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Introdução
Na clínica, temos nos defrontado, cada vez mais, com os temas referidos ao exercício
da parentalidade nas diferentes configurações familiares contemporâneas. Torna-se, assim,
importante investigar o exercício da parentalidade nestas diversas configurações, mapeando a
percepção de pais e filhos sobre dimensões relevantes do referido exercício, em busca de uma
compreensão, cada vez maior, dos diversos temas relacionados às funções parentais na
atualidade. A parentalidade é produto do parentesco biológico e do tornar-se pai e mãe. Esta
concepção de parentalidade oferece uma compreensão para as configurações familiares
contemporâneas. Segundo Roudinesco [1], a família contemporânea ou pós-moderna une dois
indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual, sob a perspectiva de duração
relativa. Da mesma forma, se assemelha a uma rede fraterna, não hierarquizada, na qual o
exercício da autoridade vai se tornar cada vez mais problemático à medida que aumentam os
divórcios, as separações e as recomposições familiares. Deste modo, as mudanças percebidas
no âmbito do casamento, permitem uma análise voltada para a importância dos papéis de
gênero e suas redefinições. Hoje, há uma valorização da presença do pai na vida dos filhos,
sugerindo o aparecimento de uma nova concepção de paternidade que incorpora valores
distintos daqueles das gerações anteriores [2].
Objetivos
O objetivo geral deste projeto é desenvolver uma investigação sobre a percepção de
pais e filhos em relação ao exercício da parentalidade nas diferentes configurações familiares
contemporâneas. Temos como objetivos específicos no estudo de tais configurações: a)
mapear conceitualmente estes arranjos, identificando os fatores que os pais e os filhos neles
envolvidos indicam como definidores dos mesmos; b) identificar a nomeação atribuída por
pais e filhos às funções familiares; c) avaliar as dimensões de conflitos, poder, limites e
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Metodologia
Para atingirmos os objetivos propostos, utilizaremos uma metodologia qualitativa,
centrada em entrevista semi-estruturada que contemplará temas relevantes concernentes ao
exercício da parentalidade nas múltiplas configurações familiares contemporâneas.
A amostra de conveniência foi constituída de 131 entrevistas com membros de famílias
de diversas configurações das camadas médias da população carioca, assim distribuídos: 40
famílias casadas (34 hétero e 6 homoparentais), 30 famílias separadas (25 hétero e 5
homoparentais), 42 famílias recasadas (37 hétero e 5 homoparentais) e 19 monoparentais (17
hétero e 2 homoparentais). Para a realização das entrevistas, é utilizado um roteiro oculto
semiestruturado, e as entrevistas foram analisadas, pelo método de análise de conteúdo
segundo Bardin [3] e discutidas.
Resultados parciais
Das 131 entrevistas realizadas com membros dos diferentes arranjos familiares, até o
momento apenas as 40 entrevistas, referentes às famílias casadas, foram analisadas e
discutidas pelo método de análise de conteúdo [3] e 102, referentes aos diferentes arranjos,
foram analisadas pelo Alceste [4].
As 40 entrevistas, com membros das famílias casadas, analisadas e discutidas, ficaram
assim distribuídas: 12 pais, 10 mães, 10 filhas (6, de sete a 12 anos e 4, de 13 a 18 anos) e 8
filhos (4, de 7 a 12 anos e 4, de 13 a 18 anos). Dentre estes, um filho, três mães e dois pais
encontram-se em famílias homoafetivas cujos cônjuges compartilham o exercício da
parentalidade com parceiros do mesmo gênero. Dos discursos dos entrevistados, emergiram as
seguintes categorias: exercício da parentalidade, autoridade parental, conflitos, divisão de
tarefas, autonomia dos filhos, projeto educativo e expectativas para o futuro.
