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EDUCAÇÃO MARXISTA OMNILATERAL

João Henrique Bordin*

RESUMO

Este artigo tem a intenção de ajudar na reflexão do tema educação, que em nossa sociedade
serve e sempre serviu para concretizar um sistema ideológico. Na escola, sendo ela parte
integrante deste processo, ajuda a perceber sua função de reproduzir e a concretizar as
desigualdades sociais. Inicia expondo brevemente o pensamento marxista com relação ao
ensino, sua ligação com as diferenças sociais e a possibilidade, pela educação omnilateral, de
tornar o capitalismo mais humano. A educação omnilateral é apresentada como a que leva o
indivíduo multifacetado à humanização tendo no horizonte a totalidade intelectual, física,
corpórea e sensível com a finalidade da emancipação humana. Em seguida faz uma
abordagem de alguns autores marxistas, como Adorno, que fala em evitar a barbárie; Freinet,
com a educação centrada na criança; Gramsci, que concilia trabalho manual e intelectual;
Makárenko, com a disciplina formadora da personalidade do indivíduo, em vista de sua
felicidade; Pistrak, com uma educação de compreensão marxista da realidade; e Suchodolski,
que coloca a cultura como a maneira da consciência ascender ao pleno sentido da existência.
Com estes autores demonstra a preocupações em apontar uma saída para o conturbado sistema
social e educacional. Finaliza apontando a educação omnilateral como a possível saída para
resolver o problema das desigualdades sociais e lembra que a educação deve ser uma
ferramenta de união entre a escola e a comunidade, para que a forma de educar da família e na
escola seja a mesma.

Palavras-chave: Educação, emancipação, coletividade, disciplina, omnilateral.

*Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas, Técnico em Artes Gráficas e futuro
mestrando em Educação na Universidade Federal de Pelotas, E-mail: jhbordin@hotmail.com

15ª Jornada de Educação – Educação, Autonomia e Cidadania – 25 a 28 de maio de 2010.


EDUCAÇÃO MARXISTA OMNILATERAL

João Henrique Bordin*

INTRODUÇÃO

Uma sociedade como a nossa, eminentemente capitalista e hierarquicamente dividida


em classes, desde a dominante até a mais popular, trabalhadores ou desempregados,
estabelece a concorrência, muitas vezes desleal, que reproduz e concretiza a desigualdade em
todos os níveis de todos os setores sociais. A escola, sendo uma parte desta sociedade e a
serviço da ideologia dominante, não foge a esta regra. No entanto, partindo da concepção
educacional marxista que tem como horizonte as relações sócio-econômicas, pretendo mostrar
que é possível reverter este processo, diminuindo as diferenças sociais, a partir de uma
educação que contemple o homem em sua totalidade e omnilateralidade e que atenda os
interesses do povo como um todo, dos pais, dos alunos, dando preferência a classe
trabalhadora, mas estendida a todas as classes, ou seja, uma educação revolucionária. Para
isso vou expor brevemente a concepção educacional marxista e seguindo nesta linha
aprofundar esta compreensão com alguns educadores que seguem esta direção, uns
declaradamente e outros, que mesmo omitindo, desenvolvem o mesmo caminho, ou seja, uma
educação para além do horizonte do capital, com atenção as necessidades individuais e sociais
de cada um e estendida a todos.

Ao estudar o filósofo alemão Karl Heinrich Marx (1818-1883) na tentativa de


entender o mecanismo de estruturação do capital, de início percebe-se sua atração pela
filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) por encontrar nela um princípio
único que tudo explica a partir do conceito de liberdade. Somos todos historicamente livres.
Estudando a filosofia hegeliana como ninguém Marx fez a crítica da sociedade alemã, mas
percebeu que o capitalismo não se explica com o sistema filosófico de Hegel. Assim se
propõe a produzir uma teoria crítica do capital e da sociedade moderna e que fosse um
instrumento nas mãos do proletariado para a revolução social.

*Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas, Técnico em Artes Gráficas e futuro
mestrando em Educação na Universidade Federal de Pelotas, E-mail: jhbordin@hotmail.com

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O Capital é a mais importante obra de Marx e verdadeiro método dialético, pois
simultaneamente faz a explanação do sistema e através desta realiza a sua crítica. Sua
metodologia inicia com a pesquisa que “[...] tem de captar detalhadamente a matéria, analisar
as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse
trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real” (Marx, 1996, p.140). Desta
forma tem-se uma visão adequada da realidade do capital e a possibilidade de superar sua fria
existência ou conscientemente aceitá-lo. Um processo educativo só se define com a
compreensão de toda a estrutura da sociedade.

