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5.º A 5.º B 5.º F 5.º G 6.º A 6.º B 6.º E 6.º F 7.º A 7.º B 8.º B/8.

º C CONTO CONTIGO…
Ana M. André S. Ana C. Ana A. Ana F. Ana F. Alexandre R. Alex C. Adriano S. Alexis N. Ana L. Eis-nos numa nova investida da Escrita!
Ana L. Cátia F. Ângelo P. Ana P. Ana F. Ana P. Ália F. Ana B. Ana G. Ana P. António D. Muitos alunos, vários textos, páginas cheias, sob a formade Contos,
Escola EB 1,2,3 Augusto Moreno
Bernardo A. Daniela L. Bruno C. Anaísa F. André M. Ana G. António V. Ana G. Ana G. Ana A. Cristian R. criados pelas mãos de pequenos artistas, pretensos escritores de
Título: Conto Contigo!
Cátia T. Eugénia F. Carmen T. Catarina B. Boris F. Andrea S. Carlos B. Ariana G. Carla A. Cândido D. Diego S. amanhã!
Autores e Ilustradores: Alunos dos 5.º A, 5.º B, 5.º F, 5.º G,
Guilherme Ma. Helena A. Catarina M. Catarina A. Bruna M. Cândido D. Diana R. Breno A. Cristiana A. Carlos B. Fernanda O. À maneira de Miguel Torga, é este livro: 6.º A, 6.º B, 6.ºE, 6.ºF, 7.ºA, 7.ºB, 8.ºB
Guilherme Ms. Inês G. Daniel R. Diana B. Daniel F. Daniela V. Elina B. Diana J. Daniel R. Daniel C. Francisco C. Teimoso aventureiro da ilusão, Publicação: Escola EB 123 Augusto Moreno -Bragança
Inês P. Inês C. Daniel F. Estefano F. David P. Daniela F. Filipe V. Diogo A. Danny D. Daniel M. Maria P. Surdo às razões do tempo e da fortuna, Edição: Câmara Municipal de Bragança
João R. João C. Daniela F. Francisca G. Fernanda C. João A. Gabriel M. Francisco L. Diogo P. Dayanni Marta M. Achar sem nunca achar o que procuro, Organização:
João P. Jonathan B. Filipe F. Francisco F. Gonçalo X. João S. Ilda M. Franklin C. Elisabete R. Reis Sofia F. Exilado Equipa da Biblioteca/CRE
Lígia F. Júlia L. Hugo M. Gonçalo S. Gildo C. José B. Joana A. Hélder R. Filipe M. Diana R. Soraia N. Na gávea do futuro, Departamento de Línguas
Luís M. Letícia G. Inês F. João D. Jéssica P. Micael G. Joana P. Joana G. Isabel M. Duarte R. Tatiana F. Mais alta ainda do que no passado. Orientação dos textos:
Professores de Língua Portuguesa
Madison M. Luís M. Joana S. Luís F. João S. Nuno M. Luís P. Joaquina F. José P. Elisabete S. Teófilo B. in: Diário X, Portugal - Catarina Afonso
Mafalda R. Margarida P. João V. Mariana P. José V. Ruben F. Maria L. Joel P. Kristophe T. Erivelton S. Teresa R.
A quarta aventura da escrita aconteceu! Escola EB 123 Augusto Moreno - HelenaFerreira
Maria C. Pedro P. Luís F. Mariana G. José S. Sónia E. Marta M. José R. Luís A. Filipa C. Ana R.
Cada Conto diferente, a mesma arte de contar…! Escola
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Rafaela C. Sofia R. Rodrigo S. Ruben J. Pedro A. Vitória D. Tânia R. Rafael A. Marta F. Liliana C. Cláudia M. A ida para Trás-os-Montes, terra de origem da minha mãe, nada me disse e em nada me - Palma Ferreira
Rui A. Sofia M. Rúben F. Sara S. Rafael A. Vladyslav B. Vanessa C. Rafaela R. Mirian S. Paulo G. Ianca C. perturbou. Não sabia o que me esperava, e tanto fazia.(…) In: O Menino que Gostava de Ler - Margarida Dias
- Maria de Lurdes Carlos
Tiago R. Sofia A. Tiago F. Vicente G. Rui D. Vladyslav I. Vitor S. Tânia L. Paulo C. Tatiana A. Igor C. (…) - Vocês não gostavam de saber o que se passa além da nossa aldeia e deste caminho para
- Anabela Figueiredo
Tiago S. David S. Catarina E. Luís P. Sérgio F. Daniel A. Chen X. Pedro Costa Vitor C. Leandro F. a escola? In: Uma Noite de Sonho...
- Albino Falcão
Maria F. Mariana V. Tiago Costa Vitor A. Liliana A. Anita levava na mão uma rosa branca colhida no jardim da aldeia. In: A Flor do Amor
E ACABARA MAIS UM DIA DE ESCOLA… NO QUAL, TANTO OS ALUNOS COMO Orientação de Desenhos:
André V. Maria Jesus Yu Xin Xin Márcia M. OS PROFESSORES ESTAVAM EXAUSTOS! In: Uma verdadeira Amizade Professores de EVT
Duarte R. Maria F. Maria M. - Manuel Fortes
Ao longo dos anos, a caça e a pesca foram perpetuando-se, de geração em geração!
- Assunção Fernandes
Sara A. Marilia D. - Belmiro Fernandes
Um grupo de quatro crianças amigas decidiu aventurar-se pelos caminhos da magia.
Kristina P. - Isabel Marcelo
In: Um mundo mágico
LISTA DE TURMAS E ALUNOS Soraia A. Era um poço de dor e amargura. Sentia angústia e desespero, numa só palavra, sentia TERROR!!!
- Manuel Gonçalves
AUTORES DA OBRA COLECTIVA 2010 - Magda Amaro
In: E a vida Renasceu
- José Gonçalves
Capa e Arranjo Gráfico:
Maria da Glória Manso Alves
Revisão dos Textos:
Elisa Ramos
Graça Cristóvão
Maquetagem: Biblioteca/CRE
Impressão: Casa de Trabalho - Bragança
Bragança
JUNHO 2010
CONTO CONTIGO
EB 1,2,3 Augusto Moreno

Edição da Câmara Municipal de Bragança


PREFÁCIO

A escrita a várias mãos...


Ora, a escrita a várias mãos tem algumas implicações engraçadas.
Primeiro que tudo, para cada par de mãos temos uma cabeça. Isso pode pa-
recer uma consequência boa, mas está longe de ser simples. Reunir um grupo/
turma para que, depois de uma escrita solitária e dentro do mundo de cada um,
se possa partir para a eleição do conto que reúne mais consenso tem muito que
se lhe diga. Estamos no mar das sensações de todo um grupo, onde as cedências
terão de ser partilhadas, as emoções mostradas, os trabalhos interligados.
Passando à fase seguinte, mergulhamos no momento mais delicado - o melho-
ramento, o aprimorar de tudo o que se disse, a aplicação da lupa, do humor, da
calibragem do enredo, dos retoques finais.
Isso demoveu estes jovens e professores? Não... felizmente!
O que aqui temos é o resultado de um trabalho conjunto que, apesar de ser
sempre complexo, não os atrapalhou. E teriam tantas razões para se atrapalhar!!!
Porquê?
Porque são muitas cabeças, muitos sentimentos e muitos mundos diferentes.
Porque algumas histórias começaram numa turma e acabaram noutra (que
heróis!).
Porque conseguiram, de forma admirável, fazer destas histórias contos bem
estruturados, divertidos, emocionantes.
Mas não se atrapalharam nada!
Construíram um obra sólida, que nos inspira a acreditar no trabalho conjunto, no
desenvolvimento da criatividade, no avançar de cada um como parte de um grupo.
Estão todos de parabéns! Quem os estimulou, quem se deixou estimular, quem
sorriu ao longo das horas de trabalho (nem me atrevo a perguntar quantas fo-
ram!), quem os apoiou.
Deixe-se mergulhar numa Noite de Sonho,
deixe-se apaixonar por Um Mundo Mágico,
deixe-se levar pela Flor do Amor,
deixe-se sonhar com uma Vida que Renasceu,
deixe-se renascer numa Verdadeira Amizade,
deixe-se pensar com O Menino que Gostava de Ler
e vibre com A Sorte de Jeremias.

Vamos a isso!
Margarida Fonseca Santos
ÍNDICE

Uma Noite de Sonho ................................................................ 7

A Sorte de Jeremias .................................................................. 17

E a Vida Renasceu . ................................................................... 25

O Menino que Gostava de Ler .................................................. 37

Uma Verdadeira Amizade ......................................................... 49

Um Mundo Mágico . ................................................................. 57

A Flor do Amor ......................................................................... 63


Uma Noite de Sonho...

O Luís vivia numa aldeia pequenina, no meio da floresta, mas não mui-
to longe do mar. Para ir à escola, precisava de percorrer alguns quilóme-
tros e, pelo caminho, ia-se encontrando com outros colegas: o Rodrigo,
a Luísa e a Amélia.
A viagem era feita a pé e seguiam os quatro tagarelando e rindo para
se esquecerem do frio ou do calor que tinham de suportar pelo cami-
nho. Os dias corriam lentos e iguais, naquele deserto onde nada de novo
acontecia. Durante a viagem, os quatro amigos falavam de tudo e de
mais alguma coisa…
- Vocês não gostavam de saber o que se passa além da nossa aldeia e
deste caminho para a escola? - perguntou o Luís, que tinha um espírito
mais aberto e aventureiro.

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Nesse momento, as cabecinhas dos três amigos, como que se ilumi-
naram...
A primeira a falar foi a Amélia:
- Podíamos combinar passar um dia na praia. – lembrou ela - Afinal
não é assim tão longe...
Se bem o pensaram, melhor o fizeram.
E, no sábado seguinte, puseram-se a caminho até à praia. Quando lá
chegaram, viram uma coisa surpreendente, um grande galeão!
E, na praia, havia pegadas frescas na areia, o que queria dizer que al-
guém tinha estado ali há pouco tempo. Como o sol estava intenso, refu-
giaram-se dentro do galeão e o Rodrigo, que era o mais curioso de todos,
decidiu explorá-lo.
- Este galeão parece muito misterioso! – exclamou ele.
-Que tal uma espreitadela?
- Siiiim! – disseram todos em coro.
- Então vamos a isso! – concordou o Rodrigo entusiasmado.
Mas, algo os assustou… pareciam espadas…
No início pensaram que era o grupo de esgrima da aldeia, mas quando
ouviram gritos tiveram muito medo.
Desorientados, começaram a correr, cada um para seu lado. O Luís,
como era o mais pequenino, escondeu-se dentro de uma arca e, lá dentro,
encontrou uma caixa muito pequena e luminosa. Parecia feita de ouro.
Quando os gritos e o barulho das espadas acabaram, saiu sorrateira-
mente da arca e levou a caixa consigo para mostrar aos seus amigos. Já
era tarde, e ele pensou: os meus pais devem estar preocupados comigo,
é melhor ir embora. Onde estarão os outros?
No dia seguinte, encontraram-se todos junto do grande carvalho, no
meio da floresta. O Luís levava a caixa misteriosa na mão. Estavam todos
ansiosos por ouvir o Luís contar o que tinha acontecido dentro do barco,
no dia anterior, e saber o que continha aquela caixa.
Então, enquanto o Luís ia contando abriu a caixa. Mal acabou de a abrir, saiu
de lá uma luz de tal maneira brilhante e intensa que lhes ofuscou o olhar.

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Uma Noite de Sonho...

Diante deles apareceu um mar misterioso, cheio de seres mágicos e


encantadores, como sereias, piratas e monstros marinhos, os mares do
Norte e das Caraíbas.
Estes mares foram sempre conhecidos pelas suas belas sereias.