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Exercício da parentalidade
Em relação ao exercício da parentalidade, constatou-se que os pais estão mais presentes,
participativos e envolvidos no cotidiano dos filhos, compartilhando com as mães os cuidados
em relação a eles. Assim, esta nova forma de exercer a paternidade vai de encontro à figura
do pai tradicional, concebido como provedor e disciplinador, para fazer surgir a figura do pai
nutridor , que acolhe e satisfaz necessidades físicas e emocionais dos filhos. Os pais afirmam
que estão exercendo estas novas funções com muita satisfação. Este modo participativo de ser
pai corrobora o que foi ressaltado por Sutter e Bucher-Maluschke [5]; Gomes e Resende [6]; e
Jablonski [7] [8]. Tanto as crianças quanto os adolescentes descrevem a experiência de ser
filhos/filhas como boa, evidenciando a existência de uma família democrática e igualitária,
onde as relações são, cada vez menos hierárquicas [9] [10] [11] guardadas as diferenças entre
as fases do desenvolvimento. Percebe-se, assim, a horizontalização das relações reduzindo a
possibilidade de crise entre pais e filhos e promovendo mais intimidade entre os membros da
família. Não foram evidenciadas diferenças significativas entre as famílias hetero e
homoparentais.
Autoridade parental
Grande parte dos pais heterossexuais casados entrevistados delegaram a autoridade
familiar à figura materna. Surgiram, nos relatos, associações a questões de gênero, uma vez
que os pais demonstraram a crença de que as mães possuem naturalmente uma maior
afinidade com o exercício parental em relação à função de autoridade. Estes pais
demonstram, também, a percepção de que as mães têm uma predisposição ao cuidado e ao
papel de nutriz. Esses resultados corroboram o que Badinter [12] denominou de “doutrina da
mãe ecológica” que retoma o conceito de instinto materno, na medida em que redescobre o
fato de as mulheres serem dotadas de hormônios da maternagem. Entre as mães
heterossexuais casadas, apenas duas atribuíram um papel de autoridade sobre a família a elas
mesmas, em ambos os casos o homem é visto como o provedor, enquanto a mulher, apesar de
ter profissão, fica com a função de decidir regras tanto sobre a casa quanto sobre a criação dos
filhos. Os dois pais homoafetivos desta configuração familiar tiveram seus filhos em
relacionamentos heterossexuais anteriores. Estes pais relataram compartilhar o exercício da
parentalidade mais com as mães biológicas, com quem seus respectivos filhos residem, do que
com seus atuais parceiros do mesmo gênero. Assim, a imposição de regras e o exercício da
autoridade aparecem concentrados no papel da mãe biológica, que é percebida pelos filhos
como mais rígida do que o pai. Os pais homossexuais entrevistados relataram ter uma relação
menos hierarquizada com os filhos, e ressaltaram a necessidade de aproveitar o tempo com os
mesmos, no fim de semana, executando atividades de lazer e construindo memórias positivas
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Conflitos
Pais e mães ressaltaram que a forma mais frequente para a resolução de conflitos é o
diálogo. Em sua maioria, são as mães que contornam as desavenças e tentam evitar um
conflito generalizado na família. Além disso, tanto os pais como as mães relataram que
evitam discutir na frente de seus filhos, tentando evitar problemas emocionais para eles. Os
pais da atualidade não encontram mais referenciais externos que ditem um padrão das funções
parentais. Assim, eles ainda veem um desencontro entre as novas formas de ser família e os
padrões tradicionais que tiveram como exemplo em suas vidas, o que aponta para a
importância da criação de uma nova relação entre pais e filhos [17]. Os discursos dos filhos,
em ambas as faixas etárias, confirmaram o que foi dito pelos pais, ou seja, o diálogo
prevaleceu novamente nas situações de conflitos que são contornados pelas mães. Na maior
parte das situações em que os pais conseguem gerenciar satisfatoriamente os conflitos, esses
possuem características positivas, sendo capazes de gerar o amadurecimento emocional dos
filhos, promovendo discussões menos agressivas [18] [19]. Alguns relatos demonstraram uma
tentativa de implementar o modelo parental democrático-recíproco, conforme postulado por
[20], que tenta envolver ativamente a criança no processo decisório familiar, de acordo com
seu nível de desenvolvimento. Os modos de resolução de conflitos encontrados foram
semelhantes nas famílias hetero e homoparentais.