O pensamento marxista pressupõe, antes de qualquer coisa, a convicção de que tudo


se encontra em permanente conexão material e universal e nesta condição a filosofia social de
Marx nos indica como deve ser a educação socialista. Marx afirma que “por um lado, é
necessário modificar as condições sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro,
falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais” (Marx, 2006,
p.107). Neste sentido a educação deve ser uma ferramenta de aglutinação social e escolar para
emancipar o homem em sua omnilateralidade, articulando o trabalho manual e intelectual em
todos os sentidos e com a consciência de que a história está em constante movimento superar
o capital. A educação envolve a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível com a
finalidade da emancipação humana, ligando as partes ao todo e sua compreensão simultânea e
recíproca. Assim o princípio de uma teoria educacional marxista comporta um ensino
omnilateral que leve o indivíduo multifacetado à humanização tendo no horizonte a
totalidade. Este fundamento educacional marxista pode, hoje, ser aplicado na reformulação do
sistema educacional tendo em vista amenizar as desigualdades sociais e tornar o capitalismo
mais humano.

ALGUNS AUTORES MARXISTAS

Na linha marxista de pensar a educação encontramos vários autores, como Adorno,


Freinet, Gramsci, Makárenko, Pistrak, Snyders, Suchodolski e outros, que, acreditando numa
sociedade “[...] onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não
tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e
me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar a tarde, pastorear a
noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel prazer, sem por isso me tornar
exclusivamente caçador, pescador ou crítico” (Marx e Engels. 2006, p.25) e preocupados com
a situação do povo de suas épocas, desenvolveram, a partir da concepção educacional de

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Marx, como poderia ser uma escola, uma sociedade e seus indivíduos se o ensino tomasse por
base a formação em sua omnilateralidade e em sua totalidade.

ADORNO

O alemão Theodor Wiesengrund Ludwig Adorno (1903-1969) com sua obra


“Educação e Emancipação” afirma que é necessário uma educação que evite a barbárie e
simultaneamente busque a emancipação humana. A Questão da barbárie é identificada por
Adorno a partir do nazismo que banalizou a violência física forçando as pessoas a se
identificarem com ela. Com o fim da grande guerra a barbárie passou a se revestir da
autoridade, com seus poderes estabelecidos, para “[...] praticarem-se precisamente atos que
anunciam, conforme sua própria configuração, a deformidade, o impulso destrutivo e a
essência mutiladora da maioria das pessoas” (Adorno, 1995, p.159) e o papel da educação e
precisamente evitar a proliferação dos atos bárbaros. Atos estes que num primeiro momento
parecem inocentes, mas que aos poucos desencadeiam um relacionamento antipático e pode
culminar na barbárie. Um exemplo destes atos é o costume que os alunos têm de se
acotovelarem ou se soquearem e para Adorno é necessário “[...] desacostumar as pessoas de
se darem cotoveladas” (Adorno. 1995, p.162) e se soquearem por serem uma expressão
bárbara.

Para superar a barbárie Adorno concebe uma educação que ajude o indivíduo a
pensar com a própria cabeça, para isso a família e a escola devem andar juntas e levar o aluno
a formar sua maioridade, ou sua emancipação. Esta autonomia só é alcançada através do
“esclarecimento”, tema que retoma de Kant e que sempre é atual, pois é a “[...] falta de
decisão e de coragem de servir-se do entendimento sem a orientação de outrem” (Adorno,
1995, p.169), que o indivíduo permanece alienado e o “esclarecimento é a saída dos homens
de sua auto-inculpável menoridade” (Adorno, 1995, p.169). Isto pressupõe que o indivíduo
tenha vontade própria e coragem para fazer uso do próprio entendimento

Para Adorno a maioridade começa a ser alcançada quando a identidade é descoberta


e isso acontece no encontro com a autoridade na qual a criança se identifica a princípio e na
seqüência do processo de maturidade ocorre o rompimento com a mesma. A criança necessita
do pai, portanto uma autoridade se apropria dela e a interioriza, mas ao descobrir “[...] por um
processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figura paterna, não corresponde ao
eu ideal que aprenderam dele, libertando-se assim do mesmo e tornando-se, precisamente por
essa via, pessoa emancipada” (Adorno, 1995, p.177). Neste sentido a escola, que não pode ser

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concebida sem professores e muito menos sem sua autoridade, “[...] mas que, por sua vez, o
professor precisa ter clareza quanto a que sua tarefa principal consiste em se tornar supérfluo”
(Adorno, 1995, p.177). Esta posição do professor faz com que o aluno sinta o apoio
autoritário e ao mesmo tempo a necessidade de se emancipar, pensar com a própria cabeça.

