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Constituigao: Conceito, Objeto e Elementos (*) Inocinaio MArmines ComtHo Professor Titular da UnB SUMARIO 1. Colocagéo do tema em perspectiva hermenéuttca, 2. Da hermenéutica filoséfiea & hermenéutica juridtca. 3. Conceito, objeto e elementos da Constituicéo. 3.1. A Constituigdo como garantia do “statu quo” econémico e social (E. FORSTHOFF). 3.2. A Constitui¢éo como ins- trumento de governo (W. HENNIS). 3.3. A Constituicdo como “processo ptiblico” (P. HABERLE). 3.4. A Consti- tuigdo como ordem fundamental e programa de agéo que identifica uma ordem politico-social e 0 seu processo de realizagéo (BAUMLIN). 3.5. A Constituigdo como pro- ‘grama de “integracéo” e de “representacdo” nacional (H. KRUGER). 3.6. 4 Constitui¢do como legitimagdo do poder soberano, segundo a idéta de Diretto (G. BURDEAU). 3.7. A Constiluicéo como ordem furidica fundamental, ‘material e aberta de uma comunidade (K. HESSE). 4. Coneluséo. 1. Colocagao do tema em perspectiva hermenéutica Um dos mais ricos achados da hermenéutica filoséfica contempora- nea foi a descoberta de que a compreensio do sentido de uma coisa, de + Palestra proferida na OAB-DF, em 19-5-92, no Curso de Direito Constitu- cional © Administrative. R. Inf. legisl. Brasilia. 29 on. 116 out./dex. 1992 5 um acontecimento ou de um estado de coisas pressupde um pré-conheci- mento daquilo que se quer compreender, pelo que toda a interpretagao é guiada pela pré-compreensio do intérprete. xplicando em que consiste essa pré-compreensio ¢ qual a sua im- portaneia para a compreensiio de algo, MARTIN HEIDEGGER — em quem © problema atinge o grau méximo de radicalizacio — assim resu- ine a idéia: “A interpretagéio de algo como algo funda-se, cssencialmen- fe, numa posigao prévia, visio prévia ¢ concepcao prévia, A in- terpretagdo nunca é a apreensio de um dado pretiminar, isentz de pressuposigdes. Se a concrecéo da interpretagao, no sentido da interpretago textual exuta, se compraz em se bascar nisso que estd no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como es- tando no texto nada mais é do que a opinido prévia, indiscutida € supostamente evidente, do intérprete. Em todo principio de interpretagdo, ela se apresenta como sendo aquilo que a inter- Pretacao necessariamente ja poe, ou seja, que ¢ preliminarmente dado na posigao prévia, visio prévia e concepgio prévia.” (Ser ¢ Tempo. Peirdpolis, Vozes, 2." ed., 1988, Parte 1, p. 207). Noutras palavras, a interpretagio de algo como algo move-se numa estrutura de antecipagio, que corresponde & esséncia da compreensio, a qual se dé numa estrutura circular 0 chamado “eitculo hermentutico” —. em que a compreenséo do particular supée ou pressupde uma com- preenstio do todo, sendo essa totalidade concebida como contexto histé- rico, como unidade da vida, como mundo-davida ou como totalidede de condigo do ser-no-mundo. Para melhor compreendermos essa forma de colocagéo do problema da compreensio, vejamos com RICHARD PALMER — um dos mais cla- ros expositores dos problemas hermenéuticos — em que consiste esse cir- culo, que 56 aparentemente é vicioso. “Compreender — ensina PALMER — é uma operagio essencialmente referencial; compreendemos algo quando o com paramos com algo que j4 conhecemos. Aquilo que compreende- mos agrupe-se em unidades sistematicas, ou circulos compostos de partes. O circulo como um todo define a parte individual. © as partes cm conjunto formam o circulo. Por exemplo — prossegue PALMER — uma frase como um todo é uma unida- de. Compreendemos o sentido de uma palavra individual quan- do a consideramos na sua referéncia a totalidade da frase; ¢, 16 out./dex. 1992 reciprocamente, o sentido da frase como um todo esté depen- dente do sentido das palavras individuais. Conseqiientemente um conceito individual tira o seu significado de um contexto ou horizonte no qual se situa; contudo, o horizonte constréi-se com os préprios elementos aos quais dé sentido. Por uma interacio dialética enire 0 todo ¢ a parte, cada um dé sentido ao outro; a compreensao ¢, portanto, circular. E porque o sentido aparece dentro deste circulo — artemata PALMER — chamamos-lhe circulo hermenéutico.” (Hermenéutica. Lisboa, Edigdes 70, 1986, pp. 95/94). Entio, para usar as palavras precisas de JOSE LAMEGO — figura relevante da moderna filosofia juridica cm Portugal — & dessa totalidade do mundo da compreensio que resulta a pré-compreensao, a qual abre um primeiro acesso a intelecgio, na medida em que representa uma ante- cipagao de sentido do que se compreende, uma expectativa de sentido delerminada pela relagao do intérprete com a coisa, no contexto de deter- minada situaga0; noutras palavras, a pré-compreenséo constitu um mo- mento essencial do fenémeno hermenéutico e € imposs{vel a0 intérprete desprenderse da circularidade da compreensio (Hermenéutica e Jurispru- déncia. Lisboa, Editorial Fragmentos, 1990, pp. 134/135). © tems da pré-compreensic, que ampliou os horizontes da herme- néutica filoséfica contempordnea, teve seu maximo desenvolvimento nos estudos do