Aí vivia a Sereia Balucha. Era uma elegante e bela sereia de pele mo-
rena, cabelos negros e olhos azuis como duas safiras. Vivia no fundo do
mar das Caraíbas, no seu Palácio de Cristal, com o pai Hula, a mãe Tula
e as suas cinco irmãs mais velhas. O Palácio de Cristal era fielmente

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guardado pela Guarda Real, por Cavalos-marinhos e pela Manta Augus-
ta protectora das pequenas sereias.
Mas lá no fundo do mar, não muito longe deste pequeno Reino, vivia
também a poderosa bruxa Polvorosa, a polva maléfica de tentáculos gi-
gantes, que ansiava em mal - fazer às pequenas sereias.
No Reino das Caraíbas, nunca era permitido a uma sereia sair do Palá-
cio de Cristal ou vir à superfície e ter contacto com o mundo dos huma-
nos antes de atingir a maior idade.
Ora, neste reino, a maior idade só se atingia aos 20 anos...
Balucha estava quase, quase a fazê-los...
- Bom dia, pequena Balucha, hoje é um grande dia!!! - disse a mãe
Tula, entrando no quarto da pequena sereia.
- Bom dia, mãe! Finalmente vou poder sair daqui e conhecer coisas
novas e bonitas com as minhas irmãs.
- Estás é curiosa por conhecer o mundo dos humanos, não é, minha
filha? Balucha, tens que ter muito cuidado, pois há um sem número de
perigos que rodeiam o nosso Reino!.
- Oh, mãe, estás a falar de Polvorosa? Não te preocupes! Ela não me
vai fazer mal. Estou ansiosa pela autorização do papá! As manas contam
coisas maravilhosas!
Balucha levantou-se, tomou o seu banho de espuma salgada com a
ajuda das esponjas do mar, penteou os seus belos e longos cabelos e
dirigiu-se ao salão real, onde a esperavam o Rei Hula, a Rainha Tula, as
suas cinco irmãs e um grande número de convidados.
Quando entrou, as suas irmãs começaram a dançar à sua volta e, como
que por magia, sobre a sua cabeça foi pousada a coroa protectora de co-
ral e diamantes.
- Querida filha, és agora livre! Acompanha-me! - disse-lhe o pai. Balu-
cha seguiu o pai e, chegados à porta do reino, esperavam-na dois Golfi-
nhos para a escoltarem no seu primeiro passeio.
Ela nem podia acreditar naquilo que os seus olhos viam. O Palácio
Real, por fora, era ainda mais belo do que por dentro. Todo construído de

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Uma Noite de Sonho...

cristal, pérolas e conchas cor-de-rosa que reluziam, sob a água claríssima


quando o sol ficava bem por cima do mar! E à sua volta? À sua volta, as
mais belas criaturas marinhas que já alguma vez havia visto: peixes cor
de ouro e prata, ostras com pérolas de variadíssimas cores...
Balucha nadou, nadou, nadou até que finalmente a sua cabeça saiu
fora de água: viu o azul do céu e ao longe uma coisa estranhíssima que
também nunca havia visto.
É uma ilha. - explicaram os golfinhos. – É a Ilha Esmeralda, onde vive
o príncipe pirata Raio de Luar.
- Podemos ir visitá-lo? - perguntou Balucha curiosa.
- Nem pensar, é muito perigoso! Se alguém se aproximar da ilha, Raio
de Luar ataca de imediato.

- E porquê? Nós não vamos fazer-lhe mal!

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- Raio de Luar tem um castelo onde esconde um enorme tesouro e
tem medo que alguém se aproxime dele.
- Vamos só ver de longe! - implorou a pequena sereia.
Nadaram muito devagarinho para não serem vistos. Quando chega-
ram perto da ilha, Balucha viu um lindo rapaz sentado nas rochas com
um ar muito triste. A vontade de Balucha foi ir ter com ele e perguntar-
lhe a razão da sua tristeza.
- Vamos, devemos regressar ao Palácio, devem estar ansiosos. Afinal,
este foi o teu primeiro passeio! – exclamaram os golfinhos.
Balucha não queria regressar. Ela ansiava por falar com aquele rapaz
de cara triste, a quem chamavam pirata e diziam ser perigoso. De regres-
so ao palácio, a sereia contou com entusiasmo tudo o que tinha visto e
todos a ouviram com muita atenção. A jovem sereia tinha, no entanto,
uma pergunta a fazer sobre o que vira:
- Podem os humanos viver como nós debaixo de água?
Balucha não podia esquecer aquele triste e solitário rapaz.
– Não, minha querida, os humanos não podem viver debaixo de água!
Debaixo de água eles morrem. – explicou a mãe – Pois não conseguem
respirar dentro de água como nós.
- Querida mãe, eles vivem para sempre?
– Não, eles têm uma vida mais curta do que o povo do mar. Nós po-
demos viver até 500 anos. Quando morremos desfazemo-nos em es-
puma e deixamos de existir, enquanto que os humanos têm uma alma
imortal que vive no céu após a sua morte. Agora é hora de descansar
pois amanhã chegarão os três príncipes que vêm pedir a tua mão em
casamento.
A pequena sereia adormeceu a pensar em Raio de Luar. Porque estaria
ele tão triste?
Na manhã seguinte, mal apareceu o primeiro raio de sol, começaram
a chegar ao palácio os príncipes que vinham disputar a mão de Balucha.
Veio cada qual de um oceano diferente. Vindo do Oceano Atlântico, o
príncipe Maneco, sábio e de invejável cultura, chegou ao palácio mon-

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Uma Noite de Sonho...

tado no seu cavalo-marinho gigante, acompanhado por um batalhão de


peixes-espada. Logo a seguir chegou montado no seu golfinho de ouro
o príncipe Toneco, valente e bonito, vindo do Oceano Pacífico. Por fim,
atleta e de físico perfeito, montado na sua baleia branca, vindo do Ocea-
no Índico, chegou o príncipe Pateco. Os três belíssimos príncipes, toma-
ram assento nas cadeiras douradas, reservadas para eles. Ia começar o
espectáculo dos peixes-palhaço, contratados para divertir o rei e todos
os seus convidados. Após a saída dos peixes-palhaço, entraram as me-
dusas, lindas, com as suas roupas transparentes, destacando-se a bela
Melusina, primeira bailarina do grupo.
Elas começaram a dançar, com graça, a música, cujos acordes lem-
bravam a "Dança da Sereia Adormecida", composta e executada pelos
peixes-trombeta. Depois da apresentação das medusas, era a vez das
moreias. Elas serpenteavam uma dança que ficou conhecida no fundo do
mar como a dança do ventre. O espectáculo continuou, até que o respon-
sável pelo cerimonial do palácio anunciou que chegara a hora da eleição.
Porém, Balucha recusou-se a escolher qualquer que fosse, dizendo a seu
pai que o seu coração pertencia a um belo príncipe que havia conhecido
durante o seu primeiro passeio, um príncipe de cabelos negros traçados,
de olhos tristes cor de esmeralda.
Não sabia a que Oceano pertencia, apenas que vivia na ilha Esmeralda
e que era um triste príncipe pirata. Mediante a resposta e intransigência
de Balucha, o rei Hula pediu que todos se retirassem e ordenou ao seu
exército de cavalos-marinhos que procurassem o príncipe pirata por to-
dos os oceanos e mares do Planeta Terra. Com os olhos cheios de lágri-
mas, Balucha implorou a seu pai que não lhe fizesse mal. Se os cavalos-
marinhos o capturassem e o trouxessem até si, ele morreria.
- É que ele é humano, e um humano não sobrevive debaixo de água. -
explicou Balucha a seu pai .
- Mas, querida filha, se é ele quem tu queres, a fada Azul dar-lhe-á a
beber a poção mágica que o transformará num de nós para sempre.
Os olhos de Balucha iluminaram-se.

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O exército real, com a ajuda dos golfinhos, dirigiu-se à Ilha Esmeralda,
só que Raio de Luar havia desaparecido...
Procuraram por todos os oceanos e mares e até hoje não o consegui-
ram encontrar.
A sereia Balucha entristeceu e, nem as suas irmãs e a sua amiga Or-
nontina conseguiam fazê-la sorrir.
O Rei Hula, perante a tristeza da sua filha, ordenou que as buscas nun-
ca cessassem, e que em noites de luar as sereias encantadas, que com
seus cantos seduziam pescadores e tripulantes, não parassem de cantar
na tentativa de encontrar o grande amor da sua princesa que até hoje
por ele espera no fundo do mar...

14
Uma Noite de Sonho...

O Sol deu lugar à Lua e os poderes mágicos da caixa começaram a de-


saparecer…..
O Luís, a Amélia, o Rodrigo e a Luísa iam abrindo os olhos, intriga-
dos….
Teria sido um sonho?!...

5.º A e 5.º B

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A Sorte de Jeremias

Era um jovem chamado Jeremias, alto, cabelo loiro, que vivia com a
mãe numa aldeia trasmontana.
Jeremias adorava a caça, mas era homem sem sorte.
Ainda criança, já ia com o seu pai caçar.
Um triste dia, o seu pai faleceu. Jeremias como era filho único herdou
tudo: caçadeira, o cão, a roupa e até o vício da caça.
A mãe estava sempre a dizer-lhe que não tinha jeito para caçar, mas
mesmo assim, ele insistia em acompanhar os outros caçadores da aldeia,
pois, o seu cão, com um saber de experiência feito, era muito bom e in-
vejado por todos os aficionados da aldeia e das vizinhanças.
“Luso” era o seu nome. Foi baptizado assim, porque era forte e valente
como os Lusitanos a defender o seu território e do seu dono. Quando era
para a guerra batia-se como um robusto lusitano. Um certo dia, Jeremias,
sem querer, alvejou-o. Luso ficou com uma perna ferida. Por isso, já não
podia correr pelos montes, nem meter-se em folias de mau gosto. Limita-
va-se a olhar de longe e dar umas ladradelas, mas agora com medo, com
os pêlos de ponta e com o rabo entre as pernas. Já tinha doze anos. Só
esperava a morte e um enterro digno, de preferência no quintal do dono.
Desesperado, Jeremias decidiu ir à cidade comprar outro cão de caça.
Ao entrar na loja de animais viu um preto, pequenino e muito meigo.
Acertou o preço com o dono da loja e comprou-o.

No seu primeiro dia de caça “Turco” (nome atribuído pela mãe de Je-
remias, por ser meio escuro) assim que ouviu o primeiro disparo, enfiou-
se debaixo da carrinha com medo. Jeremias não o conseguia tirar de lá.
Só saiu quando os disparos dos outros caçadores pararam. Não queria
guerras. Apenas boa vida, boa comida e boa cama. Que ninguém o cha-
teasse.
A história do cão com medo de tiros repetiu-se, vezes e vezes, sem
conta.
17
Até que um dia, Jeremias decidiu dedicar-se à pesca.

Comprou tudo o que era necessário: cana, cesto, banco, anzóis, galo-
chas, carril e sediela, quanto baste e até saco térmico para a merenda.
Numa bela tarde, Jeremias despede-se da mãe e vai até ao rio mais
próximo da aldeia. Era o rio Sabor. Nas ladeiras do Sabor é um louvar a
Deus de perdizes. Qualquer caçador por muito fraco que seja, carrega o
cinto, com facilidade.
Pelo caminho Jeremias ia cantando, assobiando e respirando o ar puro
da natureza e o odor das flores das giestas e madressilvas em ambiente
inigualável na época em que vivemos. Estava feliz da vida, pois achava
que a pesca seria uma boa aposta. Não precisava de cão nenhum.
Quando lá chegou, escolheu um belo lugar e instalou-se.
Depois de algum tempo, lançou a cana dentro de água. Como ainda era
muito cedo, o sono começou a invadir-lhe os olhos. Quando estava a passar

18
A Sorte de Jeremias

pelas brasas, a cana começou a mexer. Jeremias sentiu um barulho esquisi-


to, dentro da água. Levantou-se depressa, na ânsia de tirar o peixe. Retirou
a cana e ficou muito admirado quando nada estava no anzol. Olha para o
lado e eis o seu espanto ao ver duas perdizes a boiar na tona da água.
Com a cana tenta tirá-las para fora e ainda estavam vivas. Ficou mui-
to feliz, no primeiro dia de pesca conseguir pescar duas perdizes!...
Ficou contente e perplexo com o sucedido. Pois a caça e a pesca são
duas actividades desportivas em que é preciso muita sorte. Que peixes
iria pescar dali em diante?

