Professional Documents
Culture Documents
CONFERÊNCIA E FORMAÇÃO
“
A 22 de Março de 2016, foi tral de promover a divulgação juntou, por sua vez, mais de
aprovado pela Lei n.º 116/ deste instrumento, o debate 50 participantes e terminou
VIII, o Código de Recupera- e a troca de experiência e co- com um brainstorming sobre
ção e Insolvência, que veio do- nhecimentos, o Ministério da o Estatuto do Administrador,
tar Cabo Verde de um diploma “Compreender, debater e divulgar os Justiça, através da Direcção uma peça importante do Có-
moderno, extenso e minucio- meandros do Código de Recuperação Geral da Política de Justiça, digo, que falta ainda regula-
so, na linha das práticas de promoveu uma conferên- mentar.
outras economias mais sedi- e Insolvência, será uma missão que cia sobre o tema que juntou A Conferência e Formação,
mentadas. Trata-se de um do- conhecerá o seu início neste fórum, no dia 22 de Fevereiro, no financiadas pelo Banco
cumento que consagra princí- Sal, mais de uma centena de Mundial, contaram com
pios, regras e procedimentos
mas que depois terá os seus reflexos na participantes, entre os quais a presença de vários
alinhados com a promoção do aplicação e no aproveitamento da lei, operadores económicos, altos especialistas nacionais e
sector privado que o governo com resultados que serão tangíveis para quadros da Administração estrangeiros, designadamente
tem em curso e, destacada- Pública, magistrados e juris- de Portugal e do Brasil. Entre
mente, com a criação de um os operadores e para o País”, Ministra tas. A conferência, cuja sessão as personalidades, convidadas
bom ambiente de negócios. da Justiça, Janine Lélis da abertura foi presidida pela pelo Director-Geral de Política
Apesar da sua reconhecida Ministra da Justiça, Janine da Justiça, Benvindo Oliveira,
importância e dois anos volvi- Lélis, contou com sete orado- estiveram nomeadamente o
dos, persiste um grande des- res que se debruçaram sobre juiz brasileiro, Daniel Costa;
conhecimento sobre o diplo- diferentes aspectos ligados à os advogados portugueses
ma, sendo notória a sua pouca Recuperação e Insolvência. Francisco Patrício, Mário João
ou nenhuma aplicabilidade O evento foi seguido, nos Fernandes e Teresa Pitorra,
prática. Falta ainda alguma dois dias seguintes (23 e 24) bem como a juíza lusa Elizabete
regulamentação importan- por uma sessão formativa Assunção e os conferencistas
te a essa prática, algo que no e de debate, orientada para e formadores nacionais
entanto, deverá acontecer em magistrados e advogados, António Pedro Gonçalves,
Foto Ministério da Justíça
breve, após recolha de subsí- onde se aprofundaram, de Samuel Cosmo, Ary Santos,
dios, mas que não invalida a forma intensiva e especializa- Vladimir Fonseca, Januária
sua implementação imediata. da, os temas da conferência. Costa, Sumila Santos, Suleina
Assim, com o objectivo cen- Este retiro de trabalho no Sal Delgado e Nandixany Andrade.
2\\ Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
“ “
do desenvolvimento do país. referiu também o Presidente Cabo Verde entre os primeiros
E é neste contexto, pois, que da Câmara do Sal, no seu dis- 50 lugares do ranking.