Adorno afirma que a “[...] emancipação precisa ser acompanhada por certa firmeza e
unidade do eu” (Adorno, 1995, p.180), para que possa formar uma representação sólida de sua
personalidade e da própria profissão. Por isso “[...] a única concretização efetiva da
emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda
a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência”
(Adorno, 1995, p.183), a começar pela formação da consciência do aluno, da situação real da
sociedade em que vive e de todas suas manobras para acostumá-lo em sua precária situação.

FREINET

O frances Célestin Freinet (1896-1966) que em sua obra “Para uma Escola do Povo”
questiona a escola da época que até então tinha sido mais ou menos perfeita na “[...]
adaptação do indivíduo ao âmbito estreito de seu novo destino econômico” (Freinet, 1996, p
2), mas que já está ultrapassada e alguns do povo tomam consciência da necessidade de
mudança na escola. Neste livro afirma que no século XX a criança necessita de “[...] uma
educação que corresponda às necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais
da vida do povo na era da eletricidade, da aviação, do cinema, do rádio, do jornal, da
imprensa, do telefone, num mundo que esperamos não tardará a ser o do socialismo
triunfante” (Freinet, 1996, p.7). Como o mundo está em constante mudança, e no capitalismo
a tecnologia avança dia a dia, a educação necessita a todo o momento se atualizar para não
ficar aquém das necessidades que vão surgindo.

Para Freinet a educação não pode ser apenas uma “[...] instrução suficiente para
enfrentar os exames, ocupar cargos cobiçados, ingressar em determinada escola ou em
determinada administração” (Freinet, 1996, p.8), como a maioria dos pais desejam para seus
filhos e estes se esforçam para atingir este objetivo. Para isso a escola de amanhã, como
costumava designar o novo modelo de educação pretendido, precisa estar “[...] centrada na
criança enquanto membro da comunidade” (Freinet, 1996, p.9), estas deveriam satisfazer,
reciprocamente, suas necessidades e possibilitar “[...] à criança alcançar, com uma pujança
máxima, seu destino de homem” (Freinet, 1996, p.9). Isto requer mais que centrar a atenção

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na matéria a ser ensinada e estabelecer o que é essencial e necessário para o desenvolvimento
manual e intelectual e atender as necessidades individuais e da comunidade.

Na escola de amanhã “o trabalho será o grande princípio, o motor e a filosofia da


pedagogia popular [...]” (Freinet, 1996, p.11), uma nova maneira de se ver o mundo e a
relação com este de maneira que o respeito pelo outro transpareça na escola, no trabalho e na
sociedade, fazendo com que um indivíduo e sua comunidade estejam em constante sintonia.
Para isso colocará toda a formação da criança em uma disciplina que será “[...] a expressão
natural e a resultante da organização funcional da atividade e da vida da comunidade escolar”
(Freinet, 1996, p.12). Com uma formação assim a criança poderá reconstruir um mundo
melhor do que aquele que deixamos ruir pensava Freinet, e que pelo convencimento de um
processo eficiente e com entusiasmo a escola se adapta ao novo mundo que há de surgir.

GRAMSCI

O italiano Antônio Gramsci (1891-1937), fundador do Partido Comunista italiano e


antifascista, tinha como preocupação uma educação capaz de desenvolver intelectuais
trabalhadores atrevés de uma “[...] escola única de cultura geral, humanista, formativa, que
equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual”
(Gramsci, 2006, p.33). É a necessidade de criar uma cultura do trabalhador e que faça parte da
vontade das massas.

Para Gramsci todos os homens são intelectuais e racionais, mas, nem todos exercem
este papel. Intelectual não é só o letrado, mas, os diretores e organizadores na construção da
sociedade. Desta forma “[...] a escola unitária significa o início de novas relações entre
trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social”
(Gramsci, 2006, p.40) e que desmistifica os intelectuais tradicionais, aqueles que se vêem
como uma classe a parte da sociedade, para, junto com os intelectuais orgânicos, grupo de
pensadores produzidos por cada classe social, articular o senso comum e a filosofia
propriamente dita, a cultura de massa e a erudita. Desta forma as idéias hegemônicas a
prevalecer não seriam as de um grupo social dominante, mas, do conjunto das classes sociais.