19
Mais tarde e recomposto de tanta emoção, olhou para a outra mar-
gem e viu uma bela rapariga a lavar roupa. Será que também vou pescar
esta?! Foi o pensamento que passou pela cabeça de Jeremias.
Tinha de tentar e não tardou a fazê-lo.
Isabel era muito tímida. Vivia na aldeia em casa de uns senhores muito
ricos. Não convivia com ninguém, estava sempre em casa a trabalhar ou
no rio a lavar roupa.
A partir daquele instante, Jeremias começou a pensar como iria apro-
ximar-se da rapariga. Começou por meter conversa:
-Está um belo dia, não acha?
A rapariga muito envergonhada respondeu:
-Sim, é verdade.
Jeremias insistiu:
-Costuma vir aqui, muitas vezes?
-Sim, venho lavar a roupa da minha patroa. E você? Nunca o tinha vis-
to por aqui.
-Pois, isso é uma longa história. Olhe, como é que se chama?
-Chamo-me Isabel. E você?
- Chamo-me Jeremias.
Contou -lhe o sucedido com a sua cana de pesca. Ali em cima, no largo
do rio tinha pescado duas perdizes. Isabel riu-se muito com a história
que lhe contou. Para o justificar mostrou-lhe as perdizes dentro do cesto
da pesca. Ela correu para ver as perdizes acabadas de pescar. Jeremias
vendo mais de perto toda a beleza de Isabel, não resistiu e disse:
- És muito bonita e simpática!
Isabel ficou corada e não respondeu. Mas, o seu coração tinha ficado
preso ao dele como as perdizes à sua cana, quando foram pescadas!
Jeremias ofereceu-lhe uma perdiz para o seu jantar. Primeiro disse que
não, mas não resistiu e aceitou a oferta.
- Obrigada! - disse Isabel.
Ficaram uns segundos a olhar um para o outro. Ia ficando tarde e Je-
remias perguntou:

20
A Sorte de Jeremias

- Amanhã voltas?
-Sim. Venho à mesma hora.
No dia seguinte, Isabel trouxe a perdiz, condimentada com ovos, para
os dois comerem. Ela já não conseguia comer aquele manjar, sem a pre-
sença de Jeremias. Jeremias agradeceu e disse:
- A perdiz arranjada por ti tem outro paladar.
Isabel, mais uma vez, agradeceu e retorquiu:
- Contigo, por perto, a vida tem outro sentido.
Passaram a tarde a conversar sobre as suas vidas e aventuras.
Ao chegar a casa, Jeremias contou o sucedido à mãe.
- Ai, mãe, hoje conheci uma rapariga muito bonita, de cabelos reluzen-
tes como raios de sol, tem olhos verdes como a cor límpida das águas do
rio, estou sem palavras! – exclamou Jeremias.
- Ainda arranjas aí namorico! – retorquiu D. Glória.

21
No dia seguinte Jeremias adoeceu, mas Isabel fora para o rio na pers-
pectiva de encontrar o seu amado.
Pensou que ele se esquecera dela e começou a chorar:
- Minha vida nunca mais será a mesma, será que se esqueceu de mim?
– interrogou-se Isabel.

Jeremias esteve todo o dia a pensar nela.


Passadas algumas semanas, melhorou. Decidiu, então, ir ao lago pro-
curá-la. Mas, ao chegar, ela não estava.

Ao longo de alguns meses, Jeremias ia todos os dias ao rio, na ânsia de


encontrar Isabel mas ela não aparecia.
Como Jeremias estava farto de esperar decidiu ir a casa dos patrões da
sua amada, disfarçado de carteiro. Dentro da sacola trazia uma carta de
amor que escrevera para Isabel, na qual declarou os seus sentimentos:

22
A Sorte de Jeremias

Gimonde, 5 de Junho de 1987


Querida Isabel:
Desculpa, por não me ter encontrado contigo no lago, só que adoeci e
não tive como avisar-te. Para me desculpar queria que viesses ter comigo
ao pôr-do-sol, no rio, se achas que o nosso amor vale a pena!

Com todo o meu coração.


Jeremias.

Jeremias foi directo ao lago e preparou uma grande surpresa.


Quando Isabel chegou, Jeremias ofereceu-lhe um ramo de rosas ver-
melhas e declarou-lhe:
- Isabel, assim como as perdizes não vivem sem o céu, os peixes não
respiram sem água, não há noite sem estrelas, quero dizer-te que eu não
consigo viver sem ti. Casa comigo!
Isabel corou com aquela declaração, pois nunca ninguém lhe dissera
palavras tão bonitas. Jeremias pedia-a em casamento.
- Jeremias, eu, que pensava que me tinhas esquecido e perdera a es-
perança de te reencontrar, quase morri de desgosto, agora pedes-me
em casamento e fazes a mais bela declaração de amor. É claro que caso
contigo!
Combinaram o casamento, para o Mês de Agosto, pois Jeremias e Isa-
bel tinham familiares imigrados.
O copo de água foi numa tenda branca, raramente usada naquelas
terras. Jeremias e Isabel foram viver para casa da mãe de Jeremias, pois
Isabel já não tinha pais.
Ambos passaram a dedicar-se à agricultura e Jeremias tornou-se fa-
moso pelas suas pescarias e caçadas.
Alguns anos mais tarde, Isabel e Jeremias foram pais de gémeos, Pe-
dro e Francisco.

23
Pedro herdou o vício da pesca: as canas, os iscos, tudo. Francisco her-
dou o vício da caça: caçadeira, cães, roupa, tudo. Ambos herdaram a
casa, na qual viveram até encontrarem o verdadeiro amor.

Na aldeia transmontana passaram a ser conhecidas as habilidades dos


dois irmãos.

Ao longo dos anos, a caça e a pesca foram perpetuando-se, de geração


em geração!

6.º A, 5.º F
24
E a Vida Renasceu…

Estava uma lindíssima manhã de Primavera! O Sol despontava sereno


no horizonte. Os passarinhos, voando suavemente de ramo em ramo,
alegravam-na com os seus chilreios bem afinados. Das flores do jardim
desprendia-se, graciosamente, um aroma admirável, cheio de magia. Da-
niel dormia um sono reconfortante e tranquilo. Alguém bateu à porta:
- Menino Daniel! Está acordado? - perguntou Maria, a empregada.
- Sim, estou - respondeu Daniel.
- Óptimo! A sua mãe e o seu pai estão à sua espera no salão. - Avisou
Maria.
- Diz-lhes que já desço - bichanou Daniel.
Um pouco depois....
- Mãe, pai, o que aconteceu? - interrogou Daniel.
- Nada de grave filho, eu e o teu pai decidimos fazer um cruzeiro!... -
Disse Amélia, a mãe.
- Um cruzeiro??? - inquiriu vivamente Daniel, sem deixar que a mãe
acabasse de falar.
- Sim um cruzeiro, filho - acrescentou Manuel, o pai – e, enquanto esti-
vermos ausentes, a Maria e o José cuidarão de ti. Sê um bom menino!
- E quanto tempo vai demorar? - perguntou Daniel um pouco de-
sanimado.
- Um mês, filho! - acrescentou a mãe.
Depois de terem recolhido abundante informação sobre os locais por
onde iriam passar, os pais de Daniel fizeram as malas e partiram em via-
gem. Daniel ficou um pouco triste, mas rejubilou ao pensar nas magní-
ficas histórias que lhe seriam contadas, quando regressassem. Durante
aquele tempo Daniel comeu os saborosos manjares que Maria carinho-
samente confeccionava e deu belos passeios com o José, o motorista da
família. Para o Daniel, a Maria e o José eram como uma família.
Daniel era um rapaz de elegante e de fino trato. Tinha o nariz ligeira-
mente aquilino, o rosto oval e o cabelo loiro e ondulado; os seus olhos
25
eram azuis e amendoados, com sobrancelhas bem desenhadas; de boca
pequena com lábios finos e dentes de uma alvura sem paralelo. Afável e
simpático, estava sempre alegre e sorridente.
Tinha passado um mês. Era altura dos pais voltarem. Daniel começava
a ficar ansioso. Tivera um pressentimento terrível! O tempo de espera
começava a ficar insuportável. Para matar o tempo via um belo filme na
televisão. Mas não conseguia sossegar. Uma profunda angústia apode-
rou-se dele. De repente o filme foi interrompido e uma jovem locutora
anunciou notícias de última hora. Ficou aflitíssimo. Teria acontecido al-
guma coisa no país onde os teus pais se encontravam de férias?
- Um violento sismo abalou o sul de França e devastou toda aquela
região, provocando elevado número de mortos e desalojados. Aí encon-
trava-se um cruzeiro português estacionado que naufragou e vários edi-
fícios ficaram destruídos. Entre as vítimas encontram-se alguns turistas
portugueses, ainda não identificados. - anunciava a locutora.
Perante a crueldade das notícias, Daniel petrificou. Invadia-o agora
uma infinita tristeza. Ficou aterrado e imóvel, sem capacidade de reac-
ção. E chorava desconsoladamente...
Chorava
Chorava
Chorava!
Era um poço de dor e amargura. Sentia angústia e desespero, numa só
palavra, sentia

T E R R O R !!!

Tudo estava mais calmo, na manhã seguinte. Daniel ainda não acre-
ditava na hipótese de que tivesse acontecido algo de grave aos seus
pais, que tanto amava. Almoçava tranquilamente na companhia dos
empregados da casa e, quando se preparava para comer a sobremesa,
o telemóvel toca. Em profundo sobressalto, atende. Uma voz sinistra
fez-se ouvir, confirmando o pior dos cenários: os seus pais tinham sido

26
E a Vida Renasceu

vítimas da tragédia que se abateu sobre França. Inconsolável, o jovem


desmaiou.
O pranto instalou-se naquela idílica moradia onde o casal falecido vi-
vera anos de uma felicidade sem fim, na companhia do seu único filho e
dos empregados, que muito estimavam.
Maria e José tentaram acalmar Daniel, mas sem grande êxito. Tudo
parecia perdido!
- E agora o que vamos fazer, José? – questionou Maria, aflitíssima, com
uma mansa expressão de afecto e de tristeza.
- Eu não sei! Mas não podemos abandonar o miúdo numa altura des-
tas. Temos que o ajudar!
- Tens razão! - acrescentou Maria.
O tempo foi passando, mas devagar, devagarinho.
Daniel herdara todos os bens que os pais possuíam. Uma fortuna in-
calculável, da qual fazia parte uma paradisíaca herdade que fora dos seus
trisavós.
Foi para esta herdade que Daniel, Maria e José se mudaram, aí passan-
do a viver. Tudo agora parecia correr melhor. A casa onde iam viver era
airosa e confortável. A felicidade começava a reinstalar-se naquele lar e
do Daniel emergia, pouco a pouco, a alegria de viver. Mas a lembrança
constante dos pais mergulhava-o, por vezes, em pesada melancolia e uma
grande tristeza invadia-lhe o rosto. Nada voltaria a ser como dantes!
- Esta casa é muito agradável! – disse José.
- Até pode ser, mas sem os meus pais não é a mesma coisa – respon-
deu Daniel, com ar taciturno.
- Daniel, tem calma, anima-te! – segredou Maria, encorajando-o.
Um dia, quando José passou perto de uma porta que pertencia a uma
casa senhorial, sem querer, magicamente ela abriu-se. Dava acesso a
umas grutas.
- O que fizeste José? – perguntaram Daniel e Maria.
- Eu não fiz nada, apenas me encostei aqui e esta porta abriu-se –
defendeu-se José.