surge o tema da Recuperação curso de Boas Vindas aos par- Para isso, há o compro-
“O que se tem em vista e Insolvência (RI), e respecti- “Há três agentes ticipantes, Cabo Verde está a misso de trabalhar na ínte-
pela via destes dois vo código regente, com vista importantes: as famílias, “fazer a recentragem e a dar gra todas as exigências deste
institutos, Recuperação a fomentar o bom funciona- as empresas e o Estado. ao sector privado o papel que ranking anual no qual Cabo
e Insolvência, é a mento da economia e suporte E os recursos vão merece e para o qual ele tem Verde ficou, em 2018, na 127ª
protecção da actividade às essas suas células essen- girando, sendo que maior vocação, que é de inves- posição. Olhando o indicador
económica, como objecto ciais: as empresas. toda a ineficiência de timento, gerar emprego e criar “Resolução de Insolvência”,
de direito cuja existência Assim, “empoderando a um agente é paga pelos riqueza”. Cabo Verde cai para os últi-
e desenvolvimento empresas viáveis, está-se a di- outros (…) manter uma Júlio Lopes sublinhou ain- mos lugares, dos 190 países
interessam não somente namizar a economia do país, e empresa viva, quando da a necessidade de se assu- avaliados. Está em 168º lugar,
ao empresário, ou aos promovendo a insolvência da- esta não está em mir o ciclo natural e orgâni- juntamente com todos os paí-
sócios da sociedade, quelas que não são viáveis es- condições de se manter co de vida das empresas, que ses que pontuam zero pontos
mas a um conjunto tá-se a proteger os credores e a no mercado, alguém terá também “morrem”, evitando a este nível.
maior de sujeitos, garantir a confiança, para que de pagar e quem paga gastar recursos em empresas A verdade é que, como fri-
e essencialmente o o ciclo económico” se renove, são os contribuintes..) que já não são viáveis. “Como sou Suleina Delgado, jurista,
Estado”. resumiu a Ministra da tutela, à Júlio Lopes, presidente na vida, há sempre regenera- assessora da Ministra da Justi-
Ministra da Justiça, margem da conferência. da Câmara Municipal do ção. Há de aparecer uma outra ça e Trabalho e ponto focal do
Janine Lélis Embora o debate seja em Sal empresa ou essa mesma em- Doing Business, “não há prá-
torno de um diploma legal, o presa poderá aparecer em ou- tica” e em nenhum dos itens
tema não é só jurídico. Permi- tros moldes para poder cum- contemplados (custo, tempo,
Há, na realidade, como no- te “garantir que haja uma con- sistema lhes garante” condi- prir o seu papel”, concluiu. procedimento, resultados) há
tou Janine Lélis, através da fiança e uma credibilidade no ções e respostas, frisou. pontuação, porque “não há co-
interacção com a sociedade mercado, garantir que os ope- O Código de Recuperação Indicador a zero nhecimento”. Isto porque, não
em geral, um efeito colateral radores económicos se sintam e Insolvência (CRI) é pois, obstante a falência estar já con-
ao objectivo de lucro do sector motivados ao investimento e a consensualmente, um ins- A meta do governo da IX templada no Código do Proces-
privado que é esse de contri- fazer os seus negócios, cientes trumento legal importante, legislatura no Doing Business so Civil, desconhecem-se casos
buir para as várias vertentes e conscientes de que todo o num momento em que, como é clara, como referido: colocar de processos a este nível.
Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
//3
CONFERÊNCIA E FORMAÇÃO SOBRE O CÓDIGO DE RECUPERAÇÃO E INSOLVÊNCIA
“
Creio que o mais importante [neste regime] é
a possibilidade de salvaguardar a posição dos
Ultrapassar o Estigma
credores de uma forma unânime, e não ser in- A Insolvência é ainda um estigma a ultrapassar junto ao tecido empresarial. É uma prática que
dividualmente cada credor a propor a recupera- não faz parte do mercado nacional e que é vista como um fracasso que envergonha.
ção do seu crédito individual.” “É preciso assumir que falhar é natural”, exortou o advogado Francisco Patrício. O formador
António Pedro Gonçalves, Advogado da português apresentou alguns exemplos, dentro deste quadro, que podem servir para lidar com
Miranda em Cabo Verde este problema com maior naturalidade. Entre eles estão a aposta na celeridade, os processos de
recuperação, os acordos extrajudiciais e acordos de recuperação e as informações estatísticas.
Entretanto, acredita por sua vez o advogado António Gonçalves, a simples mudança de nomencla-
tura poderá ter um impacto positivo na desdramatização deste tabu.