mais importante discipulo de HEIDEGGER — HANS-GEORG GADAMER — que muitos apontam como o verdadeiro fundador dessa nova hermenéutica. Em sua obra fundamental — Verdade ¢ Método —- GADAMER reto- ma a problemética da pré-compreensio a partir dos estudos de HEIDEG- GER, sobretudo de sua descrigfio do cfrculo hermenéutico como algo pos tivo para © processo da compreensiio e no como um circulo vicioso, dentro do qual, emparedado, 0 sujeito cognoscente no tem acesso a0 conhecimento do objeto. Assim, partindo dessa_nogio de circulo hermenéutico, GADAMER relembra, com HEIDEGGER, que 0 circulo nao deve ser degradado & condigao de um circulo vicioso, mesmo que apenas tolerado, pois nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originério que, de corto, s6 pode scr apreendida de modo auténtico se a interpretagao tiver compreendido que sua primeira, dnica e tiltima tarefa € nao se dei- xar guiar, na posicéo prévia, visio prévia e concepsio prévia, por con- ceitos ingénuos, mas, ao contrério, na elaboraco da posigio prévie, da R. Inf. legisl. Brosilia a. 29 on. 116 out/der. 1992 7 visio prévia e da concepgao prévia, assegurar a cientificidade do tema a partir das coisas mesmas. Destarte, para GADAMER, o essencial da reflexio hermenéutica de HEIDEGGER nio consiste em demonstrar que nos achamos diante de um circulo, mas em ressaliar que esse circulo possui um significado onto- légico positivo. Da hermenéutica filosdfica @ hermenéutica juridica Assentes os pressupostos hermenéutico-filoséficus, em geral, sob os quais a matéria pode c, mesmo, deve ser analisada, vejamos como apli- cé&los no estudo do conceito, do objeto e dos elementos da Constituigao, que compéem a temética desta exposicao. Como esses assuntos pertencem jé a um determinado ramo do Ditei- to — 0 chamado Direito Constitucional —, é de toda a conveniéncia, pelo menos para fins didaticos, analisar a questio na perspectiva do Di- reito om geral, ou da hermenéutica juridica tout court. Para tanto, invocaremos os ensinamentos de JOAO BAPTISTA MA- CHADO ec KARL LARENZ, que, a nosso ver, se destacam entre os estu diosos do tema pela clareza c preciséo com que o abordam. Com efeito, para }OAO BAPTISTA MACHADO, ao enfrentar 0 pro- blema da interpretaco das leis. 0 jurista nao pode ignorar que, antes mesmo de por a funcionar as suas diretivas interpretative — metodolé- gicas, precisa tomar em conta os pressupostos gerais da interpretacao de todo e qualquer texto ou enunciado lingiiistico, ou seja, precisa enfrentar © problema, mais geral, da “compreensao” do sentido de um texto. E que. adverte, todo cnunciado fingiifstico — obviamente também o enunciado das proposicées juridicas — deve ser entendido como um significante que, em Ultimo temo, aponta ou remete para algo extralingiiistico, 0 referente, ou @ “coisa” a que ele remete. Se compreender 0 texto pressupde compreender a “coisa” a que ele se refere ou para que ele remete — pois sem ssa pré-compreensio 0 texto néo pode fazer sentido para nés —, no que respeita 2 compreensio das previs6es legais, somente as compreendemos porque elas se referem a siv twagées ou relagées da vida das quais, pela nossa propria experiéncia, temos 4 uma pré-compreensio. © mais importante — ressalta o licido jurista lusitano — é que, para além desses referentes imediatos, representados pelas situagdes da vida a que remetem os enunciados lingtiistico-normativos, existe um outro a R. Inf. tegisl, Brasilia o, 29 n. 116 out./dex. 1992 “referente”, um referente fundamental, essa “coisa” que € 0 Direito e que © legislador nos procura comunicar através dos enunciados das normas. Por isso — conclui BAPTISTA MACHADO — os textos legais ndo determinam ou criam “autonomamente” © juridico, a juridicidade, sendo, antes, j4 mera expresso ou tradugo dessa juridicidade, a qual, por prin- cipio, ¢ como referente iiltimo, esté para além deles, esté fora deles; ¢ desse referente, da sua “pré-compreensio”, tem o intérprete de partir ne- cessariamente se pretende sequer entender essses textos como “‘juridicos”, como portadores de um sentido juridico (Introdugio ao Direito e ao Dis- curso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pp. 205/209). Avancando ainda mais na exploragdo das virtualidades da pré-com- preensio como momento essencial do fenémeno hermenéutico, JOAO BAPTISTA MACHADO assevera que, se entendermos que o legislador, ao editar uma norma, estd a positivar a sua visio da ordem juridica, im- poe-se reconhecer que, ao fazé-lo, ele necessariamente haverd de nos re- meter pata algo que est fora desses textos (embora neles pressuposto) e, portanto, para algo de extrapositivo ou transpositivo — o “referente” ou ‘a “coisa” com a qual temos de relacionar o texto para, nessa relagdo, apreendermos 0 seu sentido. Ent&io — conclui — dai se segue que o posi- tivo (0 texto) nos remete para uma polaridade transpositiva (0 Diteito ou certa idéia do Direito), que esti para além do texto e que, talvez, pudéssemos identificar com o Direito Natural ou alguma outta pauta sig- hificativa que sirva de polaridade extrapositiva