
espirito patridtico ou nacionalista, entre outras questées, determinam
os contetidos do ensino e as orientagGes estruturais mais amplas da
escola. Nesse sentido sdo esclarecedoras as afirmagdes de Cherve}
quanto as dimensdes que englobam os objetivos das disciplinas. Para
este autor,
a instituigdo escolar é, em cada época, tributdria de um complexo de
objetivos que se entrelagam e se combinam numa delicada arquitetura
pela qual alguns tentaram fazer um modelo. E aqui que intervém a
oposigao entre educagao e instrugao. O conjunto dessas finalidades
consigna 4 escola sua fungao educativa. Somente uma parte delas
obriga a escola a dar uma instrugdo. Mas essa instrugao est inteira-
mente integrada ao esquema educacional que governa o sistema esco-
lar, ou o ramo estudado. As disciplinas escolares estdo no centro des-
se dispositivo. Sua fungiio consiste, em cada caso, emcolocar um con-
tetido de instrugdo a servigo de uma finalidade educativa. (CHERVEL,
p. 188, grifo nosso)
As transformagées substantivas de uma disciplina escolar ocorrem
quando suas finalidades mudam. As finalidades mudam para atender a
um publico escolar diferenciado e como resposta as suas necessidades
sociais e culturais. A existéncia da Historia escolar deveu-se sobretudo
ao seu papel formador da identidade nacional, sempre paradoxal, no
caso brasileiro, uma vez que deveriamos nos sentir brasileiros mas antes
de tudo pertencentes ao mundo ocidental e cristdo (Cf. BITTENCOURT.
NADAI). Novamente a questao da identidade tem sido considerada nas
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