À oportunidade desta conferência vem acrescer o facto de ter- O facto de se ter substituído neste instituto o nome de falência por insolvência trará no seu
mos também colegas de outras legislações, de outros países entender uma percepção diferente do fenómeno.“Ninguém quer ser chamado de falido, mas pro-
que trazem mais-valia por nos reportarem um pouco da sua vavelmente se falar em estatuto de insolvente, haverá menos receio em admitir essa situação pa-
realidade. Neste momento em que nos encontramos só temos trimonial”, observa.
aagradecertodooconhecimentoeesteintercâmbiodeimpres- Assim, é de crer“que agora os operadores económicos olharão para este instituto com uma ou-
sões. Iniciativas deste género são de salutar. Ser aqui no Sal é tra visão, de que alguém que está numa situação de insolvência, mas não num sentido pejorativo”.
também mais uma razão para nos congratularmos.
João Medina, Advogado
Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
//5
CONFERÊNCIA E FORMAÇÃO SOBRE O CÓDIGO DE RECUPERAÇÃO E INSOLVÊNCIA
A fiscalidade na RI
No CRI não estão especifi- recimento àqueles que estão realizar essa garantia”, apon- nomeadamente na aprova- modo a terem o voto favorável
camente previstos benefícios no processo porque vão ter tou. ção do plano de recuperação, do credor Fisco. As normas,
ficais. Mas ao remeter para o menos ónus, menos custos, No âmbito da RI os benefí- apontando dificuldades por adianta ainda, são rígidas, não
Código de Benefícios Fiscais, vão ter uma poupança relati- cios fiscais são automáticos o vezes trazidas ao mesmo, no contemplando moratórias, ca-
abrem-se em graus diferen- vamente ao montante de juros que, por seu turno, “é de lou- seu país. rências, ou perdão de juros, e
ciados benesses a esse nível, a fazer entrega ao Estado”. var, tendo em conta a celeri- Como salienta, a “questão “tem de ser observadas. Há o
nas empresas em dificuldades Samuel Cosmo lançou, en- dade, que preside este institu- dos impostos também é im- princípio da indisponibilidade
(mas também nas pessoas sin- tretanto, alguns alertas ao to”, salientou. portante para a economia e do crédito fiscal”.
gular em processo RI). legislador em termos de lacu- Como também referiu Sa- portanto tenta-se casar, às No Brasil, pelo contrário, o
Em causa estão três impos- nas a colmatar, questões de muel Cosmo, o Fisco, sendo vezes, realidades que não são Fisco não pode vetar um pla-
“
tos em vigor em Cabo Verde: no de Recuperação, porque,
os impostos sobre o rendi- como explica o juiz Daniel
mento, quer de pessoas sin- Costa, “está fora do processo,
gulares, ou pessoas colectivas, “O Fisco deverá ter uma accão proactiva no sentido de viabilizar a Recuperação da- ou seja, o débito fiscal não vai
empresas; o imposto de selo e queles que estão numa situação difícil, aqueles que podem ser ainda solventes no ser objecto de negociação ou
ainda o imposto sobre o patri- futuro. Não deve impor ónus que leve essa pessoa à sua falência, mas se esse agente plano.”
mónio. não tem capacidade de recuperar, o fisco deve ser naturalmente, como os demais Assim, em tese, o Fisco
A nível empresarial, a ideia, credores, ser diligente no sentido de recuperar os montantes que são devidos ao pode “cobrar integralmente e
como explicou Samuel Cosmo, Estado”. à vista, as dívidas”. Contudo,
Juiz do Tribunal Fiscal e como refere o especialista bra-
Aduaneiro de Sotavento, Samuel Cosmo, Juiz do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento sileiro, a prática mostra que,
tem em vista “criar melhores na sua tentativa de ser o mais
condições para salvaguardar beneficiado, o Fisco acaba por
o agente económico tendo em constitucionalidade (como o a Entidade que representa o conciliáveis, porque uma re- ser o credor mais prejudicado.