para o Direito que é, para ‘o Direito que tem vigéncia € cficdcia hic et nunc (op. cit., p. 210). Em perspectiva semethante, embora sem procurar um maior apro- veitamento filos6fico, KARL LARENZ coloca o problema da estrutura circular do compreender ¢ a importancia da pré-compreensio para a her- menéutica juridica em geral. A interpretagao de um texto, qualquer que seja a sua natureza — afirma LARENZ — nao s6 tem a ver com o sentido de cada uma das palavras, mas também com o de uma seqtiéncia de palavras e frases, que expressam um continuo nexo de idéias. Por outro lado, o significado da majoria das palavras revela uma maior ou menor amplitude de variagao, mas, em cada contexto, esse significado resulta do posicionamento da palavra na frase e da conexio total de sentido dentro da qual a palavra surge, em determinado lugar do discurso ou do texto. Disso resulta uma especificidade do proceso do compreender, conhecida como circulo her- menéutico, que LARENZ descreve da forma seguinte: uma vez que o significado das palavras, em cada caso, 86 pode inferir-se da conexdo de sentido do texto e este, por Brasilia a. 29 m. 116 out./dex. 1992 9 stia vez, em dltima anétise, apenas do significado — que aqui seja pertinente — das palavras que o formam e da combinagao de palavras, entio tcré o intérprete — e, em geral, todo aquele que queira compreender um texto cocrente ou um discurso — de, em relagdo a cada palavra, tomar em perspectiva previamen- te 0 sentido da frase por ele esperado ¢ 0 sentido do texto no seu conjunto; ea partir daf, sempre que surjam diividas, retro- ceder ao significado da palavra primeiramente aceite e, confor- me 0 caso, retificar este ou a sua ulterior compreensio do texto, tanto quanto seja preciso, de modo a resultar uma concordin- cia sem falhas” (Metodologia da Ciéncia do Direito. Lisboa, Gul- benkian, 2 ed, pp. 242/243). Como a descrigdo © mesmo a imagem do circulo podem sugerir 0 encarceramento do intérprete num cspago fechado, dentro do qual o pro- cesso hermenéutico retornaria sempre ¢ infrutiferamente ao mesmo lugar, KARL LARENZ — como, de resto, HEIDEGGER e GADAMER tami. bém ¢ fizeram ~~ cuida de esclarecer que nao se trata de um circulo vicio- 30, mas de um momento positive no processo hermengutico, desde que seja corretamente entendido. Por isso, adverts que a imagem do circulo néo seria adequada se pensdssemos que 0 movimento circular do compreendcr {aria o intérprete retornar sempre ao ponto de partida, numa auténtica tautologia. Seré ade- quada. ao revés, se entendermos que 0 movimento conduz sempre a um novo e mais elevado estégio da compreensdo, pois ainda quando o pro- cesso de olhar para a frente e para trés — apés varias repeticges — ape- nas venha a confirmar, afinal, a conjuntura de sentido inicialmente su- posta ou antecipada pelo intérprete, este jé nao estard situado no mesmo ponto em que inicialmente se encontrava, pela simples razdo de que a sua mera suposi¢fo ou idéia, a partir de agora, ter-se-4 convertido em certeza (op. cit., p. 243). Dai que, em reflexdo criadora, EMERICH CORETH — Outro noté- vel estudioso da hermenéutica contemporanea — avance na descrigio do processo hermenéutico, para afirmar que ele néo se desenvolve em circulo, mas em espiral, figura geométrica que melhor traduz a idéia de GADA- MER sobre 0 processo da comprecnsio como tarefa aberta ¢ infinita, que se reitera sem cessar, sempre em busca de novas e mais adequadas inter- pretagdes (Questées Fundamentais de Hermenéutica, Sio Paulo, EDUSP. 1973, p. 79). Para melhor compreendermos como e por que o autor de Verdade e Método considerou 0 processo da compreensio uma tarefa aberta © infi- 10 “RE In. legisl. Bra 2. 29m. 116 out /de ita, que se retoma sem cessar, sempre na busca de novas ¢ melhores interpretacdes, para bem cntendermos essa colocagéo, vale a pena trans- cxever, embora relativamente extensos, os comentétios crfticos que dedi- caram ao tema os mestres italianos GIOVANNI REALE e DARIO ANTI- SERI, em sua prestigiosa Histéria da Filosofia. No terceiro volume dessa obra, em recensio intitulada HANS GEORG GADAMER e a Teoria da Hermenéutica, aqueles ostudiosos assim resu- mem as idéias de GADAMER sobre o circulo hermenéutico e 0 proceso da compreensio: “© intérprete no & tabula rasa, Ele se aproxima do texto com o seu Vorverstindnis, isto é, com a sua pré-compseensio, vale dizer, com os seus pré-juizos our Vorurteite. Com base nessa sua meméria cultural (linguagem, teorias, mitos, ctc.), 0 intér- prete esboca uma primeira interpretagéio do texto (que pode ser um texto propriamente dito, antigo ou atual, mas também um discurso pronunciado, um manifesto etc). Ou seja, o intérprete diz: “este texto significa isto ou aquilo, tem este ou aquele sig- ado”, Mas esse primeiro esboco de interpretacdo pode ser mais ou menos adequado, justo ou errado. Entéo, como faze- mos para saber sc é ou nfo adequado esse nosso primeira esbo- 0 de interpretagao? “Responde GADAMER, € a anélise posterior do texto (do “texto” ¢ do “contexto”) que nos diré se esse esbogo interpre- tativo € ou nao correto, se corresponde ou n&o ao que o texto diz. E, se essa primeira interpretaco se mostra em contraste com 0 texto, “choca-se” com ele, entéo o intérprete elabora se- gundo esbogo de sentido, vale dizer, outra interpretagao, que depois pée A prova em relagio ao texto e ao contexto, a fim de ver se ela pode se mostrar adcquada ou nao. E assim por diante, 20 infinito, j4 que a funcao do hermeneuta € fungdo infinita e possivel, Com efeito, cada interpretacfo se efetua a luz do que se sabe; ¢ 0 que se sabe muda; no curso da histéria humana, mudam as perspectivas (ou conjecturas ou pré-juizos) com que se olha um texto, cresce 9 saber sobre o “contexto” € aumenta o conhecimento sobre o homem, a natureza € a linguagem. “Por isso, as mudangas, mais ou menos grandes, que ocor- rom em nossa pré-compreensio podem constituir, conforme 0 caso, outras formas de releitura do texto, novos raios de luz langados sobre ele, em suma, novas hipdteses interpretativas « submeter & prova. Eis por que a interpretacao ¢ tarefa infinita. R. inf. isl, Brosilia a. 29 116 out./dex. 1992 1 Infinita pela razio de que uma interpretagio que parecia ade- quada pode ser demonstrada incorreta e porque so sempre possiveis noves e melhores interpretagdes. Possiveis porque, a cada vez, conforme a époce histérica em que vive o intérprete © com base no que cle sabe, nfo se excluem interpretagdes que, precisamente, para aquela época e para o que na época se sabe, so melhores ou mais adequadas do que outras.” (Historia da Filosojia. Sio Paulo, Edigdes Paulinas, 1991, Vol. III, p. 630). 3. Conccito, objeio e clementos da Constitui De posse desse instrumental teérico — mormente do conceito de pré- compreensio —, creio que qualquer nogdo, ainda a mais elementar, que se pretende ministrar sobre o conceito, 0 objeto e os elementos da Consti- tui¢do estard condicionada pela nossa pré-compreensfo; como, por outro lado, toda pré-compreensio, até certo ponto, € irracional — porque, dentre outros elementos constitutivos, ela é formada pelas nossas pré-suposigées, pré-juizos ou préconceitos, tanto os legitimos quanto os ilegitimos — tornase necessdrio racionalizd-la de alguma forma, 0 que se obtém pela reflexdo critica levada a cabo no Ambito da Teoria da Constitui¢ao. Em outras palavras, também constitui tarefa importante, fundamental mesmo, de teoria constitucional submeter a pré-compreensio da Constitui- 80 ao tribunal da razao critica, para distinguir os pré-juizos legitimos dos ilegitimos, os falsos dos verdadeiros ¢, assim, alcangar uma compreensio da Constituigo que se possa considerar verdadeira ou, no minima, consti- tucionalmente adequada. Por isso, GOMES CANOTILHO afirma que a Teoria da Constituigio ndo sc limita & tarefa de “investigagio” ou “descoberta” dos problemas poli ticos constitucionais, nem tampouco 4 fung&o de elemento “‘concretizador” das normas da Lei Fundamental, antes servindo, também, pare “racionalizat’ e “controlar” a pré-compreensio constitucional. (Constituigao Dirigente ¢ Vinculagao do Legislador. Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pp. 80/81). Assim posta a questio — em termos de pré-compreensiio constitucio- nal —, © primeiro ¢ radical problema, cuja solugio condicionaré a compreenso ¢ 0 desenvolvimento de tudo o mais, consistira em saber se devemos conceber uma constituigao apenas como constituicdo juridica, isto 6, como simples estatuto organizatério ou mero instrumento de governo, em que se regulam processos e se definem competéncias, ou, 20 contrdrio, concebé-la como “constituigao politica”, capaz de se converter num plano normativo-material global, que eleja fins, estabelega programas ¢ determi- ne tarefas. 12 Noutras palavras, como resumido pelo mesmo CANOTILHO, a quem se deve estas ¢ outras colocagées pertinentes, o que precisamos decidir, antes de mais nada, 6 se a Constituigéo ha de ser uma lei do Estado e s6 do Estado, ou um estatuto juridico de fenémeno politico, um “plano global normative”, do Estado e da sociedade (op. cit., p. 12). Como anotado anteriormente, 2 resposta a essas indagagdes — que dizem respeito @ natuseza e 4 funcio de uma lei constitucional — surgiré do debate teorético-juridico e teorético-politico, que sc trava no ambito da Teoria da Constituigéo, que ¢, precisamente, por onde ¢ aonde se inicia toda compreensio constitucional. Advertindo — desde logo — como o faz KONRAD HESSE — de que, em termos de conceito e qualidade da Constituicao, a teoria do Direito Cons- titucional ainda est4 engatinhando, sem ter alcangado o consenso de uma “opiniso dominante” (“Concepto y Cualidad de la Constitucién”, in Escri- tos de Derecho Constitucional. Madrid, Centro de Estudios Constituciona- Tes, 1983, p. 4), com essa adverténcia, exporemos, a seguir, ainda que resumidamente, algumas das mais recentes e importantes teorias constitu- cionais, que nos permitirao, afinal, compreender — quase decifrar — os grandes temas ¢ os grandes problemas com que se defronta a Teoria do Diteito Constitucional e, afinal, formular, senfio um, pelo menos alguns