Professional Documents
Culture Documents
A região escolhida para ser analisada nesse trabalho é a que compreende atualmente a
cidade-satélite de Planaltina no Distrito Federal. A fonte principal na construção da análise
são os registros de batismo da antiga capela São Sebastião, datadas entre final do século XIX
e início do XX. A problemática em estabelecer fielmente uma região e as dificuldades
encontradas dentro desse prisma analítico serão mais elaboradas a posteriori, tal como a
bibliografia básica referente a esse tipo de estudo historiográfico.
Como já bem estabelecido, região não é algo natural, é uma construção a partir de
imposição política segundo determinada narrativa de poder criada por elites, assim como as
nações. Há então um embate entre esses dois tipos de conceito, o regional e nacional, já que o
primeiro por fazer parte de uma porção mais individual e muitas vezes sobrepõe o papel do
segundo. A criação dos Estados-nação e dos nacionalismos no século XIX visava justamente
homogeneizar características de diversas regiões completamente diferentes com o intuito de
formar um país forte, sem conflitos internos.
Pierre Goubert (1972) define história local como “aquela que diga respeito a uma ou
poucas aldeias, a uma cidade pequena ou média, ou a uma área geográfica que não seja maior
do que a unidade provincial comum” delimitando assim o espaço regional ao de uma área
geograficamente inexpressiva. A historiografia regional entra em conflito com a história geral
entre os séculos XIX e XX, demonstrando a quebra dos paradigmas positivistas pela escola
francesa dos Annales. O retorno a uma visão mais regional das fontes proporciona pesquisa
mais autentica e fundamentada.
Emmanuel Le Roy Ladurie (1975) ao trabalhar com a questão da heresia cátara num
extinto povoado francês se utiliza da metodologia em história regional para analisar fontes,
principalmente eclesiásticas, atos da inquisição, a fim de remontar de forma detalhada a vida
cotidiana das pessoas nessa região. Seu trabalho lida com uma duração temporal de quase cem
anos, levando em consideração os mais diversos aspectos regionais, como político,
econômico, cultural, religioso e familiar.
Os dados originados pelo bispo responsável pela região (Fournier) ilustram aspectos
como a divisão de trabalho entre gênero: homens cuidam das plantações enquanto as mulheres
cuidam da casa; a economia, onde não havia circulação de moedas cotidianamente, ou seja, a
prática mais recorrente era a troca de materiais; a divisão hierárquica de poderes, em que o
conde de Foix representava o primeiro poder, a inquisição o segundo, o bispo de Pamiers o
terceiro e o reino da França o quarto, demonstrando como o Estado central não era um agente
causador de mudanças no cotidiano, apesar de ser reconhecido.
Ladurie com a análise local demonstra teorias e conceitos gerais econômicos, tal como
feudalismo e senhoralismo. A história regional, como já dito, possibilita a refutação ou
confirmação de teorias gerais da história. Com o apoio dos atos da inquisição o pesquisador
consegue concluir que a aldeia estava sim inserida num contexto de obrigações senhoriais
típicas do feudalismo medieval francês, em que o cidadão estava preso numa rede de
dominações hierárquicas, porém não afetava tanto assim o dia-a-dia da vida aldeã.
Esse trabalho tem como pilares teóricos os trabalhos de Pierre Goubert e Emmanuel
Ladurie pelo fato de ambos trabalharem com registros eclesiásticos, além de suas análises
regionais se embasarem nesse tipo de fonte para criar ou justificar a partir disso uma região. O
principal material utilizado nesse trabalho de história regional são os registros de batismo da
freguesia de São Sebastião e Mestre D’armas, entre os anos de 1875 e 1910, área que
atualmente é conhecida por Planaltina Velha devido ao pioneirismo em relação a periferia
atual.
Os livros são escritos manualmente, o livro 3 é uma produção dos próprios párocos
responsáveis pelo batismo. O estado de conservação desses livros é medianamente bom,
algumas páginas se encontram rasgadas, porém ainda é possível ler suas informações. Os
catálogos anexados na última página auxiliam no reconhecimento e na indicação precisa da
página em que a pessoa batizada se localiza. A organização segundo ordem alfabética,
resumindo o conteúdo dos livros fazem desse pequeno livreto uma peça primordial na
checagem de informação.
A profusão de nomes nessa época demonstra uma certa diferença entre os escolhidos
na atualidade, porém a influência da cultura cristã ocidental nessa escolha é algo continuo.
Uma parte de pessoas batizadas e de seus pais e padrinhos, indicados nos registros, não
possuem atualmente correspondência aos padrões nominais modernos, algo natural visto que
a escolha de nomes para batismo segue uma moda, determinada por fatores culturais de
época. A bíblia é o principal material fonte de inspiração na designação dessas nomenclaturas.
Como foi elencado durante todo esse trabalho, as possibilidades geradas por uma
pesquisa regional abrangem as mais diferentes áreas analíticas, além de proporcionar uma
visão mais direcionada ao caráter individual em relação ao todo. História regional como
disciplina e como método de pesquisa expandiu as perspectivas historiográficas dentro da
academia, fazendo com que pesquisas em locais periféricos e isolados fosse possível.
Conclui-se então que a delimitação de uma região a partir dos dados eclesiásticos de
batismos é possível, dado algumas ressalvas. Esse trabalho permite a apresentação desses
dados e da própria região, tornando-a assim fonte de pesquisa, algo que não ocorre com
frequência dado o caráter periférico da região em comparação com a capital federal. O estudo
regional se torna então uma forma importante de criação da narrativa local por pesquisadores
interessados pela região escolhida. Intenciona-se com esse trabalho um pequeno pontapé
inicial nas pesquisas sobre a rica história de Planaltina.
Bibliografia:
LADURIE, Emmanuel Le Roy. Montaillou: Cataros e catolicos numa aldeia francesa: 1294-
1324. Lisboa: Edições 70, 1975.
SILVA, Marcos A. da. A Republica em migalhas: história regional e local. São Paulo: Marco
Zero, 1989.