27
Então os três decidiram entrar. Ficaram extasiados com o que viram.
Ali se encontravam fotos e vários objectos antiquíssimos pertencentes,
talvez, aos antepassados da família de Daniel.
- Mas…mas…isto são fotos e algumas coisas dos meus trisavôs! – es-
clareceu Daniel, admirado.
- É melhor irmos embora! Vamos comer e descansar – sugeriu Maria,
com doçura.
- Nem pensar, eu agora vou investigar! Quero saber mais sobre os
meus antepassados. Os meus pais nunca me contavam nada sobre a his-
tória da minha família e agora tenho a oportunidade de ser eu próprio a
descobri-la. – referiu Daniel decidido.
Nos dias seguintes continuou incansavelmente as suas pesquisas, que
cada dia o surpreendiam mais.
Um dia, à tardinha, sob doçura do sol, foram dar um passeio pela
herdade. Pelo caminho encontraram um homem de físico imponente,
cara ossuda, cabelo esgrouviado, olhos grandes e secos e com uma

28
E a Vida Renasceu

voz irritantemente calma e um ar estranhíssimo, que se aproximou


deles.
- Desculpe, sente-se bem, precisa de alguma coisa? - perguntou José.
- Sim, procuro o Daniel, o herdeiro da Amélia e do Manuel – respondeu.
- O que quer do Daniel? –indagou Maria, desconfiada.
- É que soube que os pais dele tinham falecido e gostava de saber
como é que ele está – informou o homem.
- Você não é aquele vigarista que se fez passar por amigo dos meus fa-
lecidos patrões só para lhes tirar tudo o que lhes pertencia? – interrogou
Maria.
- BINGO!!! E não é que acertou em cheio! E tu Daniel é melhor teres
cuidadinho comigo, pois tudo o que era dos meus queridos amigui-
nhos vai passar para mim! – afirmou o homem, soltando uma ruidosa
gargalhada.
Daniel, depois de ouvir aquelas palavras sentiu, pela primeira vez na
vida, medo.
- Não te preocupes, não vamos deixar que nada de mal te aconteça! –
acrescentou Maria, observando cautelosamente o homem, que se eclip-
sou a grande velocidade.
Depois daquele momento desagradável e confuso os três foram para
casa descansar. Mas a verdade é que o Daniel quase não conseguiu dor-
mir com medo que aquele homem lhe fizesse mal.
Um dia
Dois dias
Três dias se passaram sem que houvesse mais notícias do
enigmático usurpador, que se tinha sumido misteriosamente.
Na manhã seguinte, Daniel acordou bem-disposto e resolveu ir até à praia.
- Vou dar um passeio. – avisou ele.
- Mas, não podes ir sozinho! Eu vou contigo. – disse, decididamente,
José.
- Não! Não preciso de companhia. Eu sei defender-me – sentenciou
Daniel.

29
- Mas se aquele homem aparecer, ele pode… - argumentou José.
- Eu sei, eu sei! – insistiu Daniel, interrompendo José.
- Muito bem, mas peço-te o maior cuidado possível. – pediu José.
A caminho da praia ia pensando nos bons momentos que tinha pas-
sado com os seus pais e na fortuna que lhe tinham deixado. Lá, Daniel
encontrou uma menina de beleza fulgurante. Muito delicada, cheia de
graças e encantos, formosa como a mais bela flor; tinha um olhar límpido
e azul, a boca pequena e delgada e os seus lábios eram duas cerejas. Os
cabelos, de um castanho tão escuro que tocava quase o preto, caíam-lhe
de um lado e outro da sua face gentil. De mãos brancas e finas como ca-
mélias, pele fresca e macia como uma rosa, o seu sorriso soou como uma
orquestra aos ouvidos do rapaz, que ficou, de imediato, fascinado.
Estava sentada numa rocha, num silêncio contemplativo e repousante,
extasiada com a beleza inconfundível do mar. Daniel aproximou-se dela,
sereno e resoluto e, nesse momento, a jovem virou-se para ele.

- Olá! – disse ele, quebrando o silêncio entre eles.


- Olá! – exclamou ela sorrindo.
- Como te chamas? – interrogou Daniel.
- Chamo-me Mariana – anunciou ela – e tu?
- Eu chamo-me Daniel.
- Está tudo bem? – inquiriu Mariana.
- Mais ou menos!
- Então, o que é que aconteceu?

Daniel revelou-lhe a sua triste história. Falou-lhe da herdade e do que


as grutas continham. Deslumbrado com a beleza da menina, abriu-lhe o
seu coração de par em par. A conversa entre os dois jovens prolongou-
se animadamente. Estavam tão embevecidos, que nem se apercebiam
da passagem do tempo, que corria veloz. Fez-se tarde! Combinaram um
novo encontro para o dia seguinte, no mesmo local e à mesma hora e
despediram-se.

30
E a Vida Renasceu

Ao chegar a casa, Daniel sentia-se felicíssimo. Mariana não lhe saía


do pensamento. Estava tão louco de alegria que nem se apercebeu que
tinha cometido, irreflectidamente, uma enorme imprudência.
No dia seguinte como estava combinado, foi até à praia, mas desta vez
Maria e José foram com ele. Acabou de chegar e qual não foi o seu es-
panto quando viu o tal homem estranho com a rapariga, a quem confiou
os segredos da sua vida.
- Mariana, o que estás a fazer com esse homem? – perguntou Daniel,
com ar de espanto.
- Então, não posso tratar mal o meu querido tio! - argumentou ela,
num tom sarcástico.
- Tio?!... – replicou, espantado.
- Sim, tio! Não devias dar tanta confiança às pessoas que não conhe-
ces!... – avisou o homem, atirando uma das suas gargalhadas secas – mas

31
olha que me deste uma grande ajudinha, meu rapazinho. Agora tudo o
que era teu passou para as minhas mãos.
- Ajuda? Eu? Ajudar-te?!... – ripostou Daniel.
Enquanto a conversa decorria entre os dois rivais, Maria e José assis-
tiam a tudo boquiabertos.
- Como pudeste trair-me desta maneira? Confiei em ti! – rematou Da-
niel para Mariana.
Esta não respondeu, limitou-se a ouvir o que o tio tinha para dizer.
- Pois é, tu agora estás falido – continuou o usurpador, observando o
pânico que se estampava nos rostos de Maria, de José e de Daniel.

Daniel regressou a casa com Maria e José. Após aquele episódio ficou
a chorar no quarto, durante algum tempo.
Maria e José, muito abalados com a situação, foram acalmar o rapaz e
propuseram-lhe:
- Daniel, compreendemos o teu sofrimento e gostaríamos de passar a
ser teus pais adoptivos para te poder ajudar nesta difícil situação.
Daniel não reagiu muito bem depois de ter ouvido tal coisa pois a dor
da perda dos pais era ainda muito forte. Maria prosseguiu:
– Não queremos que esqueças os teus pais, mas como não existe
mais família é a melhor solução para impedir Alfredo de conseguir o
que quer.
Daniel pediu que saíssem e o deixassem só. Muito confuso com a pro-
posta e com imensas saudades dos pais, decidiu ir dar um passeio até
à praia. Aí encontrou novamente Mariana que se riu na sua cara, ironi-
camente. Daniel continuou a andar com lágrimas a escorrerem-lhe pela
face como um rio que não tem fim.
Caminhou até que encontrou a velha amiga Margarida com quem brin-
cava naquela praia sempre que vinha com os pais para aquela herdade.
– Margarida! Há tanto tempo Margarida! – exclamou Daniel.
– Daniel, és mesmo tu? – inquiriu Margarida. – Há muito tempo que
não te via.

32
E a Vida Renasceu

– Como tens passado, minha amiga?


– Muito bem! Vim dar um passeio à praia com o meu tio e a minha
prima Mariana. Queres conhecê-los? – entusiasmou-se Margarida.
– Sim, tenho muito prazer em conhecê-los!
Margarida foi chamá-los…
Daniel, vendo chegar Mariana e o tio, perguntou de imediato:
– Margarida, é aquela a tua prima? E aquele o teu tio? Tu estás com
eles?
– Sim, porquê? Já os conheces?! - estranhou Margarida.
– Infelizmente já! Esse senhor que está aí, ao teu lado, tenta tirar-me
a herança dos meus pais, e essa rapariga é sua cúmplice.
– Não, eles nunca seriam capazes de fazer uma maldade dessas! – dis-
cordou Margarida.
– Como pudeste inventar uma mentira dessas, meu rapazinho? – ten-
tou o tio enganar Margarida.
– Margarida, não ouças esse homem! – aconselhou Daniel com receio
que ela apoiasse o tio!
– Não acredito que a minha sobrinha esteja a dar ouvidos a um rapa-
zito desses. – lamentou-se Alfredo – Vamos já embora.
– Concordo contigo tio, vamos embora. – declarou Mariana.
E lá foram os três embora, mas, antes. Daniel chamou Margarida e
sussurrou-lhe:
– Amanhã de manhã vem a minha casa esclarecer este assunto.
Margarida que estranhou a atitude do tio e da prima aceitou, ansiosa
por conhecer a versão de Daniel.
No regresso a casa, depois de novo desagradável encontro, Daniel me-
ditou na conturbada situação e...
- Maria, José! – Chamou ele - Decidi aceitar a vossa proposta. Eu preciso
de pais, sei que gostais muito de mim e ides fazer tudo para me ajudar.

- Claro que sim! Ficamos muito felizes, filho! – exclamaram os dois


muito agradados com a notícia.

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Para comemorar, Maria fez um delicioso jantar que os três saborea-
ram animadamente.
No dia seguinte, Daniel acordou muito bem disposto, vestiu-se rapida-
mente e correu para abrir a porta a Margarida. Instalaram-se os dois na
mesa da cozinha e saborearam o maravilhoso pequeno-almoço, prepa-
rado por Maria, enquanto Daniel contava:
- Margarida, como sabes os meus pais morreram naquele cruzeiro…
mas agora estou feliz com os meus pais adoptivos...
- Pais adoptivos?! - interrompeu Margarida.
- Sim, ainda não sabes que, daqui em diante, os meus pais são a Maria
e o José – informou Daniel que continuou a sua história:
- Como estava a dizer, os meus pais morreram naquele cruzeiro.
Desde esse desastre, o teu tio tenta usurpar a minha herança.

- Tens a certeza que isso é verdade? – interrogou Margarida.


- Claro que tenho. – Afirmou Daniel - A Maria e o José até podem con-
firmar já anteriores tentativas.
Margarida ficou perplexa e triste sem conseguir dizer nada, pois cus-
tava-lhe acreditar que o seu tio fizesse tal coisa. De repente olha para o
relógio e exclama:
- Daniel, já é muito tarde, os meus pais devem estar preocupados
comigo!
Alguns dias mais tarde...
Margarida continuava incrédula, relativamente a Daniel, pois Alfredo
insistia em negar a sua intenção. Para melhorar o ambiente familiar, re-
solveu pedir desculpas ao tio, mas…
- Temos de arranjar uma maneira para deter Daniel e conseguirmos a
herança! – gritou Alfredo para Mariana, muito furioso.
«Tenho de gravar esta conversa…» - pensou Margarida procurando o
telemóvel na sua bolsa.
Após ter gravado a conversa, Margarida correu para casa de Daniel
pedir-lhe perdão.

34
E a Vida Renasceu

35
- Daniel, peço imensa desculpa por não ter acreditado logo em ti. Vem
ouvir isto!
- Do que estás a falar, Margarida? – intrigou-se Daniel.
- Eu gravei uma conversa que incrimina o meu tio e a minha prima e
prova que tu estás inocente. – informou Margarida.
Maria e José ouviram a conversa e sugeriram:
- Vamos já fazer queixa à polícia. Esse homem é um criminoso!
Na esquadra, os polícias concordaram que havia provas suficientes
para prender o tio de Margarida. E lá foram dois polícias acompanhados
por Daniel, Margarida, Maria e José. Alfredo reconheceu que não po-
dia continuar a negar. Não ofereceu resistência e foi condenado a vários
anos de prisão.
Maria e José assinaram os documentos da adopção e da transferência
da herança para Daniel.
E a vida de Daniel renasceu…!