conceitos de constituigéo, que, mesmo sem contarem com a aceitagao majoritaria da doutrina, nem por isso serao privados de consisténcia ¢ utilidade. ‘Trata-se, em iltima anélise, de procurar respostas pelo menos acei- taveis, & luz das diversas experiéncias constitucionais, para aquelas indaga- des transcendentais que precedem ou condicionam, criticamente, as opgbes concretas em torno dos yérios modelos constitucionais historicamente co- nhecidos: que tatefas ou fungdes devem ser confiadas & constituigéo de um determinado pafs? Quais as matérias que tém dignidade constitucional? Deve a Constituigio limitar-se a ser uma ordem de competéncias, uma simples norma de organizacao, embora Norma Fundamental? Deve, ao con- trério, a Constituigéo conter um bloco de diretivas materiais corresponden- te As aspiragdes ¢ interesses de uma sociedade concreta, isto €, sociedade de um espago e tempo historicamente situados? Em suma, deve a Consti- tuigdo simplesmente sancionar o existente, ou servir de instrumento de ordenacdo, conformagio ¢ transformagées de realidade social e politica? Para ordenar as respostas a essas indagagées, adotaremos a selegiio de doutrinas ievada a cabo por GOMES CANOTILHO — bem mais extensa do que a utilizada por seu mestre KONRAD HESSE — indicando, em conseqiiéncia, como dignas de consideragio, as teorias constitucionais expostas a seguir. R, Inf, fogisl, Brasilia @. 29 om. 116 out./der. 1992 13 3.1. A Constituig@o como garantia do “statu quo” econdmico ¢ social (E. FORSTHOFF) Resumindo © que chama as trés idéias fundamentais que condensam a icoria constitucional de FORSTHOFF, GOMES CANOTILHO diz que essa construgao doutrindria vé a constitui¢éo como garantia do status quo econé- mico e social: € uma teoria da constituigdo em “busca do Estado perdido”: e, finalmente, é teoria da constituigdo de um Estado de Direito meramente formal. Em razio desse enfoque, que ele considera inaccitével, quer quanto aOS SUS pressupostos, quer quanto as suas conseqiiéncias — porque uma Constituigdo, materialmente entendida, nao pode ser axiclogicamente neu- tra, devendo, anies, ser democratica e social —, em virtude dessa carénei GOMES CANOTILHO considera que as idéias de FORSTHOFF nao cons- tituem ponto de partida para a elaboragio de uma teoria da constituigéo “constitucionalmente adequada”, isto é, capaz de compreender o Estado de Direito como este deve ser compreendido, ou seja, como Estado de Direito intencionalmente socializante, de que constitui modelo — para ele. CANOTI- LHO — o Estado portugués estruturado pela Carta de 1976. 3.2. A Constituigao como insirumento de governo (W. HENNIS) Assim compreendida, a constituigio nfo passa de uma “fei proces: sual”, em cujo texto se estabelecem competéncias, regulam-se processos ¢ definem-se limites para # ago politica, Embora contrariando a tendéncia de grande parte da teoria constitu- cional contempordnea — que, no dizer de CANOTILHO, onera o barco constitucional como excesso de carga politica, econdmica e social —, a con- cepeiio da constituicdo como instrumento de governo tem a vantagem de facilitar a sua conversdo em ordem fundamental do Estado ¢ habilité-la a absorver a cléssica tensio entre “Constituigao” ¢ ‘‘realidade constitucional” (op. cit, p. 87). Trata-se de vantagem que, no entanto, no deve ser superavaliada. porque uma Constituigio excessivamente “processual”” ou “formal”, além de no corresponder — como deve — as necessidades da praxis politica, a0 limite acaba se convertendo na ordem de dominio dos agentes de uma determinada ideologia, eis que por tras de todo positivismo juridico e de toda neutralidade estatal, escondem-se, protegidos, aqueles que positivaram a Lei Fundamental segundo seus valores, aspiragdcs, inleresses ow idéias. Por isso — arremata CANOTILHO — o problema maior nao reside em contrapor uma Constituiggo como “instrumento de governo” 2 uma Cons- tituigfo com “ordem material fundamental de uma comunidade”, mas em 1“ TR taf. teal. asilia 0. 29m. 116 out./dex. 1992 precisar 9 modo como “uma Constituigdo pode ¢ deve ser uma ordem ma- terial” (op. cit., p. 89). 3.3. A Canstituigao como “processo ptiblico” (P. HABERLE) Nessa perspectiva — para utilizarmos a linguagem expressiva de HABERLE, reproduzida na sintese de Canolilho —, longe de’ ser um simples “estampido” ou “detonagao” origindria que comeca na “hora 2010”, a Constituigio escrita €, como “ordem-quadro da Reptiblica, uma lei neces- sétia mas fragmentéria, “indetcrminada” ¢ “‘carecida de interpretagio": disso decorre, por outro lado, que a verdadeira Constituigao seria sempre o resultado — ¢ resultado temporério —- de um processo de interpretagdo conduzido & “luz da publicidade”. Mais ainda, a Constituigio é, ela mesma, um proceso, donde HABERLE insistiu nessa expressdo e em outras do mesmo sentido, tais como “compreensao pluralistica normativo-processual”, “alternativas”, “pluralizago da legislacao constitucional”, “pluralidade de intérpretes”. “forga normativa da publicidade” e outras do mesmo teor. Noutras palavras — ainda nas expressdes de