Os intelectuais fazem este trabalho da hegemonia e ao mesmo tempo são


hegemonizados pelas idéias hegemônicas ao incorporá-las e defendê-las, mesmo sem ter
consciência disto e o que dizem não é verdade deles, mas, de idéias já disseminadas,

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estabelecidas e que se tornaram senso comum e atribuíram hegemonia a todo um grupo social.
Isto requer a criação de uma nova camada de intelectuais, com a consciência de que “[...]
existem graus diversos de atividade especificamente intelectual [...] não se pode separar o
homo faber do homo sapiens” (Gramsci, 2006, p. 52 e 53).

Em Gramsci a educação assume o papel de devolver ao povo a intelectualidade e a


cultura que a todos pertence. Para ele “[...] todo homem, fora de sua profissão, desenvolve
uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista, um homem de gosto,
participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral,
contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar
novas maneiras de pensar” (Gramsci, 2006, p.53). Deste modo todo o povo pode colaborar na
formação, manutenção e, ou modificação, das idéias hegemônicas.

MAKÁRENKO

O ucraniano Antón Semiónovich Makárenko (1888-1939) que organiza a escola


como coletividade tendo em vista a felicidade da criança e a expressão de seus sentimentos,
sempre com rigidez e disciplina formadora da personalidade com uma clara responsabilidade
de seus direitos e deveres no convívio social. Assim constituiu uma pedagogia profundamente
humana e exigente, segundo o que afirma em seu livro Problemas da Educação Escolar
Soviética, “[...] pedir el máximo a cada persona, pero también hacerle objeto del mayor
respeto posible” (Makárenko, Moscú/URSS, p.10). Exigir de cada um o máximo possível,
respeitando suas limitações e seus sentimentos, sem que estes se sobressaiam ao coletivo,
transformam a personalidade do indivíduo, tornando-o um adulto mais responsável e apto a
enfrentar tudo o que vai contra seus princípios socialistas.

Desta forma Makárenko consegue reestruturar a vida de dezenas de jovens infratores,


muitos órfãos, que mal sabiam ler e escrever, num modo socialista de ver o mundo onde o
espírito de grupo e o trabalho coletivo eram levados as conseqüências mais radicais. Para ele a
educação soviética “[...] debe ser organizada sobre la base de crear coletividades unificadas,
fuertes, influentes. La escuela debe ser uma coletividad única, em la que estén organizados
todos los processos educativos y em la que cada miembro sienta su dependência de ella, sea
fiel a los interesses de ésta, defienda esos interesses y, em primer término, los salvaguarde”
(Makárenko, Moscú/URSS, p.37). A unicidade escolar advém da união do seu grupo de
alunos, em que sendo bem organizados adquirem força e influenciam todo o processo
educativo. Este fazer parte da educação desenvolve a fidelidade entre alunos e professores

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visto que ambos, e em conjunto com a comunidade local, defendem os mesmos interesses e
isto faz com que se desencadeie uma luta coletiva para manter o que a todos pertence.

Este processo educacional não se limitava a escola, mas comportava toda a vida da
coletividade local e familiar com reuniões constantes entre pais, alunos e professores, para
juntos decidirem os principais rumos a serem seguidos. Com este modo de organizar a
educação Makárenko disciplina não só os alunos, mas toda a coletividade. Como ele mesmo
afirma “la disciplina en la coletividad es la defesa completa, la seguridad plena de su derecho,
de las vias y possibilidades que precisamente existen para cada indivíduo” (Makárenko,
Moscú/URSS, p.53). Esta preocupação de resguardar os direitos individuais e coletivos dá
respaldo para que a disciplina seja aceita por todos, não uma disciplina de agressão corporal
ou moral, mas de fazer o infrator sentir, sendo colocado diante da infração, que com esta
atitude está contrariando toda a coletividade. A coletividade resguarda os direitos de cada um
e “[...] la disciplina ensalza a la soletividad” (Makárenko, Moscu/URSS, p.60), desta modo há
uma cumplicidade recíproca entre individual e coletivo que garante o êxito do processo
educacional socialista.