6.º B, 5.º G

36
O Menino que Gostava de Ler

Chamo-me Afonso. Sou um menino como qualquer outro da minha


idade. Vivia em Lisboa com os meus pais, até que a separação destes
aconteceu sem que dela me tivesse apercebido.
Com os meus seis anos achava que os meus pais passavam pouco tem-
po em casa e pouco tempo tinham para mim. Os meus dias, desde há
muito, eram passados na escola. Primeiro, no Jardim de Infância e agora
na escola do primeiro ciclo. Era sempre o primeiro a chegar e o último a
regressar a casa. Mal via os meus pais. Pior, mal os conhecia. Talvez, nem
os conhecesse verdadeiramente. A minha confusão residia em me aper-
ceber de quem eram realmente aquelas pessoas. Todos os meus amigos
falavam dos momentos que passavam com os seus progenitores. Para
mim, esses momentos nunca tinham lugar.
Um dia, a minha mãe disse-me que eu iria para Bragança, para a casa
dos meus avós maternos. Perguntei-me a razão de o meu pai não estar.
Mas, habituado como estava às suas ausências, não inquiri a minha mãe
da razão da não despedida. Mais tarde, viria a saber que o meu pai tinha
ido para o Canadá e ficaria lá a viver em definitivo. Nunca mais soube
dele. Agora me apercebo de que a vida, em comum, dos meus pais devia
ter sido muito espinhosa.
A ida para Trás-os-Montes, terra de origem da minha mãe, nada me
disse e em nada me perturbou. Não sabia o que me esperava, e tanto
fazia.
Chegado a Bragança, encontrei, pela primeira vez, na minha curta exis-
tência, os avós maternos. Se os tinha visto antes, não me lembrava. Nem
me apetecia fazer um esforço para me recordar.
Recebido como um príncipe por aqueles dois anciãos, assumi a perso-
nalidade birrenta de “menino mimado da cidade” e, perguntando onde
era o meu quarto, para lá me dirigi sem me dignar falar com os meus
avós. Estes, embora muito tristes, apararam o meu jogo e mostraram os
aposentos do “querido netinho”.
37
A minha mãe, cheia de pressa, como sempre, partiu no dia seguinte,
muito cedo, pelo que me contaram depois e não contribuiu minimamen-
te para a minha integração.
Fiquei entregue a mim. Entregue aos meus pensamentos, entregue às
minhas desilusões. Não me lembrava de nenhum dos colegas deixados
para trás, mas sentia-lhes a falta. De quem sentia falta? De quem sentia
mais falta? Não me lembrava, mas sentia. Sentia…
A manhã seguinte foi muito agitada para mim. Era o primeiro dia de
aulas do segundo período. E o meu primeiro dia de aulas em Bragança. A
avó Maria veio acordar-me, mas eu não fiz caso.
— Afonso, levanta-te que tens de ir para a escola, são sete horas! —
pediu a avó Maria.
— Qual escola? — perguntei eu ensonado e resmungão. – são férias
de Natal!
Com uma ternura do tamanho do mundo e uma paciência da dimen-
são da ternura, a avó entrou no meu quarto e, afagando-me carinhosa-
mente o cabelo, deu-me um beijo na testa. Isto, completamente inédito
para mim, despertou no meu ser um prazer indescritível. Levantei-me
como um raio, lavei os dentes e a cara e nem me apercebi do frio, pois a
casa dos avós já era antiga e deficientemente climatizada.
Dirigi-me à cozinha, onde já estava o avô Augusto e sentei-me à mesa
com vontade de enfrentar o mundo.
O avô, ancião dos seus setenta anos, mais cinco do que a avó Maria,
deu-me as boas-vindas numa fria manhã de um frio mês de Janeiro.
— Ora viva! Olha quem temos aqui! O senhor Afonso passou bem a
noite?
Pouco habituado àquelas familiaridades e cumprimentos, moí algumas
palavras entre dentes, que nem para mim foram perceptíveis. Contudo,
o meu avô não desarmou e continuou a sua tarefa de me tentar animar.
— O menino da capital já sabe para que escola vai?
— Ainda não. — atirei eu. — Mas devem ser todas iguais, uma porca-
ria. Tal como tudo o que existe neste local.

38
O Menino que Gostava de Ler

O meu avô ficou silencioso e olhou para mim com um ar que agora
sei ser de pena. Naquela altura achei-o descabido. Agora sei o que ele
sentiu.
Bem, o primeiro dia de aulas foi um martírio. O meu espírito de re-
jeição não me permitiu aceitar nada, nem ninguém. Só queria voltar
para casa dos meus avós. Aí, já sentia algum resguardo e, embora não

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o admitisse, sentia-me bem. Pela primeira vez, senti-me em casa. Sen-
tia aquilo que os meus colegas da capital descreviam quando estavam
com os pais: protecção.
Quando saí da escola, o meu avô esperava-me acompanhado de um
sorriso que me fez estremecer. Sabia que o tinha magoado muito antes
de sair de casa e, pelo caminho, não lhe tinha dirigido palavra. Por isso,
não estava à espera daquele imenso calor que me aquecia naquele frio-
rento dia de Inverno.
Não vou falar da escola nem dos meus amigos de escola. Sim, por-
que agora tinha amigos dos quais me recordo e cujos nomes relembro.
Vou falar dos meus avós. Melhor, vou falar da minha avó. A avó Maria
era uma enciclopédia viva. Não uma daquelas enciclopédias chatas, com
letras pequeninas e assuntos maçudos e intragáveis. Uma enciclopédia
fresca e cheia de conhecimentos simples e úteis, de agradável digestão.
A avó Maria não tinha muita instrução. Só tinha feito a quarta classe.
Era, contudo, uma leitora feroz, mormente dos clássicos. O que quero eu
dizer com isto? Quero dizer que lia, com imenso prazer, as obras de Júlio
Dinis , Camilo Castelo Branco , Alexandre Herculano , Almeida Garrett e,
acima de tudo, do grande Eça de Queirós .
Quem são estes senhores? Ainda não descobriste? São criadores de
sonhos. Sonhos que tornam a nossa vida mais rica e menos vazia. Sonhos
que preenchem as nossas mentes com fantasias de outros tempos, mas
que podem ser muito actuais. Mas, isso cabe a ti descobrir.
Estava eu a dizer que a avó Maria lia muito e conseguia que o avô Au-
gusto passasse parte do serão, também ele, a ler. Naquela casa, havia um
momento de leitura das vinte e trinta às vinte e uma e trinta. As teleno-
velas dos avós eram os livros. As minhas passaram a ser as daquele lar.
Os anos foram passando e eu fui crescendo assistido pelo carinho daque-
les dois seres cheios de saberes populares, mas também, eruditos. A avó
Maria sabia, com as ervas que o avô Augusto apanhava no campo, fazer um
chá ou uma infusão para qualquer moléstia. Reconhecia, contudo, como
ninguém, a importância dos médicos para o bem-estar das pessoas.

40
O Menino que Gostava de Ler

Preparei-me para ir receber o meu pai e o meu filho à estação de Santa


Apolónia. O momento era de grande alegria, embora este encontro fosse
provocado por uma situação deveras desagradável. A minha mãe, Maria,
tinha falecido em meados de Maio. Os dois “homens” tinham permane-
cido em Bragança até ao final do ano lectivo, para que Afonso pudesse
terminar o ano sem grandes sobressaltos. Estávamos em finais de Junho.
Eu ia, finalmente, conhecer o meu filho.
Embora ele tivesse vivido em minha casa até aos seis anos, eu não o
conhecia. O tempo passado com ele foi ínfimo. Sinto uma enorme in-
quietação. Qual será a sua reacção ao ver-me de novo? Será que me
aceita? Será que ele perdoa o meu papel de progenitora ausente? Será
que ele esquece a minha inexistência no papel de mãe?
Devo reconhecer que abandonei o meu filho. A vida com o pai do Afon-
so foi algo de fugaz e ténue. Não pensávamos senão em nós. Melhor,
o Afonso foi um brinquedo, um capricho de juventude que saiu muito
caro. Quem pagou a factura? Quando, finalmente, achámos que já não
era possível viver em conjunto, optámos pelo mais fácil, pelo mais óbvio:
cada um seguiu o seu caminho. E que simples foi alienar o Afonso! Os
meus pais queriam o seu netinho junto a eles. Isso foi música para os
meus ouvidos. Que bom! Era livre outra vez! A vida era minha! Poderia
fazer dela o que bem me aprouvesse.
Volvidos seis anos, reencontro Afonso. Digo bem, reencontro. Os fins-
de-semana de fugida a Trás-os-Montes não podem contar como encon-
tros e sã convivência. E tinha sido uma contingência nefasta que propor-
cionara o reencontro, tal como outra provocara a separação.
Lá estavam eles: o ancião e o jovem. Que semelhança!

Chegados a Lisboa, vi a minha mãe com o seu companheiro e a minha


irmã de três anos, filha de ambos. O meu avô acompanhava-me desde

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Bragança e, apesar de estar um pouco cansado e muitíssimo triste, pela
morte da minha avó, estava, também, imensamente curioso pois a “sua”
filha tinha algo muito importante para nos contar a sua e nossa ida de-
finitiva para Trás-os-Montes. Fiquei muito entusiasmado, pois acreditei
que íamos ser, pela primeira, vez uma família. Uma família feliz. Os meus
pais tinham pensado comprar casa na mesma rua da do meu avô. Mas,
como não queríamos que ele se sentisse só, optaram por ficar definitiva-
mente em casa do avô Augusto.
As férias de Verão passaram a correr. As obras na casa do avô estavam
quase terminadas. Obras necessárias para acolher uma família habitu-
ada aos confortos da grande cidade e que ele se prontificara a mandar
executar quando soube que a sua existência não perderia sentido. Devo
referir que o avô Augusto, quando soube da decisão, se apressou a re-
gressar a Bragança com o intuito de supervisionar, ele próprio, as obras
em curso. Os meus pais acharam que não seria necessário, mas como o
meu avô era uma pessoa muito voluntariosa, lá conseguiu ir para Bragan-
ça sozinho. No fundo, os meus pais até o compreendiam. Tinha receio
que as obras realizadas não tivessem a qualidade imprescindível para a
sua prole.
Acrescento que aceitei, com a maior das naturalidades, a intromissão
de Francisca na minha vida. Ela não era nenhum anjo, mas também não
era uma peste de três anos. Era uma irmã perfeitamente aceitável desde
que não se imiscuísse muito na minha vida de pré-adolescente.
A minha vida começou a ser mais ou menos completa, já tinha a
minha mãe do meu lado e ela dava-me amor e carinho, tinha o meu
avô que estava sempre pronto a ajudar. Nunca, mas nunca me esque-
cerei dele, pois foi ele e a minha avó que me mostraram o que era ser
amado.

Mais um ano lectivo se aproximava, nova escola, novos professores


e novas disciplinas. Eu estava radiante, pois mudara para outra escola,

42
O Menino que Gostava de Ler

uma escola muito maior e com novos amigos. O apoio dos meus pais foi
o que me deixou mais confiante em relação a este ano.
No início das aulas, estava nervoso pois tinha medo do desconhecido.
Mas, aquela escola nova era, também ela, um local de respeito, de paz e
de gente boa.
Para espanto meu, no primeiro dia de aulas, reconheci um velho ami-
go, companheiro de férias, o Gonçalo. Os nossos pais eram muito próxi-
mos e, antes da separação dos meus, costumávamos passar as férias de
Verão, na Costa da Caparica. Apesar de já não me lembrar muito bem
dele nem ele de mim, sabíamos que nos conhecíamos de algum lado. Co-
meçámos a falar. Soube que ele morava em Bragança, pois os seus pais
tinham sofrido um terrível acidente de automóvel que lhes tirara a vida
e tinha-se mudado para cá, para casa de uma tia, havia dois anos.
Fiquei muito sensibilizado, mas como ele não pretendia abordar o as-
sunto, calei-me. Mais tarde encontrámos a Filipa. Apresentei-lha. A Filipa
já tinha sido minha colega de turma no primeiro e segundo ciclos. Quan-
do me mudei para Bragança foi uma daquelas resistentes que não se
importou com o meu mau feitio e fez questão em ser minha amiga.
Como tinham tantas coisas em comum, ficaram logo aliados. Eles eram
viciados em computadores, tal como eu o era em livros. Enquanto eu
passo horas a fio a ler, eles passam dias e dias a navegar na Internet e a
ver os novos jogos que saíram para o computador.

Esta diferença aproximou-nos, a ponto de os três termos tomado


consciência de que livros e informática se complementam. Éramos con-
selheiros de um Conselho: eu, conselheiro bibliográfico e eles conselhei-
ros informáticos.

Após mais um árduo dia de trabalho, recebo uma chamada de um


número desconhecido. Era uma chamada do estrangeiro. Atendi. Não
falaram. Quem me teria ligado? O que quereriam de mim? A chamada

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caiu. Voltaram a ligar. A voz, do outro lado, era-me familiar. Notava-se,
contudo, um timbre próprio de quem tinha passado alguns anos fora de
Portugal. Sem grande esforço reconheci a voz do João. João era o pai do
Afonso e meu ex-marido. Perguntou-me como estava e como estava o
nosso filho. Achei tudo isto, muito estranho, pois desde que partira para
o Canadá, não tinha ligado nem uma só vez. Como tinha conseguido o
meu contacto, não me quis dizer.
Contei-lhe os acontecimentos sucedidos após a sua ida. Disse-me que
queria voltar para Portugal, para perto do Afonso, de quem sentia imen-
sa falta. Difícil de perceber, mais difícil de aceitar. No entanto, lembrei-
me do meu comportamento, em relação ao nosso filho, e anuí.