HABERLE, reproduzidas por CANOTILHO —, a lei constitucional e @ interpretagao constitucional republicana aconteceriam numa sociedade pluralista € aberta, como obra de todos os participanies, neles se encontrando momentos de didlogo e momentos de conflito, de continuidade e de descontinuidade, de tese ¢ de anti-tese. S6 assim uma Constitui¢do, cntcndida como ordem juridica fundamen- tal do Estado e da sociedade, ser também uma Constituic¢ao aberta de uma sociedade aberta. Essa compreensio, bem se vé, chega a ser fascinante, sobretudo para aqueles que, a pretexto de combaterem o positivismo ¢ a dogmitica ju- ridica, como que “processualizam” a visio do Direito e do Estado, sem sc darem conta de que assim agindo dissolvem a normatividade constitucional numa dinimica absoluta, retirando da Lei Fundamental uma de suas mais importantes dimens6es ou finalidades, que 6, precisamente, a dimensio ordenadora ¢ conformadora da vida em sociedade. Por isso, 0 proprio CANOTILHO, admirador das posigdes de HABERLE, ao fazer o balango critico dessa compreensio da Constituigao, poe a ressalta de que, caracterizada como processo, a Lei Fundamental apresenta um déficit normativo acentuado, pois a pretexto da “‘abertura” c do “existencialismo atualizador do pluralismo”, dissolve a normatividade constitucional na politica ¢ na interpretagéo, chegando quase & conclusio de que a legiferacio (Poder Constituinte) e a interpretagiio constitucional sfio uma s6 e mesma coisa (op. cit., p. 476). R. Inf. legis!. Brasilie 29 116 out./dex. 1992 15 jo como ordem fundamental ¢ programa de agio que identifica umu ordem politico-social e 0 seu processo de realizagdo (BAULIN) Nesta perspectiva, a Constituigéo ndo é um simples instrumento de protegio das relagdes existentes, mas a norma fundamental em que se projeta ¢ realiza uma sociedade em devir, que indica as mudangas e con- formagio do sistema politico, das relagdes sociais e da ordem juridica Concretamente, sobre ser a Lei Fundamental do Estado (perspectiva juridica), € também norma fundamental conformadora da vida social {perspectiva s6cio-politica), em cujo ambito se formulam os fins sociais globais mais significativos, se fixam limites as tarefas da comunidade ¢ se ordena o processo politico. Em face desse amplo espectro, a Constituicao, para atingir seu desi- derato, deve ser, a um s6 tempo, ordem jundamental e programa de agio, do que resulta construida, naturalmente, com ¢ pela Constituigo, a unidade s6cio-politica econémica da sociedade. Diversamente do que sustentam HABERLE e seus seguidores, sob esse enfoque a Constituigio continua a ser concebida como constituigo aberta, carente de concretizagfio, mas essa concretizagao, nascida na e com a prdxis constitucional, deve conter-se nos limites da prépria Constituigio, endo descambar para um pluralismo radical, A moda de direito livre, cm Cujo ambito tornase dificil, senio impossivel, perceber onde termina a realidade constitucional ¢ comecam as préticas inconstitucionais. 3.5. A Constituigio como programa de “integragto” ¢ de “represen- tag@o” nacional (H. KRUGER) Vista como programa de “‘integraglo” ¢ de “representagao” nacional, a Constituigiio € entendida, aqui, apenas como Constituigio do Estado, do que decorre a opsio pela tese de que uma constitui¢ao s6 deve conter aquilo que disser respeito 2 comunidade, A nacho, & totalidade politica; tudo o mais, que a moderna constitucionalfstica denomina “Constituigo econémica”, “Constituigo do trabalho”, “Constituigao social” erc., & relega- do & condigio de “Constituigées subconstitucionais” ou “Subconstituigées”. A opgiio, bem se vé, advém da compreensio de que a Constituigao, para ter estabilidade e duracdo, nao pode constilucionalizar matérias sujeitas a oscilagdes quotidianas, sob pena de se constitucionalizarem interesses que, por mais relevantes que sejam, dizem respeito a grupos patticularizados € nao A nago como um todo Criticando essa compreenséo da Lei Fundamental, GOMES CANO- TILHO diz que cla padece dos defeitos do integracionalismo mais extremo 16 R. Int. legis! Brosilia @. 29m. 116 out./dex. 1992 © nfo contempla os problemas que hoje se colocam a uma Constituigzo de um Estado Democratico, no plano politico e econdmico-social (op. cit., p. 112). 3.6. A Constituigéo como legitimagio do poder soberano, segundo @ idéia de Direito (G. BURDEAU) Das mais conhecidas admiradas, a tcoria constitucional de BURDEAU, tornou-se material de consumo intelectual obrigatério, seja porque limpi- damente exposta, soja porque sintetizada em forma de compreensio quase imediata: “a Constituigao 6 0 estatuto do poder”. De outro lado, como observam aqueles que a enaltecem, essa teoria tem a vantagem de coligar a concepgéo de Constituigao com a idéia do Estado de Direito, do qual se apresenta como pressuposto, seja em relagio aos governantes, porque os priva da condigao originaria de donos do poder — reduzindo-os ao papel de seus agentes —, seja com referéncia ao proprio poder, que, pela Constituigao, tem juridicizado o seu exercicio. ‘A Constituicéo, pela forma como atua sobre o poder — afirma BURDEAU —, deve ser considerada verdadeiramente criadora do Estado de Direito pois, se antes dela, 0 poder é um mero fato, resultado das circunstincias, produto de um equilibrio fragit entre as diversas forgas politicas, com a Constituigao ele muda de natureza, para se converter em Poder de Direito, desencarnado e despersonalizado (Traité de Science Poli- tique. Paris, LGD], 1984, Tomo 1V, pp. 44/45). 