conta a importância que esse princípio da igualdade) a ter estado na arrecadação dos im- cuperação envolve sacrifícios Não está no está na Recupe-
instituto tem”. em conta e actualizações a ser postos, está sempre envolvido também dos credores. Se a ração e não consegue receber
São benefícios que, na óp- feitas, nomeadamente a ne- nos processos de RI. É um dos Fazenda Nacional tem um com base no cumprimento do
tica deste conferencista e cessidade de ter em conta, no credores envolvidos nos pro- crédito grande sobre a empre- plano”.
formador, “são conferidos es- código de Benefícios Fiscais, cessos, sendo tratado como sa em recuperação, o devedor Além disso, os próprios juí-
sencialmente no processo de que há incentivos contempla- tal, e cabe-lhe reclamar os cré- tem que moldar o seu plano de zes acabam por não autorizar
Recuperação” e aplicam-se dos no âmbito de situações ditos do Estado. modo a cumprir com as exi- “o seguimento das execuções
quer em planos judiciais como que já não são tributadas gências da Fazenda no sentido fiscais, na medida em que a
extra-judiciais. Excluir as hipotecas dos be- Fisco e RI em outras de garantir que o pagamento expropriação daquele activo
Significa que o Estado “vai nefícios fiscais poderá colocar latitudes daqueles impostos que estão resultará no encerramento da
beneficiar aqueles que estão em causa viabilidade das ope- em dívida – e que não deviam actividade”, algo que se tenta
num processo de RI, de efec- rações deste regime, “designa- Teresa Pitorra, advogada estar – é feito nos moldes evitar.
tuar pagamentos aos quais damente os credores poderão senior da VDA advogados, de que são autorizados”. Assim, “O Fisco não recebe nem
estavam adstritos, ou seja, não concordar em entrar nes- Portugal, refere também o pa- em Portugal, os planos de- pelo plano, nem fora do plano.
pressupõe sempre um favo- se processo se o devedor não pel do Fisco no processo RI, vem cumprir as exigências de Não recebe nada”.
“
Liquidação
Na liquidação “há que Para mim [esta conferên-
chamar a atenção que cia e formação] é impor-
Nos processos RI o fim da vender os estabelecimentos e que esta seja “a mais conve-
o administrador, a co- tante na medida em que
linha, ou fase final, é a liqui- em último caso tentar vender niente para obter o maior va-
missão de credores, e o é uma área com a qual eu
dação. Trata-se porém de cada um dos bens”. lor para a massa insolvente”,
próprio juiz têm de con- não laboro actualmente,
uma fase crucial, na medida Em Portugal o sistema usa- explica a Juíza Elisabete As-
trolar essa liquidação de mas pela conjuntura do
em que é ela que vai permitir do para tal é preferencialmen- sunção.
modo a ser o meio mais país, possivelmente mais
obter os activos para fazer os te o leilão electrónico, embo- Quando houver alguma
satisfatório para obter tarde poderei precisar de
pagamentos. ra existam outros sistemas, questão suscitada em relação
dinheiro para a massa conhecer bem este tipo
O objectivo é, no que toca enquanto em Cabo Verde “o a algum requisito, nomeada-
insolvente”. de mecanismos.
às vendas, “optimizá-las ao legislador da mais latitude ao mente discordância da Co-
máximo”, dando primazia à administrador”. Assim, cabe missão de Credores quanto à Elisabete Assunção,
Ariana Ribeiro,
venda dos bens por inteiro. ao administrador recorrer a modalidade, cabe ao juiz de- Juíza do Juízo de
Advogada
“Caso não seja possível, tentar qualquer modalidade desde cidir. Comércio de Lisboa
6\\ Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
maior”, aponta, salientando a para o sucesso. “Um juiz espe- Ao mesmo tempo a criação
“
Falou-se nessa especialização [criação de um Tribunal do Comércio], mas também
em evitar excessos porque, como é que vamos criar já uma estrutura , que exija re-
cursos humanos, financeiros se ainda não há casos? Está-se aqui a discutir se não é
melhor ter casos, ganhar experiência e se se vir que há necessidade, então sim. Mas
é uma decisão superior”.