Disse-me que estava riquíssimo e já não tencionava ficar mais tempo


no Canadá. Tentei explicar-lhe que o Afonso tinha, agora, uma vida nova,
um novo pai, uma irmã mais nova, que lhe davam todo o amor e aten-
ção que ele merecia. E um avô que lhe abrira o caminho das sensações
e dos valores do ser humano. O seu papel era, neste momento, deveras
espinhoso.
Depois de ficarmos mais de uma hora a conversar, não consegui que
ele tirasse da cabeça a ideia de regressar a Portugal. Impus-lhe uma
condição: podia vir para Portugal, mas iria ficar em Lisboa. Se o Afonso
aceitasse vê-lo, eu levá-lo-ia sempre que possível. Ele aceitou sem com-
plicações e sem condições, pois tinha noção de que errara em relação a
Afonso. Também ele tinha uma nova companheira, também ela portu-
guesa, e uma filha da idade de Francisca. Viriam para Lisboa nas férias do
Natal, para poderem estar com Afonso e explicar-lhe todo o acontecido.
Sei que seria complicado, mas tinha de contar ao Afonso a vinda defi-
nitiva do seu pai biológico para Portugal.
Contar-lhe-ia quando regressasse da escola.

44
O Menino que Gostava de Ler

Regressado a casa, soube que a minha mãe tinha uma coisa importan-
te para me contar. Fiquei preocupado. O que estaria a suceder? Estaria o
avô doente? Passar-se-ia algo com ela, com Francisca ou com meu pai?
Ela ir-me-ia contar ao jantar. No entanto, estava tão curioso que decidi
ir perguntar-lhe. Quando ela me relatou os factos, fiquei estupefacto.
Não sabia o que dizer. Tinha tantas interrogações na minha cabeça! Por
que razão teria ele vindo agora, depois de tantos anos? Que quereria de
mim? Seria arrependimento? Como reparei que a minha mãe estava um
bocado perturbada com tudo isto, disse-lhe que faria o que ela achasse
mais sensato. Iria ouvir o que ele tinha para me dizer. Não era imprescin-
dível que me pedisse desculpa. Mas, se me propusesse ir morar com ele
para Lisboa, eu não iria pois já tinha uma vida construída em Bragança.
Com isto deixei-a mais descansada.

Fiquei surpreendido com a chegada do meu pai e, devo reconhecê-lo,


muito contente. Mas, sinceramente, não me lembrava assim tanto dele.
Tinham passado tantos anos! Começámos a falar.
Disse-lhe que mudara muito e que agora tinha a família que sempre
necessitara e que ele nunca me conseguira dar. Também lhe disse que
não sentia a sua falta. Tentei ser o mais directo e duro possível. Estas afir-
mações resultaram, talvez, do facto de ter ficado perturbado por nunca
ter havido uma carta ou um telefonema da sua parte.
Ele entendeu a minha posição. Ficou comigo nas férias do Natal e de-
pois partiu para Lisboa. Deu para o conhecer melhor. Afinal tinha-se re-
velado uma pessoa muito interessante e que valia a pena conhecer. Até
porque gostava muito de ler, tal como eu.
Fiquei com a sensação que a minha vida tinha mudado radicalmen-
te. Agora posso dizer que tenho duas famílias, ou a possibilidade de tal
acontecer. Superámos as nossas dificuldades, esbatemos as nossas di-
vergências e resolvemos que a vida merece ser vivida.
O resto da minha vida? Pode ser que o conte noutra ocasião.

45
O Menino que Gostava de Ler

Glossário

anuir – consentir, concordar


climatizado – com condições de temperatura, humidade
e pureza do ar
descabido – despropositado, inoportuno
erudito – instruído, culto

47
espinhoso – difícil, árduo
fugaz – pouco duradouro, passageiro
inédito – nunca visto, novo
ínfimo – mínimo
infusão – água fervida com ervas com aplicação medicinal
integração – adaptação
moléstia – doença
nefasto – prejudicial, mau
progenitor – aquele que dá a vida.
prole – descendência,
ténue – fraco, pouco consistente

6.º E, 6.º F

48
Uma Verdadeira Amizade

E ACABARA MAIS UM DIA DE ESCOLA…NO QUAL, TANTO OS ALUNOS


COMO OS PROFESSORES ESTAVAM EXAUSTOS!
- Calem-se, calem-se! - dizia a professora enquanto tentava
explicar os exercícios de matemática… - de tão cansados que estávamos
já nem ligávamos à sua expressão habitual.
Já estávamos fartos, após oito horas e trinta minutos de aulas era sem-
pre a mesma coisa, só correrias, gritos, brincadeiras sem sentido e entra-
das e saídas para dentro e fora das salas.
- Que aborrecimento! – exclamaram em coro.

Tocou a campainha, mas claro, como era o último dia de aulas, nós
os cinco quisemos aproveitar para jogar à bola, até cerca das dezoito
horas.
Nem demos pelo passar do tempo, quando olhámos para o relógio já
eram dezanove horas e trinta minutos.

Esperámos pela ronda do guarda-nocturno, esperámos, esperámos e


fartámo-nos de esperar, mas ninguém apareceu!
49
- Então, amigos! Que estamos a fazer aqui especados? Temos de jan-
tar, vamos lá embora para o bar, o meu estômago já se fartou de protes-
tar! - balbuciou Betty. Pois a sua barriga já estava a dar horas.
- Ó Cristiana, tu que és tão boazinha. Vai lá buscar o nosso jantar!
- pediu Ana com o seu jeitinho meigo.
E Cristiana lá foi.
- E é para isso que existem Funcionários! Se eu mandasse… - declarou
Marta com a mania que era a maior.
- Se tu mandasses não fazias nada, … dizes cada coisa sem interesse!
- interrompeu Diogo…
De repente, ouviu-se um grito vindo do vazio: era a Cristiana e certa-
mente estava aterrorizada.
- Vamos lá, é a Cristiana- exclamou Ana, muito assustada!
Quando chegámos deparámo-nos com um silêncio mudo e imóvel. A
tensão pairava no ar, podia-se quase tocar o silêncio com as mãos.
- O que se passa? - perguntaram em coro, o medo apropriando-se
deles!
- Uma barata! Estais cegos?! Betty, para que usas óculos? - perguntou
irritada a Cristiana.
Pum!
- Que foi isto? Veio dos lados dos cacifos, vamos! -ordenou Diogo.
Deparámo-nos com uma pessoa a fugir, os cacifos abertos…
- Parece que o mistério do funcionário desaparecido foi desvendado.
- disse aterrorizada Betty.
- O ladrão ainda deve andar por aí, vamos fugir!
Diogo como sempre foi o primeiro a assumir o controlo da situação.
Começámos todos a correr, até que… ouvimos um chiar muito fininho,
e… bum!
As portas fecharam-se, as janelas abriram-se, partiram-se vidros, o
vento soprou muito bruscamente, os raios de trovoada sucediam-se a
um ritmo frenético…
- AUUUUUUU, AUUUUUUU, AUUUUUUUUUUU… – sibilava o vento.

50
Uma Verdadeira Amizade

- Ai! Aqui há lobos, temos mesmo que fugir! – gritou muito aflita a
Cristiana.
E do fundo do corredor surgiu aquela voz incrivelmente soturna:
- AH! AH! AH! daqui não sai ninguém, agora quem manda aqui sou eu.
A Marta, com os seus reflexos rápidos, sugeriu imediatamente que
dessem corda aos sapatos e fugissem dali a toda a velocidade.
Cristiana corria cada vez menos, até que lhe disseram que estava ali
uma barata.

Nessa altura, pareceu ganhar asas nos pés e foi a primeira a chegar ao
bar, onde se escondeu muito rapidamente. Ana foi para o refeitório, Dio-
go e Elisabete entraram na arrecadação. Ficaram uns minutos quietos,
tentando recuperar o fôlego depois da corrida desenfreada que tinham
efectuado. Foi então que tiveram a ideia de começar a lançar para o chão
os líquidos de limpeza que ali estavam com o intuito de fazer o ladrão es-
corregar e cair. Entretanto este aproximou-se sorrateiramente e prendeu
Ana. Esta tentou gritar pedindo ajuda aos amigos. Diogo apercebeu-se
de todas estas manobras e retribuiu empurrando-o e libertando a sua
amiga. O assassino não teve qualquer reacção, caindo no chão.
Nesse momento Ana e Diogo deslocaram-se para junto dos seus amigos.
- Então o que se passou? – perguntaram eles muito ansiosos.
Mas mais uma vez o homem assustador recuperara e estava algu-
res escondido nas sombras nocturnas da escola e disse numa voz de
trovão:
- O que se passou foi que a vossa amiguinha tentou armar-se em
esperta!
Pelo som da sua voz não conseguiram perceber em que local da esco-
la se encontrava Procuraram-no sem fazer qualquer barulho, entrando
muito sorrateiramente nas salas.
Diogo começou a mandar cada um para seu lado. Ana foi procurá-lo
para os lados da reprografia, Cristiana foi para as salas de cima, Elisabete
foi para os lados do bar e Marta e Diogo foram para a cave.
51
Diogo reparou que tinha os cordões desatados e, enquanto parou para
os atar, o perseguidor aproveitou para lhe tocar no ombro. O Diogo ape-
nas teve tempo de exclamar:

52
Uma Verdadeira Amizade

- Oh não! Outra vez não!


PUM, PUM ! – ouviu-se um tremendo estrondo. Era o ladrão a tentar
abrir uma janela para fugir.
Betty, Cristiana e Ana, como estavam lá em cima desataram a correr,
temendo que algo de terrível tivesse acontecido.
E quando já estavam junto das escadas escorregaram no líquido que
Ana despejara no chão, cinco minutos antes. Ela levantou-se e estendeu
a mão às duas amigas.
Cada uma delas queixava-se de uma parte do corpo diferente, ao mes-
mo tempo que se erguiam do chão demonstrando claras dificuldades
para se movimentarem.
Apesar de tantos contratempos, Ana ainda teve tempo para dizer a
sua gracinha habitual:
- Hum, dói-me a cabeça de vos ouvir!
Betty, evidentemente não gostou muito da piada de mau gosto e res-
pondeu numa voz abafada:
- Ai Ana, tu também!
A Cristiana, como sempre a mais decidida e responsável, interrompeu
com um tom ríspido:
- Meninas, deixem-se lá de conversas sem interesse e vinde depressa,
pois o Diogo e a Marta devem estar em apuros.
Quando chegaram à cave deram com o Diogo sentado no chão o que
deixou a Ana aflitíssima:
- Meninas, o meu Didi está… no chão…!
Cristiana sussurrou ao ouvido da amiga:
- Oh Betty, onde está a Marta? “
Elisabete respondeu:
- Sei tanto como tu, vou procurá-la nas salas.
A voz de Marta ouviu-se claramente no meio do silêncio circundante:
- Elisabete, estou aqui!.
Elisabete apenas teve tempo de responder:
- Onde? Onde? Sai daí depressa, o Diogo precisa de nós.