3.7. A Conslitui¢do como ordem juridica fundamental, material aberta de uma comunidade (K. HESSE) Trata-se, aqui, de uma das mais respeitadas teorias da Constitui¢go do nosso tempo, embora, a rigor, carega de otiginalidade. Com efeito, como deixam entrever os diversos Escritos de Hesse, consciente de que inexiste uma opiniao dominante sobre 0 conceito € qualidade da Constituigo (estrutura e fungio; natureza e fungao; sentido ¢ fungdo da lei fundamental), se pretendemos levar a cabo algum trabalho proficuo, ainda que nio original, poderemos fazé-lo operando as diversas teorias ¢ extraindo delas a iluminagio de determinado aspecto ou dimenséo do compreender constitucional, rumo a um conceito sintetizador, tal como, afinal, foi conseguido por KONRAD HESSE. Para isso, partiv ele, como ja vimos, do reconhecimento de que, a par da inexisténcia daquela opiniéo dominante, 0 que antes se via era utilizagao acritica de conceitos hauridos de teorias de outras épocas, mani- festamente incapazes de dar consciéncia, terica ¢ pritica, para uma dou- inf. legisl. Brasil a. 29 on. 116 out./dez. 1992 7 trina da Constituiga0 temporalmente adequada, isto é, para uma doutrina da Constituigéio como esta ¢ vivenciada neste final de séoulo XX. Dessa tomada de posigdo resultou a sua aniilise da Constituigéo levando em conta os aspectos ou dimensées ressaltados pelas doutrinas constitucio- hais precedentes, algumas das quais resumidamente expusemos linhas acima. Daf que, a rigor, mais que uma teorizacdo sobre a Lei Fundamental, HESSE tenha levado a efeito uma descrigao dos diferentes angulos sob os quais ¢ a partir dos quais se possa chegar A formulacdo de um conceito de Constituiggo, se ndo pacifico, pelo menos nfo rejeitado de ptano pelos seus eventuais opositores. Assim, para HESSE, a Constituigdo vem a ser caracterizada ou enten- dida como a “ordem juridica fundamental de uma comunidade” ou o “plano estrutural para a conformacao juridica de uma comunidade, segundo certos princfpios fundamentais”, tarefa cuja realizacdo s6 se torna possivel porque ela: a) fixa os prineipios diretores segundo os quais se deve formar a unidade politica e desenvolver as tarefas estatais: 6) define os procedimentos para a solugo dos conilitos no interior da comunidade; c) disciplina a orga- nizago € 0 processo de formacdo da unidade politica e da atuagdo estatel,; d) ctia as bases ¢ determina os princ(pios da ordem juridica global (“Con- cepto y Cualidad de la Constitucién”, in Escritos de Derecho Constitucional. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p. 16). Além das doutrinas aqui apresentadas — em mimero de sete —, muitas outras poderiam ser expostas, como a de LUHMANN, para quem a Constituigo € 0 “elemento regulative” do sistema politico; a de MO- DUGNO, que encara a Constittigao como norma fundamental, forma de governo e principio de normagao juridica; a de CARL SCHMITT, que dissolve em quatro um conceito integral de Constituigio — absoluto, relativo, positivo e ideal —~ porque entende nao ser possivel visualizer a Lei Fundamental apenas sob determinado ponto de vista; a de LASSALLE, para quem a verdadeira Constituigao de um pais é a soma dos fatores reais de poder que regem a vida desse pais; ou, finalmente, a teoria constitu- cional_marxista-leninista, que cncara a Constituigo como a lei funda- mental do Estado socialista, que organiza a vida social e estatal segundo os princfpios do chamado socialismo real (DENISOV & KRIRICHENKO). Mesmo amptiando a lista das teorias constitucionais, ainda assim nao ograrfamos alcangar a formulagao de um conceito genérico © abstrato, que abrangesse, se no a totalidade, ao menos a maioria das cartas politicas de que se tem conhecimento, pela simples razio de que esse hipotético conceito, para ter abrangéncia 10 ampla, acabaria necessariamente esva- ziado de qualquer contetido e, assim, inviabilizado para fundamentar uma compreensio da Constituicio conducente & solucdo dos problemas concre- tamente postos pela experiéncia constitucional.. 18 R. Inf, legisl, Brosifia @, 29 nm, 116 out./dex. 1992 Diversamente, se 0 pretendido conceito, para ser denso, ficasse dema- siadamente preso a uma s6 e mesma experiéncia constitucional, deixaria de valer como conceito, eis que se identificaria com um énico objeto, dei- xando de ser, enquanto conceito, a representagdo dos tragos essenciais abstraidos de uma pluralidade de reprodugées ou de representagées de varios objetos. Por isso € que a moderna doutrina constitucional, neste ponto, insiste em afirmar que a Teoria da Constituigo, para ser util & metodclogia geral do direito constitucional, deve revelar-se com uma teoria da constituigao constitucionalmente adequada, © que s6 se consegue explorando, correta- jente, um novo circulo hermenéutico, consistente na interagZo e na depen- déncia mitua entre a Teoria da Constituigéo e a experiéncia constitucional, a primeira favorecendo a descoberta ou investigagio das solugGes jurfdico- constitucionais, e a segunda fornecendo o material empirico indispensvel para o desenvolvimento da teoria constitucional . 