Suleina Delgado, Jurista, assessora da Ministra da Justiça e Trabalho e ponto
focal do Doing Business
Conclusão #009
O papel dos juízes no pro- cia e acompanhar as várias
cesso RI foi tema de um dos fases do processo de insolvên-
painéis da Formação. Nes- cia” impedindo que este ultra-
se âmbito, para o consultor passe os prazos que são ad- “Cabe ao próprio devedor apresentar-se à insolvência ou então, um seu credor vir arguir a sua
-formador Daniel Costa, se missíveis por lei e decorra com insolvência. O juiz averigua a situação em concreto, podendo decretar a insolvência do devedor.
há algo que o juiz deve a ter a máxima celeridade possível. Ao juiz compete acompanhar todo o processo, garantido que não sejam cometidas ilegalidades ao
sempre em conta é a função Sendo certo que é, na reali- longo do mesmo”. (José Lopes Graça)
social da empresa. “É esse dade, o administrador o princi-
“
o interesse a ser tutelado”, pal interveniente, o juiz acom-
defende, considerando que panha as fases e resolve “todas
“não se trata de um processo
para defender o interesse do
as questões que se vão colocan-
do ao longo das mesmas”.
O lado social da insolvência
devedor na Recuperação em Na Recuperação, o juiz tem
Uma empresa é mais do que uma célula económica. É tam-
detrimento dos credores ou, um papel menos destacado, Tanto a liquidação
bém um elemento com uma função social relevante, vertente
na falência, dos credores em sendo apenas “chamado a re- como a recuperação
aliás salientada por todos os participantes do evento.
detrimento do devedor. Não. solver determinado tipo de buscam a mesma coi-
E assim sendo, é importante também ver o interesse social
Todos têm de dar a sua parce- questões numa fase inicial, sa, por caminho dife-
afecto à Insolvência. Como referiu o juiz brasileiro Daniel Costa,
la de contribuição para que o numa fase intermédia e numa rentes. A gente tem
um imóvel fechado, de uma empresa em falência deixa de ser
resultado óptimo, do ponto de fase final”, explica. uma ideia preconce-
uma fonte de benefícios para ser uma fonte de problemas de
vista social, seja obtido”. bida de que recupe-
toda a ordem, desde sociais, à segurança e saúde pública.
Assim, “o juiz deve fazer Especialização “Os interesses a ser são tutelados nestes processos que li- ração é para defender
uma divisão equilibrada do o devedor e de que a
dam com crise empresarial são interesses maiores: é o interesse
ónus entre os interesses par- A experiência em outras falência é para defen-
social, na preservação dos benefícios económicos e sociais que
ticulares”, nomeadamente de paragens mostra bem que não der o credor. Não. Nem
decorrem da actividade”, sublinho o especialista.
credores e devedores, fazendo basta uma boa lei, é preciso credor, nem devedor.
Na recuperação a ideia é que“se a empresa tem condições de
com que essa divisão se apre- que se criem condições para a O que se busca é de-
continuar funcionando, então vamos ajudá-la a continuar fun-
sente como o melhor resulta- aplicação da mesma, nomea- fender esse interesse
cionando porque ela gera empregos, gera produtos, serviços,
do possível do ponto de vista damente a nível de especiali- maior que está acima
tributos, etc”. Agora, se a mesma mostra que não é viável, “va-
social e económico. zação. do interesse de credor
mos realizar esses mesmos valores de outra forma”. “Como não
Tendo esse conceito em No Brasil, por exemplo, as e devedor. O interesse
há possibilidade de ajudar a manter o funcionamento porque ela
consideração, entre as fun- estatísticas mostram nas va- social.”
não tem condições, vamos retirá-la então do mercado e vamos
ções que cabem ao juiz nestes ras não especializadas e espe-
fazer uma realocação de activos, de actividade improdutivas Daniel Costa, Juiz da
processos, o juiz Daniel Costa cializadas uma taxa de sucesso
para actividades produtivas”, explica. 1ª Vara de Falências,
destaca a nomeação do admi- extremamente díspar: na Re-
Na verdade, “o conceito de função social da empresa muda Recuperações
nistrador judicial, que é “fun- cuperação, enquanto a Vara
a forma de pensar a Empresa. Ela é preservada em razão da Judiciais e Conflitos
damental para o sucesso do de Daniel Costa (a 1ª Vara de
sua função social. Seja nas mãos do empresário, seja em mãos de São Paulo
processo tanto de liquidação Falências, Recuperações Judi-
de outra pessoa pela substituição da actividade”, resume.