53
E lá foram elas ter com os amigos à casa de banho, mas o malfeitor
ainda não se dera por vencido, resolvendo ter a última palavra:
- Podemos resolver isto, satisfatoriamente, basta vocês deixarem-me
ir embora e não chamarem a polícia Fica tudo resolvido e ninguém se
aborrece.
Claro que esta ideia seria inconcebível para o Diogo, que interrompeu
prontamente:
- É que nem penses seu... delinquente! Isso é resolver bem as coisas?
Só se for para ti. Nós preferimos que não nos mates e que te entregues à
polícia. Que tal? Agrada-te? Se não te agrada não me importa.
O ladrão não gostou muito e resmungou algumas palavras ininteligí-
veis. A Ana, neste momento já bastante enervada, não se conteve mais
e gritou:
- Olhe! Antes de falar de nós, assim, tenha muito cuidado!
Ele parecia cada vez mais aborrecido com a situação:
- Olha para esta menina! Ainda há bocado estavas tão assustada e ago-
ra ainda estás a contrariar-me.
O Diogo resolveu sair em defesa da sua amiga. Mas esta também não
tinha “papas na língua”.
- Obrigada, Diogo, por me defenderes, mas este malvado, ainda vai
pagá-las! Tu vais ver!
E enquanto Ana acabava de falar, o homem deu um passo atrás e res-
pondeu:
Eu até podia ir para a prisão, mas era se vocês me apanhassem e tives-
sem tempo de telefonar à polícia.
Nisto, ele desatou a correr e os cinco amigos foram atrás dele. Já só o
apanharam ao chegar perto do bar. Olhou-os muito seriamente, franziu
a testa, virou a cabeça para a esquerda, para a direita, olhou para baixo
e… e disse, num discurso muito abafado:
- Eu, eu queria… eu não tenho coragem para dizer isto, vou mas é fugir.
Ele ainda tentou escapar, mas a rapidez de raciocínio dos nossos he-
róis ultrapassou o pensamento, e então pegaram nas garrafas de água e

54
Uma Verdadeira Amizade

despejaram-nas. Fizeram a mesma coisa aos iogurtes. Quando ele ia a


passar, escorregou e, por instantes, não conseguiu emitir qualquer som
ou reagir de alguma forma.
Foi nesse momento que, num ápice, Ana tentou chamar a polícia, mas
o telemóvel estava desligado. Tentaram todos, mas os telemóveis desli-
garam-se.
Cristiana interrogou-se, atarantada, com este novo mistério.
- Mas o que será isto? Agora é que nunca mais saímos daqui. É muito
estranho que os telemóveis se desliguem todos ao mesmo tempo.
- Enquanto Betty foi telefonar à polícia, o homem levantou-se, muito
silenciosamente sem ninguém se aperceber, e fugiu de novo. As rapari-
gas reagiram imediatamente. Mais uma vez, o Diogo lamentou-se:
- Ana, Cristiana, não, eu não acredito, amigas!
Enquanto isso, o homem tentou fugir, mas já era tarde. A polícia tinha
entretanto chegado e colocara as algemas ao ladrão da escola.
O alívio foi tal que, na noite seguinte, todos dormiram vinte e quatro
horas seguidas. Mas nunca os seus colegas chegaram a compreender os
verdadeiros motivos pelos quais eles nunca mais quiseram ficar na esco-
la, após o anoitecer.
De qualquer forma, existiu um motivo para se alegrarem, no meio dis-
to tudo: a sua amizade tinha sido posta à prova, até ao limite e eles ti-
nham passado com distinção!

55
NOTA: Se formos sempre unidos e confiarmos uns nos outros, conse-
guiremos ultrapassar todos os problemas na vida!

7.º A

56
Um Mundo Mágico

Um grupo de quatro crianças amigas decidiu aventurar-se pelos cami-


nhos da magia.
Margarida e Lara eram irmãs gémeas. Lara era obcecada por magia,
tinha os seus cabelos loiros e encaracolados, olhos azuis grandes e ocu-
pava a maior parte de seu tempo a ver uma série sobre magia, que pas-
sava na televisão.
Ao contrário de Lara, Margarida era uma menina rebelde e acreditava
que a magia era apenas uma ilusão e que tudo não passava de uma mera
ficção.
O Luís e o Gonçalo eram primos e andavam sempre juntos.
Quando Margarida e Lara se levantaram, naquele dia, viram que es-
tavam num mundo novo, praticamente desconhecido. Um lugar onde
muita cores se misturavam, como por magia.
Como se chama este lugar? Hum … Ah! É a Duendolândia!
A Duendolândia era habitada por seres especiais e bonecos coloridos,
como o arco-íris mais encantador!
Gabriel, o mais matreiro dos duendes, era muito traiçoeiro. Era um
pequeno duende de chapéu vermelho e com um traje amarelo da cor de
um espantabulástico girassol. A sua amiga Íris, uma das mais belas fadas
da Duendolândia, muito vaidosa, vestia, nesse dia, um lindo vestido cor-
de-rosa, e tinha uma invulgar varinha mágica, que brilhava como os seus
lindos olhos.
Entretanto, o Luís e o Gonçalo foram dar um passeio, na floresta. Fo-
ram andando, andando, até que caíram num buraco muito fundo. Ao
longe, eles avistaram uma luz muito brilhante. Gonçalo aproximou-se da
luz e disse:
- Quem és tu?
- Eu sou a Luz que vos vai levar até às vossas amigas.
- E tu de onde conheces as nossas amigas? – perguntou o Luís.
- Eu conheço-as de um mundo mágico.
57
Gonçalo e Luís perguntaram em coro:
- O que é isso de mundo mágico!?
A luz respondeu:
- O mundo mágico é um lugar que vocês vão admirar e onde existem
fadas, duendes, anões e mágicos. Agora, fechai os olhos e pensai nas
coisas que vos disse.
De repente, os dois abriram os olhos e, num ápice, apareceram num
mundo totalmente diferente do deles.

- O quê?! Onde estamos? Que lugar é este? Já me cheira a esturro! -


perguntava ansiosamente o Luís.

58
Um Mundo Mágico

-Ah!? A mim não me cheira a nada! - respondeu, com um ar de estú-


pido, o Gonçalo.
- Não sejas parvo, é apenas uma expressão idiomática! - esclareceu o Luís.
- Ah, bem me parecia! Também não há nenhum forno por perto. - dis-
se o Gonçalo.
- Vê-se logo que não vale a pena perder tempo contigo. – resmungou
o Luís.
- Venham! Vou levar-vos às vossas amigas. – disse a Luz.
- Forno, bolachas, comida! Acho que tenho fome. – Disse o Gonçalo,
sem prestar atenção ao que a Luz lhe dissera. - Ei, esperem por mim!
- As vossas amigas estão em casa de uma linda e maravilhosa fada. -
disse a Luz.
-Está bem! Vamos lá então, já tenho saudades de as ver! - disse o Luís.
-Tenho fome! Não tens nada para comer? - perguntou o Gonçalo.
-Tem calma Gonçalo! Pelo caminho vamos passar por um sítio onde há
todas as variedades de doces da Duendolândia. – disse-lhe a Luz.
- Hum… Mnham… mnham, doces! - disse o Gonçalo, com grande en-
tusiasmo.
- Mas tu não querias fazer dieta? – perguntou o Luís.
- Haaaaa… Oh, mas já emagreci muito!
Durante o caminho, o Gonçalo não parava de dizer que tinha fome.
Até que, passado um bocado, o Luís reparou numas casas fora do nor-
mal. Inserir Amigos
- O que é aquilo? - perguntou o Luís.
- Aquilo ali é o Vale dos Doces. – informou a Luz.
Gonçalo, ao ouvi-la, deitou a correr com toda a sua força, para o Vale
dos Doces, deixando a Luz e o Luís para trás.
Quando os dois chegaram, viram o Gonçalo, feliz, comendo tudo o que
via à sua frente.
Passado um tempo, a Luz disse:
- Temos de ir embora, para ir buscar as vossas amigas.
- Tá bem – disse o Gonçalo.

59
- Não comas tudo, seu guloso! Assim, a floresta de chocolate vai aca-
bar por causa da tua gulodice. - avisou o Luís.
- Mas eu tenho muita, muita fome!
- Mas, não te esqueças, não podes voltar a engordar…
- Ah, pois é, já me esquecia disso!
- Vamos lá, temos de nos despachar, antes que a fada Íris saia com as
vossas amigas. – disse a Luz.
- Ah, mas eu tinha tanta, tanta vontade de as ver! – referiu o Luís.
- Vamos só comer mais uma árvore de chocolate! – insistiu o Gonçalo.
- Não sejas guloso!
- Está bem, vamos lá então para casa da fada Íris!
- Temos de nos despachar, se não só as vemos amanhã. – pediu a luz.
- A meio do caminho encontraram um dragão e ele disse-lhes:
- Só poderão passar se acertarem a seguinte adivinha. Aí vai:
- Quando nasce, anda com quatro pernas, depois, quando envelhece
um bocado, tem duas e, quando envelhece muito, tem três.
- Isso é muito fácil!
- São as pessoas.
- Parabéns, acertaram.
- Podem passar.
- Chegámos, finalmente!
- Vamos entrar e ver as nossas amigas!
- Olá!!!
- Abraçaram-se e, de imediato, viram o quarto.
- Estamos no quarto?!
- Que estranho!
- Foi tudo um sonho!
Estavam, novamente, no seu mundo real, mas tinha sido uma aventu-
ra imaginária fantástica.

7.º B
60
Um Mundo Mágico

61
A Flor do Amor

A história que vou contar foi-me contada pelo meu bisavô, há cerca de
sessenta anos.
A história passou-se no ano de 1313, desde então conhecido como o
ano do azar. Nesse ano, muitas foram as mortes na pacata aldeia de La-
dares, situada no reino da Ruptura, um dos reinos mais místicos de que
há memória!
Ladares era até então uma aldeia feliz, não havia roubos, mendigos ou
epidemias… todos viviam felizes, sem grandes preocupações, uma vez
que parecia não haver nada de mau naquela povoação.
Um certo dia, um mago que vivia nas montanhas que rodeavam La-
dares foi raptado e morto à facada, chamava-se Tomás e ainda hoje se
desconhecem os verdadeiros motivos que levaram à sua morte. Na altu-
ra constou que o mago se tinha perdido de amores pela jovem filha de
um abastado nobre, e que este, para se ver livre do provável genro o terá
mandado matar.
Contudo, os seus raptores cometeram um grande erro: mataram To-
más junto à Boca do Inferno, um lugar que possuía mais energia mística
do que aquela que o sol emite para a terra durante um ano inteiro.
Segundo o relato de um dos carrascos, antes de fechar os olhos para
sempre, Tomás, que não ofereceu qualquer resistência, dirigiu-se aos
seus algozes, dizendo:
- Prometo por Hades que um dia vós pagareis pelo que me fizestes!
Não voltareis a viver em paz…
Depois de morto, queimado e enterrado a dez metros de profundida-
de para o afastar em definitivo do reino dos vivos, os assassinos fugiram
aterrorizados com as últimas palavras proferidas por Tomás.
Já no seu túmulo, com os poderes que nunca o abandonaram, Tomás
invocou Hades, deus da morte, e ambos fizeram um acordo. Passado cer-
ca de um mês, Tomás regressou, mas não pôde recuperar o seu corpo,
apenas o seu espírito vagueava no reino dos vivos. Junto à Boca do Infer-
63
no, o local onde lhe roubaram a vida, procurou a faca do seu apunhala-
mento e disse batendo com o seu cajado negro no chão:
- Pelos poderes de Hades e de Merlin, invoco a deusa mais tenebrosa,
a deusa dos Corações Partidos.
Mal acabou de proferir estas palavras, envolta numa nuvem de fumo,
apareceu uma mulher alta, coberta com uma túnica preta, todo o seu
rosto parecia queimado, contudo, o mais repugnante era a falta do seu
olho direito!
Conversaram durante algum tempo e ela fez tudo o que Tomás pediu.
Nos meses seguintes uma verdadeira maldição abateu-se sobre a aldeia!
As casas robustas, feitas de pedra, desmoronaram, uma a uma; o chão
das ruas abriu-se e houve pessoas que nunca mais foram vistas. Mas o
pior estava ainda para vir: a peste. Ninguém escapou a esta terrível do-
ença! Até a filha do abastado nobre, objecto do amor incondicional do
Tomás, com o seu lindo rosto rosado, as suas mãos suaves como a seda
e seus cabelos de cor de oiro, acabou por morrer desfigurada e numa
agonia atroz.
A peste também acabou por apanhar o Alfredo moleiro, o homem
mais admirado da aldeia, que, além de fazer uma óptima farinha, era
também o melhor caçador das redondezas.
Conhecedor e amante das histórias e lendas do passado, julgando sa-
ber a origem das desgraças que se abateram sobre Ladares, foi até à
Boca do Inferno e ajoelhando-se junto ao túmulo do Tomás disse:
- Eu sei o que te aconteceu grande Tomás, mas por favor perdoa
os inocentes. Perdoa todos aqueles que não contribuíram para a tua
desgraça!
Ouviu-se então uma voz grave e misteriosa que parecia sair das pro-
fundezas da terra, dizendo:
- Não, eles sabem o que me aconteceu e só tu vieste até aqui. Só tu
vieste até mim, só a ti eu perdoo!
Ditas estas palavras, o moleiro ficou completamente sem manchas e
feridas no corpo! Até as marcas das batalhas travadas ao serviço do Rei e