A educação para Makárenko é um processo coletivo que deve abranger a totalidade


individual e social para a formação humana completa, seguindo as exigências e subordinação
da coletividade, deste modo se mantém fiel aos princípios da educação marxista. Para
Makárenko, como em Marx, a educação é uma ferramenta que leva o indivíduo a seu
desenvolvimento pleno e com o objetivo de superar as desigualdades.

PISTRAK

O russo Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) em sua obra “Fundamentos da


Escola do Trabalho” apresenta como formação básica do cidadão “[...] a soma de
conhecimentos ou de hábitos e o grau de técnica adaptados a uma determinada idade, que
conduzam direta e plenamente à compreensão marxista da vida moderna” (Pistrak, 2003,
p.117) e este devia ser o objetivo do ensino com atenção especial ao trabalho social da escola,
ou seja, formar crianças para serem trabalhadores completos.

A escola do trabalho, apresentada por Pistrak, deve fazer uso da ciência “[...] apenas
como meio de conhecer e de transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da
escola” (Pistrak, 2003, p.119), que ensina apenas o que pode ser útil mais tarde e oferece ao
aluno conhecimentos que não sejam esquecidos, mas, cientificamente lhe sirvam em suas

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necessidades no trabalho e na vida social. Para isso a escola deve ser organizada de maneira
que “[...] nenhuma disciplina escolar tem e pode ter uma finalidade em si mesma[...] ”
(Pistrak, 2003, p.145), cada disciplina tem uma parte da verdade e só tem sentido sua
existência no conjunto com as demais e subordinadas aos objetivos gerais da escola.

Mais que programas de estudos o ensino, para Pistrak, é um “plano de vida escolar”
que envolve todas as situações do dia a dia e o sistema de complexos estabelece “[...] que
cada disciplina escolar analisa uma parte determinada de uma matéria geral concreta,
propondo, antes de tudo, a dar ao aluno o domínio dos métodos experimentais próprios das
ciências” (Pistrak, 2003, p.153), assim o papel do complexo é treinar a criança no método
dialético. Para que isto atinja seu objetivo, a compreensão marxista da vida moderna, faz-se
necessário que toda a vida escolar, todo o trabalho e atividade das crianças tenha uma
concepção comum a fim de atribuir unidade a toda a produção social.

SNYDERS

O frances Georges Snyders (1917-...) que em nos mostrar que é possível que haja
alegria na escola e satisfação na aprendizagem, nos apresenta, em sua obra “Escola, classe e
luta de classes”, o monopólio da classe dominante para que a escola lhe sirva para manter o
poder estabelecido. Neste sentido “[...] a escola acaba por participar na manutenção das
relações de classe; reflete as divisões sociais existentes, tende a perpetuá-las, até a acentuá-
las; da mesma forma como tende a perpetuar o poder da classe dominante” (Snyders, 1981,
p101), isto é notado quando a escola tem uma posição de domínio sobre os alunos, para
perpetuar o poder da classe dominante de certos docentes, ou quando deixa a educação a deus
dará, dividindo os alunos e professores segundo interesses pessoais e negligenciando o
convívio social e a boa educação.

Para Snyders a escola, ao mesmo tempo em que mantém a ideologia pode


desestruturá-la, isto porque a própria classe dominante necessita de “[...] uma qualificação
capaz de responder ao progresso técnico, à revolução técnica, às constantes modificações
técnicas” (Snyders. 1981, p.102), neste sentido ela pode ser revolucionária visto que “[...] a
cultura é um dos fatores que pode impedir a escola de pender para as classes dominantes [...]”
(Snyders, 1981, p103). Cultura dispensada por pertencer a classe trabalhadora, que está
relacionada com a verdade e que, com as reivindicações das massas podem ajudar o professor
a contestar a escola como mantenedora do poder e imprimir-lhe um “[...] sentido progressista
[...]” (Snyders, 1981, p103), com a certeza de que o trabalhador estará colocando seu filho

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numa escola, por ele reivindicada, “[...] realmente aberta a todos; a sensibilidade às injustiças
da escola agudizá-se paralelamente com a convicção de que é possível uma outra sociedade”
(Snyders, 1981, p104). Neste sentido é de suma importância que o social, como um todo,
participe de todo seu desenvolvimento, respeitando as diferenças, mas na busca do bem
comum. Os professores, os alunos e os pais precisam dialogar a respeito do que pensam da
educação juntos construir um processo educacional com vistas ao bem comum.