quanto de recuperação.” ciais e Conflitos de São Paulo)
A juíza Elisabete Assunção, apresenta uma taxa de 70% de
do Juízo de Comércio de Lis- sucesso, as não especializadas
boa, destaca, por seu lado, e
de acordo com a experiência
têm 10%.
“Na Falência - que chegam
Conclusão #013
portuguesa, o papel interven- à realização de activos de pa- Num processo de recuperação ou insolvência quem imprime o impulso processual inicial é o pró-
tor dos juízes. gamento de credores - não fiz prio empresário devedor em dificuldade ou um dos seus credores. O devedor pode apresentar-se à
É a estes que cabe, “impul- essa estatística, mas garan- falência e por esse facto, poder ser-lhe perdoado de algumas dívidas. (José Lopes Graça)
sionar o processo de insolvên- to que a diferença seria até
Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
//7
CONFERÊNCIA E FORMAÇÃO SOBRE O CÓDIGO DE RECUPERAÇÃO E INSOLVÊNCIA
“
sentar o requerimento, menor a de está também muito ligado com o tribunal”, clarifica a ad-
probabilidade de recuperação. com o princípio da dejudicia- vogada Teresa Pitorra.
“
“Apesar de vulgarizadas e de acontecerem com
grande frequência são sempre situações limi-
tes, em que estamos à beira de um processo de
Em Cabo Verde “vai ter de haver no fundo uma implementação séria, rápida, mas
Insolvência, ou de entrar num PER ou se ante-
que vai ter que nos primeiros tempos ser relativamente suavizada, na parte judicial. É
veem sempre medidas dolorosas e negativa”.
preciso ter em conta que o sucesso dos primeiros processos que sejam instaurados
ao abrigo desta lei, vai ditar no fundo o futuro deste instituto”. Francisco Patrício, Advogado Sénior da
Abreu Advogados
Teresa Pitorra, Advogada Sénior da VdA
“
“[Uma das boas práticas brasileiras que podem
ser aplicadas em Cabo Verde] é a perícia pré-
via. Em Portugal, já resolveram oficialmente
isso. A empresa, para pedir a Recuperação, tem
que provar que se enquadra naquele contexto,
que ela não está em situação de falência. No
Brasil ( em Cabo Verde) não temos nenhuma
determinação legal sobre isso. Acabei criando
lá uma previdência intermediária, que não tem
previsão na lei, mas que se faz a partir da inter-
pretação da lei, de princípios e que se tornou
hoje uma prática recorrente. Embora não esteja
na lei, na prática a maioria dos juízes aplica essa
perícia prévia.
Daniel Costa, Juiz da 1ª Vara de Falências,
Recuperações Judiciais e conflitos de São
Paulo e consultor do Banco Mundial
8\\ Nº 848 • 28 de Fevereiro de 2018
Administrador judicial
A figura central
do processo
“
É consensualmente a figura principal da RI, sendo
que é quem vai operacionalizar todo o processo, con- É sempre possível fazer ajustamentos,
duzindo-o da administração dos bens da massa insol-
Conclusão #011
no entanto a lei está pronta para ser
vente até o efetivo pagamento dos credores. Falamos cumprida. E com esta accão de forma-
do Administrador Judicial, nomeado pelo juiz, que ção acho que os aplicadores do direito
embora seja o interveniente principal deste processo O Administrador é configurado como uma estão habilitados e prontos para apli-
é também uma ausência no quadro RI. Isto porque espécie de maestro ou chefe de orquestra, car a lei. Mas vamos analisar, vamos
o CRI não define o Administrador Judicial, urgindo na condução de todo o processo. Ele tem estudarconvenientemente,vamoster
portanto a regulamentação do seu Estatuto, bem como a responsabilidade de não deixar os bens de fazer nomeadamente o estatuto
a do Mediador da Insolvência. Aliás, um dos grandes dissiparem, degradarem ou desaparecerem. Por do Administrador. De qualquer modo
objectivos deste retiro de trabalho foi o de, através do isso tem que ser alguém que se assume como temos todas as condições neste mo-
debate e reflexão, se promovessem subsídios para esta um gestor de bom senso, equilibrado, diligente, mento para começarmos: os advoga-
regulamentação em falha. criterioso e ordenado. Está à frente de uma série dos a meter os processos, os juízes a
Assim, ficou, por exemplo, estabelecido que esta de credores e sujeita-se à fiscalização pelo juiz e decidirem os processos e caminhar-
figura-chave será nomeada logo após se se confirmar a pela Comissão de Credores, na prática dos seus mos para cumprir aquilo que foram os
situação da insolvência, tendo então, de acordo com as atos (José Lopes da Graça) objectivos desta conferência”.