64
A Flor do Amor

as contusões da caça desapareceram, voltando a ficar com seus cabelos


castanhos reluzentes, seu corpo definido e musculado.
O moleiro voltou a ser aquele homem forte e robusto que tão boa
impressão causava nas jovens raparigas das redondezas. Não lhe falta-
vam pretendentes, e logo que escolheu noiva, esta marcou de imediato
a data do casamento. A notícia do seu noivado percorreu toda a região
acabando com as fantasias de muitas jovens sonhadoras.
A mulher que viria a tornar-se sua esposa era uma rapariga de uma
aldeia vizinha, muito bonita, filha única, chamada Raquel. Nessa altura,
todos disseram que faziam um casal de sonho! Juntos tiveram dois filhos,
Alberto e Anita.
Os anos foram passando e o moleiro envelhecendo lentamente.
Durante muito tempo educou os seus filhos ensinando-os a respeitar
e a admirar Tomás. Tinha sido ele quem devolveu a dignidade ao seu
pai. Todos os anos, religiosamente, os dois jovens, acompanhados pelo
progenitor, visitavam o que se julgava ser o túmulo do mago para lhe
prestarem a devida homenagem.
Os filhos do moleiro cresceram felizes, saudáveis e já estavam uns ver-
dadeiros adultos quando o seu velho pai empreendeu a última viagem
em direcção aos campos eternos.
Vieram pessoas de toda a região para o funeral. A história do mo-
leiro era conhecida por muita gente, consideravam-no um homem de
bom coração, honesto, distinto e todos quiseram homenageá-lo uma
última vez.
Alberto seguiu os passos do seu pai. Tornou-se moleiro e um caçador
fabuloso! Segundo se constava, ainda melhor que o seu falecido pai!
A vida continuou pacata em Draculim, enquanto os jovens tomavam
conta da sua mãe, que apesar de já ter alguma idade era ainda uma mu-
lher muito vistosa!
Cumprindo um ritual iniciado há muito, uma manhã de domingo os
dois irmãos dirigiram-se à montanha, para visitarem o túmulo do mago.
Anita levava na mão uma rosa branca colhida no jardim da aldeia. Quan-

65
do chegaram ao alto do monte, Anita ajoelhou entre algumas rochas que
formavam uma espécie de círculo. Preparava-se para colocar a flor no
chão, à sua frente, quando um raio e uma espécie de trovão surpreende-
ram os dois irmãos! No local onde a faísca tocou o solo, por trás de uma
enorme nuvem de fumo surgiu um vulto esguio, vestido de preto, com a
face escondida por um capuz, trazendo na mão direita um cajado sinuo-
so. Dirigiu-se à jovem que empalidecera subitamente e estendendo-lhe
a mão delicada para a ajudar a levantar-se disse:
- Olá Anita! Há muito que te admiro… Estás cada vez mais bonita…
Gostava de conversar contigo.
Alberto, incrédulo, recuava afastando-se dos dois, aterrorizado, sem
saber muito bem o que pensar de tudo aquilo.
- Tu tiveste um pai humilde e generoso… eu devo-te um favor!
- Porquê? Porque me deves um favor? Que queres de mim?
- Sim… Devo-te um favor! O teu pai foi o único a vir ter comigo… acredi-
tou em mim e veio ao meu encontro explicar que estava inocente. Como
infelizmente faleceu não lhe posso conceder o pedido, então é a ti que
eu faço questão de agradecer! Pede o que quiseres, fá-lo-ei com todo o
gosto. - continuou Tomás num tom calmo e sereno.
- Mas porquê eu? A minha mãe e o meu irmão também vieram pres-
tar-te homenagem! – perguntou Anita algo atrapalhada.
- Porque eras muito chegada ao teu pai e a vossa relação foi sempre
exemplar! – explicou Tomás.
- Posso mesmo pedir o que quiser? – continuou Anita, agora já muito
curiosa.
- Sim, concretizarei o teu pedido com todo o gosto.
- Queria muito ver o meu pai, tenho tantas saudades dele!?
- Se é isso que queres, amanhã, bem cedo vai até ao moinho e lá verás
o teu pai.
- Obrigado, nem posso acreditar, amanhã lá estarei bem cedo.
Depois de uma longa tarde cheia de surpresas, Anita regressa a casa
ansiosa e feliz. O tempo estava a demorar muito a passar e Anita estava

66
A Flor do Amor

ansiosa. Os minutos pareciam horas a passar, mas finalmente tinha che-


gado a hora de ir jantar.
- Anita, vem jantar!
Por mais que Anita tentasse esconder, o seu estado de ansiedade era
mais forte do que ela, não comeu nada ao jantar, estava muito estranha.
Era tudo muito confuso para ela mas ao mesmo tempo iria ser um mo-
mento inesquecível, voltar a estar com o seu pai já falecido.
Depois de jantar, Anita foi para a rua distrair-se um pouco, não foi fácil,
mas acalmou ao ver o céu. Já era tarde, Anita foi-se deitar, pois o próxi-
mo dia prometia ser muito agitado.
Anita não conseguia adormecer, às voltas na cama só pensava como
iria reagir ao ver de novo o seu pai…
A pensar nisto Anita adormeceu…
Já de madrugada, acordou e nem acreditava que ia estar de novo com
o seu pai e despedir-se dele. Quando este faleceu, ela não tivera oportu-
nidade de lhe dar um beijo… tinha ido passar uns dias a casa da sua tia
Inês e só chegou a casa no dia do funeral!
Quando já estava pronta para sair de casa, ouviu um sussurro ao
ouvido:
- Onde pensas que vai as estas horas, assim vestida? – diz a mãe,
curiosa!
Anita inventou uma desculpa para evitar contar a verdade, mas ela
não estava habituada a mentir e agora ainda seria mais difícil por causa
da atrapalhação e do nervosismo.
A mãe ficou desconfiada, mas viu como a filha estava ansiosa e acabou
por deixá-la ir sem dar justificações.
Estava um belo dia, um céu límpido e claro com um sol radioso, Anita
começa a correr para o moinho. Estava tudo muito calmo… Sentou-se
num banco de madeira, feito por seu pai, e esperou.
O sol já ia alto, Anita, ansiosa pela chegada do seu pai, deu um pon-
tapé numa pequena pedra brilhante e surgiu uma luz que deu origem a
uma pequena criatura. Uma fada! Era uma fada linda, com um vestido

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branco até aos pés, uns cabelos loiros compridos e uma pele rosada mui-
to macia.
- Anita, venho a mando de Tomás, sei que ele te deve um pedido e eu
vou levar-te até ele.
- Como podes levar-me até ao meu pai?
- É fácil… Basta procurares a flor do amor.
- E onde poderei encontrar essa flor? – Perguntou Anita, curiosa.
- Vai ao bosque tenebroso e lá encontrarás a flor do amor… ela é
uma flor linda… grande, com umas pétalas vermelhas, arredondadas.
Quando estiveres perto dela diz em voz alta o teu nome e o teu pedido,
arrancando uma pétala de cada vez. Se arrancares a flor não te posso
levar ao teu pai e terás azar para toda a vida, principalmente no amor…
Quando tiveres as pétalas na tua Posse regressa aqui ao moinho e cha-
ma por mim.
- Farei tudo como me disseste, mas quem és tu, qual é o teu nome? –
Pediu Anita.
- O meu nome é Mariana, sou a Fada dos Desejos.
Depois de receber estas ordens Anita foi rapidamente tratar de procu-
rar a flor do amor.
Seguiu algo nervosa para o bosque tenebroso e começou desde logo a
procurar a flor do amor que era muito rara. Atravessou um lago num bar-
co que só tinha um remo, em direcção ao lado mais sombrio do bosque
que era onde a flor se devia encontrar. Ao fundo de uma clareira, com
erva até aos joelhos, avistou a flor do amor. Correu até ela. Lembrou as
palavras da fada Mariana e disse em voz alta:
- Anita, quero ver o meu pai outra vez.
Depois arrancou uma pétala de cada vez e regressou a correr para o
moinho. O caminho de regresso foi muito mais rápido… seguiu o seu
próprio rasto…
Ao chegar ao moinho, Anita gritou:
- Fada Mariana, fada Mariana.
A fada apareceu e disse:

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A Flor do Amor

- Muito bem Anita, cumpriste tudo como te disse, então o teu pedido
vai ser concretizado!
De seguida, pegando nas pétalas que Anita lhe estendeu continuou:
- Flor do amor tão rara que tu és, faz com que o moleiro apareça aos
meus pés.
Ditas estas palavras, o moleiro apareceu. Estava velho, mas continuava
bonito e com um rosto suave que transparecia serenidade.
- Pai! – gritou Anita, ao ver o seu pai.
- Filha, que bom ver-te!
- Tinha tantas saudades tuas! – continuou Anita.
- Eu também, minha filha! Nunca chegámos a despedir-nos…
- Ó pai, tu não sabes o que isso me custou… Se pudesses ficar con-
nosco…!
- Minha filha, infelizmente não posso, já estou velho e o meu lugar não
é aqui, mas eu prometo que vou estar sempre a olhar por ti, pelo teu
irmão e pela tua mãe. Vocês são as pessoas mais importantes na minha
vida. Eu parto com muito orgulho em vocês, principalmente em ti por
seres tão boa menina e tão corajosa.
Passearam em redor do moinho e conversaram muito… Falaram da
sua mãe, das searas e das pretendentes do seu irmão. Também falaram
do Tomás e das razões que levaram à sua morte. Anita prometeu repor a
verdade e espalhar pelas redondezas o amor impossível do velho Mago
e as atrocidades do abastado nobre que o mandou matar. Mas tudo tem
um fim… Chegada a hora da derradeira despedida, Anita, com uma lágri-
ma a escorrer pela face, disse soluçando:
- Gostei tanto de estar aqui contigo pai, só lamento não poderes ficar
mais tempo, mas sei que vais estar sempre connosco…
- Não tenhas dúvidas disso minha filha, vou estar sempre, sempre con-
vosco! Esta noite, antes de adormeceres dá um beijo à tua mãe e ao teu
irmão. Esses serão os meus beijos… entregues por ti àqueles que eu con-
tinuarei sempre a amar…! Adeus minha filha. Fica bem…!
- Adeus pai, gosto muito de ti…!

69
70
A Flor do Amor

E com estas palavras se despediram.

Anita sentia-se feliz por ter estado com o pai, mas por outro lado triste
por não poder estar com ele sempre que quisesse. Infelizmente, existe a
morte e esta é a única coisa que não se pode evitar!

Quando chegou a casa a sua mãe estava na cozinha a preparar o jantar


e o seu irmão ainda se encontrava no campo. Depois do jantar e de um
pedaço do serão passado, na varanda da casa, antes de se deitar, despe-
diu-se do irmão e da mãe, tal como prometera ao seu velho pai!
Já na cama, adormeceu pensando no velho Mago, na sua amada e na
crueldade do abastado Nobre…
Com o passar do tempo as verdadeiras causas da morte do Mago fo-
ram correndo de boca em boca e as pessoas acabaram por considerá-lo
um verdadeiro mártir! No alto do monte, no preciso local onde Tomás
foi morto os habitantes de Ladares erigiram uma capela em sua honra e
memória.
Estas acções levaram novamente a sorte e a prosperidade a Ladares
e ao reino de Ruptura. Os amores do velho Mago e a família do Alfredo
moleiro ainda hoje são recordados com saudade e alvo de reconhecida
romaria.

8.º B, 8.º C

71
Da EB 1,2,3 Augusto Moreno

Amigos em Férias, 2007


Em demanda da Amizade, 2008
Crescer em Família, 2009

A minha verdadeira
imagem está nos livros
que escrevi.
Miguel Torga

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