São as idéias progressistas, segundo Snyders, que detectam que “a escola é


simultaneamente reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia
oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de
libertação” (Snyders. 1981, p.106) e que aos pouco, numa luta pela igualdade social,
diminuem as distâncias entre as classes, dentro da própria escola, e “[...] conquistando largas
camadas da população, em que as forças progressistas se vão afirmando e impondo, que a
escola pode efetivamente renovar-se sem chocar a imensa maioria dos pais”(Snyders, 1981,
p108). Com isso a sociedade efetivamente pode desenvolver-se formando indivíduos
conscientes de suas responsabilidades. Portanto a escola só tem êxito em ser revolucionária se
realizar tarefas progressistas em união com os alunos, os pais e que contemple as classes
populares. A escola, com sua pedagogia, “[...] só pode triunfar junto dos alunos do povo e
fazê-los triunfar se for capaz de comunicar uma alegria atual àquilo que lhe ensina [...]”
(Snyders. 1981, p.395). Alegria que é prazer que o aluno sente em participar, não só dos
conhecimentos e ensinamentos obtidos do professor, mas de toda a vida escolar que deve ser
um reflexo do social e este um reflexo da escola.

SUCHODOLSKI

O polonês Bogdan Suchodolski (1907-1992) que em sua obra “La Educación


Humana del Hombre” destaca a importância de Marx e Engels na nova perspectiva de
desenvolvimento social em que a atividade humana deve descobrir, através da análise
científica, o melhor modo de desenvolvimento social. Foi com eles, segundo Suchodolski, que
“[...] la educación se convierte em um elemento de orientación conciente de los indivíduos y
de su preparación com vistas a acometer las tareas que plantean las condiciones históricas y
sociales em um período determinado”(Suchodolski, 1977, p.75), com isso questiona a tarefa
da educação em seu tempo e que também vale para a análise educacional no tempo atual,
visto que a sociedade em que vivemos hoje só difere da sociedade do tempo de Marx e de

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Suchodolski no que se refere ao avanço tecnológico, mas as artimanhas do capital
permanecem as mesmas.

A educação, para Suchodolski, deve emancipar o ser humano a começar pelas


relações de produção, relações sociais e através da cultura. Tudo o que o homem produz, no
trabalho ou em seu tempo livre e a relação que mantém com esta produção, sua cultura, o que
apreende ou deixa de apreender na escola e fora dela, as relações sociais, o convívio com os
amigos, colegas de trabalho, associações, etc., “[...] constituyen el fator dundamental que
forma su conciencia, su postura, sus conceptos y sus experiências”(Suchodolski, 1977, p.76).
Uma educação, no estilo marxista, transforma toda a sociedade, questiona suas relações, pois
parte do princípio de que a cultura não é privilégio de alguns para o dominio das relações de
trabalho e sociais. Com uma educação no estilo marxista a cultura deixa de ser um complexo
conteúdo espiritual de alguns escolhidos para se converter “[...] en una realidad cotidiana
relacionada con el trabajo y la actividad social de los indivíduos”(Suchodolski, 1977, p.82). A
cultura existe e deve se expressar em todas as relações da sociedade.

Para chegar a uma realidade social concreta no estilo marxista, segundo Suchodolski,
o homem deve superar-se criativamente superando o desenvolvimento histórico e não limitar-
se a simples repetição dos fatos. Na época contemporânea, os indivíduos e o mundo criado
por eles enfrentam um problema filosófico e que vem a ser o mesmo da educação. A saber:
“?es que y em qué sentido el hombre contemporâneo puede acceder a la conciencia del pleno
sentido y valor de la existência y de qué manera há de integrarse em una actividad em la cual
se encuentre a si mismo y cómo y hasta qué punto sabrá estabalecer los contactos sociales
com la comunidad de los demás indivíduos?”(Suchodolski, 1977, p.84). A ascensão da
consciência ao pleno sentido e valor da existência está na relação concreta que o indivíduo
mantém consigo mesmo, com sua atividade e com o outro. São os três estágios da mesma
consciência, ou seja, a consciência subjetiva, objetiva e coletiva.