4, Concluséio A esta altura, A guisa de conclusio ¢ de teste sobre a consisténcia desta exposicao doutrindéria — que se fez deliberadamente ampla para abranger os varios pontos de vista sob os quais a tematica da palestra pode e deve ser abordada —, vamos analisar, criticamente, o que nos diz sobre 0 conceito, 0 objeto e os elementos da Constituigao um dos nossos mais respeitados constitucionalistas, 0 Professor JOSE AFONSO DA SILVA, para saber, afinal, se as suas idéias, no particular, sio constitucio- nalmente adequadas, isto é, se nos permitem compreender a Constituigao do Brasil na Idgica de sitwagao em que ela est4 inserida, enquanto lei funda- mental da Sociedade e do Estado no atual momento de nossa evolugao politica. Pois bem, para o mestre paulista, “a Constituigéo do Estado, consi- derada sua lei fundamental, seria a organizagdo dos seus elementos essen- ciais: um sistema de normas jurfdicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, 0 modo de aquisigio e 0 exerefcio do poder, 0 estabelecimento de seus Srgéos ¢ os limites de sua ago. Em sintese, a Constiluicao é 0 conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado” (Curso de Direito Constitucional Posi- tivo, Sao Paulo, RT, 5." ed. 1989, pp. 37/38). Exposto esse conceito de constituigao, sobre o qual falaremos adiante, JOSE AFONSO DA SILVA aponta como objeto das constituigdes parte do que j4 se contém no conceito ¢ algo mais, como se vé a seguir: “‘as cons- tituigdes tém por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organizacao R. Inf. legisl. Brasilia a. 29 om. 116 out./dez, 1992 9 de seus drgios, 0 modo de aquisigfo do poder ¢ a forma de seu exercicio, limites de sua atuago, assegurar os direitos ¢ garantias dos individuos, fixar o regime politico ¢ disciplinar os fins sécio-econémicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econdmicos, sociais e culturais” (op. cit, p. 42). Quanto aos elementos das Constituigdes, apés registrar que a doutrina diverge sobre o seu ntmero e caracterizacéo, afirma que a generalidade das leis fundamentais revela, em sua estrutura normativa, cinco categorias de elementos, assim definidos: a) elementos orgénicos, que se contém nas normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder; b) elementos limi- tativos, assim denominados porque limitam a ago dos poderes estatais ¢ dio a t6nica do Estado de Direito, consubstanciando o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direitos individuais ¢ suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos politicos e democraticos; c) elementos sécio-ideo- I6gicos, consubstanciados nas notmas sécio-ideolégicas, normas que reve- Jam o caréter de compromisso das constituig6es modernas entre o Estado individualista e 0 Estado Social, intervencionista; d) elementos de esta bilizagao constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a so- lugiio de conflitos constitucionais, a defesa da constituigio, do Estado e das instituigdes democriticas, premunindo os meios ¢ técnicas contra sua alte- ragéo e infringéncia, a nao ser nos termos nela propria cstatuidos; ¢ f) elementos formais de aplicabilidade, consubstanciados nas normas que estatuem regras de aplicacio das constituigées, assim, 0 preambulo, 0 dispo- sitivo que contém as cléusulas de promulgaciio e as disposiges transitérias (op. cit., pp. 43/44). Cotejando essas observagdes com as diferentes doutrinas expostas 20 longo desta explanacio, facil € verificar que 0 jurista pétrio nfo pretendeu oferecer conceito préprio, nem indicar objeto e elementos das constituigdes segundo pontos de vista pessoais, antes se limitando a deserever o contetido das constituigdes contemporaneas e a indicar, em nossa atual Carta Politica, quais dispositivos exemplificavam as diversas formulagées teGricas, tudo de conformidade com a preconizada utilizagio fecunda do novo cfrewlo hermenéutico, a que nos referimos finhas acima. Assim fazendo, 0 mestre JOSE AFONSO DA SILVA nio apenas se manteve nos limites de uma teoria da constituigdo constitucionalmente adequada, como prestou significativa colaborago para colocar em evidéncia que a nossa experiéncia constitucional esté em sintonia com a das demais sociedades politicas do nosso tempo, profundamente marcadas pela preo- cupagdo em consolidar a idéia de que toda constituigao, para responder as exigéncias da sua época, hd de ser compreendida nao apenas como a lei fundamental do Estado, mas também como o principal instrumento de construgio da Comunidade do porvir. 20 R. Inf, legisl. Brosilio o. 29, 116 out. . 1992,

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