Divisão de tarefas
A entrada da mulher no mercado de trabalho foi destacada como um fator determinante
na divisão mais igualitária das funções parentais e na reformulação dos papéis familiares. A
maior parte dos pais e mães entrevistados encontra-se em relacionamentos cujo cônjuge
também atua profissionalmente e contribui ativamente para a renda familiar. Esta realidade
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Projeto educativo
Em relação ao projeto educativo, tanto os pais quanto as mães destacam que educar é
uma tarefa muito difícil, nomeada por alguns como desafio ou missão. A maior parte dos pais
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ressaltou que a tarefa de educar fica mais delegada à mãe. Estes dados corroboram resultados
de pesquisas anteriores que mostram que, independentemente das transformações que a
família vem sofrendo, as funções e papéis tradicionais baseados nos estereótipos de gênero
continuam vinculados à mulher, cuja principal característica é exercer a função de cuidadora
dos filhos e do lar [25] [26] [27]. A tarefa de educar, para a quase totalidade dos pais e mães
entrevistados, está baseada na conversa, por meio da qual eles consideram que seus valores,
ensinamentos e orientações são transmitidos aos filhos. Arantangy [28] ressalta que a
eficiência dos pais está relacionada à transmissão, para os filhos, da diferença entre o que é
adequado e inadequado, aceitável ou não, essencial ou supérfluo. A maioria dos pais aponta
para a necessidade de ser um exemplo a ser seguido, demarcando ser imprescindível estarem
presentes na vida dos filhos. Diferentes autores pontuam que os valores e o modo de estar no
mundo dos pais são transmitidos aos filhos através do convívio cotidiano, ressaltando que os
pais são modelos para os filhos [29] [30].
Não foram evidenciadas diferenças, quanto à forma de educar, entre pais e mães hetero
e homooafetivos. Apenas um pai homossexual ressalta certa preocupação, em relação à
possibilidade de o filho também vir a ser homossexual e sofrer preconceitos. Há, na
sociedade, um questionamento quanto à capacidade do exercício da parentalidade exercida
por casais homoafetivos, sendo a família homoparental constantemente tratada pela sociedade
com preconceito decorrente do medo à mudança. Passos [13] ressalta que as manifestações da
família têm sido plurais, exigindo um novo olhar que considere as demandas afetivas de seus
membros. Uma das principais críticas à família homoparental é o questionamento sobre a
necessidade de um casal heterossexual na educação da criança para garantir o modelo de
diferenciação sexual. Contudo, algumas pesquisas demonstram que a ausência desse modelo
familiar heterossexual não parece ter incidência sobre o desenvolvimento da identidade sexual
e psicológica geral dos filhos [31] [32] [33].
quer quanto à escolha da profissão, tecendo comentários sobre trabalho, bom emprego,
dinheiro e independência. Tais resultados confirmam dados de estudos que realizamos
anteriormente, em que perguntamos a jovens solteiros, de ambos os sexos, sobre seus planos
para o futuro, e todos os homens e a maioria das mulheres referiram-se ao exercício
profissional, sem mencionar espontaneamente o casamento ou a vida afetiva [35].
Figura 1
Referências
1- ROUDINESCO, E. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
2- DANTAS, C.; JABLONSKI, B.; FÉRES-CARNEIRO, T. Paternidade: Considerações
sobre a relação pais-filhos após a separação conjugal. Paidéia, 14, p. 347-357, 2004.
3- BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
4- ALCESTE. Analyse des lèxemes coocurrents dans les énoncés simples d’un texte
(logiciel). Toulouse, FR: ADT-Image, 2007.
5- SUTTER, C.; BUCHER-MALUSCHKE, J. S. N. F. Pais que cuidam dos filhos: a vivência
masculina na paternidade participativa. PSICO, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 74-82, 2008.
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