A resolução deste dilema, para Suchodolski, bem como em Marx, só é possível com
uma sociedade sem classes em que nesta “[...] surgen las possibilidades de una vida en la que
el hombre real se convierta en un hombre verdadero, y el hombre verdadero en un hombre
real; entances surgen asimismos las condiciones necessárias para educar a unos hombres
plenos y concretos, puesto que es posible liquidar y superar los factores que constituyen la
fuente de la esclavitud humana y es posible asimismo solventar realmente los problemas de la
liberdad humana que hasta la fecha se han venido solucionado de un modo

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mitológico”(Suchodolski, 1977, p.90). Portanto, na atual sociedade capitalista dividida em
classes, em que uma domina as outras, a solução parece ser impossível, pelo menos enquanto
a educação estiver a serviço da ideologia dominante, a menos que, dentro do próprio sistema
do capital, encontre o modo de superá-lo e talvez a solução seja a de formar educadores mais
que simples transmissores de conhecimento.

CONCLUSÃO - EDUCAÇÃO OMNILATERAL

Com esta breve análise da educação em Adorno, Freinet, Gramsci, Makárenko,


Pistrak, Snyders e Suchodolski, afunilam-se o entendimento na concepção educacional
marxista a partir do momento que todos prescrevem um ensino de união entre escola e
sociedade, com articulação do trabalho manual e intelectual, para formar a consciência de que
a história está em constante movimento e não podemos repetir fatos históricos, mas sim
superá-los, deste modo diminuir as desigualdades sociais, tornando o capital mais humano.

Adorno apresenta uma educação que evite a barbárie, ou a não violência, e emancipe
o homem, ou levá-lo a pensar com a própria cabeça; Freinet uma educação centrada na
criança enquanto membro da comunidade; Gramsci uma escola que concilie trabalho manual
e intelectual; Makárenko uma educação em vista da felicidade da criança com disciplina
formadora da personalidade; Pistrak uma educação que seja a soma de conhecimentos, hábitos
e técnicas que conduzam a compreensão marxista da vida moderna; Snyders uma educação
reivindicada pelo trabalhador e que comunique alegria àquilo que ensina; Suchodolski uma
educação do estilo marxista, questionadora, com base na cultura do povo e que ascenda a
consciência ao pleno sentido da existência. Todas estas maneiras diferentes de conceber a
educação sintetizam-se na educação omnilateral que leve o indivíduo multifacetado à
humanização tendo no horizonte a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível com a
finalidade de construir uma nova sociedade.

A concepção de uma educação marxista omnilateral é a chance que o homem tem de


revolucionar a maneira de pensar e de se posicionar frente ao sistema capitalista,
possibilitando, assim, reverter o quadro de desigualdades da atual sociedade. A educação não
faz a revolução, mas com certeza nenhuma revolução acontece sem ela. Neste sentido, o
primeiro passo para garantir uma mudança social e evitar o retorno ao momento histórico
anterior é fazer com que todo o povo esteja bem preparado intelectualmente, com uma cultura
por ele formada, seja consciente dos percalços que virão e tenha sabedoria e entendimento
para posicionar-se na nova maneira de conceber o mundo.

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Esta nova concepção do mundo é o de uma sociedade sem classes, mas não se pode
esperar este momento acontecer, visto que jamais acontecerá no atual sistema do capital. No
entanto, aqui e agora é possível começar a revolução intelectual, devolvendo ao povo o livre
pensar e ajudando-o a organizar sua cultura de forma que ele mesmo seja criador e construtor
de sua história. Para dar início a este processo é preciso que os docentes que assim pensam se
empenhem o máximo para, em sua escola, começar uma silenciosa revolução e de escola em
escola garantir a mudança, primeiramente no sistema educacional e depois certamente
acontecerá, pacificamente, a revolução social.

A educação marxista omnilateral é a possibilidade que o homem tem de dar início a


construção da nova sociedade onde, como citado no início deste artigo, “[...] cada indivíduo
pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade
exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa,
amanhã outra, caçar de manhã, pescar a tarde, pastorear a noite, fazer crítica depois da
refeição, e tudo isto a meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador,
pescador ou crítico” (Marx e Engels. 2006, p.25). Lembrando sempre que a educação deve ser
uma ferramenta de união entre escola e a comunidade, pois não é possível educar as crianças
com diferentes posições diante da realidade existente.

Referência bibliográfica

ADORNO, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.


Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006

FREINET, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996.

MAKÁRENKO, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS,


Editora Progresso, s.d.

MARX, Karl H. O Capital. São Paulo. Nova Cultura. 1996.

MARX E ENGELS - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006

PISTRAK, M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo. Expressão Popular. 2003

SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981.

SUCHODOLSKI, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelona. Laia, 1977.

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