conclusões da Conferência, como função administrar a
massa insolvente de forma a que não haja desapareci- Benvindo Oliveira, Director Geral de
mento de bens e se possa diligenciar a venda dos mes- Política da Justiça
“
mos. O administrador poderá ser coadjuvado e deverá
actuar no interesse dos credores, elaborando a lista dos
créditos reconhecidos e não reconhecidos. Foram três dias de muito trabalho.
Contundo, entendeu-se que são os credores os ver-
dadeiros soberanos em qualquer processo de insolên- Conclusão #012 Muitos conteúdos. Chegar ao fim com
esse entusiasmo mostrou que valeu a
cia e é a eles a quem cabe decidir sobre os destinos a pena termos realizado esta sessão, no
dar aos bens da massa insolvente. Presume-se que hajam muitas empresas inscri- Sal, e valeu a pena termos tido os par-
Entretanto, o administrador, que actua através da tas nas Conservatórias do Registo Comercial, ticipantes que tivemos, porque de fac-
comissão de credores ou da assembleia de credores, mas que há muito terão deixado de ter qualquer to foi importantíssimo e o pessoal deu
pode renunciar ou ser destituído da sua função. atividade e provavelmente nem sequer dispõem uma contribuição muito grande para
A ter em conta ainda, de acordo com o jurista José de património, ou sequer existem mais. É en- esta matéria que é a Insolvência. (…)
Lopes da Graça, responsável pela redacção das con- tendimento dos especialistas que alguém como A nossa intenção [com este evento] é
clusões do evento que serão entregues nomeadamente o Ministério Público ou outra entidade deve di- criar um efeito multiplicador nas pes-
ao legislador, que é fundamental que na definição do ligenciar no sentido das Conservatórias serem soas, através desses mensageiros, os
Estatututo se tenha em conta o perfil idóneo e de re- limpas dessas empresas fictícias de molde a dar participantes”.
conhecido prestígio do potencial Administrador, bem lugar ao surgimento de novas outras empresas;
(José Lopes da Graça) Benvindo Oliveira, Director Geral de
como os seus conhecimentos em áreas fundamentais Política da Justiça
para a função.
Após definido o estatuto, deverá proceder-se à cria-
ção de listas de administradores judiciais, à semelhan-
ça do que existe em Portugal. [Este evento] era uma necessidade. Primeiro para percebermos que já temos, pelo menos, legislação
específica nessa matéria. Segundo também para alertarmos que é uma lei que traz mecanismos, que fala
de um tema que não pode ser tabu. Um tema natural e com mais vantagens do que aquilo que, se calhar,
à primeira vista pode parecer.
Daniel Alves Monteiro – Procurador da República
###
“
Há empresas que há muito deixaram de produzir, de estar no activo, têm uma existência meramen-
te fictícia, já não há património, não há sede, as pessoas às vezes nem sequer existem. Há apenas
o registo na conservatória.(…) Os especialistas recomendam que se proceda a uma limpeza nas
conservatórias para que outras empresas possam surgir.”
José Lopes da Graça, Jurista